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Entrevista

RICARDO AMORIM, ECONOMISTA, AUTOR


DO LIVRO “DEPOIS DA TEMPESTADE”
por Lucia Rebouças

A profundidade da recessão brasileira é a pior que o país já teve. O PIB brasileiro vai apresentar uma queda média de 2,5% no
período de 2014 a 2016, o pior desempenho em qualquer momento dos últimos 115 anos. Por outro lado, os fundamentos da
economia brasileira estão muito longe de serem os piores já apresentados pelo país. A avaliação é do economista e
consultor Ricardo Amorim, presidente da Ricam Consultoria. Otimista, em seu recém lançado livro: “Depois da Tempestade”, ele
prevê uma recuperação no Brasil que surpreenderá pela força.

Ricardo Amorim já foi chamado de guru da economia quando acertou ao afirmar que a crise provocada pelo estouro da bolha
do subprime no mercado americano, ia demorar anos e não meses ou trimestres, como era a crença geral naqueles idos de 2008.

Em entrevista exclusiva à Revista RI, Ricardo Amorim, que acaba de lançar seu primeiro livro: “Depois da Tempestade”, fala sobre
déficit público e dos erros que o causaram, das condições do governo “interino” de Michel Temer de fazer o ajuste fiscal, da
montagem do Ministério, da reforma da Previdência e ainda sobre a necessidade de acelerar as privatizações e concessões para o
crescimento da economia e para estimular o mercado de capitais. Ele também ressalta que é muito importante uma pressão popular.
“A verdade é que sem cobrança popular, a classe política trabalha em benefício próprio e não em benefício do país”. Acompanhe a
entrevista.

RI: O senhor considera que o Brasil está vivendo a mais profunda recessão em um século. Que indicadores
demonstram essa afirmação?

Ricardo Amorim: O IBGE tem dados para o crescimento do PIB brasileiro desde 1900. Na hora que a gente olha esses
indicadores, o critério que usei foi considerar uma média de três anos do crescimento do PIB. Se formos considerar o período de
2014 a 2106 o PIB vai ter uma queda média nesse período de 2,5%, considerando as atuais projeções feitas para o seu desempenho
em 2016, medida pelo Relatório Focus do Banco Central. Esse é o pior desempenho em qualquer momento dos últimos 115 anos. Se
ao invés de três anos, eu pegasse só dois anos e considerasse só 2015 e 2016, ficaria pior ainda. A queda média seria de quase 4% do
PIB. Em nenhum outro período tivemos um desempenho tão ruim assim. O que se vê é que a profundidade da recessão brasileira é a
pior que já tivemos. Por outro lado, os fundamentos da economia brasileira estão muito longe de serem os piores de nossa história.
Então, o que explica, se os fundamentos não estão tão ruins, a gente esteja vivendo uma crise tão grave? É que, somou-se a
fundamentos fracos, mas não péssimos, uma crise política gravíssima que levou a uma paralisia. O que causou a crise foi esse
processo que se reforçou de uma crise econômica, que alimentou uma crise política, e que retroalimentou a crise econômica.

RI: Que erros nos levaram a crise?

Ricardo Amorim: A crise econômica veio de três grandes desequilíbrios gerados no primeiro mandato do governo Dilma. O
primeiro de contas externas, o segundo de inflação e o terceiro de contas públicas. Uma série de erros de políticas econômicas que
basicamente só estimularam o consumo e não a produção, tornaram muito caro produzir no Brasil. As empresas passaram a investir
cada vez menos. Mas a procura, o desejo de consumir e a capacidade de consumo - há pelo menos a três, quatro anos - iam muito
bem obrigado. Isso significa que as pessoas queriam comprar mas faltava produto. Quando falta produto a gente traz um produto de
fora, a gente importa porque produzir aqui estava muito caro. E Isso gerou um desequilíbrio nas contas externas e por outro lado
mesmo trazendo o produto de fora continuamos a ter um problema de mais demanda do que oferta, o que estimulou a alta da
inflação. Além do fato, que o governo segurou vários preços públicos como gasolina, energia elétrica, ônibus, metrô até as eleições.
Passadas as eleições, sobem todos esses preços e a inflação sobe ainda mais. E por fim, o governo gastou muito mais do que
arrecadava e as contas públicas começaram a se deteriorar. Essas foram as três razões econômicas da crise. Aí tiveram as razões
políticas, que vieram em primeiro lugar, porque o governo Dilma nas eleições vendeu a ideia de um país que estava ajustado, e
passadas as eleições ficou claro que não tinha nada de ajustado. Em segundo, as muitas denúncias de corrupção que vieram à tona
com a operação Lava-Jato. Na hora que você vê a economia piorando, já tem uma queda de popularidade que se acentuou por esses
fatores. A popularidade do governo despenca, vai a um digito e nesse momento o apoio do governo no Congresso some. Por
conseqüência, a capacidade do governo de passar medidas impopulares no Congresso também desaparece. E como o ajuste fiscal
exigia algumas dessas medidas, não foi feito. E, à medida que o ajuste fiscal não aconteceu, a credibilidade do Brasil começa a sumir
gerando uma crise de confiança. Essa crise de confiança agrava a crise econômica, que agrava a crise política. E foi isso que gerou
uma crise tão séria no Brasil.
RI: Como o senhor acredita que o país poderá superá-la? O impeachment da presidente Dilma Rousseff abriu
caminho para a superação, ou ela viria de qualquer jeito?

Ricardo Amorim: A recuperação da economia, exige a recuperação da confiança e a recuperação da confiança por sua vez exige
que as contas públicas sejam colocadas em ordem. O governo Dilma infelizmente não foi capaz de fazer isso e não foi por duas
razões: a primeira uma questão dogmática que tentou concentrar o ajuste em aumento de receitas, ou seja a maior parte seria
aumento de impostos e uma parte muito pequena em corte de gastos públicos. E isso, em primeiro lugar, era uma receita errada
porque o grande problema brasileiro é que temos hoje a terceira mais alta carga tributária entre 156 países emergentes, e
obviamente não é o terceiro em qualidade de serviços públicos. Ou seja, nós pagamos impostos demais para a qualidade dos serviços
públicos que recebemos, e isso traz o segundo problema. Para o aumento de impostos precisaria do apoio do Congresso. E o
Congresso na primeira rodada em que o governo tentou passar esse aumento, logo após as eleições, ele até conseguiu. Só que não era
suficiente, porque uma das coisas que o aumento de impostos faz é retirar dinheiro do bolso dos consumidores, que pagando mais
impostos ficam com menos dinheiro para o consumo - e isso por sua vez aprofunda a recessão. Foi o que aconteceu. O problema é
que o aprofundamento da recessão reduz a arrecadação do governo. O que quer dizer que uma segunda rodada de aumento de
impostos seria necessária, e aí o Congresso em função da crise política disse que isso não aconteceria.

RI: Onde o governo Temer leva vantagem?

Ricardo Amorim: Apesar das fragilidades que claramente existem, o governo Temer condições muito mais favoráveis que o
governo Dilma tinha de fazer esse ajuste. Em primeiro lugar, porque faz um diagnóstico mais correto de como se resolver esse
problema das contas públicas. A maior parte do ajuste tem que vir de corte de gastos e não só de aumento de impostos. A segunda
vantagem, é que o governo Temer tem hoje uma base de apoio político muito mais sólida do que tinha o governo Dilma, o que em
tese significa que ele deve ter condições de aprovar no Congresso medidas importantes como limites de gastos públicos e a reforma
da Previdência. Se ele conseguir fazer isso, a confiança vai voltar ao Brasil, e os investimentos voltarão. Com a volta dos
investimentos volta a geração de emprego, consumo etc. Aí as empresas vendem mais, ao venderem mais elas investem mais, o que
gera um círculo virtuoso que é o inverso do que aconteceu nos últimos anos. Só que tem um grande tendão de Aquiles no governo
Temer. Vários dos ministros no governo Temer, que por um lado garantem esse apoio no Congresso para aprovação das medidas,
porque estão distribuídos nos vários partidos da base aliada, por outro lado muitos deles são investigados pela operação Lava-Jato.
E a medida que surgem “novidades” na Lava-Jato, que incriminam membros do governo, a base de sustentação vai ficando menos
sólida e esse é um grande risco. Mas o ponto é o lado econômico, colocar a economia de volta a uma trajetória de crescimento não é
complicado. O complicado é a questão política.

RI: Quais as lições e o legado que a crise brasileira deixa para os futuros governantes? Os rumos políticos e
econômicos que estão sendo tomados pelo presidente interino Michel Temer já apontam que a lição foi
aprendida? Que medidas mostram esse aprendizado?

Ricardo Amorim: O que claramente teve de mudança positiva do governo Dilma para o governo Temer é a clareza de que o ajuste
fiscal tem que vir primordialmente em corte de gastos públicos e não de aumento de impostos. Agora há outros legados importantes
da crise. Dois deles são: a maior participação e pressão popular com o povo exigindo dos políticos. Porque a verdade é que sem a
cobrança da população, a classe política trabalha em benefício próprio e não em benefício do país. E essa pressão aumentou muito. A
segundo, é que exatamente em função da pressão popular houve uma mudança em função da atuação das força jurídicas brasileiras.
O Supremo em particular tomou várias decisões importantes, corajosas que em outros momentos não seriam tomadas como por
exemplo a definição de que a partir de agora condenados em segunda instância serão presos, coisa que não acontecia. O Brasil era o
país da impunidade. Então acho que há um legado muito importante, mas para que seja mantido é importante que a pressão
popular continue. Essa foi uma das minhas motivações de escrever o livro “Depois da Tempestade” que é exatamente estimular as
pessoas a entender que precisam cobrar e que continuem cobrando.

RI: Como o senhor avalia a composição ministerial adotada pelo presidente interino? O fato de ter nomeado
ministros envolvidos em delações na Operação Lava-Jato e ainda nomear para liderar sua base na Câmara um
deputado que, além de corrupção, está sob suspeita de homicídio, não pode inviabilizar os novos rumos pelos
quais o presidente Temer pretende levar o país?

Ricardo Amorim: Antes da nomeação do governo pelo presidente Temer havia uma expectativa na montagem de um ministério
de notáveis. Os notáveis na realidade foram todos para a área econômica do governo. Eu maldosamente brinco que foi formado o
ministério da “Branca de Neve e os 23 anões”. Em outras palavras, formou-se na equipe econômica na figura do ministro da
Fazenda, Henrique Meirelles, que eu no livro até o chamo de Henrique “confiança” Meirelles, porque um dos objetivos com a
nomeação foi trazer alguém que tem muito respeito no país e fora do Brasil para ajudar no processo de volta da confiança, até
porque ele já herdou o Brasil em uma situação econômica muito difícil em sua outra passagem pelo governo, quando presidiu o
Banco central e a situação acabou melhorando muito. Então isso faz parte do processo de retomada da confiança: a expectativa de
que ele consiga fazer isso outra vez. Os outros ministros fundamentalmente estão lá para compor a base de apoio político que
garanta no Congresso a aprovação das medidas da equipe econômica. A questão fundamental é que em tese o que a gente vê é a
composição do ministério por representantes de partidos com força dentro do próprio partido. O PSDB, por exemplo, que tem
grandes caciques, os três estão de alguma forma representados. O (José) Serra está diretamente no ministério, tem outro ministro
que é da turma do Aécio (Neves), e tem um que é da turma do (Geraldo) Alckmin. A questão fundamental é que o fato de que vários
deles estejam sendo investigados cria o tendão de Aquiles com o a opinião pública, e dependendo do que sair dessas investigações
pode impactar a própria base de sustentação. É por isso, que o quanto antes as medidas forem votadas melhor, enquanto a base de
sustentação estiver mais sólida. Até porque nesse modelo de “presidencialismo de coalizão” brasileiro costuma acontecer. que a
medida que o tempo passa as forças políticas cobram mais caro o apoio do Congresso ao governo. E num governo de transição, como
é o governo Temer, a chance de que isso seja verdade é ainda maior.

RI: O presidente interino tem sido criticado por não ter escolhido mulheres para o ministério. Qual é a relevância
da diversidade de gênero para que o governo seja bem sucedido?

Ricardo Amorim: E quase inacreditável que um político com tanta experiência como Temer cometesse um erro tão crasso como
não incluir mulheres no ministério. Para ser muito franco, primeiro é obvio que a diversidade de gênero é importante para que as
decisões de fato contemplem o que é a sociedade como um todo. Mas é mais do que isso, há um componente importante político
porque a mensagem que isso passa é que ele não deu importância, não deu relevância para as mulheres. Eu nem acho que foi o
critério, mas é o que fica para a opinião pública. E há outra, por um simples critério de competência é óbvio que existem mulheres
altamente competentes para ocuparem cargos. Então, qualquer um dos lados que a gente olhe, foi um erro. E um erro crasso. Me
parece, que foi um erro motivado por dois ou três fatores. O primeiro que foi uma busca do presidente interino em tentar criar uma
equipe que garantisse o apoio no Congresso, mas até nisso é um erro. As mulheres deveriam ter sido incluídas com toda a certeza.
Enfim foi uma medida que mostra que foi algo feito às pressas.

RI: Ainda sobre a formação do novo governo, tem sido comentado que o segundo escalão tem mais qualidade que
o primeiro. Como o senhor vê esta questão?

Ricardo Amorim: O segundo escalão é absolutamente fundamental. E isso não é só no governo Temer, é em qualquer um. Mas no
dele é ainda mais verdade porque mais de uma função de formulação tem uma função política. O primeiro escalão é o que mostra a
cara para a opinião pública, é o que negocia no congresso. O segundo é o que realmente entra nos detalhes, é o que formula as
políticas. E uma das coisas que aconteceu nos últimos anos, em particular eu diria ao longo de toda a era petista no poder, houve um
aumento das indicações de segundo e terceiro escalão, onde normalmente aí os cargos são técnicos, mas vários foram definidos por
motivações políticas e isso levou a uma queda da qualidade técnica dos ministérios e mais particularmente ao longo do governo
Dilma, uma dificuldade adicional que é o perfil da “presidenta” acabava levando a uma dificuldade de relacionamento. Um perfil
onde o presidente não tem uma característica conciliadora e nesse sentido o presidente interino Temer leva uma grande vantagem,
porque ele parece ter e entende isso muito melhor que a presidente Dilma. Isso fundamentalmente significa que houve uma
dificuldade em atração de bons quadros no passado porque bons quadros não se sujeitavam a uma relação onde a presidente
impunha o que queria. O governo Temer não só está criando um segundo escalão mais técnico, o que é bom, mas uma relação muito
diferente com o Congresso. Por exemplo, as medidas econômicas antes de serem anunciadas ao público foram anunciadas aos
congressistas. Uma das queixas fortes do Congresso é que o governo Dilma simplesmente dizia “é isso, aprovem” e os congressistas
eram tratados quase que como despachantes do governo. O governo Temer teve postura exatamente contrária. Usou a frase “estou
presidente, mas eu sou congressista”. Ele foi duas vezes presidente da Câmara e reforçou isso para se colocar como um igual entre os
congressistas e trazer o apoio deles. Acho que a soma de um governo mais técnico com a habilidade política maior trazem
perspectivas melhores, desde que não tenhamos uma chuva de novidades na Lava-Jato que incriminem membros do governo
Temer, fragilizando assim o próprio governo.

RI: O novo governo refez as contas sobre o déficit público. Na atual avaliação, as despesas superam as receitas em
mais de R$ 170 bilhões, muito mais do que admitia o governo petista. Em março a presidente Dilma, falava em um
déficit de R$ 97 bilhões. O senhor acredita que o déficit pode ser equacionado sem aumento de impostos? Quem
vai e quem deveria pagar essa conta?

Ricardo Amorim: No curto prazo eu acho muito improvável que o déficit seja equacionado exclusivamente com cortes de gastos.
Ele deve, e provavelmente será, primordialmente equacionado com corte de gastos. Mas é bastante possível que haja aumento de
impostos, que tem que ser temporários. Precisa ficar muito claro qual é o cronograma de reversão desses aumentos.
Fundamentalmente, o que temos que acabar no Brasil é essa visão paternalista de que o Estado deve ser provedor de uma série de
serviços para a população, como um todo, acima da capacidade do Estado de prover esses serviços. Isso atinge todos os níveis da
sociedade. Desde o “Bolsa Família” até linhas subsidiadas de crédito do BNDES. O que a gente tem que ter é uma cultura de
estimular a atividade econômica no setor privado, que é quem gera riqueza, e criar espaços para que o governo faça o que deve, que é
regulamentar a economia da forma que ajude para a formação de riqueza. Em segundo lugar, trabalhar distribuindo oportunidades
e renda, coisa que o governo brasileiro não faz porque como temos uma concentração de impostos em consumo e os mais pobres
gastam a parte maior de sua renda em consumo, o Brasil acaba tendo um Estado que concentra renda aos invés de distribuir. Se a
gente for comparar a distribuição de renda brasileira antes do pagamento de impostos, e de receber os serviços públicos, ela piora
depois dessa ação do governo. Então fundamentalmente, o que precisa mudar é essa visão de Estado. É por isso que uma das
medidas mais importantes do novo pacote é a que cria a limitação de gastos públicos à inflação passada, o que na prática significa
criar uma perspectiva de redução dos gastos públicos ao longo do tempo em relação ao tamanho da economia. Isso é absolutamente
fundamental para criar um Brasil mais competitivo, mais justo, melhor, e que cresça mais.

RI: Em seu livro “Depois da Tempestade” o senhor afirma que a recuperação econômica surpreenderá pela força.
Essa recuperação pode ser afetada pelas novas revelações sobre as contas públicas?

Ricardo Amorim: Em primeiro lugar eu não fiquei surpreso em relação as revelações sobre as contas públicas porque a razão
fundamental da diferença do número que era projetado de déficit pelo governo Dilma e o governo Temer são as hipóteses com
relação ao crescimento econômico. O governo Dilma tinha hipóteses absolutamente irreais em relação o quanto o Brasil poderia ter
de desempenho este ano. Então eu já sabia que o número ia ser muito pior do que aquele. Eu não tinha a certeza do número
específico, mas a nova ordem de grandeza está dentro do eu esperava. Isso não muda as expectativas iniciais que eu tinha. A razão
de eu acreditar que o crescimento deve surpreender pela força, é que isso sempre aconteceu depois que tivemos grandes retrações
econômicas. Em todos os casos, nesses 115 anos, quando isso aconteceu, na sequência o Brasil apresentou um crescimento médio do
PIB, por pelo menos três anos, de pelo menos 6% ao ano. Coisa que ninguém em sã consciência imagina que vá acontecer num
futuro breve no Brasil. Mesmo que isso não aconteça dessa vez, se crescer 4% sustentando por três anos é algo que hoje ninguém
imagina. Então, o meu grande ponto é que isso acontece porque depois de três anos praticamente em que o Brasil teve muitos
investimentos sendo postergados, indo para a gaveta, por conta de um cenário econômico muito ruim, à medida que a confiança
volta, e esses investimentos saiam da gaveta mais ou menos ao mesmo tempo, a gente tem um pêndulo que foi muito para o lado
negativo indo exatamente para o lado oposto. Foi isso que aconteceu após todas as recessões profundas e longas na história
brasileira nos últimos 115 anos. E não vejo nenhuma razão pela qual desta vez seria diferente.

RI: Qual o papel da reforma da Previdência na recuperação? Mexer na previdência vem sendo tentado sem
sucesso por vários governos, o senhor acha que o governo Temer será capaz de pelo menos definir um projeto
para redesenhá-la?

Ricardo Amorim: A reforma da Previdência junto com o projeto que fixa o limite dos gastos públicos à inflação do ano anterior
são os dois pilares do ajuste econômico. São as partes mais importantes que temos. A reforma da Previdência tem a função de não só
melhorar as perspectivas das contas públicas a curto prazo, mas principalmente melhorar as expectativas futuras e são as
expectativas futuras que definem a expectativa de capacidade do Brasil de honrar seus compromissos. Mais do que isso, o que uma
reforma da Previdência tem que fazer é conseguir liberar recursos para uma aplicação melhor. O Brasil tem uma série de distorções,
a mais grave delas é que para cada R$ 1 real gasto com idosos no Brasil, só dez centavos vão para gastos com crianças. Só para fazer
uma comparação, na Coréia para cada um real gasto com idoso, 1,20 são gastos com crianças. A Coréia investe em educação, tem
uma das melhores educações do mundo, por consequência tem pessoas bem preparadas, geração de riqueza e um país que cresce
muito mais do que o Brasil. Por isso precisamos mudar as prioridades. Quando a Previdência foi criada o número de contribuintes
em relação ao de quem recebia benefícios era de nove para um, hoje é de dois para um, além do fato de que quando ela foi criada as
pessoas tinham uma expectativa de vida pós-aposentadoria de sete anos e hoje é de 25 anos. Então a conta não fecha. É necessário
aumentar a idade mínima porque senão as contas não vão fechar. Agora, o que essa reforma não está fazendo, e eu acho um
absurdo, é criar uma Previdência que seja igual para todos os brasileiros. Não vejo porque servidores públicos os mais diversos, mas
em particular militares e congressistas, tenham uma série de regalias que a previdência do setor privado não tem. Em resumo, era
preciso ter exatamente uma única previdência, com as mesmas regras. As regras têm que ser as do INSS porque a outra é
absolutamente impagável, para todos - tanto de contribuição, quanto de benefícios. Não vejo razão pela qual brasileiros que
trabalham no setor privado sejam tratados como cidadãos de segunda classe. Tem que ser igual para todos.

RI: Como avalia a retomada das privatizações e/ou ampliação do programa de concessões para o estimular o
crescimento?

Ricardo Amorim: As privatizações e a ampliação do programa de concessões geram vários benefícios. Primeiro deles é o aumento
de receitas de curto prazo que pode ser utilizado para abater dívidas. E uma dívida menor significa uma perspectiva melhor de
capacidade de pagamento brasileiro que é importante para a retomada da confiança, dos investimentos e do crescimento. Em
segundo lugar, significa menos espaço para corrupção. Como a gente viu recentemente, particularmente no caso da Petrobras. Mas
eu temo que não fique limitado à Petrobras, as empresas estatais podem e com frequência são usadas como instrumentos de
corrupção. Uma vez que não estejam mais na mão do governo, a gente resolve isso. E, em terceiro lugar, há uma melhora de
qualidade de serviços para a população, a gente viu isso claramente quando aconteceu a privatização do setor de telecomunicações.
Enfim por todas essas razões é muito importante que isso aconteça, e o mesmo no caso das concessões. Até porque o Brasil tem hoje
um problema seríssimo de qualidade de infraestrutura e para melhorar isso vamos precisar de muitos investimentos que o governo
hoje não tem capacidade financeira de fazer. Precisamos acelerar sim, não só as privatizações como as concessões.

RI: Como os investidores estrangeiros estavam olhando para o Brasil e que mudanças já podem ser observadas
após o impeachment?

Ricardo Amorim: Os investidores estrangeiros olhavam para o Brasil com muita preocupação e hoje eu diria que mudou de
preocupação para expectativa. Eles hoje querem ver para crer. O que eu vejo muito de clientes da minha empresa, a Ricam
Consultoria, que atende investidores brasileiros, estrangeiros, empresas, em particular por parte das empresas estrangeiras é que
várias delas hoje estão com o dedo no gatilho para fazer investimentos no Brasil. Eles querem investir no Brasil por várias razões.
Elas vêem o mercado brasileiro com um potencial de crescimento grande e ainda com um tamanho grande, coisa rara no mundo
porque os países desenvolvidos têm regras muito estáveis. Têm mercados grandes, mas com uma perspectiva de crescimento baixo e
a maior parte dos mercados emergentes têm crescimento mas não têm tamanho. Os mercados são muito pequenos. Índia, China,
Brasil, Indonésia, e se forçar muito a barra talvez se possa incluir o México e a Rússia, têm as duas coisas: potencial de crescimento e
tamanho. Esses mercados são muito atraentes para as empresas que tenham a pretensão e a intenção de serem líderes globais. Aí é
que entra a questão fundamental da confiança. Hoje para uma grande empresa estrangeira fazer um grande investimento no Brasil
seus principais líderes precisam explicar porque estão colocando dinheiro num país que está passando por um momento político e
econômico tão complicado. Uma vez que a sinalização de recuperação econômica e dissolução da crise política fique clara ou é
menor. Ao mesmo tempo, os ativos no Brasil hoje estão baratíssimos porque o desempenho econômico ruim levou a uma queda do
resultado e de valor das empresas. Além disso, a moeda brasileira desvalorizada tornou isso ainda mais barato para os investidores
estrangeiros, o que levou o empresário Abílio Diniz afirmar, há algum tempo, que “o Brasil está em liquidação” para os investidores
estrangeiros, o que é absolutamente verdade. Por isso, tem muita empresa com o dedo no gatilho e assim que houver essa retomada
da confiança, veremos os investimentos crescerem e muito...

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