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SÓFOCLES

SOFOCLES nasc-eu em Colono,


pente de Atenas, entre 496 e 494
a. C., e fa.leceu em Adenas, em 406
a. C. 'Pouco se sabe da sua activi-
dade política. Filho de 1I1:marmeiro,
recebeu uma educação esmerada,
contactou de perto com Péric\es e
Heródoto e a sua carreira teatral
foi das mais brilhantes. Dos 123
dramas que escreveu, apenas sete
nos chegaram inteiros, de acordo
com 'Uma escolha feita no SéOlXloII
da nossa era por vários gramáticos:
Ajax (c. 450), AnUgona (c. 442),
Rei ÉdiPo (pouco depois de 430)
- reunidos na presente edição c.c.,
ANTÍGONA
E/eetra (e, 425), As Traquinias
(entre 420 e 410). Fílocteto (409)
e ÉdiPo em Colono (representado
põstomamenm, em 401, graças a
S6focles, o Jovem, filho de Arlston,
por sua vez filho ilegítimo do poeta).
De muitas outras peças se conhe-
cem apenas '05 itíbulos ou nos che-
garlilmalg'Ulls 'fragmentos. Tendo
h-traduzido vários aperfeiçoamentos
na técnica ,teatra.l, S6focles elevou
o número de coreutas de doze para
quinze, deu maior importância' ao
cenário e ao guarda-roupa e, sobre-
tudo, introduziu o terceiro actor.
Substjt uiu a trilogia enca.deruda pela
brilogia livre, em que cada peça
consfibui um todo, dando maior
importância ao diá:logo, em detri-
mento do ,1iT.ismo.Caracterizam-se as
suas obras por urna acção eminen-
temente psicológica. Poeta da con-
dição humana, as suas peças são
dominadas pelos temas da incon-
sistência da felicidade, da grandeza
da vontade em 'luta contra a injus- © Versão portuguesa de
tiça, da nobreza do sofrimento e da Antônio Manuel Couto V:iana
dor. Édipo e &ntf.gona são certa- Composto e impresso por
mente as duas personagens mais Gris. Impressores
notáveis de toda a sua obra.
Lisboa
EDITORIAL VERBO
PERSONAGENS

Anttgona Filha de Edipo


Ismene Filha, de Édipo
Creonte Rei, tio de An tlgona e :
Eur!dice
Rainha, mulher de Creo:
Hémon
Filho de Creonte
Tirésias
Adivinho, velho e cego
Um . Guarda
Um Mensageiro

COI'O de velhos, nobres de Tebas, presidido pelo Coriieu

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(A ce11a representa o pórtico do Palácio Real de Tebas,
a que urna escadaria dá acesso. Ao tunda, a montanha.
Antlgolla atravessa a cena, entra no palácio e sai,
instantes depois, trazendo pelo braço a sua irmã Ismene .
Descem juntas a escadaria, afastando-se do palácio.)

~ ANTIGONA-Irmã do meu sangue, Ismene querida; tu,

~I que conheces as desgraças que afligem a casa de Edipo, sabes


de alguma que Zeus não tenha feito cair sobre ela, depois do
nosso nascimento? Não! Não há vergonha nem infâmia, dor ou
m má sorte, que não haja tombado sobre as nossas desgraças, tuas
e minhas. Que sabes tu desse édito que o estratega 1 acaba de
impor a todos os cidadãos? Tens dele conhecimento, ou ignoras
os males iminentes que os nossos inimigos tecem contra os que
~. nos são mais queridos?
~,
fa ISMENE - Nada sei, Antígona. Nenhuma notícia me che-
gou, trisle ou alegre, desde que nós duas nos vimos privadas de
~.
nossos dois irmãos mortos, num só dia, às mãos um do .outro 2.
Depois da partida do exército arg,ivo, nessa mesma noite, nada
~ mais soube que pudesse tornar-me ou mais feliz ou mais des-
graçada.· .
~
ANTlGONA - Estava certa disso, e foi essa a razão por
~ que vim aqui, fazendo-te transpor os umbrais do palácio, para
::
~.
que me escutasses sem testemunhas.
~
~.
. ISMENE'- Queatb~tece? Vejo que o que vais dizer-me te
!i;) perturba ..

«6 11
ANTIGONA-E como não uavia de ser assim? Pois não
enfrentar os crimes que cometera 3. E, depois, a sua mãe e
julgou Creonte merecedor de honras sepulcrais um só dos nossos
esposa - porque era ambas as coisas - põe fim à vida, com
irmãos, deixando o outro insepulto? Eis o que dizem: Etéocles
infame, entrelaçada corda ~. Em terceiro lugar, nossos dois
foi considerado digno de receber as costumadas honras, e sepul-
irmãos, ó desgraçados. cumprem, no mesmo dia, o seu negro
taram-no, para que os mortos o. acolham dignamente, sob a
destino: morrem às mãos um do outro. E, agora, que só nós
terra. Ao pobre ·cadáver de Polinices, pelo contrário, proibiu,
duas restamos, pensa que ignominioso fim nos espera, se vio-
por um édito que fez publicar, que alguém lhe desse sepultura;
larmos o que está prescrito; se transgredirmos a vontade ou o
ou até que o chorasse. Deixá-lo assim, sem pena, o insepulto,
poder dos que mandam. Não! Há que aceitar os factos: somos
doce tesouro à mercê das aves de rapina, ávidas de sustento!
duas fracas mulheres, incapazes de lutar contra homens 5, contra
Foi isto, segundo se diz, que o bom Creonte decretou, também
os poderosos que ditam as leis, e temos de cumpri-las - estas e,
para ti e para mim; sim, também para mim. E ele próprio aqui
possivelmente, outras mais dolorosas ainda. Contudo, peço aos
virá anunciá-lo, claramente, aos que ainda o não sabiam.
que estão debaixo da terra o seu perdão, pois que, embora
E o caso não é de pouca monta, nem assim pode ser considerado,
contrariada, penso obedecer às autoridades. Procurar não pro-
pois quem transgredir qualquer dessas ordens será réu de morte,
ceder como os mais, carece totalmente de sentido.
lapidado, na cidade, publicamente. São estes os factos: só te
resta mostrar se sabes honrar a tua dignidade, ou se és indigna
dos teus ilustres antepassados. ANTIGONA - Ainda que me pudesses ajudar, agora, já
não to pediria. A tua ajuda não seria do meu agrado. Enfim,
reflecte sobre as tuas ideias. Eu vou enterrá-lo e, depois, que
ISMENE - Não adiantes maisl Que ganharia eu em atar a morte venha. Permanecerei, como amiga, junto do bom amigo;
ou desatar este nó?
tranquila por haver cometido um delito piedoso. M3Jis tempo
agradará a minha conduta aos debaixo da terra do que aos de
ANTIGONA - Poderei contar com a tua colaboração, com aqui, pois o meu descanso entre eles durará eternamente.
a tua ajuda? Pensa bem nisto. Quanto a ti, pensando como pensas, desonras os que honram os
deuses.
ISMENE - O que tens no pensamento? A que audaciosa
empresa te vais abalançar? ISMENE - Quanto a mim? Mas eu não quero fazer nada
de desonroso. Só não encontro, em mim, forças para: desafiar
o poder da cidade. .
ANTIGONA - Trata-se de um irmão meu - e também
teu, ainda que o não queiras -; quando me prenderem, não
poderão acusar -me de traidora. ANTIGONA ~ Está bem! Tu escudas-te com esse pretexto,
e eu vou cobrir de terra o meu queridíssimo irmão, até que
tenha uma digna sepultura.
ISMENE - Irás contra o que foi ordenado por Creonte?
Que tremenda audácia I .
ISMENE - Ai, desgraçada, como temo por ti!

ANTIGONA - Ele não tem poder para me separar dos


meus. ANTl GON A - Nada receis por mim; antes procura afirmar
o teu destino.

ISMENE -:- Ai, reflecte irmã! .Lembra-ta de como morreu ISMENE - Ao menos, não confies o teu projecto seja a
nosso pai,. desgostoso, clesonrado, cegando os próprios olhos, ao quem for. Guarda segredo, que eu também guardarei.
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ANTIGONA - Não, isso, não! Espaihao por toda a parte.
Mais te desprezarei se te calares! por uma multidão de armas e capacetes adornados com crinas
de cavalo; voava sobre os tectos das nossas casas, de fauces
ISMENE - Tens um coração ardente, mesmo para as encancaradas -lanças sedentas de sangue, .emJ_e9Q.r_das s~!~
coisas que gelam. bocas da cidade. Mas, hoje, partiu, antes de ter podido-saciar
as mandíbulas no nosso- sangue; e antes de conseguir lançar
tições ardentes sobre as torres que coroam as muralhas _ tal
ANTIGONA - Fica sabendo que, assim, agrado a quem foi o estrépito bélico que atrás dele se desencadeou. E....difíclY.
mais devo dar prazer.
yHóqll" quando se tem a serpente por adversário 8.' Zeus, que
odeia a língua do enfático jactancioso, ao vê-los vir contra nós,
ISMENE - Sim, sim, algo conseguirás ... l\las julgo que em prodigiosa avalanche, atraídos pelo ruidoso ouro, lança o
não poderás realizar o que projectas.
seu tremendo raio contra aquele que, tendo chegado ao limite
das nossas barreiras, se exaltava já com brados de vitória.
ANTIGONA - Posso, Qual Tântalo 9, empunhando um archots, deu, afinal, con-
tiver forças. sim! E não recuarei, enquanto
sigo em terra, quando/ com bacanal arrebatamento,' soprava,
contra Tebas, ventos de destruição. Correram, de outro modo,
ISMENE - Não tentes ir atrás de impossíveis. as coisas, pois Ares, o propício deus, destribuiu entre os chefes
- um para cada um - mortíferos golpes.
ANTIGONA - Se continuas a falar dessa maneira, aca- Sete chefes, postados junto das sete portas, igual contra
barei por odiar-te; e terás, também, como mereces, o ódio do igual, deixaram Zeus ser juiz da vitória. Apenas aqueles dois
morto. Basta! Deixa-me, e à minha funesta resolução! Correrei . desafortunados, nascidos do mesmo pai e da mesma mãe, levan-
o risco, certa como estou de que nada será pior do que morrer taram as lanças, um contra o outro; e ambos foram atingidos
de modo desonroso. mortalmente 10. . •

Assim a Vitória, a exaltadora de heróis, chegou a Tebas


ISMENE - Vai, pois, se assim o crês. Mas quero dizer-te rica em carros, devolvendo à cidade a alegria. Esquecidas as
que, se revelas pouco juizo, demonstras, ao menos, uma ami- lutas, que se organizem, agora, nocturnas rondas, percorrendo
zade sem pecado pelos teus amigos. os templos de todos os deuses; e, em honra de Tebas, comecem
as danças que sempre deram prazer à cidade; e seja Baco quem
(I smene entra no palácio. Desaparece Antígona, em as dirija.
direcção à montanha. E, enquanto o coro não entra,
a cena fica, por instantes, vazia.)
[Creonte sai do palácio, a,companhado do séquito.}

CORO - O raio de sol, ó luz mais bela -__mais bela, sim,


de quantas até hoje brilharam em Tebas, a das sete portasV- CORIFEU - Eis que chega o rei desta terra; Creonte,
surgiste, enfim, ovante .da dourada manhã, deslizando por filho de Meneceu. Eis que se aproxima o novo chefe, reclamado
sobre a corrente dirceia6• Com rápida brida, fizeste correr na pelas actuais circunstâncias. Para que nos convocou ele? Que
tua frente, fugitivo, o homem vindo de Argos 7, de escudo projecto desejará discutir com esta assembleia de anciãos, que
branco e 'revestido de armadura. se reuniu aqui, acudindo à chamada?
Pol,inices, que se revoIta'u contra a nossa pátria, levado
por mesquinhas querelas, com agudo ruído, como águia qne CREONTE - Anciãos, o timão da cidade que os deuses,
se lança sobre a vítima; como por asa de branca neve, coberto sob tremenda tempestade, tinham torcido, hoje, de novo, marca
rumo certo. Se eu, pelos meus emissários, vos convidei a vir
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aqui, é porque muito bem conheço o ininterrupto respeito que
sempre manifestastes pelo governo de Laia, e igualmente en- cidade. E, sim!, podes usar da lei como o entendas, quer para.
quanto governou Edipo a cidade; porque sei que, quando ele os vivos, quer para os mortos.
morreu, o VOssa sentimento de lealdade vos fez permanecer ao
lado de seus filhos. Mas estes, num só dia, foram vítimas de um CREONTE - E agora, vós, como guardiães das ordens
duplo fratricídio que causaram e sofreram. Assim eu, dados os dadas ...
meus laços de parentesco com os que tombaram, assumo todo o
poder; toda a realeza. :E: irnpossíveí conhecer as opiniões e prin-
cípios do homem que não tenha enfrentado, ainda, o exercício CORIFEU - ... Designa um jovem para tomar esse en-
cargo.
do governo e da legislação. Para mim, qualquer que, encarre-
gado do total governo de uma cidade, não ausculte o parecer, os
conselhos, dos melhores; e, com medo do que possa suceder, CREONTE - Não é isso. ] ~ encarreguei alguns homens de
se mantenha calado; esse tal, o classifico eu _ e não s6 agora, guardar o cadáver.
mas desde sempre! - um péssimo indivíduo. E quem mais estime
o amigo do que a própria pátria: esse, não me merecerá qual- CORIFEU - Sendo assim, que mais queres de nós?
quer consideração. Porque eu - saiba-o Zeus, que tudo vêl-
não poderei ficar calado, ao saber que ameaça os meus conci-
dadãos, não a salvação, mas um castigo divino; nem poderei CREONTE - Que não pactueis com os infractores das
considerar amigo um inimigo desta terra, cÜ'I1vencidode que nesta minhas ordens.
nave está a salvação, e, se singrar por bom caminho, nela
poderemos fazer amigos. São estas as normas com que me pro- CORIFEU - Só um louco pode desejar a morte.
ponho engrandecer Tebas; e principiarei pelas ordens que man-
dei hoje apregoar, relativas aos filhos de Edipo ; a Etéocles,
sempre o Pllimeiro no manejo da lança, que, lutando na defesa CREONTE ~:E;' justamente essa a paga. Já muitos homens,
'.pela usura, se perderam.
da cidade, por ela sucumbiu, ordeno o enterrem em sepulcro,
e lhe sejam prestadas quantas honras e sacrifícios são devidos
aos mais ilustres mortos. Quanto a Polinices, o exilado, que pelo
(Do lado da montanha chega um soldado, um dos guardas
fogo tentou destruir, de alto a baixo, a sua pátria e os deuses da
.do cadáver de Polinices. Abeira-se de Creonie que
sua raça; que 'quis derramar o sangue de alguns parentes e
subia já a escadaria do palácio. Este Pára ao ver o
escravizar outros; a esse, mandei anunciar pelos arautos, em soldado.)
toda a cidade, que nenhumas honras lhe sejam prestadas, nem
com sepultura nem com lágrimas, e o deixem sobre a terra,
presa exposta à voracidade das aves e .dos cães; miserável des- GUARDA - Senhor! Não te direi que vim com tanta
pojo à vista de todos. Foi esta a minha decisão, pois, por pressa, que me falta já o alento; nem que tenha movido os pés
minha parte, nunca os criminosos terão as honras que cabem aos com ligeireza. Não, que muitas vezes me fizeram parar as
cidadãos justos. Será sempre honrado, por mim, todo aquele minhas reflexões e dei voltas no caminho, com a intenção de
que saiba cumprir os seus deveres pára com os astros, tanto retroceder. Muitas vezes a minha alma, na sua linguagem, me
na vida como na morte. dizia: «Infeliz! Onde vais, se serás castigado?», ou então: «Páras
outra vez, atrevido? ... Quando Creonte souber a notícia por
CORIFEU - Filho de Meneceu: dá-te prazer proceder outro, pensas que não sofrerás duro castigo? ... y, Com tantas
assim, tanto para com o amigo como para com o inimigo da voltas e maquinações, fui andando lentamente, e, deste modo,
não há caminho que não se torne longo. Por fim, venceu, em
16
I
!
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iIiIiiIIIri ,_.--
I - WM- 5'Mi ·we MRt «4itBit._

mim, a decisão de vir até junto de ti; e aqui estou. E, ainda I


que nada te possa explicar, ao menos, falarei. O caso é que I
por seu turno, podia ter sido o culpado; mas nenhum se denun-
vim atido à esperança de que nada sofrerei que não esteja mar- ciava. Todos estávamos dispostos a provar a nossa inocência,
cado no meu destino.
pondo a mão em ferro candente, andando sobre o fogo; e jurá-
vamos, pelos deuses, que não fizéramos aquilo e ignorávamos
CREaNTE - Vejamos: que razão há para estares, assim, quem o planeou e executou.
tão desanimado?
iI Por fim, como nada resultava do nosso inquérito, falou um
1
de nós; e a todos fez baixar os olhos de medo.
O caso é que não podíamos contradize-lo, nem tínhamos
GUARDA - Antes do mais, quero expor-te a minha situa-
ção: eu não o, fiz, nem vi quem o fez; por isso, não é justo outra maneira de sair bem de tal apuro, se não fazendo o que
que caia em desgraça. propus: informar-te urgentemente do que se passava, e era
impossível ocultar. Prevaleceu a minha opinião e tocou-me, des-
graçadamente, a má sorte de desempenhar esse difícil encargo.
CREaNTE - Porquê, tantos rodeios, e não chegas ao fim? Por isso, aqui estou, não por minha vontade, nem para vosso
Trazes-nos, evidentemente, novidades.
prazer, pois sei quanto se detesta o mensageiro portador de más'
novas.
GUARDA - As más notícias devem retardar-se.
CORIFEU - (A Creonte.] Senhor, desde há momentos,
assalta-me a ideia de que nisto andou a mão dos deuses.
eREaNTE - Fala de uma vez; acaba e vai-te embora.
CREONTE - (Ao coro.) Basta, antes que eu rebente em
GUARDA - Falo, sim! Houve alguém que, recentemente, ira com o que dizes! E: melhor que te não acusem, simultânea-
enterrou o morto, espalhou sobre o seu corpo o fino pó e cum- mente, de velhice e falta de juizo, pois, na verdade, o que dizes
priu todos os ritos necessários.
é i!1suportável, se pensas que as divindades se preocupam com
aquele morto ... Porque o haviam de enterrar, honrando-o de
CREaNTE - Que dizes? modo especial como benfeitor, a ele, que se propunha queimar
ascolunatas dos seus templos, com as oferendas dos fiéis, e
J. , .arrasar a terra e as leis que lhes foram confiadas? Quando é que
GUARDA -Nada sei, senão que ali não havia sinal denun- . viste os deuses honrarem os malvados? Não, não pode ser!
oiador de golpe de picareta ou sulco de enxada. O solo estava
intacto, duro e seco, e não se viam rodados de carro. Foi obra
r'
i.
' Quando às minhas ordens, há gente na cidade que se nega a
r acatá-las e, desde há tempo a esta parte, murmuram em segredo,
de cauteloso homem que se esmerou em não deixar vestígios.
contra mim; e erguem cabeça, incapazes de baixar a cerviz sob
Quando a sentinela do primeiro turno da manhã nos chamou a
'omeu jugo, como era justo, só porque não suportam as minhas
atenção para o facto, tivemos todos uma desagradável surpresa.
ordens, Estou convencido de que alguém se deixou corromper
O cadáver havia desaparecido; não enterrado, não!, mas coberto
pelo dinheiro dessa gente, afim de praticar tal desatino, pois,
com leve camada de 'pó, por mão de quem quisera evitar uma
entre
. os homens, nada se criou de tão funesto como as moedas.
,
ofensa aos deuses ... Não havia; 'também,sinCIJis de fera ou de
,

Elas destroem as cidades; afastam da pátria os cidadãos; encar-


cão que se aproximasse do cadáver; e muito menos que o tives-
regam-se de perdera gente de bons princípios, ao ensinarem-lhe
sem arrebatado. Entre nós, logo se levantaram infamantes sus-
peitas; cada guarda acusava o, outro; e tudo podia ter termi-
i a ocupar, càmodamente, a v.iJeza;'tanto para o bem como para
, o mal, dispõemqos homens e tazem-nos conhecer a impiedade;
nado em feroz luta, por não surgir quem o'impedisse. Cada um,
e a tudo mais se atrevem. Quantos se tenham deixado subornar
18
I
por dinheiro, e hajam' cometido desacatos desta espécie, mais
- - ~ - ----,--
tarde ou mais cedo, com o tempo, se continuarem a proceder
assim, sofrerão o merecido castigo; (Ao guarda.) Tão certo como [Creonie retira-se com o séquito. Nas escadas, ainda ouve
o respeito que devo a Zeus, ouve o que, sob juquuentó, afirmo: as palavras do guarda.}
'se não encontrardes quem preparou, com as suas mãos, essa
sepultura; se não o trouxerdes perante mim, para vós, não che- GUARDA - Se encontrarem o culpado, tanto melhor!
gará apenas Hades, pois, vivos ainda, vos pendurarei, até con- i Mas, quer o encontrem quer não - só o acaso decidirá +: não
fessardes a vossa' incomensurável acção. Assim, aprendereis ! corro perigo, não!, de que me vejas voltar à tua presença,
donde se tira o dinheiro; e como o haveis de tirar no futuro. Já Agora, que me encontro salvo, contra o que esperava e pensei,
vereis de que vale o lucro, vindo não se sabe de onde. Da ganân- sinto-me gratíssímo aos deuses.
ciaque gera actos vergonhosos, poucos se salvam; mas, como
deveis saber, muitos mais, por ela, são castigados.
CORO - Há coisas prodigiosas, mas nenhuma como o
homem! Ele, que ajudado pelo tempestuoso vento sul, chega ao
GUARDA -
e partir? Posso responder, ou tenho que voltar costas outro extremo do espumante mar, atravessando-o, apesar das
i ondas que rugem descomunais; ele, que fatiga a sublime, divina

CREONTE - Não te dás conta de que as tuas palavras


ferem? I e inesgotável terra, com o vaivém do arado puxado por mulas,
e, ano atrás ano, a vai sulcando; ele, que, com armadilhas,

I
captura os inocentes pássaros e aprisiona os animais selvagens,
e, com as malhas das entrelaçadas redes, colhe os peixes que
GUARDA -
a alma? As minhas palavras? Mordem-te o ouvido ou vivem no mar; o engenhoso homem que, com a habilidade.
domina o selvagem animal montês; que sabe subjugar o cavalo

CREONTE -
me doem? Porque te pões a descobrir em que lugar
II de abundantes crinas e o infatigável touro da serra; o homem
que, por si próprio, aprendeu a falar e tem pensamentos rápidos
como o vento, e criou em si um carácter que regula a vida em
sociedade, e aprendeu a fugir das implacáveis intempéries, com

I
GUARDA..:-.-.. Porque o que te fere a alma é seus dardos de chuva e de neve; o homem que possui recursos
Eu só te firo os ouvidos.' o culpado. para todos os males, pois, sem recursos, não se aventuraria a
encarar o futuro: apesar de tudo isto, não conseguiu evitar a
morte, embora engendrasse formas de combater as enfermidades
CREONTE -'Ah! Vê-se bem que nasceste charlatão! inevitáveis. Quanto ao seu poder inventivo, logrou conhecimen-
tos técnicos que superam o inesperado; mas, algumas vezes,
GUARDA - Ê possível. Mas aquele crime não o cometi eu. os encaminha para o mal e, outras vezes, para o bem. Se res-
peita os usos e costumes locais e a justiça confirmados por divi-
CREONTE - E um charlatão que, ainda para mais, ven- nos juramentos, consegue chegar ao cimo da cidadania; mas o
deu a alma por dinheiro. que, ousadamente, se deleita no erro, perde os direitos de cida-
dão; esse, não poderá sentar-se à minha mesa, pois, quem assim
GUARDA - Ê terrível ter suspeitas e serem elas infundadas. procede, não pensa como eu.

CREONTE - Enfeita o teu palavreado como, entendas; (Entra o meS111.0 guarda conduzindo Antígona.)
mas, se não aparecerem os culpados, anunoiarás, com os teus
gritos, os tristes resultados de miseráveis ganâncias. CORIFEU - Não sei; duvido que isto seja um prodígio
?fI operado pelos deuses ... (Ao notar a presença de Antígona.)
Reconheço-a, sim, e não poderei negar que esta é a jovem r - _.. - WiIl!R ~-~mo=.~~"""",~W""""._

Antígona. O mísera filha do desventurado Édipol Trazem-te por CREONTE - E como a surpreendeste e aprisionaste err
teres, acaso, desobedecido às ordens do rei? Detiveram-te, por pleno delito?
teres ousado cometer qualquer loucura?
GUARDA - Foi assim: regressado ao serviço, sob o pese
das tuas terríveis ameaças, depois de varrermos todo o pó qur
GUARDA - Sim, foi ela; é ela a culpada. Prendêmo-Ia
quando estava a enterrar o cadáver ... Mas, onde está Creonte? cobria o cadáver, deixando o corpo bem patente, já em Irancs
decomposição, sentámo-nos, abrigados do vento, para evita]
que o seu sopro nos trouxesse, do alto dos rochedos, o Iedoi
(Ao ouvir as exclamações do guarda, Creonte Sal, nova- que do cadáver se desprendia. Com injuriosas palavras nos
mente, do palácio, com o séquito.)
espicaçávamos uns e outros, para nos conservarmos atentos e
vigilantes, não fosse algum de nós adormecer. Isto durou bas-
,\ CORIFEU - Ei-Io que, no momento preciso, torna a sair tante tempo - até subir, no alto do céu, a rutilante esfera de
do palácio.
Sol e o calor queimar. Então, um torvelinho de vento levantou

I
do solo nuvens de pó - castigo enviado pelos deuses _ qus
cobriu toda a planície, desfigurando as árvores do prado, e
GUARDA - Senhor, nunca um mortal se atreva a supor
obscurecendo o ar. Suportámos! de olhos fechados, aquele mal
que existem impossíveis: a reflexão logo desmente esta ideia.
Assim, estava eu convencido, pelo desencadear das ameaças que que os deuses nos mandavam. Muito tempo passado, quandc
sobre mim fizeste cair, que não tomaria a pôr aqui os pés; mas tudo se dissipou, vimos esta donzela, gemendo dolorosamente,
com dor igual à da ave que encontra vazio o ninho onde deixara
surgiu-me esta alegria que sobrelevou toda a esperança e é tão
as crias. Assim ela, ao ver o cadáver desprezado, gemia e cho-
grande que não se compara a qualquer outra satisfação. Aqui
voltei - apesar de jurar não o fazer -, trazendo-te esta rapariga rava, maldizendo os autores de tal acta. Ràpidamente, as suas
que foi encontrada a abrir um coval, Porém, agora, não venho mãos espalham sobre o cadáver um pó finíssimo; e, despejando,
com tríplice libação, um gomil de bronze bem lavrado, presta
porque me tenha caído em sorte, nãol; venho porque este feliz
achado é obra minha e de mais ninguém ... as honras ao morto. Nós, ao ver isto, apressámo-nos a prendê-la,
sem que ela mostrasse qualquer temor.
Agora, senhor, a ti a entrego e podes interrogá-la e Inves-
tigar os factos. Quanto a mim, libertei-me do perigo que me Deste modo, fica aclarado o que antes se passara, e que
ameaçava. Estou livre e isento de injustiças. ela não negou. A mim, tudo isto me alegra e me dá pena;
pois, que prazer nos dá evitarmos um perigo, causando males
aos amigos? Mas, estas considerações valem menos para mim do
CREONTE - Mas, esta que me trazeís, onde e de que '. que ver-me a salvo.
modo a prendeste?

CREONTE - (A Antígona.) E tu, tu, que inclinas a


GUARDA - Estava a enterrar o morto. Eis tudo. cabeça para o chão, confirmas ou desmentes ter feito isto?

CREONTE - Dás-te conta da gravidade da tua afir- ANTIGONA - Confirmo-o, sim. Disse-o, não o nego.
mação?
CREONTE - (Ao guarda.) Tu, podes ir para onde queiras,
. . GUARDA - Surpreendi-a a enterrar o marta; aquele que livre do peso da minha acusação .
determinaste ficar insepulto. Julgo que é bem claro o que digo.
(O guarda retira-se.}
22

23
Mas tu (a Antígona) dize-me, sem rodeios; sabias que te
era vedado, por um édito, fazer o que fizeste? ' '---o,~ :••

ANTIGONA
se toda a gente o - sabe?
Sim, sabia-o bem. Com., poderia ignorá-lo,
'·I também acuso a irmã de colaborar no enterram(?,~~k)~as~
~os.) Chamai-a~ (Ao coro.) Vi-a,. há mornene-;
incapaz de dammar-se. Sucede assün ao coraçao 9- ~
,::J,') j%-~_ ',<'

_ tr~~m_, na sombra, acções con~e~ávei~, consc):2.:"j·->-P d-o. ,<_~


1 astúcia, Mas, sobretudo, o meu ódio atmge aqt;!_Y..o,::; ',_:_,T:r-
cima CREONTE
da lei? - E, apesar disso, atreveste-te a passar por I preendida a cometer o delito, pretende revesti-lo de "2-':'_)' ~?_,

ANTIGONA - Não foi Zeus que ditou esse decreto; nem


Dice, companheira dos deuses subterrâneos, estabeleceu téVisleis
para os homens. E não creio que os teus decretos tenham tanto
I
I
i
ANTIGONA
que a morte?
- Aqui me tens! Procuras, para m.,», mais do

CREONTE - Por minha parte, nada mais, Dando-te a


poder que permitam a alguém saltar por cima das leis, não morte, tenho o que desejo.
escritas, mas imutáveis, dos deuses; a sua vigência não é, nem
de hoje nem de ontem, mas de sempre, e ninguém sabe como e
quando apareceram. Não iria atrair o castigo dos deuses, com ANTIGONA - Porque esperas, então? As tuas palavras
receio de determinação dos mortais: só via na minha frente o não me agradam, nem nunca poderiam agradar-me; mas as
morto, sem cuidar do que decretaste. E, se morrer agora, lucra- minhas também te são desagradáveis. Repito: não poderia
rei com isso; pois quem, como eu, vive entre tantos males, alcançar mais fama e glória do que a de dar sepultura a um
ganha com a morte. Só encaro, corno desgraça, ficar insepulto irmão. Ouviria toda a gente louvar a minha acção, se o medo
um filho de minha mãe e eu consentir: isso, siml, é que me seria lhes não cerrasse a boca. A tirania tem, entre outras vanta-
doloroso. Pode parecer-te que procedi como uma 10ijca, mas é gens, a de poder dizer e decidir quanto lhe apeteça.
quase a um louco que dou conta da minha loucura.
CREONTE - De entre todos os cadmeus só tu tens esse

I
12,
modo de ver.
CORIFEV - A jovem demonstra coragem e audácia.
Como filha de um pa.j corajoso, não cede ante o infortúnio.
é o que te parece, porque todos cerram
CREONTE - (Ao coro] Sabei que os pensamentos mais I ANTIGONA - Isso
a boca diante de ti.
inflexlveis são os mais prontos a ceder, como o ferro que, se
r
pelo .fogo se toma duríssimo, pronto quebrará e se encherá de
fendas. Vi fogosos cavalos serem fàcilmente domados com um
simples freio. Não se concebe a arrogância no 'que é escravo do
I CREONTE
. diferente deles?
- Não te envergonhas de proceder de modo

r
vizinho. Ela foi conscientemente arrogante, quando transgrediu ANTIGONA - Não é vergonhoso prestar honras a um
as le'is estabeleci das e, logo que assim procedeu, veio com nova irmão.
arrogância: vangloria-se por ter procedido assim. Na verdade,
não serei eu o homem, mas sim ela lI, se ela não sentir o peso
CREONTE - Não era, também, teu ,irmão, o que morreu
da minha autollidade. Ela é minha sobrinha, mas, embora seja combatendo-o?
mais do meu sangue'lque qualquer" outro que".habita 'a minha
casa, nem ela, nem, a irrnâ, escaparão ~-mortt;! infql1lan , pois ANTIGONA - Era,
te SIm. Filho do mesmo pai e da
24 mesma mãe.
,,-,
QjjmmMHit'&!'*1MW8\&&iPMQ~_

1
-- RDn"C""'TlW

CREONTE - Sendo assim, como ousas tributar,


honras que ofendem a memória do outro? a um , !
olhos, afeia-lhe o rosado rosto, banhando-lhe de pranto as faces
belas.
ANTIGONA - Essa não seria a opinião do morto.
CREONTE --'- (A Ismene.) Eras tu quem, silepciosamente,
r I
CREONTE
• - Pois se tu lhe dás honras iguais às do andava pelo palácio, como uma víbora, toldando-mé o sangue ...
UUplO. '"
Sem me dar conta, "eu alimentava, afinal, duas desgraças que
- queriam arruinar-me o trono. Anda, fala! Confessas que também
- participaste
.,. no caso da sepultura, ou vais jurar que nada sabes?
ANTIGONA
seu irmâo. - Quando morreu, não era seu escravo, era

lSMENE - Se ela mo consente ... eu também colaborei


CREONTE - Mas vinha para arrasar esta cidade, que o nesse acto. Aceito essa responsabilidade; tomo-a sobre os meus
ombros.
seu ,irmão defendia, de armas nas mãos.

ANTIGONA - As leis de Hades são iguais para todos. ANTIGONA - Nâo.. que o não consente
fizeste/ nem aceitei a tua ajuda.
a justiça: nada

CREONTE - Mas, o que bem procede deve ter a mesma


sorte que o malvado? ISMENE - Perante a tua desgraça, não me envergonho
de te soc'Orrer com um remo, no mar da tua dor.

ANTIGONA - Quem sabe se, de baixo da terra, a minha


acção não merece louvores? ANJ;lGONA - A quem pertence a obra, sabe-o Hades e
os que ~stão debaixo da terra. Não suporto amizades que o
sejam apenas por palavras.
CREONTE - Não! O certo é que não considerarei amigo 13
um inimigo meu, nem mesmo morto.
ISMENE - 'Não,. irmã! Não me recuses a honra de morrer
contigo e a de t~ hav~r ajudado a cumprir os ritos devidos ao
mortal -C-'~I,
ANTIGONA - Não nasci para odiar, mas para amar.

CREONTE - Pois vai-te, para debaixo da terra; e se tens ANTICONA - Não quero que morras comigo, nem que te
desejos de amar, ama os mortos, que eu, enquanto viva, não acuses do que não fizeste. Bastará que eu morra.
receberei ordens de uma mulher.
f2
ISMENE - E como poderei viver, se me abandonas?
~' .• ',:::).'.- »Ó, - )'7 ..

(Chega I smene, entre dois escravos.) ANTfGONA - Pergunta-o a Creonte, já que tanto te
preocupas com ele.
!fI\;.
llf~.
. '.

CORIFEU - Eis Ismene, que atravessa a porta. Lágrimas ISMENE --::-}~orque me feres, sem proveito teu?
i1·
verte, por amor de sua irmã. Uma nuvem, obscurecendo os seus
\
26' ill!i· ANTfGONA - Mesmo que ria de ti, fazes-me pena.
::~its$,~
)
:ilJlJ> ~.-
ISMENE - E eu, agora, como poderei ser-te útil?
- ---- """-
~ "~"~~~~~~~
~ ~ .D1Ii!!i' -'~c;.:;'!;l:.~";~~=- ••"

CREONTE - Não há-de faltar terra para fecundar.


vares.ANTIGONA - Salva-te, que não te invejarei\;
"',
se te sal-
ISMENE - Ma~\ isso, é faltar ao acordo entre ele e ela

ISMENE - Ai de mim, desgraçada!, que não posso se- CREONTE - Não quero más mulheres para os meus filhos.
guir-te no destino!

ANTIGONA - Ai, querido Hérnon, o teu pai injuria-te! 15.


ANTIGONA - Tu escolheste viver e eu morrer.

CORIFEU - Então, pensas privar teu Ifilho de Antígona?


ISMENE - Mas não sem que as minhas palavras te t,jves-
sem avisado.
"

" CREONTE - Hades é quem põe fim a este noivado.

ANTIGONA - Para alguns, eras tu quem pensava bem . .-


para outros, era eu. CORIFEU - Então, está decidido que ela morra?

ISMENE ~ Mas;. ' agora; somos as duas, igualmente, :incri- CREONTE - Por ti e por mim. E sem mais demora.
minadas. Levai-as para dentro, escravos! Convém que estas mulheres
fiquem bem presas, pois até os mais corajosos tentam fugir, se
a morte lhes ameaça a vida.
ANTIGONA '- Ânimo] Não penses nisso. A ti, toca-te
viver; quanto a mim, a vida acabou, desde que me propus
ajudar os mortos. (Os guardas conduzem Antígona e lsmene ao palácio.
.Creonie segue-os.)

CREONTE - (Ao coro.] Destas duas clianças, digo-vos


que uma acaba de enlouquecer e outra é louca de nascença. CORO - Felizes os que a desgraça não experimentou. Pois,
quando um deus inunda de males a casa de um mortal, a
ISMENE -:É que a razão, senhor, ainda que em alguns cegueira ,não pára, vai até à extinção da raça. É como quando
dê os seus frutos, abandona os escolhidos pela desgraça. '''; ventos contrários e enfurecidos, soprando da TráDia, fazem
alterar-se as ondas do profundo mar; e dos abismos erguem,
CREONTE - Pela tua, quando escolheste o mal, juntan- remoinhando, a negra areia, e ruidosamente gemem, batendo e
do-te aos maus. desfazendo-se de encontro aos rochedos da praia.
VejO;.( assiny como os males da casa de Labdácidas/u se
abatem sobre as dores dos seus mortos; nenhuma geração liber-
ISMENE - Como poderá ser já a minha vida, sem 'ela?
tará a seguinte, porque algum deus a aniquilará, sem remédio.
Cobria, agora, uma luz de esperança os últimos rebentos de
CREONTE -- Não, não digas «ela»! Ela já não existe.
Éddpo, mas, de novo o machado homicida de um deus subterrâ-
. ,. neo os destrói.
ISMENE - Como? Vais matar a noiva do teu fllho? li.
) ", Que humana soberba deteria Zeus, tado poderoso? Nem o
,28 . ~.sono poderia distraí-lo, a ele, que túdo domina, nem a duração
---. - .-.~ WD'jIJ'IS T;1!WUSil;' r.nt,".,··;;g~_.,;c; ..Et9'"lTnftiii~-!1$~!§!I/.~~":Bf!i.~!JS~~:?;.l~:'::~=:!,""~-:'.-, , I,..Z;'

infatigável do tempo entre os deuses. Tu, Zeus, és o soberano


a quem não atinge a velhice, e reinas sobre a cintilante, esplen- partilhar o leito com uma má mulher, tê-la em casa, é ligação
'-J dorosa serenidade do Olimpo. No presente, no passado e no que avilta ... O que pode ferir-nos mais do que um mau filho?
futuro, perdurará esta lei: na vida dos homens nenhum se arras- Deixa-a, despreza-a como coisa odiosa ... Que vá para Hades;
tará - ao menos por largo tempo _ sem cegueira. em busca de outro noivo. Já que, entre todas as da cidade, só
A esperança errante, pode ser útil a alguns homens, mas, ela me desobedeceu;;p<lJã .que as minhas ordens não pareçam
para outros, a ilusória ambição pode fazê-los tombar no nada, erradas aos cidadãos/"Iíel-dé mitá-Iâ!Que dirija hinos a Zeus,
O homem desconhece o momento em que terá de caminhar o protector da consanguinidade. Se eu alimentar a desordem
sobre o' fogo 17. entre os meus, como poderei assegurar a ordem aos que me são
É sábia esta sentença de que se ignora o autor: aos que o estranhos? Sempre será considerado justo.. na cidade, aquele
.' mal parece um bem, leva-os um deus à ruína _ pouco tempo que trata, com justiça, a própria família. Creio; inteiramente,
viverão sem que os atinja a desgraça. que o homem que governa a sua casa sem mácula, deseja ser
r: ~'--
\_~'.':_ r •. -
\:> .. ::';'''-' "' ( bem governado. O que cons'8gu~,' na inclemência do combate,
manter-se firme no seu posto, é modelo nobre de seu compa-
(Sai Creonts do palácio. Hémon aparece ao longe.} nheiro; mas o que, por soberba, viola as leis, ou pensa impor-se
(0

aos que o comandam, esse, nunca merecerá louvores. Aquele a


,,
v quem a cidade conferiu poder, terá que ser escutado, quer sobre
.- •... ...."
"
CORIFEU - (A Creonie.] Eis que chega Hémon, o mais coisas frívolas, quer sobre as importantes, sejam justas ou
G-' jovem dos teus filhos. Virá.- acaso) dolorido pela sorte de Antí- fI injustas. Não há maior desgraça do que a anarquia; ela destrói
'J gona, sua noiva, e por ver frustrada a sua boda? as cidades, desagrega e divide as famílias, e, no combate, quebra
.;, / }
as lanças e traz consigo a derrota. Entre os vencedores, é a dis-
,-\ ciplina que salva. Por isso, empenharemos o nosso braço a fazer
CREONTE - Já o vamos saber, com mais segurança que
os adivinhos. (A Hémon.) Filho meu,! vieste por conheceres respeitar o estabeleoido, para que se mantenha a ordem e, em
já a minha decisão sobre a donzela que em breve desposarias, caso algum, .consootir que uma mulher nos vença. É preferível",
~J
v,
ou queres desencadear a tua fúria sobre teu pai? Faça eu o que se for caso disso, ser-se dominado por um homem, do que
fizer, sou teu anligo. acusado de mais fraco que . as mulheres.
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~"'~.:J _~
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e "~ .- I-':'.)..} •.•"


r_i'- ~/ -h O:;..c _
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HEMON - PaJ, sou teu filho, e és tu quem me guia com CORIFEU .,', Se a idade 'não nos consumiu o entendimento,
-
\.
benévolos conselhos que sempre seguirei. pareC'e-nos que fialaste com sensatez.
G Nenhuma boda me prazerá tanto que a prefira à obediência'
(

.-
I
que te devo.
C;;ÊMO~~ Pai!_A ;~~is sut,;ime das riquezas com que os
deuses con~empla~am os homens é a prudência. ~u não saberia)
~'
'"
CREONTE - Filho meu, guardarás isto no teu coração: nem pcderia exphcar:( se as tuas razoes sao ou nao correctas."
':,) ..lc.. seguir sempre a opinião paterna; só assim os homens podem ~㺠pudeste verificar o que por Tebas se faz ou se reprova.
gerar filhos e conservá-los obedientes no lar, para que devolvam '. -O teu rosto impõe respeito ao povo, ê9J2,retudo se tiver de te
ao inimigo os males ,causados e honrem os amigos: tanto como Rf ", dizer o que não gostes de ouvir. A mim; porén;y é-me fácil
ao próprio pai. O que, pelo contrário, semeia filhos inúteis, ouvir essas palavras na sombra. Por elas,conclru que tQda L
0::.) ''','

1 ~ que outra coisa se pode dizer dele, se não que gerou sofrimentos, Cidade lamenta a sorte dessa jovem, qué\norre de má sorte,
sendo para os inimigos motivo de escárnio? Não, meu filhol, como a mais desprezível das mulheres, por haver cometido
não te deixes arrastar pelo amor de uma mulher. Saibas tu que , adtos bem gloriosos._Ela,que não quis que o irmão, morto, mas

30
:1' sangrando ainda, ficãsSe sem'~epuItura; ~ que o retraçassem os
19.~

-~..
- ~ f 3,!Wi't ,...m••n-WWUBfiwua~'fI!i~lI~l'fCiW'lü'iw&..iK!~~{{.~,o!.!!~SiA.~.7'.J!;'.'!i.t';""f:ft",...,...
•.•,:~.c-~,·!'I:':;- .•.•. '.•.. '-', •.••...••...•

cães e aves vorazes. Tudo isto a tornou credor~(. na foca do


povo, de douradas honrarias. São estes dize.res que. se ão pro- CREONTE - Não? Acaso, não está ela enferma da mal-
pagando clandestinamente. Pail, para mime não há iJJ rn mais dade?
precioso' do qu~ a tua felicidade e boa sorte. O que, ode .ser
mais caro a? filho. do qu; ,.g: ,b?l11no~e de que. goza 9 pa! ; e,
para um paI, a fama de 'seu' filho? Nao te habItues,Ror ISSO, HÉMON - Não é o que dizem os seus cornpatriotng tebanos.
:ue uma maneira exclusiva,,'que só tl!.,decides ~ '.'\

menté,"pois esses. que se julgam com uma i.nteligência. ~uperior CREONTE - Então, será o povo que vai ensinar-me '" a
à de todos, ~sse_s.~
quando bem observados, I1~()-p_ª§§3J!l1 ~e poços governar?
de vaidade,
Ch~'r',( Mas um homem prudente l!.~_9~~§.e
envergonha _d~ colher
ensinarnentos, ou de não ser intranSigente em demasia. vlê comoK HÉMON - Não vês que falas como jovem inexperiente?
no Inverno, nas margens das torrente~raumentadas pel chuva, .
as árvores' cedem para salvar os ramos. Se resistissem acaba- I CREONTE -. Hei-de governar esta terra, segundo a OPI-
riam arrancadas pela raiz. Ass[ni:C>sucea'e'ào'qu~ s!! o de si) nião de outros, ou segundo o meu parecer?
mantém tensa a escota da nave,,,/ sem manobra, (poi fará o.. _ . ~ r

resto da travessia de quilha para o ar. Portanto, l!ão t ü!!~s_nOt HEMON - Uma CIdade nao perte~ce a um so homem.
teu rigor, e admite a possibilidade de mudares de p opósito, ; .:..,. ';,', y.' ,.' _

Se à mi~ha ju:,entude é permitído arrisc~r uma opinilo, _dir~l'.:;'" :/ CJ:'{EONTE _ Então, a cidade não pertence a quem a
que admiro mais um ho.mem nascido com mata sabedorIa;. ma.~._\.;:;' - - governa? . ~
sp a balança não se inclinar para este lado, ç0.11v:éU1 ~,çutar o. .
bom conselho dos que o podem dar. .:, ,. "
-, -te ' ~.U ..;~ J ,
Hf:MON- Tu, o que mereces, é governar uma terra
deserta 18.
CORIFEU - Senhorl ~ conveniente que medites] no que
ele acaba de dizer. (A Hémorc.) E tu, no que ele disse Ambos
falaram bem. CREONTE - (Ao coro.) Vede como se põe do lado da
mulher! .

CREONTE - Então, na minha idade, terei ainda d~ apren-


der a pensar como os jovens? Hf:MON - SiII1",
.
simj.tu
'.
és mulher, pois é a ti que defendo.

IffiMON - Não, no que não pareça justo . .E: certo que CREONTE - Ah, miserável! Como ousas julgar teu pai?
sou jovem, mas convém atentar mais ao procedimento ~o que à
idade de cada um.
HÉMON - Se não posso aprovar os teus erros!

CREONTE - Bom proceder.; esse, de honrar o trans-


gressores da ordem! CREONTE - Achas, então, um erro, proceder de acordo
.<ftl
com a minha posição? (j;

./.).
':/ ,/

HEMON - Nunca disse que se deviam honrar 0[1 maus'j'.. H~MON - Sim, porqu~ a desacreditas, desprezando as
':l'J . '. r honrarias devidas aos deuses.
::
. lt,.
-...........auIWólUlllll..:l~•••..•••••
_...,...~~~:=~~ÕjlSI/,J':.; ..,..II_'•....:::~_:~-.- •.. _ •.. "._
••.•••••••

CREONTE - Infame! E tudo por causa de uma mulher!


HÉMON - Nunc~ na minha presençal Não o julgues
possível: pois nem eu verei a sua morte, nem tu voltarás a
HÉMON - Talvez, mas não podes acusar-me de ter cedido pousar teus olhos em mim. Deixa isso para os cúmplices da tua
a infâmias. loucura.

CREONTE - Mas, tudo quanto dizes é em favor dela.


'__L) : ~/ rJLe .
.>"'" (H émon sai, correndo.)
HÉMON - Também em teu favor, e meu, e ainda dos
deuses subterrâneos.
CORIFEU - Teu filho fugiu/ senhor, possuído da viva
cólera. A dor avassala sempre mais os espíritos jovens.
CREONTE - Pois, viva, não casarás com ela! J~::>J:_ :.. > ,':=:]\

CREONTE - Deixa-o ir. Que vál Embora se julgue um


HEMON - Sim, ela morrerá, mas a sua morte será a homem superior, não livrará as duas raparigas do seu destino.
ruína de alguém 19. •

CORIFEU - Então, pensas matar as duas?


CREONTE - Atreves-te, agora, a ameaçar-me?
CREONTE - Tens razão. A que não desobedeceu não
HÊMON - Refutar vazios argumentos, chamas a isso morrerá.
ameaça?

CORIFEU - E a Antígona, que espécie de morte lhe


CREONTE - Chamares-me insensato há-de custar-te lágri- reservas?
mas; tu é que tens vazio o juizo.

CREONTE - Será levada para um lugar jamais pisado


HÉMON - Se não fosses meu pai, diria que és tu quem pelo homem, encerrada viva num subterrâneo de pedra, e com
está louco. comi:da suf1ciente para a sua expiação. Assim, a cidade não
sofrerá por derrame de sangue 20. Aliyela pode dirigir súplicas
CREONTE - Deixa de me aborrecer com as tuas pala- a Hades, o único deus que venera e a pode livrar da morte.
vras; não passas de um joguete de mulher! Ou talvez ela reconheça que é trabalho inútil prestar culto ao
deus dos mortos.

HÉMON - Falar e falar:r<sem ouvir ninguém, é o que


te agrada.
{Creonie entra no palácio.)
"J ,,:......•.
.-' ~.....':........ :_.
,
_",'
.
J -~,. 4
'
CREONTE - Ai, sim? .Pelo OJimpo, vais ver que nada: !" ,,/' .", "

ganharás em insultar-me, depms~-de me haveres censurado. . CORO - Eras, Invencíval no combate, que te enfureces,
(Aos escravos.) Trazei-me aquela odiosa mulher, para que se comouma ma-nada aereses;- que passas a noite no rosto macio
lhe dê a morte rápida, ante os olhos do noivo. de urna donzela e frequentas, quando não estás no mar, as
cabanas: I.J.inguémte pode fugir, nem os próprios deuses
- -.a., iJifl&M pJi'íL WMl1â m:='''· ~~%~~~~~~'7~~~j'lIl!!!"''''',~f.u;":t''''''~',:

imortais, e muita menos os homens, enquanto vivos; mas o teu


domínio pode levar à loucura 21. Tu, que transformas os justos mort7-. se espalhará grande rumoy que~nquanto viva"e depois
em injustos; tu, que" entre homens do mesmo sangue, promoves de morta, mereceste o lugar dos heróis próximos dos deuses.
a discórdia, como agora, destruindo o encanto que brilha nos
olhos da noiva já destinada ao leito conjugal; tu, associado às
leis sagradas que regem o rnundo.; vais fazendo, sem luta" o ANTIGONA - Ai de mim, assim escarnecida! Pelos deuses
jogo da divina Afrodíte 22. paternos!, porque não esperas a, minha morte para me insul-
tares 25? Ai, pátria! Ai, heróicos varões da minha pátrial Ai
fontes dirceias! Ai, sagrado recinto de Tebas, opulento de carros!
CORIFEU - Até eu, ao ver o que se passa, sou impelido Também a vós vos tomo por testemunhas de que morro sem
a rebelM-me contra as sagradas leis, sem poder evitar um
que me acompanhe o pesar dos meus amigos; e, não sei por que
manancial de lágrimas, quando vejo Antígona dirigir-se, não
leis, vou ser encerrada num túmulo 'de pedra, sepultura jamais
ao seu tálamo, mas ao leito de morte.
vista. Ai de mim, mísera, que nem depois de morta poderei
viver entre os mortosl

(AParece Antígona com as mãos atadas atrás das costas


e escoltada pelos guardas.] CORIFEU - Superando a todos 'em coragem, como te
enobreces, filha, até alcançares, sorridente, o alto trono de Dice!
Sobre ti, pesa a culpa de alguma falta paterna!
ANTIGONA - Vede, compatriotas meus, como vou seguir
o meu derra:deiro caminho, ~ ver o esplendor do 001 pela última
vez; a luz que não voltará a alumiar-me: Hades, que tudo ANTIGONA - Despertaste em mim uma dor que me
adormece, vai receber-me, viva, nas praias do Aqueronte 28, esmaga: a lembrança do destino de meu pai, três vezes reno-
sem ter participado no himeneu, sem ter ouvido os hinos vado, como a terra três vezes lavTada; o destino dos Ínclitos
nupciaís. Não! É CO'In Aqueronte que vou desposar-me! Labdácidas. Ai, desvario do 'leito de minha mãe; desgraçado
matrimónio de minha mãe com meu pai, que ela havia parido!
CORIFEU - Ilustre e louvada.. caminhas para o antro dos Destes pais, nasci eu, ó infortunada! E, agora, solteira e mal-
mortos, não vencida por mortal enfermidade, ou por a espada dita, partilharei, noutro lugar, da sua morada. Ai, irmão!, que
provocar tal sorte. Ao contrário, por tua própria decisão e fide- desgraçadas bodas tiveste: com a tua morte, arruinaste, até à
morte, a minha vida!
lida/de às leis imontais, descerás com vida e só, entre os mortos,
a Hades.
CORIFEU -:E:s digna de piedade, sim!, mas quem governa
ANTiGONA - Ouvi falar da tristíssirna sorte de Nidbe 24, não deve ser, de qualquer modo, desrespeitado. Tu sabias isto,
mas o teu 'Carácter perdeu-te.
a estrangeira frigia, filha de Tântalo, que, no cume do monte
Sípilo, foi vencida pela rocha que ali brotou e ali ficou presa -+ ',_J2~t_/'-Á.,"l

como a hera. E ali está penando - como consta entre os mor- ANTIGON A - Sim: que ninguém me chore('por ser levada,
tais -, à chuva e ao frio, com os pétreos olhos destilando lágri- i sem amigos' e sem himene~pelo caminho que' 'me destinaram.
mas e humedecendo-lhe a 'face. Como a ela, igual destino me ,1 Infortunadamente, não voltarei a ver, nunca mais, o rosto
,adormecerá,
sagrado do Sol. E o meu destino ficará sem chorar, sem um
amigo que o lamente.
CORIFEU - Mas ela era uma deusa, de estirpe divina, 'I
~,

enquanto
'
nós somos simples mortais.
,
Contudo.;I depois da tua (Sai Creonie do palácio e dirige-se aos escravos que levam
Antígona.)
- - fffl!lWtA DPb
~
f~..--"
.". _".H'~_ >.0_' H_o _... .~_",:.,~~~~~~~
.

CREONTE - Não vedes que, se a deixais falar, não mais


. findarão as suas lamentações, as suas queixas? Levai-a, pois; CORIFEU - Os mesmos ventos impulsivos continuam a
e quando a encerrardes num sepulcro abobadado, 'Como ordenei, dominar-lhe a alma.
deixai-a só, 'desprotegida; e se tiver de morrer, que morra.
E se viver, que faça vida na casa dos mortos, como deter- CREONTE - Por isso, os que a conduzem pagarão cara
minei ... Deste modo, ficaremos puros 26, e ela privada de viver a demora.
com os vivos.
CORIFEU - Ai de mim! As tuas palavras dizem-me que
a mame está próxima.
ANTIGONA -.ru, túmulol Ai, leito nupciall Ai, subterrâ-
nea moradia 'que para sempre habitarei! Para ti me dirijo, ao
encontro dos meus. Destes,,( colheu Perséfona 21 já umayultado CREONTE - Não duvides de que a minha sentença se
cumpra.
número, mortos todos de miserável morte. Faltava 'é~J e a
minha morte será a mais horrível de todas. VOl.!,.tambéf0ypara
debaixo da terra, sem que haja cumprido a vida 'que o destino (Os escravos empurram Antígona pm'a fora da cena.]
me concedera. Mas alimento, ainda, a esperança de, ao chegar
lá abaixo, ser bem recebida. por meu pai e por minha mãe; ANTIGONA - O, terra tebana, cidade de meus pais!
Deuses da minha estirpe! Vede com que pressa me levam; vede,
e que tu me aceitesy meu querido irmão! Com minhas próprias
cidadãos principais de Tebas, como levam a última filha dos
mãos lavei vossos cadáveres, preparei-os e sobre os vossos. 8
vossos reis! 2 • Vede o que vou sofrer e por obra de quem!
túmulos fiz as libações rituais. E eis o que obtive, por querer E tudo, por prestar o respeito devido aos mortos.
observar o respeíto devido ao teu corpo, Polinices ... Os pru-
dentes não hão-de censurar-me por isso; pois, nem que tivera (Sai Antígona)
filhos e meu marido estivesse moribundo, eu deixaria, contra a
vontade do povo, de desempenhar este doloroso papel. Em vir-
tude de que lei digo isto? Ê que, se um marido me morresse, CORO - Também Dánas 29 foi obrigada a trocar a luz do
podia encontrar outro; e até outro filho, se algum perdesse do dia por um 'cárcere fechado com portas 'de bronze; e, ali,
anterior matrimónio. Mas, mortos meu pai e minha mãe, ambos submetida ao jugo de um tálamo sepulcral. Contudo _ pobre
já em Hades, nenhum outro irmão podia ter. Por isso, irmão, Antígona! - também era fíliha de família ilustre, recebera, e
além disso, a semente de Zeus, que sobre ela desceu como uma
te honrei a Iti, mais que a ninguém. Mas Creonte viu nisto uma
chuva de ouro. É implacável a força do destino 80. Nem a feM-
acção má e um terrível atrevimento. E,/ agora, prendeu-me;
. cidade, nem a guerra, nem torre forti'ficada, nem as negras
estou nas suas mãos, arrasta-me para um sacrifíoio, sem boda,
naves batidas pela violência do mar, lhe podem ;fugir!
sem himeneu, sem esponsais, sem filhos para criar. Assim.-sem
Também foi ,dominado o irascível filho de Driante, rei dos
amigos que me valham, vou - ó desgraçada: e viva, ainda!-
: Edonos. Pela sua cólera mordaz sr, Dioniso meteu-o, como
para o túmulo. Por haver transgredido alguma lei divina?'
. numa couraça, em prisão de pedra; e deste modo se vai consu.
E qual? Servirá, agora, ai, pobre de rnirnl, voltar-me para os
Ipindo o terrível, o desatinado furor da sua loucura. Assim
deuses? A qual poderia, agora, implorar auxílio? Por ter pie- '
conheceu ele a divindade, que ofendeu com língua enlouque-
dade, sou 'chamada ímpia; e se os deuses me julgarem assim, cida, quando pretendia apaziguar as mulheres que o deus pos-
reconhecerei o meu erro. Porém, se são outros os que erram, suía e extinguir o fogo báquico; quando irritava as Musas que
que todos os seus males sejam maiores do que os meus _ estes . deleitam com os SO'Dsharmoniosos das flautas. Junto das
que injustamente sofro.
escuras Simplegadas n2, à beira de dois mares, ficam as margens
doBósforo e as costas do trácio ~"ln-o;A~~~ •• . _ _
- - -- - ••• _.~~~~~~'_U<::<.!~::t::::,.F~~i:;'\':~:~:,~.: ..L~~~~~:~~'!'".. ~.
' ~-",~,-,.--,

portas Ares viu como, de uma esposa selvagem, recebiam atroz


cegueira os dois filhos de Fineu; cegueira que reclamava vin- TIR:B:SIAS - Sabê-la-ás, quando ouvires os sinais da minha
gança nos olhos vazios rebentados por cruéis mãos, à ponta de arte. Estava eu sentado no lugar donde, desde sempre, observo
agulha.~):) . : as aves 96 -lugar de reunião de toda a espécie de pássaros-
Lamentavam os infelizes, com ~hºr:º-Sl- a .sua trágica des- e ali ouvi um barulho, jamais ouvido, composto de frenéticos
e cruéis gritos, difíceis de interpretar.
graça; esses dois filhos de uma mãe mal casada, ainda que,
por nascimento, remontasse aos antigos Erectidas 84. A ela, que Senti.. então,/que as aves se feriam umas às outras, com
foi criada e~ cavernas distantes, ao acaso dos ventos pater- as garras 'destruidoras; foi o 'que concluí do estrépito das asas.
. nais, Hlha do deus Bóreas, veloz como um corcel sobre Amedrontado) tentei sacrificar uma das vitimas, no fogo das
escarpadas colinas; também a ela, as Parcas S~ revelaram o aras 81; porém, Hefesto 98 não eleva as chamas e só a gordura
seu poder. da vitima 'tombava, gota a gota, sobre as cinzas, e se consumia,
. crepitante e a fumegar. No fogo, as entranhas espalhavam um
odor nauseabundn, e queimavam-se-Ihes os músculos, derretida
a gordura que os' cobre.
(Entra o velho e cego Tirésias, guiado POI; UI1J, moço.)
Tudo isto - presságios negados, de ritos que não oferecem
..sinais- o soube por este rapaz, que é o meu guia, como eu o
TIRÉSIAS - Soberanos de Tebas, aqui c~egámos os dois, . sou de outros. Pois bem: o caso é que a cidade enferma destes
guiados apenas pelos olhos de um. É esta a maneiraqus quadra males, só por tua vontade, pois as nossas aras e os nossos lares
aos cegos: ser acompanhado por um guia. estão cheios de comida que as aves e os cães arrancaram ao des-
graçado filho de Edipo, caído em combate. Os deuses já não
aceitam as súplicas que acompanham os sacrifícios; nem já as
CREONTE - Que há de novo, velho Tirésias?
gorduras dos animais imolados provocam chamas. Nem se colhe
um só sinal do estrepitoso grito de uma ave, saciadas como estão
TIRÉSIAS - Já to vou explicar, e crê no que ouvires ao em sangue e gordura humana. Reflecte, pois, em tudo isto;
adivinho. ' e, se erraste, procura emendar. O orgulho arrasta, atrás de si,
o castigo da estupidez. Cede, pois, perante o morto. Não te
CREONTE - Nunca, pelo menos até hoje, desprezei os indignes contra quem já teve o seu fim. Que proeza é essa
teus conselhos. de matar quem já está morto? :B:pensando na tua felicidade
que te 'dou conselhos.

TIRÉSIAS - Por isso, tens dirigido, rectamente, a nave


do estado. CREONTE - Toda a gente, velho Tirésias, como archeiros
visandoo alvo, busca atingir-me com suas flechas; nem mesmo
os adivinhos deixam de me atacar com a sua arte. Há muito
CREONTE - O meu governo pode testemunhar como tem
sido proveílosa a tua ajuda. que os da tua classe me venderam como mercadoria. Comprai,
, com Vossas riquezas, todo o ouro branco de Sardes e até
da lndia. Mas, a ele, não o vereis nunca enterrado; mesmo
TIRÉSIAS - Pois bem: pensa, agora, que chegaste a um
momento crucia:l -do teu destino. que as águias de Zeus queiram tê-lo como alimento e o arrebatem
ao trono do deus. Nem mesmo assim, consentirei que o
"rem, pois não temo, não!, esta profanação, ainda que saiba
CREONTE - Que se passa? As tuas palavras fazem-me
estremecer. nenhum homem deve desafiar a divindade, Quanto a ti,
Tirésias, sabe 'que até os mais hábeis homens snfrpm
~ !!!!!!!

queda bem ignominiosa, quando ocultam a sua avareza comi TIRJ':SIAS -- Obdga>-me a dizer-te o que não quero que
um 'belo disfarce de palavras. ' .me passe sequer pelo pensamento.

TIRf:SIAS - Ai! Há
possa afirmar ... aí algum homem que sa·iba, que!;. CREONTE - Mas di-lo, contanto que não 'fales só no teu
interesse. .

agora?CREONTE - O quê? Com que máxima já sabida vens"


TIRÉSIAS - Na parte que me toca, assim será.

juizo?TIRÉSIAS - '" em que medida a maior l1iqueza é ter, fm minhas


CREONTE
decisões -nãoEstá bem. Mas
se vendem. sabe, desde já, que as

CREONTE - Na medida justa, parece-me, em que o maiorf.


TIRÊSIAS - Está bem; mas sabe, desde já, que o Sol não
i mal é não o ter. . ,
rodará muito sem que um teu descendente morra, para com-
pensar os mortos que tens enviado lá para' baixo; e, também
TIRESIAS - Mas tu, afinal, nasceste já enfermo _ e de pela vida que indecorosamente encerraste num túrnulo, enquanto
que rnaneirat - dessa enfermida.de. 'conservas, sobre a terra, um morto que é pertença dos deuses
subterrâneos, e ao qual privas do seu direito a oferendas e a
CREONTE - Recuso-me a responder, com injúrias, ao piedosos ritos. Nada disto é de tua incumbência, nem tem a
. adivinho. aceitação dos deuses celestes. Não passa de violência, o que
fazes a ambos. Por isso, destruidoras e vingativas, já se acercam
de ti as divinas, mas mortíferas, Erínias 39, para punir os teus
TIRÊSIAS - Mas usas delas, quando dizes que não é certo
quanto vaticino. crimes. Reflecte que não falo de dinheiro; digo~te que, dentro
em pouco tempo, se ouvirão, em tua casa, gemidos de homens
e de mulheres. E todas as cidades se agitam, inimigas; todas
CREONTE - Toda a classe de adivinhos é ávida de onde haja chegado o fedor dos despojos dos seus soldados, até
dinheiro.
lá levado por cães, por feras ou aves que os devoraram 40.
' Porque me desafiaste. aqui estão os dardos que, como archeiro,
. TIRÊSIAS - E à classe dos tira:nos agradam as nquezas
mal ganhas.
!.
te atiro direitos ao coraçã.o. E não conseguirás fugü' à dor que
hão-de causar-te. (Ao moço que o guia.] Leva-me para casa,
filho, e 'que este descarregue a sua cólera contra gente mais
CREONTE - Não reparas que o que dizes o dizes aos jovem; e que aprenda a usar da língua com 'mais acerto e a
teus chefes? ' pensar rnelhor do que pensa agora.

TlRESIAS - Sim, reparo; e mais reparo que, se manténs a


salvo a cidade, a mim mo deves. (Tirésias e o l11OÇO saem de cena.)

'; CREONTE - Sagaz adivinho és tu, mas agrada-te a m-


justiça.
CORIFEU -- Partiu, enfim, senhor, deixando-nos terríveis
Y vaticínios.E sabemos _ rlpc:.r!p n"n ~,"j __
se tornaram brancos - que sempre as suas predições saíram
certas. L0RO - O deus de múItiplas invocações H, orgulho de
tua esposa Cadmea 42, filho de Zeus tonitruante; tu, que circun-
das a Itália de vinhedos e reinas nas encostas de Demeter Eleu-
CREONTE - Sei-o bem e, por isso, o meu espírito vacila. sim iB'; Ó deus Ba:co, que habitas Tebas, a oidade-mãe das
Ê terrível ceder; mas é terrível, também, resistir teimosamente, bacantes, situada junto da corrente húmida do Ismene, sobre
concitando um castigo enviado pelos deuses. a sementeira do feroz dragão H. A ti, te viu o fumo, radiante
como um relâmpago, sobre a rocha de dois cumes H, por onde
CORIFEU - Convém que raciocines com cuidado, Who passeiam as ninfas carícias 46, tuas bacantes; e também te viu
de Meneceu. a fonte de Castálía 41. Oferecem-se as lombas cobertas de hera
e os cumes cercados de v'inhedo dos montes de Nisa 48, quando
visitas as ruas de Tebas, cidade que mais amas entre todas;
CREONTE - Mas que hei-de eu fazer? Fala, porque estou tu e Sérnels, tua mãe ferida por uin raio. E, agora, que toda
disposto a obedecer~te.
a cidade foi atingida por uma grande desgraça, acode-lhe, atra-
vessa-a com o teu pé que puri'fíca tudo quanto pisa; vem pela
CORIFEU - Seja assim: retira Antígona da sua morada encosta do Parnaso ou pelo Euripo iU, o ,rurnorejante estreito.
! subterrânea, e dá sepultura ao morto que jaz a'bandonado. O tu, que diuÍges a dança dos astros que sopram fogo I O tu,
senhor, que presides aos nocturnos clamores! O tu, filho de Zeus;
vem, agora, com a tua comitiva de tiadas 50, que, em torno
CREONTE - f: ISSO que aconselhas? Segundo pensas,
devo, então, ceder? de ti, dançam, enlouquecidas, toda a noite,· chamando-te
laco 61, o Pródigo.

CORIFEU - E o mais depressa possível, senhor! Aos que MENSAGEIRO - Vizinhos do palácio que Cadmo e An-
teimam em pensamentos errados, cortam-lhes o caminho os fisso 52 fundaram, jamais direi que este ou aquele homem,
rnades que, velozes, os deuses lhes enviam.
durante a sua vida, não seja digno de louvor ou censura; não
é possível, porque o acaso, sem pausa, tanto levanta como
CREONTE - Ai de mim! ~ com sacrifício que sou forçado afurida o afortunado ou o desafortunado. Nada se pode prever,
a mudar de ideias sobre o que dispus. Não há maneira de lutar porque nada é definitivo para os mortais. Por exemplo, parecia
contra o destino. que Creonte era digno de inveja, por ter salvo dos seus inimigos
esta terra de Cadmo. E, chamando sobre si todo o poder, se
impunha à cidade, e florescia na nobre senda dos seus filhos.
CORIFEU - Vai, pois, e fá-lo tu próprio; não confies a, De tudo isto, porém, já nada resta, pois, se um homem teima
ninguém essa tarefa.
em renunciar ao que era a sua alegría, não o considero já no
número dos vivos, antes o julgo um morto vivo. Acrescente
CREONTE - Sim, vou, e imediatamentel Vamos, venham ele os seus bens, e tente viver com a dignidade de um rei: fal-
servos, os que estão aqui e outros maisl Muni-vos, rápidos, de ,'" tando ..•lhe a alegria, o mais não o compraria eu, nem pelo preço
pás e picaretas, e subi àquele lugar que se vê lá em cima. ,c
de uma nuvem de fumo, pois a feJ,icidade estava ausente.
'Quanto a mim, já que mudei de opinião, quero ser eu próprio
a desatar o nó que atei. Pois considero, neste momento, que o '
(Abre-se a porta do palácio e, sem que os presentes o
melhor é não passar toda a vida na observância das lei:j cons-
tituídas, ' notem, aparece Eurídice, mulher de Creonte, acom-
panhada das suas servas.)
44
45
._. :>._- k_
CORIFEU - Que infortúnio dos reis é esse que vens anun-
ciar-nos?
deusa Palas 58. Precisamente, ao abrir o fecho da porta, che-
gou-me ao ouvido o rumor de um mal que caiu sobre a nossa
casa. DesmaJiei nos braços das mi!l.1hasescravas e, por momentos,
MENSAGEIRO - Morreram. E os responsáveis pelas suas
mortes são os vivos. f,jquei inconsciente. Seja qual for a notícia, repeti-a, pois estou
já bem experimentada pelo infortúnio e saberei ouvi-la.

CORIFEU - Quem matou e quem são os mortos?


MENSAGEIRO - Presenciei os factos, respeitável senhora,
i e não omitire,i pormenor do su'Cedido. De que servirá rodear a
MENSAGEIRO - Hémon morreu, e, com as suas próprias verdade, se, com isso, posso ficar ,por mentiroso? A verdade é
mãos, derramou o seu sangue. sempre o mais recto caminho. A'companhei teu marido até ao
cimo do planalto, aonde estavam, ainda, abandonados sem pie-
dade, os destroços, deixados pelos cães, do 'cadáver de Polinices.,
CORIFEU - Pela mão de seu pai ou pela sua própria mão?
Dirigimos uma súplica à deusa dos caminhos 54 e a Plutão 55,
para que nos fossem propícios, e contivessem as suas iras; tomá-
MENSAGEIRO - Por SUas próprias mãos, como desespe- .rnos um banho purificador, juntámos ramos de oliveira, e,
rado protesto 'contra o crime peI1petrado por seu pai. pegando-lhes fogo, queimámos o que restava do cadáver, dei-
tando, depois, terra sobre os restos do morto, até 'Conseguir
uma alta sepultura. Dirigimo-nos, então, para o lugar onde a
(Eurídice e as servas desaporecem pela porta do palácio.) i rapariga tem o seu tálamo nupcial, 1eito de pedra e cova
"de Hades.

~' Alguém que ouvira, desde longe, vozes, agudos lamentos,


CORIFEU -O adivinho, quão certas foram as tuas . em tomo do túmulo a que faltaram honras fúnebres, veio junto
palavras I
"do nosso amo Creonte, chamando-lhe a atenção para aquilo.
''Creonte, conforme se aproxima, mais nítido lhe chega aos ouvi- ,
' dos o rumor dos queixumes. Com voz gemebunda, Creonte diz,
no outro. . .' '. usando leutã? entra sot~ço,; «Ai de mim. desgraçado! Como poderia
MENSA GEIR O - ASSIm sucedeu, e podei' Ir pe . adlVlllha< IRI coisa? PelTorro, agora, o mais doloroso carrullho

quantos percorri na vida. É de meu filho esta voz que ouço!


,(Depois.de breve pausa, reaparece Eurídice que desce,. , servidores! Correi, velozes, para junto do túmulo; des-
uma das pedras, abri-lhe uma entrada, metei-vos dentro,
alguns degraus da escadaria, para melhor ouvir o
mensageiro. ) verifiocai se a voz que escuto é a de meu filho Hémon, ou se
,trata de um engano, forjado pelos deuses.»
E nós, cumprindo o que o nosso desalentado chefe nos
CORIFEU - Estou a ver a infeHz Eurídice, a sair do a, olhámos para o interior da caverna e vimo-la, a ela,
cio, talvez para mostrar a sua dor pela morte do filho, a pelo pescoÇo, estrangulada por um laço feito com
mero acaso, seu lfino véu; enquanto ele, a seu lado, abraçando-a pela cin-
, chorava, não só a perda da noiva, agora morta, mas tam-
o crime do pai e o desgraçado amor. Quando Creonte o
EURIDICE - Cidadãos, voaram até mim algumas d são 'dilacerantes as suas queixas. Vai junto do Who e
vossas' palavras, quando me dispunha a ir suplicar a ajuda com dolorosos lamentos: «Que fizeste, infeliz? Que
AJ:: agma? Q~e desgraça te privouda razão? Sai daí, meu
filhol Rogo-te, suplico-te.» Hérnon olha-o, então, de cima a
baixo, cospe-lhe no rosto; e, sem nada responder, tira da bainha]
CORIFEU - Eis que chega o rei, traze<ndo nos braços
a espada de dois gumes. O pai, de um salto, evita o golpe. urna evidente prova do seu errn; seu e de mais ninguém.
Falhando, o desgraçado volta-se, iroso, contra si próprio: incli."
na-se sobre a espada, fazendo que ela se enterre no corpo, até
meio. Consciente ainda, mas já sem forças nos braços, enlaçalt: CREONTE - Vede, reparai como, na mesma estirpe, há
a jovem e, sobre a branca face dela, lança uma golfada assassinos e vítimas! Tudo derivado da minha obstinada razão
sangue. Ali ificaram, cadáver ao lado de cadáver, celebrando, que não racioónal O erros fatais! Ai, ordens minhas, que só
finalmente, a boda - mas no Hades. Isto é uma lição para os. trouxeram desgraça! ló filho meu! Em plena juventude _ pre-
mortais: para que vejam até que ponto o pior ma-l do homem maturo destino, ai, ai, ai! - morreste, vítima dos meus desa-
tinos, que não dos teus.
é a irreflexão.

CORIFEU - Ari, só tarde demais viste o que era justo!


(Sem proferir palavra, Eurfdíce sobe as escadas e entra
no palácio.)
CREONTE - Ai, mísero que eu sou] Só agora aprendi I
Sobre a minha cabeça Um deus desferiu pesado golpe. Sim,
por caminhos da violência me lancei, abatendo, esmagando,
CORIFEU - Tinhas necessidade de contar tudo com tais Icom os pés, o que era a minha alegria!
pormenores? A rainha saiu daqui sem dizer palavra, nem Ió, desgraçados esforços, penosos esforços, os dos homens!
bem nem para mal.
·r
MENSAGEIRO - (Que sai do palácio.) Senhor! O que
MENSAGEIRO - Eu também estranhei o facto, mas tenha susténs em teus braços é dor que já te visitou; mas outra vais
esperança que procure apenas não chorar em público, depois ter, ainda, em tua casa. Não I/:ardarás a sofrê-la.
de ouvir o triste fim de seu filho. Na intimidade da casa, man-
dará que as escravas preparem o luto. Não lhe falta juizo e nada
fará mal feito. CREONTE - O quê? Pois haverá um mal maior que este?

MENSAGEIRO - Tua mulher, mãe legHima deste morto


OORIF'EU - Não sei. Tamanho silêncio não anuncia
de bom, tanto corno uma vã gritaria. (aponta para o cadáver de Hémon), matou-se, Sucumbindo aos
ferimentos que ela pr6pria 'fez em seu corpo, ó desgraçada I

MENSAGEIRO - Sim. Vamos! Entrando, logo saberemq


se ela esconde, no coração animoso, algum fatal desígnio; CREONTE - O fúria infernal, que nenhuma purificação
. Consegue aplacar! Que mais desejas de mim? Porque me queres
tens razão: em tal silêncio, adivinho algo de funesto.
matar? (Ao Mensageiro.) Tu, que trouxeste tão más e dolorosas
conta o que se passou. Eu já estava morto e queres
-me a matar? O que dizes? O que dizes, jovem; o que
(Entra no palácio. Momentos depois, surge em de uma nova vítima? VHima _ ai, ai, ai! _ que se soma
Creonie, acompanhado do séquito,trazendo, esta calamidade de mortes. Minha mulher jaz morta?
brt;lços, o cadáver do filho. Tem o rosto des
pelo sojrimento.]

48 (Os. escravos ntiram do palácio o cadáver de Eurídice.)


~ ,.•••••
··-·_~ •...• "'"
~~Ml!Kt~1dt~~~ ="Iiiõi'."" ....,_'"m~.:l:_.",'""=~"""~-"

CORIFEU -
o que se passou.
Vê com teus próprios olhos. Não é ii segredoI
CORIFEU - Tudo virá na hora própria. Agora, convém
encarar o presente com 'Coragem, Do futuro, que cuidem os que
dele hão-de c~dar.
CREONTE - Ai de mim, ó infortunado, já nova desgrJça
vem juntar-se às mais. E porquê? Que destino me esperr?
Sustenho nos braços o corpo morto de meu filho e já, ante mim, CREONTE - Na minha súplica está quanto desejo.
se 'aipresenta outro cadáver. Ai, lamentável sorte, ai!, a da mãe
e a do ~ilho! I
CORIFEU - Não é este o momento para súplicas. Não
I; há homem que possa fugir ao destino que lhe foi marcado,
MENSAGEIRO - Ela feriu-se com afiado gume, senrada
ao pé do altar doméstico, deixando que a escuridão da mo~te
descesse sobre os seus olhos, depois de chorar a morte de Me«e- eREONTE - (Aos seruos.} Vá, levai daqui este néscio!
ceu 56, ocorrida há tempo, e a de Hémon, e de implorar topa
a sorte de ill'fortÚlnios para o matador de seus filhos. 1 (Aponta para
Filho 'querido,
Que miserável
si. Depoú, voltando-se para os dois cadáveres.)
que sem querer matei; e a ti, também, esposa!
sou! '" Não sei sobre qual dos dois me inclinarei.
TUdo em que ponho mão, resulta em mal; e sobre a minha
eREONTE - Ai!, ai! Ai!, ai!,que me sinto tomado ae
cabeça desabou um destino cruel que ninguém pode alterar.
pavor! Venha alguém ferir-me no peito, com uma espada ille
dois gumes. Que miserável' sou e de 'quanta desgraça participh]

- MENSAGEIRO - Segundo esta morta que aqui vês, o


pado de urna e outra morte és só tu.
eJ (Os escravos leo am. Creonte,
só em cena o coro.)
profunda'mente abatido. Fica

CREONTE - E ela, de que modo se matou?

CORIFEU - A prudência é, em muito, a base da felici-


MENSAGEIRO - Golpeando o peito com sua própria mão,
dade. E, no que é devido aos deuses, não se pode CÜ'll1eter
ao inteirar-se do lamentável infortúnio do filho. i qualquer deslize, Não! As palavras de altivez, ditadas pelo
orgulho, acarretam, para os orgulhosos, os mais rudes golpes.
eREONTE - Ail Ai de mim! A culpa de tudo, só a. os anos se aprende a ser prudente.
cabe e a mais ninguém .... Sim, fui a 'Causa da morte
infeliz. Digo a verdade! Levai-me, servidores, o mais
possível; tirai-me da:qui, a mim, que já nada sou.

OORIFEU - Isso que pedes te aproveitará, se pode


algo de proveitoso entre tantas Idesgraças. Os males que
um terá de enfrentar, quanto mais cedo vierem, melhor

CREONTE - Que venha, que venha, que surja,


os meus dias, o último: o que me levará ao derradeiro
Que venha! Que venha!, e já não veja eu um novo dia!
t;()
II'IStiI:,l;nlõ.

I~·
c

) Morto Etéocles em combate, recebeu Creonte, no próprio campo


da luta, o c~mando
mílitar». do exército. Assim, estratega significa «chefe

" Etéoales e PaI inices , os prelimina,res do tema da Antigona.


foram tratados por Ésquilo na sua obra Os sete contra Tebas.
' Um oráculo profetizava a Edipo que havia de matar o pai
e desposélJr a mãe. Ao descobrir o que havia feito, des8sper3Jdo. cega-se.
' J ocasta suicidou-se, ao descobrir que o estrangeiro que deci-
frara o enigma da esfinge de Tebas e, por morte de Laia, lhe fora
dado como esposo, era, no fim de contas, o matador do próprio Laia
e filho de 'ambos (ver Rei Édipo).
, A submissão da ill,U'lher ao homem é, em S6focles, um tema
constante. Aqui, a atitud« de Ismeno, ao' aceitar, corno inábalável,
a decisão dos chefes, traduz bem essa submissão. .
o Trata-se de uma fO!1Jte existente dentro de uma gruta, ao pé
da acrópole de Tebas. As suas águas representam Tebas,
1 Polinices -tomou como mulher uma das filhas de Adrasto, rei
de Argos, ao qual convenceu a vir atacar Tebas,
8 Os Tebanos consideravam_s'e «filhos da serpenteJ>, nascidos da
sementeira de dentes deste animal, reaJizada antigamente por Cadma.
Note-se, porém, que a se.fpente surge, aqui, trazida pela referência
à água, sabendo-se
inimigos, que os dois an irna.ís , a ave e o réptíl , são figadais

• Tânta!lo, filho de Zeus, q'ue fora outrora um ,deus destacado


entre os mais, cita-se aqui como exemplo,de arrogância, comparando-o
a Polinices, pois foi 'Por arrogância que Tântalo sofreu o conhecido
suplício, no qual, metido na água até ao pescoço, q'uase morto de
sede, e pos-to à sombra de urna árvore frutal, padece fome, pois,
quando tenta tocar-lhes com a boca, tanto as águas como os frutos
a!Íastam-se dele.

10 Etéocles e Polinices, filhos de Édipo e Jocasta, mataram-se


um ao outro, em combate singular.

dualista.
11 Aqui se dá a Antígona um caráüter viril. decidi:do, indivi-

)2Cadmeus são os descendentes de Cadmo, o lendário primeiro


rei de Tebas o semeador dos dentes da serpente, dos quais, segundo
se acrediJtava, provêm os Tebanos.
11 Cidade sibuada a nordeste do Bósíoro. O terceiro personagem
li O tom duro de Creonte e a srua decisão relativamente a Poli-
é a madrasta dos filhos de F'Inio e Cle6patra, que que cegou os enteados.
nices assemelham-se às falas de Menelau e de Agamémnon, em Ajax .
Cle6pwtra foi vítirrna, depois de morta, de uma maldição. A relação
14 Arrtígona tara prometida a HémO'J1, filho de Creonte, que, entre estes factos e o caso de Antigona não se compreende bem.
pa:ra poder casar-se com outra mu'lher, fa:Hou à. 'P rOílI1eSS
a , embora já
estivesse aprazada a boda, facto a que Ismene se referirá mais adiante. I< Gle6patra era filha de Oráfia , filha, por sua vez, de Erecteu.

" Os manuscritos atribuem esta exclamação a Ismene; porém, } •• Parcas, ou Moirai, eram as divindades que fiavam o destino
alguns editores, como Jebb, indicam-na como proferida por Antigona. " 'dos homens.
j-ulgamos mais plausível que seja ela a defender o noivo, fi.lho do rei. lO O conhecer a vorutade dos deuses, através do movimento das
aves (os cha:ma:dos (causpici05U), era crença, entre os Gregos cama,
1. Famflia .real de Tebas, descendente de Lábdaco, pai de Laia.
depois, entre os Romanos.
1T Significa, como ainda hoje, «caminhar sobre brasas»; isto é,
91 Outro processo de adivinhar, consistia em queimar, como
avenburar-se a difkeis e arrtscadasempresas.
sacrificio aos deuses, carne de animais, observando a forma das chamas.
18 Para urn rgrego , a cidade são os cidadãos 'e, como uma nave,
•• Hefesto , deus do fogo, significa, aqui, o próprio fogo.
não se aventurada ao mar sem tripulação. Vazias ou desertas, nem
a cidade nem a nave serviriam para alguma coisa. Assim, se tornaria lU As Erínias erarn divindades do Hades (isto é, do Inferno),
ridícula a posição de quem, numa ou noutra, se considerasse chefe. enC31rregadas de punir os crimes de sangue ou outros que afectassem
18 Hémon refere-se à sua própria morte, mas Creonte pensa que ,; a ordem estabelecida pelos deuses.
é à dele. .0 Daqui, ressal-ta a alusão ao fado de, não só Polinices, mas os
2. Os deuses castigavam quem causasse a morte de alguém. S1mS aliados,' ficarem insepubtos. Foi esta a causa da Guerra dos Epí-
Assim, no começo do Rei Édipo, grassava em Tebas uma grande peste gonos. que descendiam desses mortos.
por o assassino -de Laio não ,ter sofrido o casHgo devido. U Trata-se de Dioniso, considerado patrono de Tebas, o de mais
21 Eras, Hlho de Aírodite, queartira setas aos corações' de deuses de sessenta invocações. A hera e o vinhedo são atributos deste deus.
e h=eTIS, para os enamorar. •• Sémele, fi'lha de Cadrno, era amada 'por Zeus, tendo pedido
2~ O coro, que primeiro invoca' Eras, termina, dirigindo-se a a este que Ihe aparecesse com todo o seu 'poder. Então, Zeus enviou
Mrodite, mãe de Eros, a deusa do amor. ,. raios etrovôes ql\le fulrninaram Sémele, mas salvou-1he °
filho Dioniso.
Aqueronte
21 é o rio qrue separa os vivos dos mortos. " Dioniso era venerado em Elêusis, ao lado de Deméter, com o
•• 'Níobe, filha de Tãnta'lo e mulh-er de Anfíon , rei de Tebas, nome de laca.
vangloriou-se, peramte a deusa Latona, de ·ter muitos filhos. Então, •• Ver nota 8.
os filhos daquela deusa, ApoIo e Ãr temis, ofiwtaram todos os filhos de <. Rochas Fedrladas que ficavam no Parnaso, próximc de Delfos.
Níobe, ql\le, pela dor sofrida, se rnetarnorfoseou em pedra. da qual •• Ninfaa coricias, ou bacantes, companheiras míticas de Dioniso,
brotou uma forrte: as lágrimas da pobre mãe. que empunhavam archotes, durante as danças orgiásticas. O nome de
" O coriíeu é sincero ao referir-se à hêroicidade de Antígona; carícias advérn da gruta Corícia, existente nas encostas do Pamaso,
mas esta, no seu abatímento, pensa que ele troça. consagrada a Pã e às ninías.
21 A atitude de Creonte é, pode dizer-se, formalista: mata AnH- 41 A fonte Castália, al irnentada pelas águas que brotam de entre
gana sem derramarnerrto de sangue, para que, não havendo sangue, as rochas Fedrlades, ficava à. entrada do santuário de Delfos .
não seja exigida expiação. '8 Nisa, provàvelmente situada na ilha de Eubeia, onde cresciam
., Perséíona, mulher de Hades, rainha dos Infernos. as plantas que eram atributos do deus Dioniso. Parece que Nisa deri-
28 A «úbtima filha» , porque Ismene não conta, dada a Iraglhdade vava de Dioniso.
do seu carácter. •• Euripo, qrue separa Eubeia .da Be6cia.
•• O coro invoca. as três famosas personagens reais que não con- 'o Tiades eram as ninfas que participavam nas orgias dionísicas.
seguiram fugir ao desrtino. Ean pr1meiro .lugar, Dáriae, q'ue o pai meteu
., Ver nota 43.
numa prisão, fechada 'Com portas de bronze, que não impediram, con-
., Amfisso trurnbélll foi rei de Tebas,
tudo, a visita de Zeus,
ao A irmrtab ilidade do destino era crença segura dos Gregos. •• Havia, 'em Tebas , dois templos a Palas Atena.
31 O filho de Drrante, é Licurgo, sobre o qual Esquilo escreveu •• Hécate ma a deusa das enoruzilha,das.
urna trilogia, hoje perdida, cujo tema. é o do rei que se opõe à divin- Outro nome de Hades, deus dos Infernos.
es
dade e é castigado por 'ela. Meneeeu é o outro filho de Creonte e Eurídice,
110 que mor-
•• Rochas negras, à enbraxla do B6sfoTO. rera antes.

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