Você está na página 1de 7

ADMIRÁVEL CHIP NOVO:

COVID-19 EXPÕE AS FERIDAS DE UM BRASIL DESIGUAL

PINTO, Tiago Adolfo Ribeiro


VIEIRA, Naiara Fleury
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais,
Muzambinho, Brasil

1 INTRODUÇÃO
O Brasil é um dos países mais desiguais da América Latina, ficando atrás apenas de
Guatemala, Honduras e Colômbia. Se destacando como uma das 15 maiores economias do
mundo, o país peca quando o assunto é IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e amarga
a 84ª posição no ranking mundial, tendo uma média abaixo de outros países da América do
Sul, como Chile, Argentina, Uruguai, Peru e Colômbia. Dados apontam para a educação
como um dos motivos dessa situação, devido aos poucos avanços na área nos últimos anos e
aos constantes cortes de verba nos segmentos da ciência, pesquisa e campos acadêmicos em
geral.
A luta contra a desigualdade social se estende por anos a fio, encontrando empecilhos
- em diferentes épocas - na colonização, na cultura escravagista, no coronelismo, nas políticas
voltadas ao extrativismo, na desvalorização da cultura popular, no imperialismo das grandes
nações capitalistas (que mantém países emergentes e do 3º mundo como fontes de exploração)
etc.
Seria, no mínimo, ingênuo pensar que tal desigualdade não seria refletida em aspectos
recentes e em constante crescimento nas sociedades do século XXI, como é o caso das novas
tecnologias advindas do boom da internet no início do século - estas que, por sua vez, têm
impacto direto sobre o sistema de ensino.

2 TECNOLOGIAS DIGITAIS, EDUCAÇÃO E O CAOS PANDÊMICO


O uso da tecnologia no processo de aprendizagem nunca foi algo realmente novo.
Seja através das aulas transmitidas pelo rádio, passando por projetos de educação
televisionados, como o Telecurso 2000, e até mesmo a utilização de recursos multimídia como
música, filmes, jogos, dentre outros. Em sala de aula, tecnologia e educação há muito andam
de mãos dadas.
No início do novo milênio o advento da internet (a rede mundial de computadores),
sua popularização como potencial instrumento educacional e a democratização dos
computadores domésticos - ainda que, na época, para uma pequena parte da população - jogou
novas luzes sobre a dinâmica de educação a distância e educação remota. E então, com a
evolução acelerada e constante dos meios digitais e suas inovações, plataformas
especificamente desenvolvidas para o ensino são criadas, como o Moodle, o Google
Classroom, SIGAA, entre outros. Mas a verdadeira revolução ainda estava por vir, com o
surgimento dos tablets e smartphones que viabilizaram o que conhecemos como mobile
learning - o processo de ensino e aprendizagem agora estava ao alcance da tela touchscreen, a
qualquer hora, em qualquer lugar.
Nesse contexto, instituições de ensino 100% digitais são fundadas, como a Udemy, a
Alura, a MusicDot, a Coursera e muitas outras, que disponibilizam cursos técnicos e de
aperfeiçoamento nas mais diversas áreas. Além, é claro, da difusão e do aumento na procura
por cursos de Ensino Superior na modalidade EAD.

2.1 INCLUSÃO DIGITAL


Quando computadores começaram a ser uma constante tanto nos ambientes de
trabalho quanto dentro das casas brasileiras, o termo “inclusão digital” ganhou destaque na
mídia.
Os cursos de informática básica e de informática avançada se tornaram necessários
àqueles interessados em fazer parte de um mundo cada vez mais digital, e tais cursos eram
ofertados em larga escala. Na época, o domínio sobre o computador era considerado um
diferencial dentro do mercado de trabalho e também nas dinâmicas sociais. Não tardou para
que programas de inclusão digital fossem elaborados pelo MEC e disponibilizados em
diversas escolas e centros comunitários ao redor do país, como o Proinfo, que tinha como
objetivo promover inclusão digital e o uso pedagógico da informática, disponibilizando
computadores, recursos digitais e conteúdos educacionais.
À medida que o computador passou a fazer parte do dia-a-dia das pessoas, seja pelo
uso doméstico ou pelo fácil acesso às lan houses, o aprendizado da informática foi se
tornando lugar comum - um processo natural derivado do contato constante com a tecnologia.
O domínio dos conceitos básicos da computação, ao menos entre os jovens, hoje, acontece
quase que por osmose.
A evolução tecnológica trouxe a era digital através dos smartphones. Hoje, através do
celular, é possível fazer desde coisas básicas como trocar mensagens com família, amigos e
trabalho, ver notícias em tempo real; passando por pagar boletos, fazer compras e
movimentações bancárias instantâneas; até acompanhar e fazer transações no Mercado de
Ações e Bolsa de Valores.
A inclusão digital é considerada um importante indicador do desenvolvimento de
qualquer país. Ainda assim, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de
2019, mostra que 1 em cada 4 cidadãos não possui acesso à internet no Brasil.
Ainda em relação à inclusão digital e domínio da informática, engana-se quem
acredita que saber utilizar os recursos digitais básicos seja de fato uma inclusão plena.
Traçando um paralelo com o analfabestismo funcional, Griffante (2019) aponta:
“É ingênuo pensar que, porque navegam facilmente em dispositivos
móveis e estão confortáveis usando as mídias sociais, esses jovens sejam
fluentes na era digital. Não é o acesso às tecnologias digitais que contribui
para a inclusão digital, mas o desenvolvimento de uma concepção
significativa e crítica de seu uso [...] Além disso, precisamos considerar a
importância de aprender a conviver socialmente não só através da tecnologia.
E para visarmos inovação e desenvolvimento, necessitamos também pensar
em inclusão e emancipação digital”
Na educação pública, embora grande parte das escolas tenha disponível um laboratório
de informática, esse serve mais como ferramenta de apoio, utilizado de forma a complementar
estudos específicos - quando contemplados nos planos de aula. E o uso do celular em sala de
aula (que, com o surgimento de modelos de baixo custo, se tornou um eletrônico acessível
para as classes menos favorecidas) é desencorajado, tendo seu potencial didático
desconsiderado.
Em 2020, o sistema de ensino do mundo todo sofreria um revés e o Brasil (assim
como diversos outros países) não passaria incólume.

2.2 O IMPACTO DA PANDEMIA SOBRE A EDUCAÇÃO DO PONTO DE VISTA


SOCIOECONÔMICO
No início do ano de 2020 o vírus do COVID-19 assolou o mundo. O que teve início na
China, como um surto, logo se tornou uma pandemia e, dali alguns meses, adquiriu
características de uma sindemia - devido aos danos ocasionados pelas interações biológicas,
econômicas e sociais desencadeadas pela doença.
O impacto sobre a educação foi imediato: escolas fechadas, sem previsão de retorno.
Durante os primeiros dias de paralisação do sistema de ensino, medidas foram
analisadas para que o processo de aprendizagem dos alunos tivesse continuidade. A solução
encontrada foi, obviamente, procurar refúgio nas ferramentas digitais disponíveis e dar início
(de caráter emergencial) ao Ensino Remoto em todas as redes de ensino - privada, estadual e
municipal. E é aqui onde fica claro a diferença entre instituições particulares e públicas
(leia-se por Mercado e Estado).
Os recursos utilizados para ministrar aulas durante o período de pandemia foram os
mais variados possíveis: reuniões e aulas online síncronas através do Google Meet, atividades
assíncronas organizadas e lançadas nos sistemas como Google Classroom (mais difundido
entre a rede privada, dado que seus alunos dispõem de computador ou celular pessoal
próprio), grupos de Whatsapp (popular entre as classes menos favorecidas), e videoaulas
distribuídas de formas diversas em diferentes plataformas.
Para aqueles que não dispunham de computadores ou celulares (ou em caso de
famílias numerosas, com disponibilidade de revezamento limitado desses aparelhos entre os
estudantes da casa) o Estado elaborou as PETs - apostilas impressas e distribuídas pelas
escolas, contando com atividades para todo o mês e que deveriam ser resolvidas e devolvidas
para correção dos exercícios.
Essa mudança brusca na dinâmica escolar pegou a todos de surpresa. O despreparo,
tanto de alunos quanto de professores, para lidar com a situação do Ensino Remoto foi nítida,
principalmente porque a estratégia aqui foi utilizada como uma medida emergencial, sem os
recursos necessários ou preparo prévio dos docentes. Há professores que sequer possuíam os
equipamentos adequados para executar seus planos de aula de maneira efetiva no ambiente
online. Microfone, webcam, internet de qualidade - com velocidade suficiente para um bom
streaming - e até mesmo um ambiente silencioso em casa, foram algumas das dificuldades
encontradas pelos profissionais da educação durante o período da pandemia. A falta de
familiaridade com as plataformas e softwares utilizados nas aulas também deve ser levada em
conta e, claro, as interferências externas, que na escola são deixadas para trás em prol da
docência.
No que diz respeito aos alunos, muitos pais têm a necessidade de sair para trabalhar,
não policiando as atividades escolares dos filhos, e - no caso de famílias das classes mais
baixas -, em decorrência da falta de aulas, crianças e adolescentes passam o dia na rua
brincando.
Há ainda o fato de que, passando mais tempo em casa (em relação às famílias de baixa
renda) os problemas ocasionados pela desigualdade social e as disparidades entre os sistemas
de ensino se intensificam e se mesclam a problemas familiares. Segundo Carolina Ribeiro
(2020), em sua matéria sobre os impactos da pandemia na educação:
Os casos mais graves de vulnerabilidade neste período incluem as
questões emocionais como as brigas familiares, ofensas psicológicas e
sexuais, entre outros, que podem se intensificar devido à restrição de
circulação. O período na escola servia como um neutralizador de certas
pressões psicológicas [...]
Se, nas palavras de Charlot (2007), "[...] o fracasso escolar não é uma coisa, um fato
que acontece, mas uma situação construída ao longo da história pessoal, institucional, cultural
e social do aluno e, ainda, de um conjunto de relações", a incidência da pandemia agravou
ainda mais esse quadro - visto que (como dito anteriormente) muitos alunos das classes mais
necessitadas não possuem acesso às tecnologias necessárias ao ensino remoto,
impossibilitando que esses estudantes acompanhem o ritmo de tantos outros (que dispõem
dessas tecnologias). Tais alunos ficam limitados aos conteúdos das apostilas impressas e
disponibilizadas pelas escolas que, embora sejam elaboradas por professores e equipe
pedagógica, pecam ao massificar o ensino, muitas vezes ignorando o contexto social
individual de cada aluno.
Outro ponto a se considerar é que, no caso das apostilas, a identificação dos déficits de
aprendizagem é prejudicada devido ao delay e assincronia entre a resolução dos exercícios, a
correção dos mesmos e a elaboração das apostilas seguintes.

CONCLUSÃO
A desigualdade social e a disparidade tecnológica incidem diretamente no que diz
respeito ao fracasso escolar, visto que a escola é uma entidade intimamente ligada ao
panorama social da comunidade na qual está inserida. E que a questão do fracasso escolar é
um elemento complexo ligado à problemáticas institucionais, pedagógicas e cognitivas,
resultado de experiências e interações intra e extraescolares.
A pandemia de COVID-19 trouxe a necessidade de acesso às tecnologias digitais,
expondo assim a ferida profunda de um país em que 17% da população não têm acesso às
ferramentas digitais, sendo diretamente prejudicados por essa situação de vulnerabilidade
socioeconômica.
A educação no Brasil atualmente respira por aparelhos que, infelizmente, não estão ao
alcance de todos.
REFERÊNCIA
ASCOM. Pesquisa mostra que 82,7% dos domicílios brasileiros têm acesso à internet:
dados são referentes a 2019 e representam um crescimento de 3,6 pontos percentuais em
relação a 2018. 2021. Disponível em:
https://www.gov.br/mcom/pt-br/noticias/2021/abril/pesquisa-mostra-que-82-7-dos-domicilios-
brasileiros-tem-acesso-a-internet. Acesso em: 23 out. 2021.

CARTA CAPITAL. Desigualdade social é entrave para inclusão digital. 2016. Disponível
em:
https://www.cartacapital.com.br/educacao/desigualdade-social-e-entrave-para-inclusao-digital
/. Acesso em: 22 out. 2021.

CHARLOT, Bernard. Sucesso escolar: visões e proposições. In: IRELAND, Vera (Coord.).
Repensando a escola: um estudo sobre os desafios de aprender, ler e escrever.
INEP/UNESCO, 2007. p. 22-63.

DASA, Equipe. O que significa sindemia e o motivo dessa denominação à crise do


coronavírus. 2020. Disponível em: https://dasa.com.br/blog/coronavirus/sindemia-covid-19/.
Acesso em: 25 out. 2021.

EDUCAÇÃO, Ministério da. Inclusão Digital. Disponível em:


http://portal.mec.gov.br/par/194-secretarias-112877938/secad-educacao-continuada-22336954
1/18730-inclusao-digital. Acesso em: 23 out. 2021.

FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO (São Paulo). Mobile Learning:


Conceito, tendência, como funciona e vantagens. 2021. Disponível em:
https://fia.com.br/blog/mobile-learning/. Acesso em: 23 out. 2021.

GRANDISOLI, Edson; JACOBI, Pedro Roberto; MARCHINI, Silvio. Educação e


pandemia: desafios e perspectivas. 2020. Disponível em: https://jornal.usp.br/?p=345146.
Acesso em: 22 out. 2021.
GRIFFANTE, Ariel Rossi. A Geração Z na visão da Educação: competência digital passa
pela utilização crítica e segura das tecnologias. 2019. Disponível em:
https://www.ucs.br/site/noticias/a-geracao-z-na-visao-da-educacao/. Acesso em: 24 out. 2021.

MENDES, João. Refletindo sobre o conceito de tecnologia. In: TICS: Tecnologias da


informação e comunicação educativa. Curitiba: UFPR, 2011. p.22 - 36.

RIBEIRO, Carolina. Impactos da pandemia na educação vão muito além das salas de
aula fechadas, diz especialista: psiquiatra mestre em educação acredita que covid expõe o
buraco do ensino, a falta de suporte e de assistência. 2020. Disponível em:
https://www.aseguirniteroi.com.br/post/impactos-da-pandemia-na-educa%C3%A7%C3%A3o
-v%C3%A3o-muito-al%C3%A9m-das-salas-de-aula-fechadas-diz-especialista. Acesso em:
25 out. 2021.

Você também pode gostar