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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO


DEPARTº. HISTÓRIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
TH 518 - HISTÓRIA DA AMÉRICA III - T31 (2020.2 - 3T2345)
Profº: Max Fellipe Cezario Porphirio
Discente: Nathalia Alcantara Camargo Pereira / 201831035-4

REFLEXÕES SOBRE O FILME GREEN BOOK (2018)

RESUMO: O presente trabalho final da disciplina TH 518 - História da América III - T31
(2020.2 - 3T2345), tem por objetivo analisar o filme Green Book: O Guia (2018) à luz de
parte da bibliografia da disciplina, assim como, da experiência pessoal com a produção
audiovisual. Para a análise foram selecionados três momentos do filme, sendo estes: a entrega
do “The Negro Motorist Green Book” à personagem Tony Vallelonga; Os dialogos no carro
entre Vallelonga e Don Shirley, pensando nos estereótipos e o indivíduo negro representar “a
sua gente”; por último, o desentendimento entre Vallellonga e um policia debaixo de chuva.
Para isso, iniciarei apresentando produção, em seguida, será desenvolvido os pontos
destacados e ao fim aponto as críticas pessoais em relação ao filme, versando sobre a
periculosidade da trama.

1. Breve apresentação da obra cinematográfica

Green Book: O Guia é um filme norte-americano, do gênero comédia dramática,


disponibilizado no ano de 2018, chegando no Brasil apenas no ano de 2019, e dirigido por
Peter Farrelly. Na premiação do Óscar 2019 a produção disputou a categoria de melhor filme
com títulos como Pantera Negra e Infiltrado na Klan, vencendo-os, cabe destacar, que para o
pesquisador Acauam Silvério de Oliveira a premiação do Óscar 2019, ao menos na categoria
de melhor filme, tratou diretamente com questões relacionadas a aspectos raciais, o que
aponta para uma sintomatologia cada vez mais pronunciada de Hollywood em focar pautas de
identitarismo e representatividade1. A trama aborda os conflitos trabalhistas que a
personagens Tony Vallelonga (Viggo Mortensen) enfrentava para sustentar sua família, neste
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OLIVEIRA. Acauam Silvério. Green Book: o livro até que pode ser verde, mas o filme é bem branco. Portal
Geledés. 04 de abr. de 2019. Disponível em:
<https://www.geledes.org.br/green-book-o-livro-ate-que-pode-ser-verde-mas-o-filme-e-bem-branco/>. Acesso
em: 13 de ago. de 2021.
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ínterim, surge a personagem Don Shirley (Mahershala Ali) um pianista de jazz clássico que
contrata Vallelonga como motorista e assessor pessoal em sua turnê pela região do Extremo
Sul dos Estados Unidos. Como pano de fundo, toda a narrativa da obra audiovisual é
desenvolvida em um contexto social capiteado pela vigência das leis de Jim Crow que
impunham a segregação racial no sul dos Estados Unidos, no final do século XIX e início do
século XX, exigindo instalações separadas para brancos e negros em todos os locais públicos
nos estados que faziam parte dos antigos Estados Confederados da América e em outros
estados. Tal configuração social afetou diretamente a relação entre as personagens Tony
Vallelonga, um imigrante italiano, branco, racista e pobre, e Don Shirley, um homem negro,
bem sucedico e homossexual2, que tem suas realidades humanas expostas e interrelacionadas
ao longo da trama.

2. A entrega do “The Negro Motorist Green Book”

Por volta da rodagem de vinte e quatro minutos a equipe do pianista Don Shirley
entrega a Tony Vallelonga “O Guia para Motoristas Negros”. O guia foi projetado para caber
no porta luvas e esteve em circulação entre os anos de 1936 e 1967, mantendo-se
continuamente atualizado. Victor Hugo Green (1892-1960), um carteiro do bairro do Harlem,
em Nova York, foi o idealizador do guia a partir de seus conhecimentos do bairro, como
também, dos conhecimentos e informações, referentes a outras regiões, provindas dos
carteiros que trabalhavam com ele3, construindo uma verdadeira rede de proteção. Na mesma
cena, Vallelonga e sua esposa surpreendem-se com a existência do livro, e questionam por
qual motivo uma ação simples como viajar de carro necessitaria de instruções.
Com a entrega do livro, a cena busca enfatizar que a região sul estadunidense era muito
diferente do local em que as personagens estavam, porém, toda a informação é apresentada
superficialmente, focando mais na receptividade do motorista do que na historicidade do livro
verde. Logo, a narrativa exige que o telespectador mais curioso à trama pesquise sobre o guia
entregue a Vallelonga, descobrindo que a existencia do “O Guia para Motoristas Negros” foi
necessária para que viajantes afro-americanos pudessem realizar uma viagem segura pelo
país, pois, o material continha informações de locais para alientação, dormitório e telefones
úteis para evitar problemas aos negros frente a vigência das leis de Jim Crow que como,“(...)

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O filme não explicita essa informação, mas acaba por sugestiona-la
3
Oscar 2019: o que era o ‘Livro Verde’ para viagens de negros nos EUA, que inspirou vencedor de melhor
filme. BBC NEWS BRASIL. 25 de fev. de 2019. Disponível em: <
https://www.bbc.com/portuguese/geral-47361544>. Acesso em: 15 de ago. de 2021.
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sistema de apartheid, oficialmente durou até 1965. Proibia não só direito de votar e ser eleito
aos negros de vários estados, como criava um regime de desumanização total e alijamento de
direitos básicos, como educação, saúde, transporte e emprego.” (MANOEL, 2020, p.16).
Com isto, causa estranhamento o filme possuir o título de uma manobra social valiosa para
comunidade afro-americana estadunidense mas pouco tratar da temática a fundo, não muito
distante, particularmente, é incômodo ver Mahershala Ali vencer a categoria de ator
coadjuvante no Óscar 2019, atuando em uma produção audiovidual que aparenta tratar de
questões raciais de maneira constutiva, mas que não decide se os individuos negros são o
centro ou a beira da narrativa.
Um outro ponto que cabe destacar é a aparente ingenuidade de Don Shirley, na trama o
músico aprece como alguém desconexo politicamente do contexto social vigente, como um
homem negro, oriundo de uma casta elevada, que ao acaso resolve iniciar uma turnê pelo sul
dos Estados Unidos. Porém, a presente análise advoga que a personagem escolheu realizar a
turnê como meio de buscar a sonhada liberdade, no caso a liberdade de mobilizar-se
geograficamente, que marcou as lutas político sociais da década de 1960 - um dos integrantes
do trio chega a dizer para Vallelonga, que Don Shirley abriu mão de tocar para aqueles que o
bajulam no norte para se arriscar no sul. Seria ingenuidade pensar que Shirley não conhecesse
minimamente a profundidade que o sentido de liberdade possuia nos discursos de líderes
negros, invocando as promessas da Declaração de Independendcia, a Proclamação de
Emancipação e a Décima Quarta Ementa para exirigir que a nação estivesse a altura da letra
fria da lei e dos valores que professava (FONER, 2010).

3. Sobre os estereótipos e o indivíduo negro representar “a sua gente”

Nos diálogos entre Don Shirley e Tony Vallelonga no carro, antes de chegarem até os
primeiros locais de apresentação, percebe-se a construção forçosa da faceta cômica do filme a
partir do estarrecimento de Vallellonga ao descobrir que Shirley não consumia frango frito e
não conhecia determinados artistas negros populares na época - chegando em rodagens
seguintes, quando a questão da diferença econômica entre ambos for tratada, determinar ser
mais negro que o próprio músico. Pensando por vias de prolongamento, o problema neste
ponto está calçado nas tramas do Navio Negreiro que ao produzir froças braçais para as
plantações nas Américas, acabou por produzir também a categoria de “raça” extingo o ser
humano, com isto, tornando capitães e o quantitativo heterogeneo de marujos em “homens
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brancos”, e o grupo multétnico e cultural de africanos nos portos americanos em diante


tornaram-se “negros” (REDIKER, 2011). Mesmo sob egide de pretenso alívio cômico e
tentativa de criação de uma relação de afinidades entre as personagens, uma análise refinada
da cena sugere que as posses materiais, o telento e o prestígio de Don Shirley não são o
suficientes para singulariza-lo, e consequentemente humaniza-lo, assim, o músico enquanto
um homem negro é a tela preta que multiplos pintores, brancos, pincelam suas cedras
embebidas em esteriotipos e lança-o sem pensar ou não nos constrangimentos.
Exaustivo, mas retornando na questão de alimentar-se ou não com frangos fritos, a
produção audiovisual conduz a narrativa justamente para a subtração da singularidade de Don
Shirley. Por duas vezes, uma pela insistencia de Vallelonga e e a sugunda pelo achismo de um
grupo de elite branco, o musico come frango frito e na terceira vez em que Shirley come
frango frito é em um bar destinado a pessoas negras, em ápice a trama sugestiona ao
telespctatdor que o Shirley enfim dobrou-se e esta agindo como o esperado de um negro.
Assim, Don Shirley não é uma pessoa que gosta de algo, há sobre ele expectativas e achismos
concretos, pensando no contexto social de pano de fundo a dominação racial-classista nos
Estado Unidos conseguiu configura-se como um complexo orgânico de brutalidades,
violência e desumanização por articular o Estado e a sociedade civil (MANOEL, 2020).

4. Tão negro quanto ele, a briga com o policial debaixo da chuva

Por volta da rodagem de uma hora e vinte e cinco minutos, o italiano Tony Vallelonga
se envolve em um conflito com o policial que aborda-o, juntamente a Don Shirley, sendo um
momento forte e pungente dentro da trama. A figura de autoridade ao abordar os dois
personagens exige ver a carteira de motorista de Vallelonga, ao ler o nome do motorista o
policial estranha o sobrenome e aponta que ele não seria natural dos Estados Unidos,
irritando o motorista com a insistência policial em falar do sobrenome. Em seguida, sem
motivos concretos, o policial que detinha a carteira de Vallelonga exige que seu outro colega
de farda retirasse Don Shirley do carro, o motorista do músico no auge da revolta com toda a
siatuação solta alguma palavra em italiano, e o policia ataca-o dizendo que Tony apenas
estaria defendendo Shirley por ser tão negro quanto o musico. Tony Vallelonga acaba
agredindo fisicamente o policial, o que leva-o à detenção juntamente com o músico que nada
havia feito contra a autoridade policial.
A fala do policial e a agressão de Vallelonga podem ser pensadas como os sintomas da
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dimensão que a ideia de liberdade assumia no âmago das as lutas político sociais da década
de 1960 em solo norte americano, sendo esta estendida a outros movimentos entre as
minorias de nativos americanos, os chicanos e os imigrantes brancos de terceira geração
(FONER, 2010), ao que parece a brancura do tom de pele, na concepção social na década de
1960, tornava-se escuridão se a pele não possuísse a origem gloriosa inglesa. Pensando nas
contribuições da disciplina TH518 - História da América III, o fato do policial ter colocado
Tony Vallelonga, um italiano pobre, e Don Shirley, um musico negro bem sucedido, no
mesmo espectro de inferioridade social, relembrou-me o fórum de discurssões sobre o
documentério Panteras Negras Vanguarda da Revolução, especificamente, no momento em
que o grupo dos Panteras Negras tecem aliança nacional com figuras que representavam os
latinos pobres, determinando que a opressão teria seus viés de raça e classe, e apontando que
a liberdade só seria plena se estendesse a todos.
Mas não pode perder de vista que mesmo não sendo abastado e estando sob a égide
terrível do preconceito, Tony Vallelonga no caso estadunidense apesar de não ser um branco
rico, burguês, é um cidadão branco e os seus direitos de cidadania eram amplos, podendo ele
se quissese matar e molestar uma pessoa negra (MANOEL, 2020). Logo, apesar da
personagem representar um grupo que também passaria por dificuldades com os meios
institucionais, não é possível apontar que houve a negação da humanidade destes, tendo em
vista que, continuaram a ser sujeitos de direito civil assegurado se comparado com a situação
social experimentada pelos afroamericanos. Com isto, as vezes que durante a produção
audiovisual a personagem Tony Vallelonga tenta mostrar que é mais negro do o musico, pelo
fato de comer frango frito, por exemplo, são um completo desserviço ao mundo real, de
pessoaos negras reias, que no contexto das brutalidades das Américas não é dificil imaginar
que possua algum antepassado enforcado pelo fato de ter tropeçado em uma moça branca,
enquanto corria para não perder o trem (MANOEL, 2020).

Conclusão

Nas teias mais ínfimas das relações entre humanos, na década de 1960 em solo norte
americano, havia a racialização gestada pelo tráfico transatlântico. Neste sentido, o filme
Green Book: O Guia (2018) age sorasteiramente na pretensa de determinar que a amizade
entre um único homem branco e um único homem negro, resolveria problemas complexos.
No caminho para contrução do salvador branco e a infatilização da pessoa negra, com o uso
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exarcebado, sem a devida posição crítica necessária, dos mecanismos de segregação racial os
a produção audiovisual pode levar os telespectadores mais desatentos a concluirem que o
problema da questão racial norte americana seriam resolvido no dia em que brancos vissem
valor nos negros, e não que o problema racial nasceu das brutalidades coloniais anteriores à
decada de 1960 e só poderiam ser resolvidos por vias institucionais que estruturam toda a
sociedade. Porém, mesmo particularmente tecendo críticas ferozes ao filme, não é possível
deixar de apontar que o mesmo pode ser a alavanca para discussões frutíferas, como a
questão da liberdade estendida a todos, e a popularização de conhecimento, ao menos no sul
americano, de uma manobra social valiosa para comunidade afro-americana estadunidense
como foi o “The Negro Motorist Green Book”.

Referências bibliográficas:

ALONSO, Juan José H. Los Estados Unidos de América: historia y cultura. Salamanca:
Almar, 2002, p.183-215.

FONER, Eric. La libertad de la década de 1960. In:___. La historia de la libertad en


EE.UU. Barcelona: Ediciones Península, 2010, p. 431-476.

MANOEL, Jones (Ed.). Raça, classe e revolução: A luta pelo poder popular nos Estados
Unidos. Autonomia Literária, 2020, p. 5-60.

REDIKER, Marcus. O Navio Negreiro. Uma história humana. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011, p.9-49.

Referências outras:

OLIVEIRA. Acauam Silvério. Green Book: o livro até que pode ser verde, mas o filme é bem
branco. Portal Geledés. 04 de abr. de 2019. Disponível em:
<https://www.geledes.org.br/green-book-o-livro-ate-que-pode-ser-verde-mas-o-filme-e-bem-
branco/>. Acesso em: 13 de ago. de 2021.

Oscar 2019: o que era o ‘Livro Verde’ para viagens de negros nos EUA, que inspirou
vencedor de melhor filme. BBC NEWS BRASIL. 25 de fev. de 2019. Disponível em: <
https://www.bbc.com/portuguese/geral-47361544>. Acesso em: 15 de ago. de 2021.

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