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SEMANAL
A NEWSMAGAZINE MAIS
MAI S LIDA DO PAÍS WWW.VISAO.PT

REALEZAA
OS ESCÂN
ESCÂNDALOS
DALOS
QUE ABAL
ABALAM
ILHAS:
Nº 1463 . 18/3 A 24/3/2021 . CONT. E ILHA

OS TRONOS
PRESIDÊNCIA
PORTUGUESA
PATROCÍNIOS
PROVOCAM
MAL-ESTAR
NA EUROPA

Jacqueline Acevedo,
consultora, trocou Boston por Cascais,
que não conhecia. “Sei que parece
uma loucura, mas tive um feeling”

                         

O SONHO PORTUGUÊS
QUE ATRAI OS AMERICANOS
AS HISTÓRIAS DE QUEM DEIXOU O “AMERICAN DREAM” PARA TRÁS E SE MUDOU PARA
PORTUGAL, POR CAUSA DA QUALIDADE DE VIDA, DO INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO,
JOSÉ CARLOS CARVALHO

DOS VINHOS OU SÓ PARA FUGIR DE TRUMP. AS AUTORIZAÇÕES DE RESIDÊNCIA A CIDADÃOS


DOS EUA QUASE DUPLICARAM E OS VISTOS GOLD MULTIPLICARAM-SE POR SEIS
                         
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A EVOLUÇÃO
DUAS OPÇÕES FORÇADA
DE LEITURA DA REVISTA Uma investigadora
portuguesa está a estudar a
Pode escolher resposta dos animais para se
adaptarem às mudanças
como prefere ler provocadas pelo
aquecimento global
a edição semanal: LUÍS RIBEIRO

em formato pdf, Diana Madeira quer saber se as


alterações climáticas podem acabar com
com primazia uma espécie de minhocas marinhas do
género científico Ophryotrocha.
Olhando para elas, uns vermes
para o grafismo, ou minúsculos que mais parecem
centopeias viscosas, é fácil pensar que a

em formato de texto, sua extinção, seja por que razão for, não
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do mais de 2 700 metros
vezes, perfazendo
confortável dos artigos ados
do na
de altura escalados
em
também no Yosemite,
n vertical. Em 2012,
fez subidas
“E Cap”, da Half Dome
consecutivas do “El
ou caixas completos, kin as três mais altas
e do Monte Watkins,
rqu perfazendo
elevações do parque, p 2 133
basta carregar. me
metros verticais em menos de 19 horas.
oi com David Allfrey,
E dois anos depois,
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subiu sete rotas diferentes
Pode escolher o corpo s. N
“El Cap”, em sete dias.
endero
No México, em
er Luminoso
2015, escalou o Sendero Lu –

de letra mais adaptável 500 metros de rochaha no


n Parque
P de
pen três horas,
Potrero Chico, em apenas
ni
quando muitas duplas de alpinistas
ao seu gosto p
demoram dois dias, com proteção. ção.

MPRE DIMEN
EMPREENDIMENTO ARRISCADO

NAVEGAÇÃO INTUITIVA Na origem de Free Solo está uma


amizade e a determinação em superar o
► Deslize para navegar que parece impossível. Alex Honnold e o
realizador Jimmy Chin também
entre páginas < ANTERIOR 33 / 102 SEGUINTE >

► Aproxime e afaste
para ver detalhes

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VISÃO
18 MARÇO 2021 / Nº 1463

10 Entrevista: Lutz Jäncke

RADAR
14 Raios X
16 A semana em 7 pontos
18 Holofote
19 Inbox
20 Almanaque
GETTY

21 Transições
22 Próximos capítulos
26 Imagens do mundo 68 Monarquias em vias de extinção?
Ao darem uma entrevista em que acusam a Casa Real de racismo, os
duques de Sussex provocaram a enésima crise que Isabel II enfrenta em
FOCAR quase sete décadas. Os reis e as rainhas são mesmo um anacronismo?
74 Como será o PAN
sem André Silva?
78 O enredo dos “patrocínios”
30 Portugal, a terra prometida
Nos últimos seis anos, as autorizações de residência concedidas a
da Presidência Portuguesa cidadãos dos Estados Unidos da América quase duplicaram – e nem a
80 Saúde: rastrear a pandemia pandemia abrandou as chegadas. O que oferece este sonho português?

VAGAR 40 Retrato de uma economia infetada


84 Bordalo confinado O ano de 2020 foi muito duro. De que setores provieram as principais
90 Pessoas dores dos efeitos económicos da Covid-19?
92 Tendências
50 Filhos da pandemia
VISÃO SETE Histórias dos primeiros bebés portugueses nascidos em tempos
de novo coronavírus

56 “Não estamos a tratar de feridas coloniais”


Entrevista ao militar e escritor Carlos Matos Gomes, nos 60 anos
do início da Guerra Colonial

62 À procura do inimigo interno


95 Cinco marcas que recuperam A administração de Joe Biden prometeu derrotar a extrema-direita,
a arte da madeira a maior ameaça que os EUA enfrentam desde a guerra civil de 1861-1865

OPINIÃO Online W W W.V I S A O . P T


6 Mia Couto Últimos artigos no site da VISÃO
8 Mafalda Anjos
23 José Manuel Pureza
77 José Carlos de Vasconcelos
94 Capicua
114 Ricardo Araújo Pereira Manuel Delgado Paulo Mendes Pinto Manuela Niza Ribeiro
ADMINISTRADOR HOSPITALAR A CIÊNCIA DAS RELIGIÕES IGUALMENTE DESIGUAIS
O calendário do De quantas origens Passaporte Covid: Sim,
Interdita a reprodução, mesmo parcial, desconfinamento e a se fazem as medalhas não, assim-assim…
de textos, fotografias ou ilustrações sob “caixa de segurança” de ouro?
quaisquer meios, e para quaisquer fins,
inclusive comerciais.
Todos os dias, um novo texto assinado por um dos 28 especialistas convidados

18 MARÇO 2021 VISÃO 3


LINHA DIRETA Correio do leitor

O novo caderno da VISÃO Verde


é excelente. Está repleto
de esperanças para o futuro
Diamantino Reis, Portimão

LUÍS BARRA
DESPORTO NO PRR
É lamentável que o Plano de
Recuperação e Resiliência (PRR) não

Eles adoram Portugal


contemple o desporto. Os benefícios
da atividade física para a saúde física
e mental são enormes. Estranhas
prioridades. O professor Carlos Neto
[da Faculdade de Motricidade Humana
Deborah Harris tem 67 anos, embora todos lhe deem menos vinte. Visitou da Universidade de Lisboa] não se
Portugal pela primeira vez há meia dúzia de anos e, em 2017, decidiu mudar-se cansa de dizer que somos uns
para Lisboa. “Aos 64 anos, vi-me diante de uma página em branco”, explica à analfabetos motores.
Eugénia Guerreiro
VISÃO a antiga diretora-adjunta de uma das mais prestigiadas feiras de arte
internacionais, a The Armory Show. E continua: “Vivi 40 anos em Nova Iorque, BLOCO DE ESQUERDA
casei-me, tive dois filhos e, agora, estava sozinha e podia fazer o que quisesse.” Notável: esforçado trabalho arqueológico
Deborah Harris é uma das quase cinco mil pessoas de nacionalidade [Novas brechas no Bloco, edição 1462]
até chegar aos “tetravôs”... Expressivo:
norte-americana a viver atualmente em Portugal. Nos últimos seis anos, as correntes de opinião são “críticas
autorizações de residência concedidas a cidadãos dos EUA quase duplicaram. cerradas”, diferenças são “brechas”
Alguns foram atraídos pela qualidade de vida, outros quiseram apostar no e dissidências são “divergências
investimento imobiliário e no potencial tecnológico do País. Nem o novo ancestrais”. Denunciador: “a atual
direção evolucionou (?) o partido, falando
coronavírus travou a tendência: em 2020, já em plena pandemia, 1 115 cada vez mais de trabalhadores” e tendo
atravessaram o Atlântico, trocando o sonho americano pelo sonho português. “vontade de estar num Executivo”!
Só no ano passado, os norte-americanos foram responsáveis por 6,3% dos Esclarecedor: parabéns ao autor
vistos gold concedidos. O que o portuguese dream oferece a quem tem e às suas (promissoras) fontes!
Mário Rui Cordeiro Simões, Lisboa
capacidade financeira para morar em qualquer parte do mundo? É a essa
pergunta que a reportagem que faz o tema de capa desta edição da VISÃO, da FESTIVAL DA CANÇÃO
autoria das jornalistas Marisa Antunes e Vânia Maia, tenta dar resposta. Como The Black Mamba vencem o Festival
da Canção e vão representar Portugal
diz Lisa Graziano, 61 anos, que vive, com o marido, num apartamento em na Eurovisão. Muitas vozes se fazem
Cedofeita, no Porto: “Os EUA não são um país para velhos.” ouvir contra a canção vencedora, cantada
em inglês. Se membros do Governo
utilizam a expressão inglesa “task force”,
porque os Black Mamba não podem
Já nas bancas cantar na língua de Sua Majestade?
Ademar Costa, Póvoa de Varzim

Contactos
visao@visao.pt
As cartas devem ter um máximo
de 60 palavras e conter nome, morada
e telefone. A revista reserva-se
o direito de selecionar os trechos
que considerar mais importantes.

NOVA MORADA
OUTRAS CENTENÁRIO NOJENTO? CORREIO: Rua da Fonte da Caspolima
EPIDEMIAS A História e as O que é que o teu – Quinta da Fonte,
AVC, enfartes histórias do PCP corpo produz – e que Edifício Fernão Magalhães, 8,
e diabetes te mantém saudável 2770-190 Paço de Arcos

4 VISÃO 18 MARÇO 2021


MAPEADOR DE ILHAS

A gota
POR MIA COUTO
ILUSTRAÇÃO: SUSA MONTEIRO

“Há este céu duro, diz, as palavras dela enroscam-se no tecido da máscara

A
Empedrado de ventos...” que lhe cobre o rosto. A própria voz de Teófila lhe pare-
Hilda Hilst ce estranha, depois de atravessar o pano que ela teima
em usar sobre a boca e o nariz.
pós os bombardeamentos, a cidade ruiu, Desde os bombardeamentos que não chove, nem
pedra sob pedra. O que antes era chão é sopra a mais ténue brisa. Os sulcos das rodas e as pe-
agora um imenso tapete de cinzas. Por gadas de Diamantino são o único desenho vivo sobre
entre ruínas, nem gente, nem bicho, nem a perpétua poeira dos escombros. Acontece como na
planta. Resta um único sinal de vida: dona superfície lunar: toda a pegada se torna eterna.
Teófila e o seu marido, Diamantino. Vivem O percurso é o mesmo de sempre: dirigem-se às
no que restou da antiga casa, sobrevivem ruínas da casa dos vizinhos, os Pimentas. Ali se senta
do que sobrou na velha despensa. Todas as Dona Teófila numa mutilada sombra enquanto vai de-
manhãs, dona Teófila pede ao marido que satando falas, como se alguém escutasse do outro lado
vá conferir as reservas de comida, as latas do muro. E vai revelando, num longo rosário, peripé-
de conserva, os sacos de arroz, os garrafões de água. cias e segredos do marido. Aos poucos, ali se des-
E o marido, que é cego, sorri, complacente e faz de fiam lembranças de uma vida conjugal que o próprio
conta que cumpre com o que lhe foi mandado. Diamantino desconhecia. Até que, cansado de tanto
Ao fim da tarde, quando o calor amaina, o casal sai esperar, o homem a faz regressar à realidade.
dos seus escombros privados e atravessa em silêncio – Ponha na sua cabeça, mulher: não há ninguém
a defunta paisagem. Com passo trémulo, Diamantino do outro lado do muro, está tudo morto, mais do que
empurra a cadeira de rodas, guiado pelas instruções morto – vai avisando Diamantino. E depois, entediado,
murmuradas com firmeza pela esposa. Protegida por ele reclama – Porque tanto insistes em falar de mim,
um sombreiro, a velha senhora vai sentada como se as mulher?
ruínas fossem o seu reino, a cadeira fosse o seu trono, – Para que essa maldita Marlu morra de ciúmes –
e Diamantino fosse o seu povo. responde Teófila.
– Devagar, Diamantinho – comanda Teófila. Um sol implacável escoa por entre uma espessa e
E acrescenta – Estás farto de saber que esta poeira é persistente bruma. Apesar desse céu fechado – de onde
um veneno – O marido não percebe nada do que ela para sempre se ausentou o sol e a lua – Dona Teófila

6 VISÃO 18 MARÇO 2021


não abdica do seu guarda sol. Protege-se, diz ela, da poeira – Às vezes me pergunto como é que um cego sonha? –
que cai das nuvens. interroga-se Teófila – Desconfio que à noite deixas de ser
– Os pássaros já começaram a voltar – afirma Teófila. – cego.
Gostava que os pudesses ver, Diamantinho. Diamantino sorri com um riso oblíquo. A mulher fala
– A verdade é que não os escuto – avisa o marido. sozinha. É então que o marido se apercebe que Teófila se
– Mas já andam por aí – insiste Teófila. – Não tarda levanta e caminha por si mesma. O cego sabe que o vestido
que comecem a cantar. dela é de um vermelho intenso, como sabe que a sua ca-
– Mas e onde pousam esses pássaros se as árvores mor- misa é azul-marinho e imagina que aquelas duas manchas
reram? coloridas visitarão os seus sonhos. No início, Diamantino
– Se fosses mulher educada, saberias da existência dos percebe que a esposa vai atravessando a rua. Aos poucos,
albatrozes. Pousam no próprio voo, morrem sem tocar no ele vai deixando de escutar o suave ruído dos passos dela e,
chão. de novo, todos os silêncios voltam a tornar-se indistintos.
Na velha cidade tudo se tornou chão: um chão tão dei- Usando a cadeira de rodas como se fosse uma bengala,
tado e macio que eles não escutam os próprios passos. Diamantino transpõe a praça até chegar aos destroços da
E um outro chão vertical, feito desse céu de onde se pen- casa da Marlu Pimenta. Deve ser ali que a sua esposa se
duram restos de paredes. Diamantino traz a máscara des- encontra. O cego vai evoluindo, cauteloso, entre as brumas
caída sobre o queixo. A mulher corrige-lhe esse descuido até que esbarra com um vulto. E logo se apercebe que ali
enquanto adverte: se aglomeram sombras, imóveis e silenciosas como pedras.
– Esse pano está imundo, da mesma cor deste mundo. Assusta-se, primeiro, o cego Diamantino. Depois, escuta
Assim que voltarmos a casa vais lavar esse trapo. uma das sombras que lhe dirige a palavra.
– Não vou desperdiçar água, os panos que esperem. – Veio ao funeral, Diamantino?
– Olha, está a passar agora uma garça! – proclama Téo- – Funeral? Funeral de quem?
fila, com entusiasmo. E repete o anúncio – Da Marlu. Morreu esta noite.
da celestial descoberta, sabendo das di- Diamantino tomba desamparado
ficuldades auditivas do marido – É pena Já não restam sobre a cadeira. Leva os dedos ao rosto
não veres, é tão branca, parece um anjo... para certificar-se da existência de al-
– Porque é que mentes, mulher?
portas nem paredes, guma furtiva lágrima.
Os pássaros, a vizinha, a garça, os bom- é verdade. Mas as – Não sei o que dizer – murmura
bardeamentos. Tudo mentira, tudo pura
mentira.
pessoas têm artes ele, enfim — Sempre pensei que Marlu
não tivesse sobrevivido aos bombar-
– Às vezes, meu velho, mentir é a úni- mágicas de se deamentos.
ca maneira que nos resta de rezar. enclausurar. Somos – O que passa, Diamantino? – es-
O marido insiste: já não há gente panta-se um dos vizinhos – Desde que
vivendo entre as ruínas. Teófila opõe-se.
os mais competentes ficou viúvo, não houve tarde em que o
Há gente, sim. Se o marido fosse mulher carcereiros de nós senhor não tivesse levado a passear a
e não fosse cego, saberia que os sobre-
viventes deambulam como sombras por
mesmos nossa querida Marlu.
– Ainda ontem saíram os dois,
detrás dos escombros. Já não restam já não se lembra? – pergunta um
portas nem paredes, é verdade. Mas as pessoas têm artes outro vizinho.
mágicas de se enclausurar. Somos os mais competentes Diamantino retira-se, os sapatos raspando as cinzas.
carcereiros de nós mesmos. É o que diz dona Teófila. Regressa a casa, o universo pesando-lhe nos ombros.
– Quando falas, mulher – reclama o homem – espalhas Sempre soube vencer o escuro. Mas reconhece que lhe
cuspe e levantas poeira e ambos são mortais venenos. faltou discernimento para admitir que, apesar das cinzas,
– Tem que haver pessoas, Diamantino – insiste a espo- a cidade se mantinha viva, na companhia dos vivos.
sa. – Se assim não fosse, já teríamos morrido. É que o ar Se alguém enviuvara tinha sido apenas ele.
precisa de gente – prossegue Teófila. – Se tivesses estu- Dirige-se ao velho poço e ali se deixa ficar sentado na
dado, Diamantino, saberias que o ar, para se manter vivo, cadeira de rodas, o braço estendido sobre uma sombra
precisa de ser respirado. As pessoas são o nosso oxigénio. aberta entre um pequeno monte de pedras. Num dado
Diamantino levanta os braços da cadeira e limpa o rosto momento, escuta passos de alguém que se aproxima. São
com a própria máscara. As mãos e os gestos parecem de- passos de mulher, isso ele está certo. E reconhece o si-
sencontrados como acontece com quem nunca viu o seu lêncio de quem chegou. Depois, o cego faz pender mais o
próprio corpo. braço sobre o chão, aponta para a sombra entre as pedras
– Falas de mim, Diamantino, falas dos meus cuspes e e pergunta:
das minhas poeiras e devias ter vergonha na cara – acu- – Já germinou?
sa Teófila – Porque continuas a sonhar com essa maldita – Já despontam duas pequenas folhinhas – responde
Marlu. Eu bem te escuto a murmurar o nome dela. Tens uma voz toldada pela comoção.
que passar a dormir de máscara, para não me contamina- Do braço de Diamantino tomba uma gota de suor.
res. E ele jura que é a chuva que regressa. Como jura que um
– Não entendo nada do que dizes, mulher – comenta vulto de mulher se vai afastando por entre o nevoeiro.
Diamantino. Às vezes, mentir é a melhor forma de rezar. visao@visao.pt

18 MARÇO 2021 VISÃO 7


OPINIÃO
HISTÓRIAS
DA CAPA
À ciência o que é da ciência,
ou os planos para português ver
P O R M A F A L D A A N J O S / Diretora

L
1
embrei-me, um dia destes, de uma passa- gueiras, o matemático ouvido pelo Governo, é
gem do Yes, Minister. O gabinete de crise impossível manter o índice de transmissibilida-
britânico estava reunido para traçar um de sempre abaixo de 1. É pura matemática: nal-
plano de ataque para um problema com- gumas situações teremos poucos casos e basta
plexo. Eis o que ficou decidido: “No nível 1, uma pequena variação para existir um Rt acima
dizemos que nada vai acontecer. No nível 2, de 1. Se a incidência se mantiver baixa, não há
dizemos que provavelmente alguma coisa problema. Se for um pouco mais alta, o que
acontecerá, mas não devemos fazer nada facilmente acontecerá com uma maior mobili-
sobre o assunto. No nível 3, dizemos que se calhar dade da população, entramos imediatamente na
devíamos fazer algo, mas não há nada que possa- zona vermelha. O tema de capa,
mos fazer. No nível 4, dizemos que provavelmen- A questão é que Portugal só esteve no “verde”, sobre americanos
te havia algo que podia ser feito, mas que é tarde que permite desconfinar, durante um quar- que vieram viver
demais.” É o chamado plano para inglês ver. to da pandemia. Pelos cálculos do Público, dos para Portugal, tem
Por cá, habemus finalmente um plano de 388 dias desde 21 de fevereiro de 2020, Portu- muitas imagens à
desconfinamento para português ver. Ou algo gal passou mais de metade do tempo na zona escolha.
que se assemelha a um plano, uma vez que amarela (219 dias) em que é preciso estagnar ou
tem um calendário, um gráfico quadriculado e mesmo recuar nas medidas, e só 98 dias na zona
números de referência. E, por isso, para efeitos de conforto fixada para se progredir no calendá-
de forma e comunicação, pode ser apresen- rio e continuar a abrir a economia. Nenhum país 2
tado como tal. O problema são os detalhes ou da União Europeia cumpre neste momento as
a substância. Quando se traça um plano com metas definidas pelo Governo além de Portugal,
uma excessiva preocupação na simplificação diz o Jornal de Negócios.
da mensagem e se dá primazia a critérios po- Além dos valores distintos das linhas verme-
líticos em vez de científicos, estão reunidos os lhas, outras recomendações dos cientistas não
ingredientes para que algo corra mal. foram incluídas: 1. O plano não foi definido com
Algo que aconteceu logo na noite em que o metas de critérios epidemiológicos e sem prazos;
plano foi apresentado, na semana passada. Vá- 2. A taxa de positividade dos testes, que permite
rios cientistas e especialistas, incluindo alguns detetar precocemente o aumento da presença
a quem o Governo pediu o estudo, ficaram viral na comunidade, não foi considerada.; 3. Os
pasmados: como é possível que o PM este- valores a ter em conta no mapa de risco são na- Falámos com
ja a apresentar linhas vermelhas muito mais cionais e não regionais. Segundo afirmou Tiago mais de uma
exigentes do que aquelas que tinham sido Antunes, secretário de Estado adjunto do pri- dezena de
recomendadas? “Será que houve um engano?”, meiro-ministro, a análise regional só será feita pessoas e
questionavam-se em surdina. A resposta do numa segunda fase, se sairmos da zona verde. temos todas
Governo à pergunta colocada pela VISÃO veio Talvez por isso, ou não, o plano que foi efe- fotografadas.
em off: não foram seguidos os valores reco- tivamente publicado em Diário da República
mendados, foi uma “decisão política”. no sábado seguinte seja, em pequenas nuances,
A verdade é que as linhas vermelhas apre- ligeiramente diferente daquele que António
sentadas pelo Governo são muito mais baixas
do que as recomendadas pelos especialistas:
Costa apresentou. Continuam a constar as linhas
vermelhas nos valores anunciados, mas introduz
3
uma incidência de 120 casos por 100 mil habi- graduações de cor – o limite máximo de ver-
tantes nos últimos 14 dias e uma taxa de trans- melho só é alcançado com a incidência acima de
missibilidade (ou Rt) de 1. Já no documento 200 casos por 100 mil habitantes e o Rt acima de
apresentado pelos cientistas, a linha vermelha 1,4. E acrescenta mais uma alínea com os valores
está nos 240 casos e o Rt em 1,2. O quadro- efetivamente recomendados pelos especialis-
-síntese em causa foi elaborado não pelos tas para a incidência: “240 por 100 000.” Mas,
cientistas, bem entendido, mas, segundo admi- mais do que isso, não define com rigor o que é
tem fontes governamentais, por elementos do que acontece especificamente em cada fase da
Executivo para “simplificar” a mensagem. evolução epidemiológica. Fica tudo em aberto,
Um plano “mais papista do que o Papa” por portanto, para uma futura avaliação, também ela
opção política pode ter consequências peri- política. Era bom, digo eu, que os cientistas fos- Mas esta
gosas: ou não é para ser levado a sério, o que sem mais ouvidos. E, já agora, faça-se o mesmo fotografia tem o
melhor enqua-
é grave, ou se for, pode colocar em causa o na avaliação de segurança da vacina da AstraZe-
dramento para
ansiado desconfinamento. Segundo Óscar Fel- neca. manjos@visao.pt
capa. Vamos por
aqui.

8 VISÃO 18 MARÇO 2021


G U I A M E N S A L

N A P R Ó X I M A S E M A N A

O QUE ESPERAR DO SETOR IMOBILIÁRIO EM 2021


Os grandes Construção, Números,
negócios e as zonas reconstrução, venda estudos e factos
mais procuradas e arrendamento do setor
Lutz Jäncke Neuropsicólogo e investigador

Os pais devem saber isto:


o que os vossos filhos fizerem
durante a puberdade vai
moldar-lhes o cérebro.
Aprender uma atividade que
implique autocontrolo ou estar
sentado a olhar para ecrãs
tem resultados distintos
CLARA SOARES

10 VISÃO 18 MARÇO 2021


N
Natural de Wuppertal, na Alemanha,
vive e trabalha na Suíça, onde dirige
o departamento de neuropsicologia
da universidade de Zurique. O
novo projeto de investigação da sua
equipa, sobre o impacto da música
no cérebro, publicado em janeiro
no Journal of Neuroscience, mostra
como a perícia musical molda as
magnéticas, que eram técnicas
novas naquela altura. A ideia era
avaliar como a música moldava a
individualidade e se a prática precoce
era relevante.
Como se explica que a música seja
uma experiência tão gratificante?
O facto de ter uma função importante
na evolução da espécie e de ser uma
força motriz que nos liga uns aos
outros. Sabia que, há 40 mil anos,
os nossos antepassados construíram
uma flauta com três orifícios? É
um instrumento relativamente
silencioso. Imagino que estariam
motivados a tocar melodias à volta da
fogueira e a sincronizar emoções e
movimentos pelo ritmo. Este registo
de comunicação, pré-verbal, permite
sincronizar grupos em diferentes
registos emocionais, positivos e
negativos. Na guerra, por exemplo, as
tropas marchavam a um certo ritmo e
Aquilo que fizermos na adolescência
e o tempo que investirmos nisso
serão determinantes na construção
das reservas cognitivas e anatómicas
do cérebro e na forma como ele
envelhece.
Ficar privado de atividades
durante a pandemia inibe esses
efeitos?
Se tiver autodisciplina, pode exercitar
o corpo, aprender coisas novas
e dedicar-lhes tempo. Porém, as
medidas de combate à pandemia
limitam a dimensão presencial, e não
estamos biologicamente programados
para estar sós. Há estudos que
mostram que a solidão aumenta o
risco de degenerescência cerebral,
e isso é um pouco assustador pelos
efeitos a longo prazo.
O que se sabe sobre a interação
entre a experiência e o talento?
Para ser um génio musical, é preciso
redes funcionais e estruturais do com propósitos agressivos. ter talento, que tem uma componente
cérebro, reforçando e ampliando O que mostra o seu estudo sobre as genética, e praticar. Estudei dezenas
as conexões neuronais, mais ligações entre a música e o cérebro? de músicos talentosos, e todos
pronunciadas em músicos do que em Os músicos profissionais têm mais tinham em comum o treino intensivo.
leigos. As implicações deste trabalho ligações anatómicas e funcionais: os Prática sem talento, mesmo que seja
também são úteis para o cidadão circuitos cerebrais apresentam uma muita, não torna alguém num exímio
comum, e Jäncke explica porquê: a maior robustez e disparam de forma profissional. Porém, o talento não
nossa cabeça é uma máquina que sincronizada. Quanto mais cedo existe sem prática, como mostram
aprende ao longo da vida e que se iniciar o treino musical, maior os exemplos do tenista Rafael Nadal
possui plasticidade cerebral, mas tenderá a ser essa conectividade. ou do golfista Tiger Woods. Pessoas
essa capacidade tende a perder-se, a Há fases críticas para desenvolver que não têm esta vantagem, mas
menos que se comece a estimulá-la competências musicais? que estão altamente motivadas para
desde cedo e que se invista tempo Não diria que elas existem como aprenderem a tocar um instrumento
suficiente na prática. Só assim é sucede no reino animal, mas a na idade adulta, podem alcançar
possível tirar partido dos ganhos plasticidade, de facto, é maior em resultados muito satisfatórios em
da música no desenvolvimento das idades mais jovens. Alguns músicos alguns anos.
funções sensoriais, de controlo e da amostra começaram aos 5 anos É de admitir que isso seja viável na
de memória. Além do prazer que e fizeram-no até aos 50, durante reforma, com mais tempo livre?
proporciona, a audição, execução oito horas por dia, em média. O A investigação mostra que é
e composição de melodias efeito cumulativo da prática molda o possível moldar o cérebro em
desempenham um papel crucial cérebro e é decisivo para se aprender idades tardias, pela estimulação das
na nossa espécie, nomeadamente competências, sejam elas línguas, funções executivas, que incluem
no estabelecimento de vínculos, xadrez ou golfe, pela forte correlação a coordenação audiomotora, a
na indução de estados emocionais entre desempenho e tempo de treino. memória, a atenção e a autodisciplina.
e na reabilitação de condições Quando se deve começar para Se as usar, não as perderá e pode
neurológicas e psiquiátricas. Aos 63 se tirar partido da plasticidade mesmo fortalecê-las e aumentá-las.
anos, e casado com uma colega de neuronal? Estudámos oito pessoas reformadas
profissão, o cientista deixa pistas para Os últimos 25 anos de investigação que nunca tinham pegado num
explorar este potencial e fala-nos da permitem afirmar que, se não instrumento e contratámos um
própria ligação com as notas. usarmos a plasticidade cerebral professor, durante meio ano, para
“A música é a tua única amiga até que temos, perdemo-la, porque ensiná-las. Cinco anos depois, dei
ao fim”, cantava Jim Morrison, da há funções que deixam de estar uma entrevista num programa de
banda The Doors. Esta afirmação é disponíveis e as ligações neurais rádio e uma dessas pessoas – tinha 65
cientificamente verdadeira? diminuem. Os pais devem saber isto: anos – deu um concerto de clarinete.
É uma banda com a qual cresci e o que os vossos filhos fizerem, ou Foi fantástico e até me deu arrepios!
de que gosto muito. Iniciei a minha não, durante a puberdade, ou antes Numa Ted Talk, falou desses
carreira como investigador da música dela, vai moldar o cérebro deles. arrepios. Como se explicam
por acaso, nos anos 90 do século Aprender uma atividade que implique cientificamente?
passado, a estudar o cérebro de autocontrolo ou estar sentado a olhar É uma sensação muito boa, que
músicos com recurso a ressonâncias para ecrãs tem resultados distintos. percorre a nossa coluna vertebral e se

18 MARÇO 2021 VISÃO 11


deve às muitas emoções e memórias revistas científicas, como a Nature
que a música desencadeia no corpo
Em pessoas ou a Lancet, permitem admitir que
humano. Se eu ouvir Rolling Stones, que sofreram pode e deve ser usada na reabilitação
ou Jim Morrison, lembro-me, de neurológica e psiquiátrica. Em
forma vívida, de episódios da minha
um AVC, pessoas que sofreram um AVC, a
juventude, isso é inevitável. Chamo- a estimulação estimulação passiva com música
lhe música sentimental. Há também permite manter vivas as áreas do
aquela que envolve um tema. Na
passiva com cérebro onde há tecidos que vão
composição Pedro e o Lobo, por música permite morrer. A musicoterapia estimula
exemplo, cada personagem tem funções cognitivas e emocionais em
o “seu” tom e velocidade. Ouvir a
manter vivas as doentes neurológicos.
melodia ativa a imagem dela no áreas do cérebro Também pode ser utilizada em
cérebro, como num filme. contextos não clínicos, como os
Antecipar a ida a um concerto ou
onde há tecidos lares?
trautear canções no duche altera a que vão morrer. Traz sempre efeitos benéficos.
arquitetura cerebral? Há cada vez mais comunidades
Tudo o que fazemos, com frequência
A musicoterapia de pessoas idosas que organizam
e de forma repetida, molda o cérebro. estimula funções iniciativas com música para esse fim.
Trautear a mesma canção no duche ou Pacientes com Alzheimer em fase
imaginar uma melodia, várias vezes,
cognitivas avançada conseguem lembrar-se
é uma forma de exercício que nos e emocionais de coisas de que há muito tinham
distingue dos outros animais. esquecido.
“Diz-me o que ouves, dir-te-ei
em doentes Como a ex-bailarina espanhola do
quem és.” Os estilos musicais neurológicos New York Ballet, com Alzheimer,
influenciam a conduta? que movimentava os braços ao som
Ouvir deliberadamente certas d’ O Lago dos Cisnes.
melodias induz memórias e emoções É um exemplo fantástico. Ela
específicas que nos ajudam no praticou os movimentos da peça
quotidiano, seja alterando um estado de Tchaikovsky durante toda a sua
depressivo ou como forma de se nota é associada a uma cor quando vida e, apesar de não identificar a
motivar antes de uma competição. é processada no córtex auditivo. música, o corpo reagia a esta pela
O que é o tom [pitch, em inglês] Pessoas com competências musicais programação motora instalada no
perfeito? desenvolvidas têm uma conectividade cérebro. A terapia de entonação
Quem tem ouvido absoluto consegue semântica comum a quem sofre de melódica é usada na cura da afasia de
identificar tons sem usar uma nota alucinações auditivas por perdas de Broca [perturbação neurológica em
de referência; sabe logo que é um dó audição. As áreas da memória ativam- que há dificuldade em expressar-se
ou um si bemol, por exemplo. Mozart se espontaneamente e, na rede de por palavras]. Estes pacientes não
tinha essa capacidade. Nos anos 1990, memórias, no córtex temporal, conseguem falar mas, ao entoarem
avaliámos músicos talentosos com surgem melodias sem que consigam melodias simples, como “lá-lá-lá-lá”,
ouvido absoluto, e foi uma surpresa inibi-las. Ao interpretar os sintomas depois “tou-tou-tou-tou”, a certa
constatar que tinham uma organização dos seus pacientes, Sacks chegou à altura começam a cantar “eu estou
cerebral semelhante aos outros. mesma conclusão do que nós. bem, sim”, ou seja, incorporam os
O que pensa das descobertas O cantor Bobby McFerrin fonemas desta forma. No passado,
do neurologista Oliver demonstrou o efeito contagiante esta terapia não teve grande êxito,
Sacks (apresentadas no livro da escala pentatónica. Como o mas ilustra o potencial da música na
Musicofilia)? explica? promoção de efeitos terapêuticos.
Conheci-o pessoalmente! Quando a As estruturas harmónicas geram Tantos anos a estudar os efeitos da
minha equipa publicou o primeiro alterações fisiológicas, sincronizando música no cérebro mudaram-no?
artigo sobre o cérebro dos músicos, a respiração, o movimento e os Eu era um iletrado nesta área e fã
na revista Science, em 1995, ele batimentos cardíacos. Sou de Colónia, de bandas como Roxy Music, Bryan
respondeu, notando que alguns dos conhecida pelas músicas de Carnaval, Ferry... Quando comecei a estudar o
seus pacientes autistas tinham ouvido que são um bocado estúpidas. Após cérebro de músicos profissionais, eles
absoluto e as mesmas peculiaridades algumas cervejas, começamos a iam ao laboratório com frequência.
anatómicas no cérebro, o que mover-nos ao ritmo delas. É inato: ao Passei a apreciar o que faziam e
resultou numa frutuosa colaboração captarmos esses sinais auditivos, eles tornei-me, também, um fã de música
transcontinental. modelam o nosso comportamento clássica. Isso mudou, de facto, a minha
Estudaram também as alucinações motor e... não resistimos! vida. Há dois anos, decidi iniciar-me
auditivas? Há estudos com música nos no piano, a fim de avaliar como o meu
Ele citou-nos, algumas vezes, no cuidados intensivos. Pode falar-se cérebro muda. Desde então, sou um
livro, ao referir-se à sinestesia na sua aplicação clínica? sujeito experimental e posso dizer-lhe
auditiva, uma espécie de dupla Pacientes em coma respondem à isto: há muita coisa a acontecer aqui!
perceção partilhada por cerca de música, no plano corporal, de forma [Aponta para a cabeça e solta uma
30% dos músicos profissionais: uma inconsciente. Artigos publicados em gargalhada.] csoares@visao.pt

12 VISÃO 18 MARÇO 2021


C O N T E Ú D O PAT R O C I N A D O

O gigante dos seguros


multimédia chegou a Portugal
Com 8 milhões de clientes na Europa às novas utilizações da tecnologia e de responder às necessidades
e um crescimento de 1100% em 5 anos, dos consumidores no domínio do seguro contra todos os riscos,
em todo o território europeu. Numa lógica de qualidade e pro-
a Celside Insurance entra em Portugal ximidade, de excelência e serviço”, explica o CEO Sadri Fegaier.
com a ambição de oferecer soluções Outro fator diferenciador é o centro de reparação integrado
inovadoras para proteger as experiências que pretende garantir uma assistência rápida e um melhor con-
de um mundo hiper-conectado trolo dos critérios de qualidade. As equipas de 1000 teleconsul-
tores estão disponíveis 6 dias por semana para um atendimento

S
veloz dos pedidos, por colaboradores portugueses.
martphones, equipamento multimédia, dispositivos O objetivo é “resolver rapidamente os acidentes que com-
conectados. Num mundo cada vez mais ligado, a neces- plicam a nossa vida. Ou seja, tornar a vida real fluida, fácil e
sidade de garantir a proteção dos aparelhos imprescindí- agradável, sem ter de se preocupar com estes inconvenientes”,
veis para o dia-a-dia ganha uma importância acrescida. acrescenta Sadri Fegaier. Um objetivo que ganha ainda mais
Segundo dados do Barómetro de Vida Digital 2021, para 54% relevância em contexto de pandemia. Segundo dados do mes-
dos portugueses, o telemóvel é o objeto que mais lhes custa- mo estudo realizado pela Celside em parceria com a Boutique
ria perder. À frente do cartão de cidadão e das chaves de casa. Research, 81% dos portugueses gostaria de continuar em tele-
É aí que a Celside quer estar. Com um volume de negócios de trabalho. E destes, um terço gostaria de fazê-lo todos os dias.
mais de 1100 milhões de euros previstos em 2021, a seguradora
francesa chegou a Portugal para navegar a era da hiper-conectivi- O FOCO LOCAL
dade e propor seguros que protegem os equipamentos multimédia A Celside Insurance gere diariamente 8 milhões de segurados
contra todos os riscos: quebra, oxidação, perda e furto ou roubo. na Europa e é acompanhada por uma rede de 2500 parceiros.
A ambição é mesmo acompanhar todos os momentos da vida e Afirma-se como uma marca internacional com “forte implan-
oferecer cada vez mais serviços “personalizados, fiáveis e eficazes”. tação local”. Para isso, procura desenvolver os seus centros de
atendimento nos territórios em que se encontra implantada e
UMA ABORDAGEM MAIS HUMANA mobilizar equipas de especialistas em seguros com um “conhe-
Num país em que cerca de 80% da população utiliza o telemóvel cimento perfeito das especificidades do seu mercado”.
logo ao acordar e imediatamente antes de dormir, a proposta Presente em França, Espanha, Bélgica, Portugal e Itália, a mar-
da Celside procura diferenciar-se. Para oferecer as “coberturas ca prevê implantar-se, nos próximos meses, em novos mercados
multirriscos mais completas do mercado”, permite que o clien- europeus, nomeadamente na Alemanha.
te possa modular o serviço em função das suas necessidades. A Celside Insurance integra o Indexia Group, grupo francês
Com condições de adesão flexíveis, possibilita ainda um teste que, em 2021, renova a sua aposta na Europa e na peninsula
dos serviços durante 30 dias e alterar o seguro através de uma ibérica, prevendo contratar cerca de 1000
chamada, com cobertura em 48 horas. colaboradores em todo o continente, 500 dos
“A Celside Insurance tem a vocação específica de se adaptar quais na península – 200 deles em Portugal.

18 MARÇO 2021 VISÃO 13


RAIOS X

Ricos cada vez mais ricos A lista dos multimilionários em tempo real da
Forbes mostra como um ano de pandemia não fez
mossa aos mais ricos – bem pelo contrário

M A N U E L B A R R O S M O U R A mbmoura@visao.pt
VALORES
EM MILHARES
DE MILHÕES
SEMPRE A CRESCER DE EUROS

A revista Forbes mantém uma lista de bilionários em tempo real. Pela análise da evolução desse ranking desde março de 2020,
quando foi declarada a pandemia Covid-19, constata-se que muitas fortunas aumentaram de forma espetacular. O homem mais
rico do mundo continua a ser Jeff Bezos. Durante esse período, porém, chegou a ser pontualmente ultrapassado por Elon Musk,
cuja riqueza cresceu 565,4%. No terceiro lugar, ficou o francês Bernard Arnault, cujo enriquecimento chegou aos 106,3%

Jeff Bez
Bezos (EUA) Elon Musk (EUA) Bernard Arnault (França) tes (EUA)
Bill Gates (E tt (EUA)
Warren Buffett
152,8 137,7 131,8 104,1 79,8
CEO da Amazon, proprietário CEO da Tesla Presidente e diretor-executivo da LVMH Fundador e presidente não executivo Investidor e filantropo, presidente
do Washington Post e da empresa e da SpaceX Moët Hennessy - Louis Vuitton SE, maior da Microsoft. Copresidente da do conselho e diretor-executivo
aeroespacial
p Blue Origin empresa de artigos
a g de luxo do mundo Fundação Bill e Melinda Gates da Berkshire Hathaway
Hat

Mark Zuckerberg
b (EUA) Larry Ellison (EUA) Larry Page (EUA) Sergey Brin (Rússia) Daniel Gilbert (EUA)
E
79,8 76,4 75,6 72,2 69,7
Fundador e CEO Cofundador e presidente-executivo Cofundador da Google. Atual CEO Cofundador da Google. Ex-CEO Cofundador e presidente da Quicken Loans e
do Facebook e CTO da Oracle da Alphabet Inc. da Alphabet Inc. acionista maioritário dos Cleveland Cavaliers

RICAS HERDEIRAS

As dez mulheres mais ricas do mundo são herdeiras de negócios de família. Mas, ao contrário do que acontecia no passado,
há cada vez mais mulheres a assumir a condução das empresas, sendo tão ou mais capazes de fazer crescer os negócios e de
aumentar as fortunas do que os homens. Deste top, apenas MacKenzie Scott, Julia Koch e Laurene Powell Jobs não se dedicam
exclusivamente à gestão de empresas, mas sobretudo a projetos sociais

Françoise Bettencourt
nçoise Bettenc e Walton
Alice Wal (EUA) cKenzie Scott
MacKenzie Scottt ((EUA)
E ulia Koch (EU
Julia (EUA) ang Huiyan (C
Yang (China)
Meyers (F
(França)
59,6 45,8
45 8 37,7 26,5
26
62,5 Filha única e herdeira de Sam A atual diretora-executiva da Bystander Viúva de David Hamilton Koch, Tem apenas 39 anos. Detém 57%
Herdeira de Liliane Bettencourt, fundadora Walton, fundador da cadeia Revolution, organização anti-bullying. vice-presidente da Koch Industries, da imobiliária chinesa
da L'Oréal. Detém 33% da empresa de supermercados WalMart É ex-mulher de Jeff Bezos uma das maiores empresas dos EUA Country Garden Holdings

li M
Jacqueline Mars (EUA) Susanne Klatten (Alemanha) Iris Fontbona (Chile) Gina Rinehart (Austrália) ne Powell Jobs (EUA)
Laurene
24,3 23,1 20,7 20,1 18,6
Herdeira da família Mars, fundadora Empresária herdeira de Herbert e de Viúva de Andrónico Luksic Herdeira e CEO da Hancock Herdeira
ira de Steve Jobs, funda
fundador
da multinacional do setor alimentar, Johanna Quandt. Detém a maioria e faz Abaroa, de quem herdou Prospecting, fundada pelo pai, Lang da Apple. Fundadora e executiva
produtora, entre outros produtos, parte da administração da Altana. a multinacional Hancock, maior empresa de da Emerson Collective, organização
dos chocolates Mars É também dona de 12,5% da BMW Antofagasta PLC prospeção e extração de minério para a mudança social

FORTUNAS À PORTUGUESA
No mesmo ranking, disponível no site da Forbes, constam apenas dois nomes portugueses. Na 600ª posição aparece a família Amorim, com uma fortuna avaliada
em 3,94 mil milhões de euros. Muito mais abaixo, no 1 152º lugar, surge José Neves, fundador, chairman e CEO da Farfetch, com uma riqueza avaliada em 2,26 mil milhões de euros
FONTE The Real-Time Billionaires List, da Forbes, e Visual Capitalism INFOGRAFIA MT/VISÃO

14 VISÃO 18 MARÇO 2021


FOCO NA VERDADE .

A luta pela verdade e pela democracia é mais importante do que nunca.


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7
PONTOS DA SEMANA

POR
RUI TAVARES GUEDES*
UNIVERSITY OF SOUTHERN CALIFORNIA/GETTY IMAGES

VACINAR A CONFIANÇA
Se as vacinas são hoje um dos produtos
farmacêuticos mais disseminados e
que todos os estudos posteriores
negaram, tendo até uma investigação
seguros do mundo isso deve-se, em do jornalista Brian Deer, do Sunday
grande medida, a um erro trágico, Times, descoberto que Wakefield era,
ocorrido em 1955, nos EUA. Nesse ano, afinal, financiado por advogados que
durante a primeira grande campanha lhe pediram para manipular os dados,
de vacinação contra a poliomielite, de forma a avançarem com uma ação
mais de 200 mil crianças foram em tribunal a pedir uma indemnização
inoculadas com doses com defeito de milionária.
fabrico. Em consequência do chamado É importante perceber este contexto
“Cutter Incident” (nome do laboratório quando o mundo vive o maior esforço
californiano), cerca de 40 mil crianças de vacinação da História. E quando
contraíram a doença, 200 ficaram o grau de confiança nas vacinas
com diversos graus de paralisia e não é igual em todo o lado. Apesar
10 morreram. Em contrapartida, de ser o continente que possui, em
foi a partir daí que o processo de termos médios, a população mais
desenvolvimento, controlo e fabrico desenvolvida e culta, a Europa é hoje
de vacinas passou a seguir regras e também o epicentro do ceticismo
critérios altamente exigentes. Por isso, relativo à vacinação, como as
segundo a frase tantas vezes citada do sondagens demonstram: enquanto,
virologista Paul Offit, as vacinas têm nos EUA, cerca de 75% das pessoas
hoje um recorde de segurança “sem dizem confiar nas vacinas, esse
paralelo com qualquer outro produto número desce para 68%, na Alemanha,
médico”. 65%, na Suécia e 59%, em França.
Apesar dessa eficácia e segurança, Por outro lado, a Europa é também o
que contribuiu, por exemplo, para espaço geográfico onde o processo de
a erradicação de uma doença como vacinação corre de forma mais lenta. E
a varíola (responsável pela morte onde se acumulam queixas e alarmes
de milhões de pessoas), a imagem sobre os alegados efeitos secundários
das vacinas nunca conseguiu livrar- de uma das vacinas, a da AstraZeneca
se completamente do “Cutter –, mas sem qualquer tipo de
Incident”. Até porque houve quem paralelo com o que acontece noutras
se tivesse aproveitado disso para latitudes onde as mesmas doses são
as denegrir, como sucedeu com o administradas.
agora desacreditado médico Andrew Neste momento, por tudo isto, a
Wakefield que, em 1998, publicou Europa não precisa apenas de acelerar
um artigo a denunciar uma suposta a vacinação contra a Covid-19. Tem
ligação entre uma vacina combinada também, com urgência, de encontrar
(contra sarampo, rubéola e parotidite uma vacina para que os seus cidadãos
epidémica) e o autismo – algo ganhem confiança na Ciência.
*Diretor-executivo
rguedes@visao.pt

16 VISÃO 18 MARÇO 2021


35
NÚMERO FRASE

O Presidente tem de deixar de ser ignorante,


aprender a respeitar o sentimento do povo
e garantir a todos uma vacina”
Lula da Silva, depois de receber a primeira dose da vacina contra
a Covid-19, a desafiar Jair Bolsonaro para um combate que deverá
nomeações de prolongar-se até às eleições presidenciais de 2022
filmes da Netflix
aos Oscars
Como o tempo passa: E U TA N Á S I A
apenas dois anos depois
de Steven Spielberg ter Uma lei inevitável
lançado uma campanha A lei da eutanásia dividiu par-
para impedir que os tidos, órgãos de soberania, juí-
filmes das plataformas zes. É uma daquelas questões
de streaming pudessem em que não há consensos,
concorrer aos prémios mas apenas e só opiniões di-
da Academia de vergentes, ditadas por razões
Hollywood, considerando de consciência que devem ser
que apenas deviam consideradas válidas, em qual-
concorrer na categoria quer dos casos. Como se viu
de Televisão, a Netflix na votação no Parlamento e
torna-se, agora, o ANDEBOL agora no “chumbo” do Tribunal
estúdio com maior Constitucional, não há uma
número de nomeações A vitória da lucidez linha divisória entre esquerda
aos mais importantes e direita face à descriminaliza-
prémios de cinema do Primeiro, foi a tragédia (a morte inesperada de Alfredo
Quintana); depois, a desilusão da derrota nos momentos ção da antecipação da morte
mundo. A fronteira entre medicamente assistida. Por
cinema e televisão está finais frente à Croácia. Nessas condições, o jogo contra a
França, que decidia o primeiro apuramento de sempre do isso, a lei que a regulamenta
cada vez mais esbatida... tem de ser o mais rigorosa
andebol português para uns Jogos Olímpicos, tinha tudo
para ser comandado e jogado mais pelo coração do que possível, sem hipótese de
pela cabeça. Felizmente, além de um grupo excelente interpretações abusivas ou
ALEMANHA de atletas, esta seleção tem uma equipa técnica que, de ataques sem fundamento.
sob qualquer tipo de pressão, demonstra nunca perder Foi essa, no fundo, a mensa-
Fim de uma era? a lucidez – característica essencial para jogar de igual gem passada pelo Tribunal
Constitucional, ao deixar a
para igual com os melhores do mundo e até para ganhar.
Angela Merkel arrisca- porta aberta à reformulação
Há também bom trabalho de base. Além de a seleção
se a não ter a despedida do diploma. Por isso, apesar do
principal ter consolidado agora o seu lugar como uma
gloriosa com que sonhou, chumbo, a eutanásia acabará
das 12 melhores do planeta, há razões para acreditar que
quando anunciou para por passar − num exame de
os bons resultados vão continuar: os sub-19 e os sub-21
o outono o fim da sua segunda época.
foram quarto lugar nos últimos Europeu e Mundial.
carreira política. As
derrotas do seu partido
em duas eleições regionais PA N D E M I A
foram vistas como um
castigo à forma como o
Governo tem combatido
Itália fecha outra vez
a pandemia. E, perante
esses resultados, já se Exatamente um ano depois a abrir. Este movimento
vislumbra a possibilidade de ter sido o primeiro país em Itália poderá ter outros
de a Alemanha passar a europeu a impor o estado de seguidores na Europa, já que
ser governada por uma emergência para combater Alemanha, França e Hungria
coligação entre socialistas, o novo coronavírus, Itália estão a registar aumentos
liberais e verdes. A voltou a decretar medidas significativos do número
concretizar-se, seria a de confinamento para tentar de casos, ameaçando a
primeira vez, em 15 anos, minimizar as consequências sustentabilidade dos seus
que a CDU (de Merkel) de uma terceira vaga da serviços de saúde. É o
não estaria no governo em pandemia − no mesmo dia regresso da montanha-
Berlim. em que Portugal recomeçou russa Covid-19 à Europa.

18 MARÇO 2021 VISÃO 17


HOLOFOTE

David Fincher Na linha da frente para o Oscar


REALIZOU O FILME
Líder não quer Carreira
dizer favorito de sucesso
O filme Mank,
realizado por David MANK, QUE RECEBEU DEZ Depois de, nos tem-
pos de faculdade,
Fincher, lidera a
corrida aos Oscars,
NOMEAÇÕES PARA OS ter trabalhado em
teatro, cinema e
cuja cerimónia PRÉMIOS DA ACADEMIA TV, David chegou à

DE HOLLYWOOD. COM
decorrerá a 25 produtora do antigo
de abril, com Homenagem A filmar desde vizinho, George
dez nomeações,
incluindo nas
ao pai
Mank é um drama
ELE NA CORRIDA PARA os 8
David Andrew Leo
Lucas, com quem
colaborou em
categorias de
Melhor Filme,
biográfico, produ- MELHOR REALIZAÇÃO Fincher nasceu a O Regresso de
Jedi e no primeiro
ESTÃO, PELA PRIMEIRA
zido em 2020 pela 28 de agosto de
Melhor Realização, Netflix, que retrata 1962, em Denver, Indiana Jones.
Melhor Direção de A estreia na reali-
Fotografia, Melhor
a história de Her-
man J. Mankiewicz VEZ NA HISTÓRIA, DUAS Colorado. Filho de
Jack, jornalista zação deu-se em

MULHERES
Ator Principal (Gary na época em que que chegou a publicidade. Mais
Oldman) e Melhor escreveu o argu- chefe de redação tarde, ganhou fama
Atriz Secundária mento de Citizen da revista Life, a dirigir videoclips,
(Amanda Seyfried). MANUEL BARROS MOURA tendo arrecadado
Kane (1941). Para e de Claire Mae,
Nada que homenagearr os enfermeira de
enfe dois MTV Video
garanta, por si só, filmes dessa a época, saúd
saúde mental. Music Awards, em
favoritismo. Basta David Fincherer A fam
família mudou- 1989 e 90, com
ver o que aconteceu optou por filmar
mar -se p para a Express Yourself e
nos Globos de Ouro, a preto e branco
nco Calif
Califórnia quando Vogue, de Madonna.
em que o filme e utilizar câmaras
maras David tinha apenas A estreia no cinema
liderou também RED, dando, assim, anos e passou a
2 ano aconteceu em 1992
as nomeWações, maior destaque ue ao ser vivizinha, entre com Alien 3. Desde
mas acabou sem argumento escrito,
scrito, outros, do cineasta
outro então, realizou
prémios. Nos na década de 1990, George Lucas.
Georg vários filmes de
Oscars deste ano pelo seu pai, Jack paixão pelo
A paix sucesso, incluindo
o destaque vai Fincher. A ideiaia cinema surgiu no
cinem Seven (1995), The
igualmente para inicial era de que o pequeno Fincher
peque Game (1997), Fight
o facto de ser a filme fosse realiza-
aliza- aos 8 anos, Club (1999), Panic
primeira vez que do em 1997, mas quando viu um
quand Room (2002), Zodiac
duas mulheres acabou por só se documentário
docum (2007), The Girl With
competem pela concretizar em m sobre a produção the Dragon Tattoo
Melhor Realização: 2020, 17 anos Butch Cassidy
de But (2011) e Gone Girl
a chinesa Chloé após a morte e o SuSundance Kid. (2014). Também
Zhao (a primeira de Jack, com “Nunca me ocorreu produziu três séries
mulher de um cancro. que os filmes não de televisão para
ascendência Por causa da acontecessem
aconte a Netflix: House
asiática nomeada), pandemia, o em temtempo real”, of Cards (2013-
que dirigiu filme teve um conta David,
D 2018), Mindhunter
Nomadland lançamen- explicando que foi
explica (2017-presente) e
− Sobreviver to muito desde então que Love, Death and Ro-
na América, e limitado nas começou
começ a fazer bots (2019). Antes
Emerald Fennell, salas de filmes com uma de Mank, foi nomea-
atriz britânica cinema a 13 câmara
câmar de 8 mm. do para o Oscar de
que integra a de novembro, E nunca
nunc mais Melhor Realizador
série The Crown, sendo, depois, parou. por O Curioso Caso
que se estreia na disponibilizado, de Benjamin Button
realização com a 4 de dezembro, o, (2008) e The Social
Promising Young na plataforma Network (2010). Não
Woman. Netflix. ganhou. Será desta?

18 VISÃO 18 MARÇO 2021


INBOX

M O D É S T I A À PA R T E
Tornei-me
Posso parecer
louco, mas
a última
vamos lutar pelass vítima da
medalhas nos
Jogos Olímpicos cultura do
PAULO JORGE PEREIRA
Selecionador nacional de
andebol, que conduziu a equipa
ao apuramento
cancelamento
que está a
tomar conta
do nosso
país
PIERS MORGAN
O apresentador de televisão, que se
de
demitiu do programa Good Morning Britain
a
após criticar Meghan Markle, lembra que
A única maneira ttambém foi afastado do Daily Mirror por
ser contra a guerra do Iraque e viu um
de entender a comida programa seu ser cancelado nos EUA por
pr
é poder olhar para criticar a lei das armas, de Trump
a cara dos clientes
LJUBOMIR STANISIC FRASE DA SEMANA
O chef estreou no domingo,
14, o seu programa Hell’s
Kitchen, na SIC
Se até ao final
Se Portugal está
de abril os
no armário? Sim. idosos
i estiverem
É o País dos modestos C H O Q U E F R O N TA L
vacinados,
e moderados
FADO BICHA
venceremos
Há quatro anos que Tiago Lila
(ou Lila Fadista), na voz, e João a batalha contra
Caçador, na guitarra elétrica,
assumiram o lado mais queer
do fado
a Covid-19
HENRIQUE OLIVEIRA
Matemático, professor e investigador
na área da dinâmica de populações
do Instituto Superior Técnico
Não me apetece mais
e... deixem-me sair Lucas Veríssimo é Lucas Veríssimo
bem. Ridículos, não. imbatível por cima, não tem metade da
Terem pena de mim, faz-me lembrar o minha loucura
não Carlos Mozer CARLOS MOZER
SIMONE DE OLIVEIRA JORGE JESUS O antigo jogador
A cantora, de 83 anos, anunciou Treinador do Benfica recusa parecenças
que o espetáculo que se realizará elogia o novo defesa- com o reforço do
“em abril ou maio”, no CCB, será central da equipa, Benfica e diz que quem
o último da sua carreira comparando-o ao antigo ele faz lembrar é
internacional brasileiro, Ricardo Gomes, outro
que jogou na Luz nos internacional brasileiro
anos 1980 e 90 que brilhou com o
emblema da águia

Fontes: The Independent, Diário de Notícias, Record, Expresso, Rádio Comercial


18 MARÇO 2021 VISÃO 19
ALMANAQUE

NÚMEROS DA SEMANA

€58,4 milhões
A obra de arte digital do artista
Beeple, intitulada Todos os
ias: os primeiros 5 000 dias,
foi vendida na quinta-feira, 10,
em leilão através da internet,
por 69,4 milhões de dólares
(58,4 milhões de euros), valor
recorde para obras não físicas.
Trata-se de uma colagem
digital de fotografias tiradas
pelo artista desde maio de
2007.

€22 milhões
A família do afro-americano
Grilo governante
George Floyd, morto em 2020 Na Nova Zelândia, gostam tanto da primeira-ministra que até dão o seu
por um polícia de Minneapolis, nome a grilos, fungos, besouros e formigas. E Jacinda não se importa
vai receber uma indemnização
de 27 milhões de dólares (22
milhões de euros) do município É do conhecimento geral que a Hemiandrus jacinda, aparentemente
norte-americano. primeira-ministra da Nova Zelândia, por causa da sua coloração vermelha,
Jacinda Ardern, é, nos dias que correm, semelhante à do Partido Trabalhista
uma das políticas mais prestigiadas em do qual Jacinda Ardern é líder. As

€3 milhões
Cinco projetos
todo o mundo. O que talvez poucos
acreditassem era que esse prestígio
fizesse com que o seu nome fosse
suas longas pernas terão, igualmente,
influenciado a escolha. Steven Trewick,
professor de Ecologia Evolutiva
cinematográficos vão receber utilizado para batizar outros seres vivos, responsável pelo “batismo”, explica que
um total de três milhões que não humanos. Desta vez, o nome o inseto “reflete traços da primeira-
de euros de financiamento da chefe de Governo neozelandesa ministra”, na medida em que cada um
à produção de longas- foi o escolhido para identificar uma deles “é muito importante para a Nova
metragens, segundo decisão nova espécie de grilo, recentemente Zelândia”. Um porta-voz da governante
do Instituto do Cinema e do descoberto pela Universidade Massey, garantiu que esta se sente “muito
Audiovisual. A verba é para na Nova Zelândia. Trata-se de um honrada”, lembrando que o seu nome
dividir em partes iguais pelos inseto gigante, incapaz de voar e já servira para batizar “um besouro, um
projetos Gran Tour, de Miguel nativo daquele país. Chamaram-lhe líquen e uma formiga”. Podia ser pior...
Gomes, Vidros no Asfalto, de
Edgar Pêra, Restos, de Tiago
Guedes, Sob a Chama da
Candeia, de André Gil Mata, ESTUDO
e Malcriado, de Vicente Alves
do Ó.
Anda meio mundo a ser enganado com o peixe
Um estudo realizado pelo The Guardian, que comparou os resultados de 44 pesquisas

2 674
Portugal acolheu esta semana
recentes que avaliaram mais de nove mil amostras de peixe e marisco à venda em
restaurantes, peixarias e supermercados em mais de 30 países, concluiu que 36%
apresentavam rótulos incorretos, o que indicia uma fraude generalizada à escala global. O
jornal explica que este tipo de fraude é há muito um problema conhecido em todo o mundo.
cinco migrantes resgatados no Tratando-se de um dos produtos alimentares mais comercializados internacionalmente,
Mediterrâneo e 23 refugiados geralmente através de cadeias complexas e opacas, o pescado é altamente vulnerável à
oriundos da Turquia, elevando rotulagem incorreta. Grande parte da captura global é transportada
para 2 674 o total de de barcos de pesca para enormes navios de transbordo para
requerentes e beneficiários processamento, onde é relativamente fácil falsear os rótulos.
de proteção internacional E há de tudo: desde substituição de espécies por outras
recebidos nos últimos anos, semelhantes mas mais vulgares e baratas a introdução de
anunciou, no sábado, 13, o pescado ilegal no circuito ou a classificação como sendo
Governo. “de mar” de muito peixe criado em aquacultura.

20 VISÃO 18 MARÇO 2021


TRANSIÇÕES

PRÉMIO
A cientista que inventou a
eletrónica transparente e a
eletrónica do papel, Elvira
Fortunato, foi escolhida
pelo júri do Prémio Pessoa,
uma iniciativa conjunta
anual promovida pelo
Expresso e pela Caixa Geral
de Depósitos. Elvira Maria
Correia Fortunato tem 56
anos e nasceu em Almada.
Licenciada em Engenharia
de Materiais, é catedrática
da Faculdade de Ciências
e Tecnologia e vice-reitora
da Universidade Nova de
Lisboa. É a sétima mulher e,
também, a sétima cientista,
a ser distinguida com o
maior galardão atribuído
em Portugal nas áreas de
Ciência, Artes ou Cultura.

C A R L O S C O S TA ( 1 9 2 7- 2 0 2 1 ) E J Ú L I O C O S TA ( 1 9 3 5 - 2 0 2 1 )
MORTES

O sorriso e o falsete do Duo Odemira


O principal responsável pela
invenção das cassetes, Lou
Ottens, morreu na terça-
feira, 9, aos 94 anos, em
Duizel, nos Países Baixos. Cinco dias separam o desaparecimento dos dois irmãos fundadores
O engenheiro holandês do grupo musical Trio Odemira, autores de Anel de Noivado,
revolucionou a maneira incontornável canção da história da música portuguesa do século XX
como se passou a ouvir
música a partir dos anos
60. Desde 1963 foram Odemira não era a terra natal dos de canções gravadas por Tony de Matos
vendidas mais de 100 mil irmãos Carlos e Júlio Costa. Mudaram- (com quem, em 1967, atuaram durante
milhões de cassetes. Ottens, -se ainda muito jovens, com 13 e 5 dois meses nos EUA e no Canadá),
que, durante a II Guerra anos, respetivamente, nos anos 1940, Amália Rodrigues e Max. O duo passou
Mundial, já conseguira criar
para esta vila alentejana, quando o seu a trio com o guitarrista José Ribeiro,
um sistema (a que deu o
pai (ele sim, alentejano de Montemor- nos primeiros 22 anos, seguindo-se
nome de “filtro de alemães”)
que permitia aos seus pais
-o-Novo) ali comprou uma tipografia. o moçambicano Mingo Rangel.
ouvir a rádio da BBC, cuja Carlos e Júlio ter-se-ão interessado Estes músicos foram os primeiros
transmissão estava proibida pela música à conta dos serões em a gravar em disco temas populares
na altura da ocupação família, com o bisavô, natural da alentejanos (à exceção dos grupos corais)
alemã, também participou Galiza, a tocar instrumentos e a mãe e grandes êxitos como Ana Maria, Anel
no desenvolvimento do CD. a cantar. “É neste tempo, em que a de Noivado e No Reino do Amor muito
língua castelhana conquistava Paris e contribuíram para baterem recordes
Nova Iorque, que dois irmãos, de violas de vendas, com um disco de platina e
O fotógrafo italiano ao ombro, vão para o Alentejo, onde seis discos de ouro. “Júlio, senhor de
Giovanni Gastel, formam o Duo Odemira. E foi com a um sentido de humor tão ácido, tão
famoso e admirado rapsódia Rio Odemira que vencem o autoparódico; Carlos, geek inveterado
internacionalmente pelas concurso [radiofónico] de talentos dos de banda desenhada desde sempre.
suas fotografias das grandes Companheiros da Alegria, do mítico Ambos cultos, tão deliciados com a
casas de moda, morreu no Igrejas Caeiro”, recorda Júlio Isidro erudição como com o claro gozo que
sábado, 13, aos 65 anos, numa homenagem nas redes sociais. lhes dava cantar para o povo. Gozavam
com Covid-19. Entre as Passaram-se 62 anos e 19 voltas com tudo”, escreveu Nuno Markl
muitas personalidades que ao mundo, em diversas tournées, sobre estes “trovadores do romance”.
fotografou destacam-se
a cantarem êxitos espanhóis e sul- Carlos, o irmão mais velho, morreu
Barack Obama, Madonna,
-americanos (alguns gravados dia 7; passados cinco dias, foi Júlio
Johnny Depp e Maradona.
em português), temas tradicionais da que não resistiu, talvez ao desgosto.
Beira Baixa e do Alentejo e versões Indissociáveis até na hora da morte. S.C.

18 MARÇO 2021 VISÃO 21


Marcelo
criticou
PRÓXIMOS CAPÍTULOS
há um ano
lentidão da
Justiça

PERISCÓPIO

PANDEMIA Fonseca e Castro, um


A vez dos juristas juiz de competência
pela verdade genérica, que julga de
Extinto o polémico tudo um pouco – assim
grupo “Médicos como um médico de
pela verdade”, eis clínica geral. Ao fim e
que chegou a vez ao cabo, isto está tudo
dos “Juristas pela ligado.
verdade”, que tem
como rosto Rui METÁSTASES
Fonseca e Castro, Um pé fora e outro
juiz em Odemira dentro do Chega
e que em breve Bento Marçal Martins,
estará de regresso à o ex-presidente da
magistratura, após mesa da assembleia
dez anos de licença da distrital de Setúbal
sem vencimento. do Chega, acaba
Autodenominando- de fundar o Partido
DEMORA se de “juristas Voz, que ainda não
profundamente está registado no

Justiça à espera de Belém preocupados com os


atropelos ao Estado
de direito”, o grupo
fez um “Caderno de
Constitucional. O que
provavelmente André
Ventura desconhece
é que o seu antigo
Abertura do Ano Judicial em stand by motiva Minutas”, no qual dirigente, que saiu
denuncia o controlo devido à “lei da rolha”,
críticas do setor. Presidenciais e processo Marquês,
policial, que os anda a arregimentar
a par da pandemia, estarão na origem de atraso estados de emergência fiéis no Facebook do
permitirão, e aponta seu partido, como é
várias formas de o o caso da página do
Há dois meses que a Abertura do Ano Judicial espera luz verde contornar. Fonseca “Chega de Santiago
de Marcelo Rebelo de Sousa, sem que se perspetive uma data e Castro estará a do Cacém”. Ainda
para a sessão solene que mereça o acordo de Belém. Terá estado passar o testemunho sem dois anos de
prevista para a primeira semana após as presidenciais, mas o de líder deste grupo, existência, o partido
Chefe de Estado mostrou indisponibilidade. Sendo que, em porque, ao regressar de Ventura já tinha
vias de se jubilar, aproxima-se a saída de Joaquim Piçarra, ao ativo, está proibido dado origem, nos
presidente do Supremo Tribunal de Justiça, uma das entidades de o fazer. “Farsa últimos tempos, ao
intervenientes no evento, que, desde 2018, se realiza no início desmascarada” é Liga Nacional e ao
de cada ano – até então, era em setembro. “Começa a ser dos últimos vídeos Movimento Defender
bastante estranho o adiamento de algo tão importante”, aponta publicados por Portugal.
o bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, ao
frisar que, se a tomada de posse de Marcelo respeitou as regras MASCOTE
de saúde, “também há espaços que podem acolher a sessão”. Marcelo dá sorte na Champions
“Em 2020, foi escolhido o Palácio da Antes de o FC do Porto ter atingido os quartos de
Ajuda, porque o Supremo estava em final da Liga dos Campeões (por ter eliminado a
obras.” Junto de fontes judiciais, a VISÃO Juventus, de Cristiano Ronaldo), a última equipa
apurou que houve a hipótese de 27 de portuguesa a chegar à mesma fase da prova tinha
É IMPORTANTE janeiro – tendo ocorrido até a reserva sido o Benfica, em 2016, eliminando o Zenit de
PRESERVAR de uma sala. Belém terá afastado esse São Petersburgo, de André Villas-Boas. Acontece
que ambos os jogos decisivos se disputaram a 9
cenário, devido à pandemia. Segundo as
RITUAIS mesmas fontes, Marcelo ainda aguardará de março – ou seja, no dia da tomada de posse de
SIMBÓLICOS QUE a leitura da instrução do caso Marquês, Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da
República. É caso para dizer quee Marcelo
já que criticou, no ano passado, a “Justiça
A LEI OBRIGA tão lenta”. Piçarra avisou então que o dá sorte, pelo que devia ser considerada
siderada
QUE OCORRAM. sistema legal português implica que a hipótese de uma mudança
constitucional que o permitisse
“processos complexos” e “faraónicos”,
A TOMADA DE como o que envolve José Sócrates, cumprir um 3º mandato. Para,
quem sabe, dar uma hipótese
POSSE DO PR tenham uma conclusão que “levará ao Sporting, que parece querer
sempre vários anos”. Em 2017, devido
NÃO FOI FEITA? à alteração da lei, não se realizou esta regressar a estas lides... Ou
mesmo ao seu Sporting de Braga, ga,
MENEZES LEITÃO sessão – que remonta à Festa da Justiça,
Bastonário da que para lá caminha.
Ordem dos de 1833 –, já que a última tinha sido em
Advogados setembro de 2016. Nuno Miguel Ropio

22 VISÃO 18 MARÇO 2021


OPINIÃO

É preciso o medo da
morte para mudar?
P O R J O S É M A N U E L P U R E Z A / Professor universitário. Deputado do Bloco de Esquerda

D
os quatro retângulos que compõem o filhos e netos. São eles os grupos de risco e, irrespon-
“boneco” apresentado pelo primeiro-mi- savelmente, não estamos a encará-los como tal, antes
nistro, é o vermelho que tem comandado a acelerar a sua morte. Não nos impomos o inves-
a nossa vida coletiva nos últimos meses. timento em transportes públicos energeticamente
Por nos sabermos no retângulo vermelho limpos, em eficiência energética na habitação e em
da saúde pública, aceitámos fechar-nos em energias renováveis como urgência, e mudamos po-
casa, com o cortejo de desgraças sociais e líticas e hábitos de vida com a mesma lentidão com
económicas daí decorrente. Aceitámo-lo que percebemos que o último Natal não era pro-
porque acreditamos que isso é imprescin- priamente para festas de família. O resultado desta
dível para passarmos do vermelho para os inconsciência social será o mesmo que vivemos em
amarelos e, desejavelmente, para o verde, onde a vida janeiro nos hospitais. Com uma diferença: quando a
reganhará possibilidades de ser fruída com hori- catástrofe ambiental se tornar irreversível, não haverá
zontes de futuro. Temos vivido na má exceção para vacina para a fazer recuar.
reconquistar a boa regra. O segundo exemplo é o da habitação. Neste do-
Compreende-se esta aceitação geral: é o medo da mínio, estamos no retângulo vermelho há décadas.
morte que nos determina. De uma morte ali à esquina, Quem entregou ao mercado e à banca a satisfação do
uma morte no nosso tempo, a direito à habitação sabia o que
nossa morte. A pergunta que te- daí ia resultar: apenas 2% de ha-
mos de nos fazer é se só a morte Estamos no retângulo bitação pública, cerca de 20% da
iminente nos consegue convencer, população em situação de pobre-
como sociedade, de que temos de ambiental vermelho za energética, com os preços da
arrepiar radicalmente caminho e continuamos a ter habitação a aumentar 17% desde
para que a vida em abundância 2010, ao mesmo tempo que mais
para todos possa ser um facto. políticas que são, de 730 mil casas estão vazias.
A verdade é que, em várias dimen- para o Ambiente, É, há tempo demais, de uma si-
sões da nossa vida, estamos, há equivalentes ao que as tuação de catástrofe que se trata.
muito, no retângulo vermelho. E, no entanto, insistimos na ir-
No retângulo da morte. E, desgra- festas clandestinas ou responsabilidade. Continuamos a
çadamente, continuamos a viver o não uso de máscara aceitar políticas de promoção da
na irresponsabilidade que torna os aquisição face ao arrendamento,
retângulos amarelos e verde mira- são para a Covid mesmo sabendo que o recurso ao
gens longínquas. Dou, de seguida, crédito afoga muitas famílias em
dois exemplos de emergências que dívidas que não conseguem pa-
vivemos de modo irresponsável. gar e que se mantêm após a entrega da casa ao banco.
Primeiro exemplo: a nossa resposta às alterações Continuamos a aceitar políticas de animação especu-
climáticas. Desde que as Nações Unidas reconheceram lativa do mercado de arrendamento, como os vistos
a existência de alterações climáticas, nos anos 70, as gold ou os benefícios fiscais a fundos imobiliários.
emissões mundiais de gases com efeito de estufa pra- Passar do retângulo vermelho para os amarelos
ticamente duplicaram. Em termos relativos, Portugal ou para o verde supõe a coragem de reverter estas
contribuiu como os demais para este comportamento políticas de décadas e deixarmos de olhar a habitação
suicida. Resta-nos agora menos de uma década para como um assunto do mercado, mas sim como um
adotar e dar efeito concreto às medidas de emergência direito de todos. É essa a emergência. Uma governa-
que nos podem livrar da irreversibilidade da tragédia. ção que nos mantém no retângulo vermelho para ce-
Estamos no retângulo ambiental vermelho e con- der ao negacionismo dos especuladores será julgada
tinuamos a ter políticas que são, para o Ambiente, por isso.
equivalentes ao que as festas clandestinas ou o não Aplicar o boneco dos quatro retângulos às dife-
uso de máscara são para a Covid. Não assumimos a rentes emergências do presente levará a escolhas
emergência porque nos convencemos de que o risco determinadas de mudança. Antes que a emergência
de morte incidirá não sobre nós, mas sobre os nossos vire catástrofe consumada. visao@visao.pt

18 MARÇO 2021 VISÃO 23


OCEANO DE ESPERANÇA

Oceano de Esperança é um projeto da VISÃO em parceria com a ROLEX, no âmbito da sua iniciativa Perpetual Planet, para dar
voz a pessoas e a organizações extraordinárias que trabalham para construir um planeta e um futuro mais sustentáveis

O passado dos oceanos e o


presente da Humanidade
O projeto 4 Oceans, da investigadora da Universidade Nova Cristina Brito,
recebeu uma bolsa de dez milhões de euros para estudar a exploração
dos oceanos nos últimos dois mil anos. É a maior bolsa europeia na área
BRUNO LOBO J O S É C A R L O S C A R VA L H O

“Temos dinheiro, temos tempo e temos equipa para traba- Biologia, e especialização em Biologia Marinha com os gol-
lhar”, conta à VISÃO a diretora do Centro de Humanidades finhos do Sado e os grandes cetáceos no Atlântico. Seria,
da Universidade Nova, Cristina Brito, alertando logo de se- aliás, onde provavelmente estaria, não fosse por um pequeno
guida para a magnitude da tarefa: “Trata-se de um projeto pormenor: “Adoro o mar, e sempre trabalhei no mar, mas
muito ambicioso que pretende criar a primeira avaliação infelizmente enjoo. E, se aqui no continente e nos Açores
global do papel dos recursos marinhos no desenvolvimen- consegui aguentar, quando fui para São Tomé estudar as
to das sociedades humanas.” Recuando o mais possível no baleias corcundas era tão duro que não conseguia trabalhar.”
tempo, e procurando também perceber o impacto da nossa Num dia particularmente mau ficou em terra e acabou
atividade nos ambientes marinhos. por entrar no Arquivo Histórico da cidade de São Tomé,
Quase como se à História Universal da Humanidade lhe onde começou a ler a Crónica dos Feitos da Guiné, de Eanes
faltasse um capítulo importantíssimo, porque “o foco foi de Zurara, ficando fascinada pelas vívidas descrições dos
sempre o desenvolvimento agrícola, estudando muito pouco animais marinhos, baleias, golfinhos ou lobos marinhos.
o que aconteceu no mar. A nossa tese é precisamente a de “Nunca me tinha ocorrido que nas narrativas históricas
que os recursos marinhos influenciaram decisivamente as existissem estas descrições e no espaço de um mês aban-
sociedades humanas”, e dá alguns exemplos, como a caça donei a biologia”, recorda a investigadora.
intensiva de baleias francas na Península Ibérica, que já no O projeto tem início oficial marcado para julho deste
século XVII levou à sua extinção nestes mares, obrigan- ano – e duração prevista até 2027 –, sendo que a primeira
do bascos e portugueses a irem para a Terra Nova. Onde, etapa passa pela criação de um “Atlas da Exploração His-
aliás, já andávamos atrás de bacalhau desde o século XV. tórica dos Recursos Marinhos”. Um mapa mundial com
“O recurso importa” explica, “e as populações vão atrás vários dados quantitativos ao longo dos últimos séculos,
dele onde existe”. como capturas e trocas económicas, desenvolvimentos
A tese conquistou o júri do Conselho Europeu de Inves- tecnológicos, dados ambientais, como eventos extremos
tigação, que a escolheu entre 440 candidaturas, e conce- ou temperaturas das águas. “Várias camadas de informação,
deu uma bolsa de 10,4 milhões de euros, a maior alguma para ir alimentando ao longo do tempo”, e por equipas que
vez atribuída a um projeto na área das Humanidades na podem chegar aos 30 investigadores. Esses dados estarão
Europa. Cristina Brito é o braço português de uma equipa disponíveis em modo aberto e quase à medida que forem
internacional que conta com mais três investigadores: Ja- sendo recolhidos, para que se possam tomar decisões mais
mes Barrett, da Universidade de Cambridge, especialista em informadas: “O objetivo é que o projeto 4 Oceans ofereça
Arqueologia Biomolecular e, do Trinity College de Dublin, essa dimensão cronológica às questões sociais e ambien-
Francis Ludlow, historiador ambiental e especialista em tais que a Humanidade enfrenta”, especialmente numa
Climatologia Histórica, e Poul Holm, perito em História década que as Nações Unidas dedicaram aos oceanos e ao
Ambiental e Económica. Foi este último quem montou a desenvolvimento sustentável. “Mostrar aos cientistas e aos
equipa dos quatro magníficos pelos oceanos. decisores políticos que a História pode dar um contributo
Se hoje a área de investigação de Crsitina Brito se centra importante para a valorização, conservação, e para a apro-
sobretudo na história ambiental e na expansão marítima ximação das pessoas aos oceanos. Porque é fundamental
europeia, o seu trajeto começou com uma licenciatura em criar essa empatia.” visao@visao.pt

24 VISÃO 18 MARÇO 2021


18 MARÇO 2021 VISÃO 25
IMAGENS

O ANO PELAS LENTES


DOS MELHORES
Não foi só a pandemia de Covid-19 que marcou a vida de todos durante o ano que passou.
A edição de 2021 do World Press Photo, cuja exposição a VISÃO trará a Portugal,
mostra isso mesmo, como se prova com as seis nomeadas a Foto do Ano.
Mais uma vez, há um fotojornalista português selecionado

OLIVEIRA DE FRADES, PORTUGAL


Não está nomeada para Foto do Ano, mas é uma das candidatas a vencer a categoria Spot News do World Press
Photo de 2021. A imagem do fotojornalista português Nuno André Ferreira, para a Agência Lusa, mostra,
em primeiro plano, a inocência do olhar de uma criança, abrigada no banco de trás do carro, enquanto,
em pano de fundo, a Natureza revela a sua fúria, em mais um incêndio florestal na região de Oliveira de Frades

26 VISÃO 18 MARÇO 2021


SÃO PAULO, BRASIL
Rosa Luiza Lunardi é abraçada pela enfermeira Adriana Silva
da Costa Souza, no lar Viva Bem, em São Paulo, no Brasil. Por
causa da pandemia, este foi o primeiro abraço que a idosa
recebeu em cinco meses. A foto, da autoria de Mads Nissen,
para o Politiken, é candidata a Foto do Ano

WASHINGTON, EUA
Um homem branco e uma mulher negra discutem, a 24 de junho de 2020, sobre a
hipotética remoção do Memorial da Emancipação, no Lincoln Park, em Washington.
A estátua mostra um homem negro ajoelhado perante o Presidente Lincoln, que segura
uma cópia da proclamação de emancipação, de 1862, que determinou a proibição da
escravatura. Foto de Evelyn Hockstein, para o Washington Post, candidata a Foto do Ano

18 MARÇO 2021 VISÃO 27


IMAGENS

SÃO PETERSBURGO, RÚSSIA


Ignat, homem transgénero russo, é abraçado pela namorada,
Maria, em São Petersburgo, na Rússia. Esta imagem pode
valer ao autor, Oleg Ponomarev, o prémio para a Foto do Ano

ARCHERS POST,
QUÉNIA
Therny Lanayasa, líder
da comunidade Samburu
de Archers Post, no
Quénia, tenta afugentar
uma imensa praga de
gafanhotos, a 24 de abril
do ano passado.
A foto de Luís Tato para
o Washington Post está
nomeada na categoria
principal

BEIRUTE, LÍBANO
Homem ferido ajoelha-se perante os destroços e os incêndios provocados
pela violentíssima explosão que ocorreu, a 4 de agosto, no porto de Beirute,
e que destruiu grande parte da capital do Líbano, matando pelo menos 210
pessoas e deixando mais de 300 mil sem casa. A imagem, candidata a Foto do
Ano, é da autoria de Lorenzo Tugnoli e foi publicada no Washington Post

28 VISÃO 18 MARÇO 2021


LACHIN,
NAGORNO-KARABACH
Avat Gevorkyan chora ao
lado da mulher, Anaik,
que segura o filho de
ambos nos braços.
O casal foi fotografado
a 28 de novembro por
Valery Melnikov, da
agência noticiosa russa
Sputnik, momentos antes
de terem de abandonar
a sua casa, em Lachin,
para fugir aos violentos
conflitos étnicos que
voltaram a ocorrer em
Nagorno-Karabach.
Imagem candidata
a Foto do Ano

18 MARÇO 2021 VISÃO 29


                         

“PORTUGUESE
DREAM”
Cada vez mais norte-americanos escolhem viver em Portugal.
Nos últimos seis anos, as autorizações de residência quase
duplicaram e os vistos Gold multiplicaram-se por seis – e nem a
pandemia abrandou as chegadas. Há quem venha atraído pelo
investimento imobiliário, pelo potencial tecnológico do País,
pela qualidade de vida e, até, pelos vinhos. Afinal, o que oferece
o sonho português a quem tem capacidade financeira para
morar em qualquer parte do mundo?
                         
VÂ N I A M A I A E M A R I S A A N T U N E S

30 VISÃO 18 MARÇO 2021


Stephanie
Bennett
52 ANOS
ENGENHEIRA
INFORMÁTICA
SÃO FRANCISCO

A norte-americana
está em vias de
fazer a escritura do
seu terceiro imóvel
adquirido em Portugal
– uma moradia para a
família, no centro de
Cascais, que vai somar-
se a um apartamento
em Lisboa “para
rentabilizar” e à
casa de férias em
Tavira. “Tínhamos, na
Califórnia, uma casa
com piscina e tudo o
que se pode considerar
uma vida fantástica,
mas as pessoas são
JOSÉ CARLOS CARVALHO

muito materialistas e
as crianças crescem
com o mesmo foco”,
critica.
18 MARÇO 2021 VISÃO 31
T
   

“Toda a gente fala inglês comigo e eu não


aprendo a língua portuguesa”, queixa-se Debo-
rah Harris, sem conseguir disfarçar o sorriso.
“Percebo melhor do que falo”, arrisca dizer
num ritmo pausado. Já está habituada a que as
pessoas fiquem chocadas quando descobrem
que trocou Nova Iorque por Lisboa, há quase
três anos. Sabe que muitos compatriotas vie-
ram para Portugal por motivações políticas,
depois da eleição de Donald Trump, mas não
foi esse o seu caso: “Eu apaixonei-me.”
Deborah Harris é apenas uma das quase
cinco mil pessoas de nacionalidade norte-
-americana que vivem atualmente no País.
Desde 2015, o número de beneficiários de
Deborah Harris “Aos 64 anos, vi-me diante de uma página em
branco”, que começou a ser escrita em Lisboa.
Solicitou uma Autorização de Residência
67 ANOS
autorizações de residência, vindos dos Estados CURADORA DE ARTE para Atividade de Investimento (ARI) – visto
Unidos da América (EUA), quase duplicou. NOVA IORQUE Gold –, vendeu o seu apartamento em Nova
No ano passado, já em plena pandemia, 1 115 Iorque e comprou outro no Chiado, que cus-
atravessaram o Atlântico, trocando o sonho Habituada a frequentar tou à volta de meio milhão de euros. Vive na
americano pelo portuguese dream. os mercados de arte rua que dá nome ao romance A Tragédia da
A aparência jovial torna impossível adivinhar mais prestigiados do Rua das Flores, o que a levou a comprar uma
que a nova-iorquina tem 67 anos. Além disso, mundo, a nova-iorquina versão em português e outra em inglês da obra
soma mais de três décadas de experiência no encontrou em Lisboa de Eça de Queirós.
mundo da arte. Foi diretora-adjunta de uma uma “cena artística No ano passado, os norte-americanos fo-
das mais prestigiadas feiras internacionais, pequena mas vibrante”. ram responsáveis por 6,3% dos vistos Gold
The Armory Show, realizada na Big Apple. E Está empenhada em concedidos. Muitos também chegam através
é habitué das mostras de arte mais vibrantes aprender a língua dos vistos D7, atribuídos a quem prova ter
do planeta. “Sempre pensei que, se viesse para portuguesa para recursos para se sustentar (como os reforma-
“compreender melhor
a Europa, iria para Paris ou Roma, porque são dos), ou dos vistos D2, dirigidos a empresários
as pessoas e a cultura”.
mercados fortes e eu falo francês e italiano”, dispostos a criarem negócios no País.
E até já se rendeu a
reflete. Até que, há meia dúzia de anos, visi- algumas tradições:
Apesar do quotidiano mais tranquilo, De-
tou Portugal pela primeira vez. “As pessoas, a é fã de fado e adora borah Harris continua profissionalmente ativa.
comida, a costa... Tudo era maravilhoso e senti bacalhau. Acima de “A cena artística lisboeta estava a explodir, e
que, um dia, gostaria de passar algum tempo tudo, quer “viver como eu senti que podia contribuir para isso. Foi
aqui”, recorda. Em 2017, Deborah Harris viveu os portugueses e não um encantamento encontrar uma cidade em
“uma espécie de episódio Me Too”, em que acu- como uma americana ebulição e perceber que as pessoas tinham
sou o diretor-executivo da The Armory Show em Portugal”. curiosidade acerca dela”, afirma. Tem exercido
de comportamento impróprio, acabando por a função de curadora na galeria Muñoz Car-
abandonar o seu cargo. “Vivi 40 anos em Nova mona e ajudado artistas nacionais a interna-
Iorque, casei-me, tive dois filhos e, agora, estava cionalizarem-se. Também é habitual receber
sozinha e podia fazer o que quisesse”, resume. solicitações de colecionadores ou de artistas

32 VISÃO 18 MARÇO 2021


    
MARCOS BORGA

Thomas Murray que visitam o País e lhe pedem recomendações.


“São pessoas que viajam muito e que procuram
o que seja único”, diz.
58 ANOS
CONSULTOR Lisboa lembra-lhe Nova Iorque nos anos
E ESCRITOR 80, “quando chegavam muitas pessoas criativas
CLEVELAND e da área da tecnologia”. Na capital portuguesa,
encontrou a energia positiva que não sentiu
Depois de já ter vivido em Paris ou em Roma. “Estava à procura de
em 15 países, foi em uma cidade com vida cultural, arte, museus,
Portugal que o norte- música, dança, teatro... E aqui há um pouco
americano decidiu de tudo isso. A cena artística é pequena mas
estabelecer-se. Chegou vibrante”, classifica.
em 2016, semanas Contudo, conhece quem não esteja feliz
após Donald Trump ser com a mudança de país. “Nova Iorque é uma
nomeado candidato
cidade que funciona 24 horas e Lisboa não é
à Presidência pelo
assim”, constata. “Temos de aceitar isso, em vez
Partido Republicano.
de ficarmos a pensar naquilo de que sentimos
LUÍS BARRA

Nos EUA, identifica


cinco temas falta. É como ir para Paris e só querer comer
fraturantes: religião, hambúrgueres”, ironiza. “Eu tento viver como
racismo, armas, os portugueses e não como uma norte-ame-
cuidados de saúde ricana em Portugal.”
e pena capital. “Em
Portugal, as pessoas FUGIR DE TRUMP
não falam tanto de Há mais de três anos, Luís Lima, presidente
religião e não há da APEMIP (Associação dos Profissionais e
armas nem pena de Empresas de Mediação Imobiliária de Portu-
morte. O serviço de gal) já tinha previsto esta tendência que ago-
Vistos Gold sempre a subir saúde também é muito
superior”, compara.
ra está a consolidar-se. “Portugal é um país
pequeno mas extremamente agradável, com
Embora a nacionalidade norte-americana não
seja das principais a fixar-se em Portugal com boas autoestradas de norte a sul e belíssimas
vistos Gold, os Estados Unidos da América têm paisagens, gastronomia extraordinária e uma
aumentado o seu peso costa maravilhosa. E, ao contrário de muitos
outros povos, nós tentamos falar inglês com
Total de vistos Gold % de norte-americanos
quem nos visita, e isso é importante. Saber,
por exemplo, que se forem ao hospital serão
1 414 1 409 compreendidos, é algo que pesa no momento
1 351

€750 MIL
1 245 da decisão”, refere, sublinhando que “os norte-
1 182 -americanos já aparecem em 2019 e 2020 no
top 5 das nacionalidades que mais requerem
os vistos Gold”.
766 6,3% É O VALOR MÉDIO “Muitos vêm atrás dos filhos que vieram
5,2% QUE OS NORTE- para cá estudar, porque as nossas faculdades
AMERICANOS têm uma boa reputação, outros já estão na
2,4% GASTAM PARA reforma, mas há também muitos profissionais
1,6% COMPRAR UMA no ativo que vieram para cá trabalhar, porque
1,1% CASA EM PORTUGAL,
0,3% não suportavam Donald Trump”, realça ainda
SEGUNDO DADOS Luís Lima.
2015 2016 2017 2018 2019 2020 DOS CLIENTES DA Stephanie Bennett, o marido e os dois filhos
FONTE Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) INFOGRAFIA MT/VISÃO CONSULTORA JLL mais novos, ainda menores, tinham tudo o

     18 MARÇO 2021 VISÃO 33


Os milhões dos EUA
Em 2020, o investimento dos norte-americanos
no nosso país aproximou-se dos 50 milhões de
euros, só através do mecanismo dos vistos Gold
(compra de imóveis e criação de empresas)

Valores em milhões de euros 49,3


43,57

20,2
13,8
10,5
1,18

2015 2016 2017 2018 2019 2020


FONTE Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) INFOGRAFIA MT/VISÃO

que se poderia imaginar de uma vida de luxo


na Califórnia, mas faltava o essencial, conta
a norte-americana que está em vias de fazer
a escritura do seu terceiro imóvel adquirido
em Portugal – uma moradia para a família,
no centro de Cascais, que vai somar-se a um
apartamento em Lisboa “para rentabilizar” e
à casa de férias em Tavira.

LUCÍLIA MONTEIRO
“A Califórnia não é hoje aquilo que as pessoas
veem nos filmes. Não é fácil sentirmo-nos bem
e achar que é um local agradável para os filhos
crescerem... Tínhamos uma casa com piscina e
tudo o que se pode considerar uma vida fan-
tástica, mas as pessoas são muito materialistas
e as crianças crescem com o mesmo foco... Nós
Lisa Graziano 750 mil euros, o que já é um posicionamento
elevado”, aponta Patrícia Barão. A aposta na
queremos outros valores para os nossos filhos”, 61 ANOS divulgação do imobiliário português em meios
afirma Stephanie que, tal como o marido, tra- ESPECIALISTA muito específicos – “como o Financial Times,
balhava na área tecnológica, em Silicon Valley. EM VINHOS por exemplo” – e um investimento significativo
Mas não era só a superficialidade que in- E PROFESSORA na digitalização do produto a mostrar têm sido
DENVER
comodava a família Bennett. “Estamos muito as fórmulas de sucesso para a empresa junto
felizes com a saída de Trump, mas há mais de deste mercado.
Antes de se mudarem
70 milhões de pessoas que votaram nele e que para o Porto, Lisa
Jeffery Kent Wade, recém-chegado ao Por-
alimentam as mesmas ideias... Do que tenho Graziano e o marido to, confirma que foi a primeira vez na vida que
mais receio é o nacionalismo, o fascismo, que ainda ponderaram ir se instalou num país sem nunca ter visto a casa
infelizmente também está a espalhar-se pela viver para Valência, pessoalmente, só através de (muitas) visitas
Europa... Nós, pelo contrário, queremos que os em Espanha. Contudo, virtuais, não só a casas mas à própria cidade.
nossos filhos tenham experiências multicultu- quando visitaram Desde setembro a morar num apartamento
rais, algo, aliás, que eles muito valorizam nos Portugal, descobriram no último andar de um edifício totalmente re-
colégios internacionais onde andam”, refere a que o País “tinha cuperado, no centro da Invicta, com uma vista
norte-americana que teve o primeiro contacto um governo mais aberta que se alonga até Gaia, o designer de
com Portugal como atleta, quando, há 10 anos, estável, pessoas mais interiores trouxe tudo o que tinha na sua casa
participou na Maratona Rock ‘N’ Roll Lisbon. simpáticas e um custo de Miami, onde viveu mais de duas décadas. A
de vida mais baixo”. sua “coleção de memórias”, como lhe chama,
MAIS-VALIA IMOBILIÁRIA Além disso, a norte- foi transportada integralmente de barco até
Patrícia Barão, diretora do departamento Re- americana tinha-se ao Porto. Aqui está o espelho Luís XVI, uma
sidencial da consultora imobiliária JLL, diz apaixonado pelos vinhos relíquia de família; o candelabro que repousa
que o peso dos clientes norte-americanos na portugueses, há anos. sobre a mesa de centro, uma oferta do estilista
faturação da empresa cresceu 15%, em 2019, e Na Invicta, aprenderam Gianni Versace ou, ainda, as muitas peças de-
20%, em 2020, fazendo este grupo já parte das uma nova forma de senhadas pelo próprio Jeffery.
estar: “Estávamos
nacionalidades que mais investem em Portugal. “Tudo acabou por caber de uma forma
habituados ao ‘para já’,
“Há muita diversidade entre os nossos perfeita na minha nova casa! Sinto-me real-
mas agora aprendemos
clientes desta nacionalidade. Temos pessoas o ter ‘calma’.”
mente bem aqui nesta linda cidade, com as
que nos compram apartamentos de 250 mil pessoas mais espetaculares e genuínas do
euros e outras que facilmente chegam a imó- mundo e que tão bem me acolheram. Estou
veis de 4 milhões de euros. A média ronda os absolutamente apaixonado pelo Porto”, diz,

34 VISÃO 18 MARÇO 2021


    
LUCÍLIA MONTEIRO

entusiasmado, marcando a diferença do que décadas”, conta Ron.


sentiu em Lisboa, por exemplo, onde achou o
ambiente “pretensioso”.
Jeffery O trabalho de pesquisa para o local ideal
para a reforma passou por muitas viagens
Com ateliê em Paris, Nova Iorque e, agora,
na Invicta, o designer que soma projetos em
condomínios de luxo e casas de milionários,
Kent Wade de lazer, em vários pontos da Europa, até se
decidirem finalmente por Lisboa. “Temos
uma casa de férias na Itália (na Toscana), mas
57 ANOS
em vários pontos do mundo, quer ser um DESIGNER estamos a pensar vendê-la quando acabar
embaixador do que melhor se faz em Portugal DE INTERIORES a pandemia, porque é um país muito volátil
em matéria de produtos para a casa. “Portu- MIAMI em termos políticos. Também considerámos
gal tem produtos de primeira qualidade que o Sul de França, Croácia, Grécia e Malta, onde
merecem ser dados a conhecer a este 1% de A sua “coleção já tínhamos estado, mas na nossa segunda via-
norte-americanos muito abastados que, no de memórias”, gem a Portugal, no ano passado, resolvemos
fundo, são os meus clientes nos EUA. Quero como lhe chama, comprar em Lisboa.” A escolha recaiu num
dar o meu contributo a este País que me aco- foi transportada apartamento do projeto do premiado arquiteto
lheu tão bem”, acrescenta. integralmente de Renzo Piano, no Braço de Prata, em Marvila,
barco até ao Porto. que custou 780 mil euros.
Aqui está o espelho
CIDADÃOS DO MUNDO Na consultora Coldwell Banker, que inter-
Luís XVI, uma
São várias as razões da mudança entre os mediou a compra, a procura de imóveis para
relíquia de família,
clientes da Global Citizen Solutions, que apoia ou o candelabro que
este grupo tem em comum localizações junto
quem deseja investir ou viver no estrangeiro. repousa sobre a mesa a linhas de água. “Há, de facto, uma grande
“Temos famílias que querem que os filhos de centro, uma oferta descentralização, mas entre os destinos onde
cresçam na Europa, mas também investidores do estilista Gianni temos registado vendas junto destes clientes
que planeiam mudar-se daqui a três ou quatro Versace ou, ainda, contam-se Lisboa, Porto, Cascais, Setúbal e a
anos ou reformarem-se em Portugal”, revela a as muitas peças Costa de Prata”, detalha Frederico Abecassis,
diretora da empresa, Patrícia Casaburi. desenhadas para ou diretor-geral, revelando a sua preocupação
Na família de Ron Gompertz prepara-se pelo próprio Jeffery. com o fim dos vistos Gold para as regiões do
meticulosamente a entrada na reforma. Che- Com ateliê em Paris, Litoral, uma medida preconizada pelo Gover-
gados à Europa via Londres, em 2015, quando Nova Iorque e, agora, no para 2022.
a mulher de Ron recebeu uma proposta de no Porto, o designer Thomas Murray não está reformado mas
trabalho para uma multinacional sediada na soma projetos em decidiu abrandar o ritmo. Aos 58 anos, acaba
capital britânica, o casal e a filha seguiram para condomínios de luxo e de ter mais uma aula virtual de português,
Paris, em 2017, e, passado um ano, foram para casas de milionários, mas é em inglês que irá contar as razões da
Amesterdão, onde estão há três. “Adorámos em vários pontos do sua chegada a Portugal, depois de já ter vivido
Amesterdão, mas o inverno é longo e muito mundo. em 15 países, espalhados por cinco continentes,
frio e, talvez por já termos uma certa idade sempre ligado a empresas especializadas no
(eu tenho 67 anos, e a minha mulher, 60), fabrico de manufaturas.
percebemos que queríamos um clima como o A primeira vez que visitou o nosso país foi
de São Francisco, onde vivemos mais de duas há quase duas décadas, e guardou-o na me-

     18 MARÇO 2021 VISÃO 35


MARCOS BORGA
mória. Em 2016, precisamente na cidade onde
vivia, em Cleveland, no Ohio, realizou-se a Michael são muito ruidosos e não falam línguas. Os
portugueses são mais calorosos”, compara.

Fiorentino
Convenção Nacional do Partido Republicano Instalou-se num condomínio de luxo, no
que formalizou a nomeação de Donald Trump Estoril, onde em tempos viveu o rei Carol II,
à Presidência. Três semanas depois, Thomas da Roménia. Adora saber que frequenta o su-
37 ANOS
Murray aterrava em Portugal. permercado aonde também vai o Presidente
FUNDADOR
Responsável pelo blogue Americans Li- da República.
DE UMA START-UP
ving in Portugal, desfaz as dúvidas de quem NOVA IORQUE
Thomas Murray é ainda autor de livros. As
planeia mudar-se para o País, dá sugestões Aventuras de Nuno e Figo é dirigido ao pú-
turísticas, explica como funciona o SNS e até “Acho que é uma blico juvenil e conta a história de um lince-i-
compara o Orçamento do Estado português questão de respeito bérico e de um rato que viajam de barco até
com o norte-americano. “Os EUA são o me- mostrar que quero à Califórnia. Também já publicou um policial
lhor país do mundo para fazer dinheiro, mas aprender a língua e prepara-se para editar um romance que
um dos piores para se viver. Já Portugal é um nacional”, defende o tem como cenário o palácio onde vive. A sua
péssimo país para fazer dinheiro, mas é ótimo nova-iorquino, que namorada tem nacionalidade portuguesa e
para se viver”, sintetiza o norte-americano. assentou arraiais em partilha com ele várias referências literárias. O
Atualmente, trabalha como consultor e garante Marvila (“the Brooklyn norte-americano é leitor de Fernando Pessoa e
que consegue mudar o destino de empresas de of Lisbon”), junto com até já arriscou ler Os Lusíadas em português.
todo o mundo, “desde que esteja perto de um o marido. Lisboa “é
aeroporto internacional”. Também já ajudou uma encruzilhada, o A ATRAÇÃO DO DOURO
a criar negócios em território nacional. “É que é ótimo para fazer “The USA is a bagunça”, diz Lisa Graziano,
uma forma de retribuir a generosidade de me negócios com o Brasil, misturando o inglês e o português no afã de
permitirem viver aqui”, diz. a América do Norte justificar a sua mudança para Portugal. “A
“O cartão de residente é o que trago de ou a União Europeia”, eleição de Trump foi terrível. Se as pessoas
mais valioso na carteira, ainda mais do que o ilustra. achavam que era boa ideia aquele homem
dinheiro”, afirma, divertido. “Claro que preten- ser Presidente, então eu tinha de sair.” Faltava
do viajar, mas não me vejo a ir embora. Amo decidir para onde. Anos antes, tinha-se cru-
Portugal”, acrescenta, antes de fazer uma con- zado com Portugal numa prova de vinhos a
fissão: “Vou muito a Espanha, mas fico ansioso que assistiu em Denver, a capital do Colora-
por voltar. O pão, a comida, o vinho... É tudo do, onde viveu mais de duas décadas. Como
muito melhor aqui. Além disso, os espanhóis trabalhava numa garrafeira, estava habituada a

36 VISÃO 18 MARÇO 2021


    
Os vizinhos norte-americanos
Nos últimos seis anos, os norte-americanos
a residirem em Portugal quase duplicaram.
Em 2020, houve um aumento de 15%
comparativamente ao ano anterior
4 768*

4 134

3 254

2 888
2 619 2 705

JOSÉ CARLOS CARVALHO


2015 2016 2017 2018 2019 2020
*Dados provisórios
FONTE Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) INFOGRAFIA MT/VISÃO

experimentar as melhores colheitas, mas ficou


impressionada com a qualidade dos vinhos
nacionais, sobretudo dos brancos.
Jacqueline Liza Graziano planeia tornar-se uma espé-
cie de embaixadora dos vinhos portugueses
e, para isso, está a preparar um livro. Tem o
“Uma das razões para deixarmos Denver foi
o calor extremo ter-se tornado cada vez mais
Acevedo objetivo de visitar todas as zonas vinícolas
do País. O Douro foi a primeira região que
59 ANOS
habitual. Por isso, decidimos viver no Porto, CONSULTORA
conheceu, “uma das mais belas do mundo”.
porque é mais fresco”, conta, satisfeita. O casal BOSTON Também as aventuras contadas no blogue The
– e o cão da família – mudou-se para a Invicta Road to Portugal, sobre a mudança e a vida
há dois anos, mas foi durante a pandemia que A norte-americana em território nacional, deverão ser publicadas.
comprou um apartamento T3, em Cedofeita. chegou a Portugal Aliás, essa montra digital já deu origem a vários
Lisa Graziano dá aulas de inglês a italianos à três meses antes do contactos de norte-americanos que lhe pedem
distância, e o marido é designer gráfico de uma confinamento, mas mais informações sobre o País.
empresa localizada nos EUA. não tem dúvidas Apesar de, agora, “estar um adulto na Pre-
Há muito que a norte-americana de 61 anos de que se sentiu sidência”, o casal não planeia regressar aos Es-
sentia que “os Estados Unidos da América não “tremendamente mais tados Unidos da América. Por isso, a resposta à
são um país para velhos”. Para começar, “o sis- segura” em Portugal pergunta sobre quanto tempo pensa viver em
tema de saúde é uma piada”, acusa. “Estamos do que se estivesse a Portugal é inequívoca: “Forever”.
próximos da idade da reforma e termos acesso passar pela pandemia
ao Serviço Nacional de Saúde, que custa uma nos EUA. A crise DESTINO “HIGH-TECH”
pequena fração do que se paga nos EUA e que sanitária mostrou- “I could eat feijoada everyday of my life”, a
tem muita qualidade, é importante para nós”, lhe o quão injusto é confissão surge já quase no final da conversa.
admite. Além da proteção social, também a o sistema de saúde Contudo, não foi a gastronomia a principal
segurança os deixou rendidos ao País. “Os EUA norte-americano. “O responsável pela vinda de Matt Waite. Conhe-
português é muito
deixaram de ser um sítio seguro. Há sempre ceu a sua mulher, de nacionalidade portuguesa,
melhor”, defende.
o ‘tiroteio do dia’, e não nos sentimos a salvo”, nos Estados Unidos da América e, sempre que
Comoveu-a o Governo
lamenta. “Quem vive nos EUA pensa que aí garantir cuidados de
visitava os sogros, em Cascais, pensava que não
tudo é melhor, mas isso é mentira. É uma boa saúde mesmo a quem teria dificuldade em viver ali. Ao fim de meia
ilusão quando não se consegue sair de lá, mas está em situação ilegal dúzia de anos de vida em comum, e depois
aqui é tudo muito melhor”, acredita. no País. do nascimento do primeiro filho do casal, o
norte-americano de 32 anos resolveu tentar
convencer a companheira a regressar ao País
DESDE 2015, O NÚMERO de origem. “Sim, a ideia foi minha”, diz, entre
gargalhadas, sem disfarçar o orgulho.
DE BENEFICIÁRIOS DE Há dois anos, trocaram São Francisco, na
Costa Oeste dos Estados Unidos da América,
AUTORIZAÇÕES DE pelo Estoril. Entretanto, já tiveram de comprar

RESIDÊNCIA, VINDOS DOS


uma casa nova, com tamanho suficiente para
albergar o novo elemento da família, uma bebé

EUA, QUASE DUPLICOU


nascida no mês passado. “Sinto que há um
maior equilíbrio entre a vida pessoal e profis-

     18 MARÇO 2021 VISÃO 37


sional, em Portugal. Nos EUA, se não apareces-
se no trabalho no dia seguinte ao nascimento,
seria despedido – não é bem assim, mas quase.
Aqui, disseram-me para ficar tranquilamente
com a bebé”, conta, surpreendido.
Viver no Estoril permite-lhes continuar
perto do mar, estar próximo dos familiares
e chegar rapidamente a Lisboa. No entanto,
existe um fator de transformação que foi
determinante para a mudança da família: “O Ron Gompertz
ecossistema que se está a criar à volta das novas 67 ANOS
tecnologias”, afirma o cofundador da Apres,
JOSÉ CARLOS CARVALHO

REFORMADO
uma empresa de software ligada à Inteligência SÃO FRANCISCO
Artificial. “Não só Portugal é um ótimo sítio
para testar novos produtos como também tem
muitos talentos na área da engenharia. Além Ron Gompertz e a sua
disso, em conjunto com a União Europeia, família encontraram a
facilita o financiamento de start-ups”, elogia. casa ideal em Lisboa,
Enquanto na cidade californiana a competição num dos apartamentos italiana estava decidido a fundar a sua empre-
é feroz – é em Silicon Valley que estão sediadas do projeto do premiado sa de tecnologia na Europa e, para ajudá-lo a
arquiteto Renzo Piano,
empresas como a Apple, o Facebook ou o Twit- decidir qual seria a sua próxima morada, criou
no Braço de Prata,
ter –, em Lisboa é mais fácil crescer “porque há uma folha de cálculo, na qual classificava várias
em Marvila, que
menos tecnológicas”. A Apres começou o ano compraram por 780
cidades de acordo com o seu desempenho em
com uma ronda de investimento de 1,5 milhões mil euros. “Temos critérios como políticas de atração de start-
de dólares (1,26 milhões de euros) e, em 2021, uma casa de férias na -ups, investimento na sustentabilidade, dina-
planeia duplicar o número de trabalhadores, Itália (Toscana), mas mismo da atividade cultural ou vitalidade da
chegando às duas dezenas. estamos a pensar cena gay. Barcelona, Copenhaga, Estocolmo,
“A ideia de que Portugal é um bom sítio vendê-la quando Madrid, Milão, Paris, Viena e Zurique faziam
para os nómadas digitais funciona como uma acabar a pandemia, parte da lista, mas as finalistas foram Berlim
bola de neve. Os primeiros que vieram cha- porque é um país muito e Lisboa. Depois de uma breve passagem pela
maram outros e, agora, são eles que fazem a volátil em termos cidade, na primavera de 2017, voltou no final
nossa atratividade”, sintetiza o diretor-execu- políticos. Também do ano para assistir à Web Summit e foi nessa
tivo da incubadora de empresas tecnológicas considerámos o Sul altura que tirou todas as dúvidas. “É aqui que
StartUp Portugal, João Mendes Borga. “A vida de França, Croácia, eu quero viver”, pensou.
de bairro que nós temos não existe em Nova Grécia e Malta, onde Em 2018, a lua de mel em Portugal garan-
Iorque ou em Los Angeles, e essa vivência já tínhamos estado, tiu-lhe a aprovação do marido para a mudança
da cidade é extremamente atrativa”, garante. mas na nossa segunda e, nesse mesmo ano, deixou Nova Iorque e
Também ao nível de negócio, Portugal tem viagem a Portugal, instalou-se em Marvila, nas suas palavras, “the
bons argumentos: “A nossa engenharia é de no ano passado, Brooklyn of Lisbon”, devido às semelhanças
topo”, sublinha. O StartUp Visa, que facilita a resolvemos comprar com uma das zonas mais criativas de Nova
em Lisboa”, diz.
entrada de empreendedores, ou o Tech Visa, Iorque. O companheiro continuou a viver en-
que simplifica a contratação de quadros qua- tre as duas cidades mas, devido à pandemia,
lificados, são outras ferramentas do País. De também se fixou em Portugal – e está a adorar.
acordo com João Mendes Borga, “muita gente Aos 37 anos, Michael Fiorentino sente-se
experimentou vir a Lisboa por causa da Web um pioneiro. Acredita que escolheu aquele que
Summit e ficou com vontade de voltar, depois irá tornar-se o destino top choice dos nómadas
de sentir a energia da cidade”. digitais. “Acho que muito mais pessoas vão
Foi o caso de Michael Fiorentino. Contudo, mudar-se para cá. Até porque a pandemia en-
a capital portuguesa teve de vencer uma forte sinou-nos que podemos trabalhar onde estiver
concorrência. O norte-americano de origem o nosso computador portátil.” A empresa que

38 VISÃO 18 MARÇO 2021


    
“TEMOS FAMÍLIAS
QUE QUEREM QUE OS
FILHOS CRESÇAM NA
EUROPA, MAS TAMBÉM
INVESTIDORES E
REFORMADOS” PATRÍCIA
CASABURI, DIRETORA
DA GLOBAL CITIZEN
SOLUTIONS
devido à curta distância a que está de Lisboa.
O aeroporto da capital permite-lhes chegar
a Boston, a cidade de Massachusetts onde
viviam, em seis ou sete horas, e, assim que
a pandemia acalmar, planeiam viajar muito.
Aos 59 anos, Jacqueline Acevedo está refor-
mada. Nos EUA, teve responsabilidades num
programa de formação em liderança dirigido
a profissionais de origem latina e também foi
consultora da rádio pública de Boston, com
o objetivo de atrair novas audiências demo-
gráficas. Em Cascais, está a tentar criar um
banco alimentar comunitário que combata a
pobreza envergonhada de quem nunca se viu
numa situação de pobreza, até ser duramente
fundou, a Vixtape, tem como objetivo contri-
buir para uma gestão responsável da recolha de
dados dos utilizadores de serviços digitais. Em
Matt Waite atingido pela crise económica provocada pela
pandemia.
A norte-americana sente que tem uma visão
32 ANOS
Portugal, diz, não faltam informáticos “bons e COFUNDADOR enviesada do País, porque só o conheceu em
baratos”. A proximidade do aeroporto e os voos DE UMA EMPRESA permanente estado de exceção, mas acredita
diretos para Nova Iorque também pesaram na DE SOFTWARE que aprendeu muito mais sobre os portu-
sua decisão: “Estou em Lisboa mas, acima de SÃO FRANCISCO gueses no último ano do que se cá vivesse há
tudo, sinto que estou na Europa.” duas décadas. “Senti-me adotada por pessoas
Apesar de a sua mulher que não conhecia. Todos os meus vizinhos
CONFINAR EM PORTUGUÊS ser portuguesa, a estavam focados em ajudar-se mutuamente.
A primeira vez que Jacqueline Acevedo pisou ideia de se mudarem Houve uma grande generosidade”, relata, sur-
território nacional foi para fazer de Portugal a para Portugal foi do preendida. “Também me comoveu o Governo
sua casa. “Sei que parece uma loucura, mas eu norte-americano. anunciar que seriam prestados cuidados de
tive um feeling”, conta, numa esplanada com Matt Waite encontra saúde mesmo a quem estivesse em situação
vista para o mar, situada na Casa da Guia, um muitas semelhanças ilegal no País”, destaca.
dos seus locais favoritos perto da nova mora- entre São Francisco Contudo, admite que é muito difícil para
da, em Cascais. Antes de aterrar em Portugal, e Lisboa. Porém, a quem vive nos EUA sair de lá. “Desde que
juntamente com o marido, a norte-americana cidade da Califórnia nascemos que nos dizem que a América é a
atravessa uma crise
garante que fez um aturado trabalho de casa. melhor do mundo. Temos de abrir muito a
de identidade: “Está a
“A única falha da minha investigação foi nunca mente para percebermos que nem sempre
mudar muito depressa,
ter visto uma fotografia que captasse verda- e nós queríamos um
é a melhor, apesar de haver alguma verdade
deiramente a beleza de Portugal”, diz, embe- sítio com autenticidade. nisso. Hollywood também reforça muito essa
vecida. O casal chegou em dezembro de 2019 Felizmente, acho que a ideia”, sublinha.
e, três meses depois, foi confrontado com o reconstrução que está O casal comprou um apartamento em Cas-
primeiro confinamento provocado pelo vírus a acontecer em Lisboa cais, depois de já ter vendido a sua casa em
SARS-CoV-2. respeita as raízes da Boston. “Acho que é para o resto da vida. Não
O sobrenome Acevedo denuncia a origem cidade e parece-me vejo razão para viver noutro lado”, garante,
espanhola da sua família, mas Jacqueline nunca que as pessoas estão antes de acrescentar: “A pandemia foi uma
equacionou ir para Espanha, apesar de falar decididas a resistir, pelo tragédia global mas, aqui, senti que ela mos-
castelhano fluentemente. Escolheram Cascais menos é esta a perceção trou o melhor da Humanidade.” Sorridente,
para estarem próximos do mar – e de “pe- de quem acabou de Jacqueline Acevedo deixa um aviso: “Atenção,
nhascos de cortar a respiração” – mas também chegar”, arrisca. já fui acusada de ser otimista.” visao@visao.pt

     18 MARÇO 2021 VISÃO 39


DE UMA ECONOMIA
DEVASTADA
2020 foi um ano muito duro para a saúde
dos portugueses e da sua economia.
De onde veio a dor e como se manifestou?
NUNO AGUIAR
A economia nacional enfrentou, no ano passado, uma das maiores quebras
da sua história, com uma contração de 7,6 por cento. Mas nem todos os
ramos de atividade sentiram esse choque da mesma forma. Um deles até
continuou a crescer. Quem sofreu mais com a crise?
O consumo afundou, o investimento caiu, as vendas e compras ao ex-
terior recuaram e alguns setores colapsaram. 2020 foi um pesadelo para
grande parte da economia portuguesa, com a Covid-19 e as medidas de
combate à pandemia a deprimirem ao mesmo tempo a oferta e a procura
de bens e serviços. Alguns gráficos podem ajudar-nos a fazer a autópsia
de uma economia atacada por (quase) todos os lados.

ECONOMIA SUBMERSA AGRICULTURA AINDA NÃO ESTÁ A RECUPERAR


É o gráfico menos interessante, mas convém O valor acrescentado bruto da agricultura tem flutuado bastante nos
começar por ele para perceber a dimensão do últimos anos, incluindo dois anos negativos ainda antes da pandemia
buraco em que a economia portuguesa caiu no (2016 e 2018). Este setor foi um dos que mais sofreram em 2020, não por
ano passado. No segundo trimestre de 2020, ter tido um segundo trimestre especialmente desastroso mas porque, ao
o produto interno bruto (PIB) caiu 16,3% face contrário de outros ramos de atividade, ainda não deu sinais de recupe-
aos mesmos meses de 2019. As quebras nos ração no final do ano.
trimestres seguintes foram menos expressi-
vas, mas ainda muito longe do “verde”.
Quando consideramos a totalidade do ano, Agricultura e pesca (variação homóloga, em %)
a economia recuou 7,6 por cento. Menos do
que as estimativas das organizações nacionais
e internacionais esperavam – até o Governo 8 5,8
esperava uma contração maior –, mas, ainda
assim, um choque económico histórico. Da-
dos disponibilizados pelo FMI mostram que 4
esta terá sido a segunda maior recessão dos 4,7
últimos 150 anos.
E como se comportou cada setor? Nos 0
gráficos seguintes, olhamos para o seu valor
acrescentado bruto (VAB). Isto é, o que cada
um contribuiu para o PIB nacional. -4

PIB (variação homóloga, em %) -8


-10,8
3,8 -10,9
-12
4 1,9
1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020
0

-4 -6,1

-8

-12

-16 -16,3
1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020

42 VISÃO 18 MARÇO 2021


QUEDA E RESSALTO INDUSTRIAL CONSTRUÇÃO: QUAL CRISE?
É um dos ramos mais relevantes da economia É provavelmente o caso mais interessante entre os oito setores aqui analisa-
portuguesa e cuja contração de atividade até já dos. Foi o único que teve um 2020 positivo, prolongando para cinco anos o
tinha começado em 2019. É um padrão mais período de crescimento ininterrupto. A construção cresce há 19 trimestres,
semelhante ao PIB, com uma quebra muito impulsionada, em parte, pelas obras de renovação nas grandes cidades, onde
intensa entre abril e junho (-23%) e uma pro- o preço das casas disparou no pré-pandemia.
gressiva recuperação ao longo do resto do ano. Tirando alguns momentos específicos, as empresas de construção
continuaram a funcionar. Obras relacionadas com o setor turístico foram
Indústria (variação homóloga, em %) travadas, mas em muitas outras atividades elas conti-
nuaram. Por exemplo, em maio, cerca de metade
10
6,7 das empresas de construção dizia ter uma
0,8 quebra de faturação, o que contrastava
5 -1,7 com mais de 2/3 na totalidade da
0 economia.
-5 Para o futuro, o setor espe-
-10 ra ter um papel importante
-15 na retoma, com a chegada
-20 de fundos comunitários,
-23 muito dos quais serão di-
-25
rigidos à requalificação
1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020 habitacional.

ENERGIA EM DIFICULDADES
Tal como a indústria, as contrações do setor
da energia, água e saneamento estão a acon-
tecer desde 2019, depois de ter vivido um
2018 muito positivo. A recuperação também
já se nota, mas ainda muito longe de algum Construção (variação homóloga, em %)
tipo de crescimento. 8,3
8
Energia e água (variação homóloga, em %)
12 6
10 4,6
8 3,9
4
4

0 2
-4,6
-0,1
-4
0
-8

-12 -12,4 -2 -1,8


1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020

3,3%
CONSTRUÇÃO
RESISTE
O setor da construção foi o único capaz de
escapar a um único trimestre de quebra
durante a pandemia. No total, esta área
cresceu 3,3% em 2020

18 MARÇO 2021 VISÃO 43


O CALVÁRIO DO TURISMO Comércio, hotelaria e restauração (variação homóloga, em %)
5
Tirando o “outros serviços”, é o maior setor 5
da economia nacional, representando qua- 2,9
se 19% do valor acrescentado bruto (VAB)
total. No entanto, é também o mais com-
plicado de analisar, porque engloba desde 0
supermercados e oficinas a restaurantes e
hotéis. É o agrupamento mais exposto ao
turismo, e alguns destes setores estão entre
-5
os mais afetados pela pandemia. Não é muito
surpreendente verificar que foi o ramo de
atividade com a pior contração em 2020: -10,6
-12,7 por cento. -10
Embora, tal como toda a economia, tenha
começado a recuperar no terceiro trimestre,
os últimos três meses do ano trouxeram
uma nova recaída. Comparando o quarto -15
trimestre de 2020 com o de 2019, a ativi-
dade do setor está ainda 10,6% abaixo do
nível pré-Covid.
Com um novo confinamento, o arranque -20
de 2021 significou provavelmente más notí-
cias a muitas das empresas desta área, ainda
que os indicadores avançados sugiram que -25
este confinamento pode ser menos penali- -26
zador do que o anterior, devido à adaptação
das empresas e dos consumidores. 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020

DESILUSÃO NO TRANSPORTE UMA INTERROGAÇÃO CHAMADA BANCA


Foi um dos setores com um segundo tri- É um perfil diferente de todos os outros. Não sofreu nenhuma quebra dramática
mestre mais negativo, mas a recuperação foi da sua atividade, mas dá apenas sinais de uma recuperação muito ténue. A que-
relativamente rápida e, no final do ano, já es- bra homóloga das atividades financeiras nunca ultrapassou os -0,4 por cento.
tava próximo dos níveis de 2019. Segue mais O setor foi ganhando peso na economia entre os anos 90 e a crise da dívida
ou menos. Mostra um padrão semelhante à soberana. A partir de 2011, entra num ciclo de contrações bastante duras, do
indústria, com a diferença de que vinha de qual saiu em 2016. O crescimento desde essa altura não é muito robusto, mas
um ciclo muito mais positivo. tem sido positivo, até à pandemia.
Para o futuro, a grande incógnita é o impacto das moratórias. Elas terminam
em setembro deste ano e existe muita incerteza sobre o que isso significará
para a capacidade de cumprimento das famílias e das empresas e, por arrasto,
para o balanço dos bancos.
Transportes e armazenagem
(variação homóloga, em %) Banca, seguros e imobiliário (variação homóloga, em %)
6,9
10 2,3
5 1,5 2
-1,3 1
0
-5 0
-10 -1 -0,3
-15
-20
-17,5 -2
-2,1
1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020

44 VISÃO 18 MARÇO 2021


A LENTIDÃO AGRÍCOLA E O AVANÇO DA CONSTRUÇÃO

22%
Em vez de olharmos para a variação, estes gráficos mostram o VAB de cada
setor em milhões de euros. Permite não só perceber a relevância de cada um
para a economia nacional, como a dimensão da quebra durante a pandemia.
Por exemplo, é fácil ver a violência do choque sobre o transporte e
armazenagem naquele segundo trimestre de 2020, mas também como
a recuperação está a ser mais rápida, enquanto a agricultura ainda segue
numa tendência descendente. Além disso, neste gráfico, é bastante visível o
avanço imperturbável da construção – é o único setor no qual não se con-
segue identificar o momento em que o sismo pandémico atingiu Portugal.
INTERROGAÇÃO
Uma das principais fontes de incerteza para
o futuro da economia portuguesa é o que
acontecerá quando as moratórias forem SETORES I (em milhões de euros)
levantadas. 22% da carteira de crédito da
banca está em moratória Agricultura e pesca Energia e água
2 000 2 000
1 640
1 498,7

UMA MIXÓRDIA EM QUEDA 1 000


963,8 889,1
1 000
É muito complicado de analisar, porque é um
setor que inclui saúde, educação, apoio social,
cultura, advocacia, ciência… Mistura alguns
dos setores mais devastados pela pandemia
com outros que podem ter resistido melhor.
Está aqui quase 1/3 da economia. 0 0
Com um agrupamento tão grande, é na- 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
tural que ele siga mais ou menos o mesmo 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020
perfil do PIB.

Construção Transportes e armazenagem


Outros serviços (variação homóloga, em %) 3 859,2
4 000 4 000
4,1
5 3 404,1

2,5 1,2
3 000 3 000
0

-2,5
-4 1 957,2
2 000 2 000
-5 1 612,6

-7.5

-10 1 000 1 000

-12,5

-15
-14,3
0 0
1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020

18 MARÇO 2021 VISÃO 45


TURISMO VS. BANCA: SETORES II (em milhões de euros)
UMA RECUPERAÇÃO EM K Indústria Comércio, hotelaria
e restauração
7 687,4 8 023,4
8 000 5 552,2 6 186,2 8 000
A mesma lógica. Neste caso, o que salta mais à vista é o
colapso do comércio, restaurantes e hotéis, e quão lon-
4 000 4 000
ge está ainda este setor dos níveis de 2019, bem como
uma banca não muito afetada pela Covid-19, pelo menos 0 0
para já. 1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
Um alerta: para ser mais 2015 2020 2015 2020
fácil a comparação, este se-
gundo conjunto de gráficos Banca, seguros Outros serviços
tem uma escala diferente e imobiliário 12 595,9
11 610,5
do anterior. Embora as 12 000 12 000
barras tenham o mesmo 7 097,1 7 345,4
tamanho, o comércio é 8 000 8 000
um setor muito maior 4 000 4 000
do que a energia.
0 0
1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
2015 2020 2015 2020

-6%
Consumo (variação homóloga, em %)
MENOS COMPRAS
O consumo das famílias portuguesas afundou
6% em 2020. É a maior quebra desde que o
INE tem dados – pior do que qualquer ano do
programa de ajustamento

O NOSSO ANO EM COMPRAS


Bens alimentares Bens duradouros
20 20 17
15 15 É a história das nossas vidas em 2020: quase todos adiaram a compra da nova
10 4,9 10 máquina de lavar e muitos deixaram de comprar livros, ao mesmo tempo que
5 1,2 5 as idas ao supermercado se tornaram mais frequentes para fazer o almoço.
0 0 O consumo afundou 6% no ano passado, a maior contração pelo menos
-5 -5 -3,4 desde 1995, ano a partir do qual o INE disponibiliza dados. Nem o pior ano da
-10 -10
-15 -15 Troika foi tão duro. Contudo, existem muitas diferenças face a esse período.
-20 -20 Ao contrário do que aconteceu nessa altura, o consumo de bens alimen-
-25 -25 tares não deprimiu. Disparou, isso sim, para o maior crescimento anual de
1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 4 TRIM que há registo. E, embora a compra de bens duradouros (máquinas, carros)
2015 2020 2015 2020 tenha caído muito (-7,6%), fica a quilómetros das contrações vividas durante
a crise anterior, quando chegaram a recuar 17% e 22% em anos consecutivos.
Bens correntes não TOTAL
alimentares e serviços Parecem boas notícias, não é? Como se explica então a maior quebra de
sempre do consumo? Pela fatia que falta referir: os bens correntes não alimen-
20 20 tares e serviços. Nesta categoria, cabe todo o consumo que tenha uma “vida
15 15
10 10 útil” inferior a um ano, como roupa, jornais, combustíveis, bilhetes para con-
0,4 1,8
5 5 certos, viagens, cabeleireiro, farmácia, restaurantes. Tudo coisas que deixámos
0 0 de fazer ou comprar, ou que, pelo menos, reduzimos de forma significativa.
-5 -5 Por comparação, durante o plano de ajustamento, o máximo que este indi-
-10 -10
-15 -15
cador caiu foi 5,4 por cento. No segundo trimestre de 2020, afundou quase 18
-20 -20 -4,9 por cento. A questão é menos a perda de rendimento e mais a impossibilidade
-7,7 de sair de casa, do País ou estar com grandes grupos de pessoas.
-25 -25
1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 4 TRIM É importante referir que esta componente representa perto de 70% do
2015 2020 2015 2020 consumo total da economia portuguesa.

46 VISÃO 18 MARÇO 2021


INVESTIMENTO RESISTE MOVIMENTO DE BENS
Olhar para o investimento também nos ajuda a resumir um pouco o impacto RECUPERA, DE PESSOAS
desta crise. A formação bruta de capital fixo em construção mostra, mais
uma vez, a capacidade de o setor resistir à crise. Note-se que esta catego-
ria representa mais de metade de todo o investimento feito em Portugal.
NEM POR ISSO
Os produtos de propriedade intelectual também tiveram um recuo li- As mercadorias deixaram de circular e as
geiro. É nas outras duas categorias que a dor mais se sentiu: equipamento pessoas deixaram de viajar. É isso que con-
de transporte; e outras máquinas e equipamentos. seguimos ver nestes quatro gráficos. De
A quebra foi especialmente pronunciada na primeira, chegando a cair um momento para o outro, uma parte im-
quase 70% num dos trimestres e mantendo contrações muito elevadas no portante das exportações e importações de
resto do ano. bens deixou de ser realizada. O comércio foi
Ainda assim, mantendo a comparação com a Troika, ambas as categorias especialmente prejudicado no início desta
caíram menos com a pandemia, o que, somado ao dinamismo da constru- crise, porque a China foi o primeiro país a
ção, permitiu que o investimento resistisse melhor. A formação bruta de sentir o impacto do novo coronavírus. Per-
capital fixo recuou 2,2% em 2020. cebeu-se rapidamente que, quando esse hub
está parado, o mundo fica preso na lama. O
resto do ano trouxe alguma recuperação, mas
Investimento (variação homóloga, em %) ainda não total.
Do lado dos serviços, a crise é ainda forte.
Outras máquinas e equipamentos Equipamento de transporte É dentro desta categoria que estão os gastos
turísticos, muito relevantes para a economia
40 40
38,7 portuguesa. No segundo trimestre, a expor-
tação de serviços por Portugal – em que se
30 30 incluem os gastos que os turistas fazem por
16,1 cá – afundou 53 por cento. Os trimestres
20 20 seguintes não foram muito melhores: -41%
e -34 por cento.
10 10 Eis a maior incógnita que a economia
-4,6 12,8 portuguesa, muito dependente do turismo,
0 0 enfrenta no seu caminho para a recupera-
ção: quando é que as viagens regressarão ao
-10 -10 “normal”? Provavelmente, nenhum indicador
será mais importante para responder a isso
do que o ritmo de vacinação.
-20 -20
Entre bens e serviços, as exportações por-
-19 -24,3 tuguesas caíram 18,6% em 2020, enquanto as
-30 -30 importações diminuíram 12 por cento.

-40 -40
Comércio externo (em milhões de euros)
-50 -50
Exportação de bens Importação de bens
-60 -60 17 151,5
14 591,3 14 073,4
18 000 12 515,5 18 000
-68,5
-70
1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM 9 000 9 000
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020
0 0
Construção Propriedade intelectual 1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
2015 2020 2015 2020

20 13,9 20 9,3
9,4 Exportação de serviços Importação de serviços
6,6
10 10
0,8 -2,3 18 000 18 000

0 0 9 000 5 373,6 4 786,7 9 000 2 807,4 3 242,7


-4,2 -2,6
-10 -10 0 0
1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 4 TRIM 1 TRIM 4 TRIM
2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2020 2015 2020 2015 2020

18 MARÇO 2021 VISÃO 47


Como resistimos em comparação com a Europa?
Quando a pandemia chegou a Portugal, o desemprego estava em quebra e registava-se o primeiro excedente
orçamental da democracia. Mas outras fragilidades – dívida pública elevada e dependência do turismo
– ditaram que o País seria um dos mais afetados pela crise. Uma parceria entre a VISÃO e a Pordata / FFMS

2
020 deveria ter sido uma espécie
de virar de página para a economia
portuguesa. O País tinha atingi-
A LONGA DESCIDA DO DESEMPREGO
do, no ano anterior, o primeiro O desemprego em Portugal seguiu uma trajetória de descida entre 2013 e o
excedente orçamental desde a verão de 2019, passando de um valor seis pontos percentuais acima da média
Revolução de 1974, a dívida pú- da União Europeia para um número abaixo da média comunitária. A reação
blica estava a cair, o desemprego tinha inicial do indicador à crise pandémica foi voltar a cair, devido ao recuo da
recuado quase até aos 6% no verão e a população ativa, tendo depois começado a agravar-se. Em fevereiro, estava
economia, embora a desacelerar, ainda em 7,5% – 0,7 pontos acima do pré-pandemia e alinhado com a média da UE.
crescia acima de 2 por cento. No entan-
to, a pandemia mostrou que as vulne- Taxa de desemprego (em % da população ativa)
rabilidades nacionais estavam longe de Portugal UE 27
ter desaparecido.
A primeira conclusão, que chegou 17,9
20
relativamente rápido, é que a economia
portuguesa seria especialmente afetada
por um choque que impede o contacto
entre as pessoas. Não apenas pela sua 15
9,5 12,1
dependência do turismo, mas também
devido ao elevado peso de setores como 8,3 7,6
a restauração, em que os níveis de pre- 10 7,5
cariedade são igualmente mais elevados.
A elevada percentagem de contratos a
prazo e recibos verdes entre a população 5
empregada significa que, num contexto 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021
de crise, esses postos de trabalho podem
ser rapidamente destruídos. Os apoios
que o Governo pôs no terreno impe-
diram uma subida mais dramática do
desemprego, mas é ainda uma enorme
interrogação o que irá acontecer quando
RETROCESSO NO DÉFICE
eles forem retirados. Um longo caminho desfeito em apenas alguns meses. O défice orçamental por-
Tal como a generalidade das econo- tuguês atingiu níveis historicamente elevados durante a crise da dívida soberana
mias avançadas, o Estado português da zona euro. O duro caminho da consolidação iniciado em 2011 culminou com
gastou muito dinheiro com a crise. O o excedente orçamental atingido em 2019. Contudo, esse feito durou poucos
saldo das contas públicas deverá ter meses, uma vez que o esforço exigido pelo combate à Covid-19 empurrou as
passado de um excedente para um dé- contas públicas novamente para o vermelho, desta vez em linha com a UE.
fice entre 6% e 7 por cento. Contudo, as
medidas de apoio adotadas são relati- Saldo orçamental (em % do PIB)
vamente tímidas em comparação com
Portugal UE 27
outros países europeus. Portugal foi um 10
dos Estados que menos gastaram. Um
motivo apontado é que, embora viesse 5
a cair, a dívida pública nacional era 0
ainda uma das mais elevadas da UE, o
-5
que faz com que o Governo queira ser
mais cauteloso. -10 -2,8
Entre contas públicas frágeis e es- -3,8
trutura económica vulnerável a um
-15 -4,0
choque desta natureza, é fácil perceber -20 -5,3
como a Covid-19 atingiu o País de forma 1 TRIM 3 TRIM
devastadora. 2007 2020

48 VISÃO 18 MARÇO 2021


Dívida pública (em % do PIB)
Portugal UE 27 CONFIANÇA MAIS AFETADA
150
130,8 A confiança dos consumidores per-
mite ver como a violência das crises
se fez sentir de modo diferente em
120 Portugal e na generalidade da União
Europeia. Isso foi especialmente claro
89,8 ao longo do período de ajustamento
71,7 da Troika, seguindo-se alguns anos
90
64,9 em que estiveram alinhados. Durante
a pandemia, porém, esse desfasamento
voltou a manifestar-se: a confiança dos
60 consumidores portugueses foi muito
1 TRIM 3 TRIM mais afetada.
2007 2020

Indicador de confiança dos consumidores


VOLTAR A SUBIR Portugal UE 27

A MONTANHA DA DÍVIDA 0 -7,4


-13,8
-10
Portugal tinha uma das dívidas mais elevadas
da UE antes da crise e assim continuará no -20
pós-coronavírus. A dívida pública começou -15,3
a cair mais tarde do que o défice e, pela sua -30
natureza, seria sempre um ajustamento que -25,8
demoraria mais tempo. No entanto, tal como -40
o défice, todo o progresso conseguido nos
últimos anos foi arrasado pela pandemia. A
-50 -41,6
dívida do Estado está, hoje, 40 pontos acima
da média da UE. JAN 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 FEV 2021

SERVIÇOS MAIS EXPOSTOS


O gráfico ilustra bem as dificuldades dos países onde os serviços têm maior peso. Numa crise de saúde pú-
blica em que o contacto entre pessoas é a principal limitação, algumas áreas dos serviços são especialmente
afetadas. No caso de Portugal, basta pensar na sua dependência em relação ao setor turístico.

Indicador de confiança dos serviços


Fevereiro 2020 Fevereiro 2021
30 29,8
20

10 10,1
3,2
0

-10

-20 -11,1

-30

-40
-31,4

-50 -45,6
UE 27

LUXEMBURGO

REP. CHECA

SUÉCIA

LITUÂNIA

MALTA

BÉLGICA

ÁUSTRIA

FINLÂNDIA

ESLOVÉNIA

ESTÓNIA

IRLANDA

ALEMANHA

HOLANDA

BULGÁRIA

ITÁLIA

DINAMARCA

FRANÇA

ROMÉNIA

GRÉCIA

POLÓNIA

CROÁCIA

LETÓNIA

HUNGRIA

ESPANHA

PORTUGAL

ESLOVÁQUIA

CHIPRE

FONTE Pordata INFOGRAFIA AR, MT/VISÃO

18 MARÇO 2021 VISÃO 49


OS FILHOS DA
QUARENTENA
Dentro de alguns anos, milhões de crianças um pouco
por todo o mundo vão ouvir a história verdadeira de
como foi nascerem em pandemia. Estas são as de
Manel, Rodrigo, António, Pureza e Maria Rita
ROSA RUELA

Perto-longe Pureza
é um dos 17 bebés do
grupo de amigos de
Teresa e de Gonçalo que
todos conhecem apenas
por videochamadas
LUÍS BARRA

18 MARÇO 2021 VISÃO 51


S
Se as manhãs nunca eram iguais na
casa dos Judas-Saldanha, nos úl-
timos dias ainda menos. Claro que
há sempre o pequeno-almoço em
família, e em modo “pepe-rápido”,
porque as duas miúdas mais velhas
têm aulas, mas um recém-nascido
altera naturalmente as rotinas. Mes-
mo assim, Ana conseguiu começar a
semana a fazer panquecas para todos,
enquanto o bebé andava de colo em
colo, entre gargalhadas e pedidos de
“agora pego eu”.
Ao fim de pouco tempo de vida,
Manel mostra-se todo-o-terreno,
imune até às correrias do mano Tomás,
de 3 anos, incapaz de estar quieto por
um segundo. “É o quarto filho”, ri-se
Ana, por nós candidata à medalha de
“Mãe Descontraída do Ano”. Acrescen-
te-se que, desde que ele nasceu, a 9 de
fevereiro, a ex-produtora e maquilha-
dora confirmou que Constança, de 9
anos, e Benedita, 7, são umas excelen-
tes babysitters. Uma sorte.
Manel veio ao mundo segundo a Nem tudo é mau “A pandemia
equação “não planeado, mas muito trouxe-nos a possibilidade do
desejado”. Ana Judas tem 41 anos e, teletrabalho”, lembra Lisete,
após o terceiro filho, passou a escre- que pondera a hipótese de ficar
ver “dona de casa” à frente da palavra em casa até o seu filho, Rodrigo,
“profissão”. Daniel Saldanha tem 47 fazer 3 anos
anos, é diretor comercial numa em-
presa de alimentação coletiva e tam-
bém sempre quis uma família grande.
O que nenhum dos dois antecipara é Quanto ao Manel, nas duas primei-
que iriam ser de novo pais em plena ras semanas nem teve sequer direito
pandemia. a um passeio ao fim da rua e, ainda
“Quando soube que estava grávida, hoje, continua a não receber visitas.
no final de maio, foi um misto de sen- “Toda a gente o conhece apenas por
timentos”, recorda Ana. “Pensei ‘Uau, WhatsApp, mas os amigos reinven-
que fixe!’ e, ao mesmo tempo, ‘E ago- tam-se”, conta a mãe. Lá a casa, já
ra?’. Preocupava-me essencialmente chegaram presentes-mistério, pelo
as estruturas do País, estava muito correio, e até flores e gyozas foram
sensibilizada com a enorme pressão entregues ao portão.
para os hospitais e os profissionais de
saúde. Como seria ter mais um filho OS RISCOS DA COVID-19
nestas circunstâncias? Mas não fiquei No apartamento de Lisete Vieira e de
assustada”, admite. “Já tinha alguns Fábio Santos, na urbanização de Vila
cuidados, por exemplo andava sem- Chã, na Amadora, também nunca
pre com desinfetante na mala. Além entrou ninguém desde que Rodrigo De quarentena Carolina e Tomás
disso, moramos numa casa grande e nasceu, a 16 de dezembro. E, mesmo resguardaram-se durante o final
da gravidez, para que ele pudesse
com jardim, na Ericeira – um luxo –, quando, já neste ano, os três passaram
acompanhar o nascimento de
temos burros e ovelhas num terreno uma semana em casa dos avós ma-
António. E, por enquanto, ainda
ao lado e a praia perto.” ternos do bebé, na zona de Pombal, só desconfinaram com os pais
Olhando para trás, Ana vê que esta ele foi apreciado apenas à distância, de ambos
gravidez foi “muito menos curtida”. com todos os familiares e os amigos
Custou-lhe o marido não ter podido de máscara.
acompanhá-la nas consultas nem nas “As pessoas queixam-se e é chato
ecografias, e de ter assistido apenas ouvir ‘Nunca peguei no teu filho ao medo de que ele se infete.”
ao final do parto. “Cortou o cordão colo’ e mostrá-lo só em fotografias e O medo já vinha de trás. No verão,
umbilical, ficou connosco umas horas videochamadas (fazemos muitas para os futuros pais trocaram as habituais
e só voltou três dias depois, para nos o Rodrigo ir conhecendo as vozes), férias a dois no Algarve por uns dias
ir buscar.” mas tem de ser”, diz Lisete. “Temos num monte alentejano, isolado, para

52 VISÃO 18 MARÇO 2021


85 500
Essas primeiras grávidas da qua-
rentena estavam com medo “em re-
lação a tudo”, lembra a especialista,
um medo ampliado pelo desconheci-
mento quanto à sua contaminação, ao
contágio do bebé e ao que poderia vir
N Ú M E RO D E B E B ÉS a ser o parto e os cuidados a ter após o
NASCIDOS EM nascimento. “E, de facto, eu e os obs-
PORTUGAL, EM 2020, tetras em geral também receávamos
O VA L O R M A I S B A I X O que houvesse uma gravidade maior no
D ES D E 2 0 15 , D E caso das grávidas, para começar uma
ACORDO COM O INSA maior capacidade de se infetarem.”
Neste momento, sabe-se que as

80,93
grávidas se infetam como as outras
pessoas. Mas, em relação à gravidez,
há mais duas certezas: algumas situa-
ções de vulnerabilidade de mulheres
mais velhas e com fatores de risco
associados podem ter quadros mais
graves de Covid-19, e a infeção da
mãe pode predispor à prematuridade.
É E S TA A I D A D E
DIANA TINOCO

“Vamos ter essa estatística claríssima”,


D E ES P E RA N ÇA D E
VIDA À NASCENÇA
acredita Ana Campos.
EM PORTUGAL, Aquilo que a obstetra procura,
DE ACORDO COM agora, transmitir a toda a gente é que
OS DADOS MAIS estamos como no início da pandemia
R EC E N T ES D O I N E de VIH. “Sabemos que a proteção é a
arma, que a prevenção é fundamental,

123 467
daí a semelhança com as outras pan-
demias”, sublinha. “Temos, por isso,
de estabelecer normas de segurança
de movimentação e de proteção. De-
vemos ter a capacidade de manter a
mesma atitude, adotar estratégias de
prevenção para a nossa vida – usar
sempre a máscara, por exemplo.”
NÚMERO DE ÓBITOS Lisete e Fábio nem põem outra hi-
EM PORTUGAL, EM pótese. Apesar dos testes negativos de
2 0 2 0 , O VA L O R M A I S ambos, todas as primeiras fotografias
A LT O R E G I S TA D O do filho, do nascimento ao primeiro
D ES D E H Á 10 0 A N O S . banho, estão povoadas de máscaras,
SÃO MAIS 11 359 e nem agora elas desapareceram de
M O RT ES D O Q U E E M
todo. “Do mal, o menos”, diz, prag-
2 0 19 , S EG U N D O O I N E
mática, a geógrafa, de 37 anos. “O
Rodrigo foi planeado, porque já tínha-
LUÍS BARRA

mos a vida minimamente estruturada,


embora não contássemos com que eu
engravidasse logo em março.”
Quando soube que estava à espera
não correrem o risco de apanhar o fossem contagiados pelo medo e pelas de bebé, Lisete não ficou alarmada
coronavírus. E, como queriam que Fá- proibições.” perante a hipótese de Fábio, designer
bio estivesse no parto do princípio ao Ter um filho em tempo de pande-
fim, optaram por um hospital privado. mia não é fácil, mas, para esta con-
“Desde que o pai esteja negativo, sultora da Direção-Geral da Saúde,
deve ter direito a acompanhar a gravi-
dez e o parto, mas, hoje, nem sempre
a pior experiência foi a das mulheres
que já estavam grávidas, em março do
A INFEÇÃO DA MÃE
isso acontece no Serviço Nacional
de Saúde”, lamenta a obstetra Ana
ano passado. “Sofreram mais porque
foram apanhadas de surpresa, numa
PODE PREDISPOR
Campos, recentemente aposentada altura em que a ignorância era muita”, À PREMATURIDADE,
ALERTA A OBSTETRA
da Maternidade Alfredo da Costa, justifica. “Os seus receios eram enor-
em Lisboa. “O facto de tudo isto ter mes, tão grandes que houve mesmo

ANA CAMPOS
começado na China, onde há um regi- quem me dissesse ‘Se eu soubesse o
me autoritário, fez com que os países que sei hoje, teria adiado a gravidez’.”

18 MARÇO 2021 VISÃO 53


LUIS BARRA
Otimistas O nascimento de Maria

Teletrabalho
Rita está previsto para junho. Até
lá, Fábio e Margarida fazem por não

= mais filhos?
perder o sorriso. “Estaremos cá
para lhe contar como foi nascer em
plena pandemia”
Estudo europeu conclui
que o modelo presencial
de aplicações móveis e mais velho dois desincentiva as famílias
anos, vir a perder o emprego por tra- a crescerem
balhar numa empresa de organização
“A mudança nas condições
de eventos. “A pandemia trouxe-nos Tomás não queria conhecer o filho só
de trabalho que a pandemia
a possibilidade do teletrabalho. Se veio provocar poderá ter duas
ao fim de três dias.
havia entidades reticentes, durante o consequências benéficas: “Já tinha sido mau eu não poder ir
primeiro confinamento demos provas aumentar o número de filhos às consultas nem às ecografias”, con-
de que conseguíamos produzir como que cada família decide ter e fessa o gestor de projeto num grupo
sempre. Até pondero a hipótese de aumentar a produtividade de de saúde, que ainda acompanhou dois
ficar em casa até o Rodrigo fazer 3 cada colaborador, ao permitir dos exames por FaceTime, dentro do
anos”, confessa. “Evito toda a logís- que estes poupem imensas carro, no parque de estacionamento
tica das deslocações e ficarei mais horas em deslocações, do hospital, em Lisboa. “A própria
tranquila para me concentrar no meu reduzam o stresse e tenham obstetra lamentou só conhecer os pais
trabalho.” uma maior satisfação global na sala de parto, porque assim não se
com o emprego.” Esta é a estabelece uma relação de confiança.”
EXAMES À DISTÂNCIA convicção de Carla Henriques, Quanto à proibição de visitas nos
No meio da “alegria com medo” que professora na Coimbra dias em que estiveram no hospital,
lhes trouxe a notícia da gravidez em Business School, coautora privado, essa foi quase celebrada por
pandemia, o confinamento também de um estudo que avaliou o ambos. Aproveitaram para descansar
foi visto por Carolina Jardine, de 28 bem-estar dos trabalhadores a e já foram avisando os avós de que é
anos, e Tomás Costa, 29, como o mo- tempo inteiro e a tempo parcial, uma experiência a repetir. Em casa,
mento ideal para se estrearem como citada pela Lusa. António tem recebido família e ami-
pais. “Há menos solicitações”, resume Com uma amostra de mais de gos, mas com hora marcada e nunca
19 mil pessoas de 34 países
a account numa empresa de óculos. mais de duas pessoas de cada vez,
europeus, entre os quais
Casados há um ano e meio, ambos sempre de máscara.
Portugal, o estudo, publicado
queriam ter um filho antes dos 30, recentemente no Journal of
Pureza é também a primeira filha
mas só avançaram quando percebe- Economic Analysis and Policy, de Teresa Taborda e de Gonçalo An-
ram que iam ter de adiar a viagem conclui que o trabalho a tempo tão, e um dos 17 bebés do grupo de
à Austrália, marcada para a última inteiro no modelo presencial amigos do casal que todos conhecem
passagem de ano. “Em abril, tirámos desincentiva as famílias a terem apenas por videochamadas desde que
o cavalinho da chuva quanto às férias mais do que um filho. “Antes nasceu, a 30 de dezembro. “Abrimos
fora de Portugal, e na minha cabeça da pandemia, os profissionais só para os nossos pais, e os convívios
eu iria engravidar em novembro ou indicavam ser muito difícil estão fora de questão”, conta Tere-
em dezembro, mas aconteceu logo”, criar uma harmonia entre sa. “É muito assustador estas novas
conta Carolina. o trabalho e a vida pessoal, variantes atacarem as crianças e os
António nasceu a 18 de janeiro. uma vez que chegavam a casa bebés, não quero arriscar. A maioria
No verão, os futuros pais recusaram esgotados com o ritmo e o das minhas amigas abriu mais, mas
os convites para os casamentos dos stresse da rotina dos empregos não há certo ou errado, e eu sinto-me
amigos (estavam planeados dez, ce- presenciais e das pendulações confortável assim.”
lebraram-se quatro), e após o Natal casa-trabalho”, salienta Carla Gonçalo trabalha numa farmacêuti-
entraram em quarentena para não Henriques. ca, e Teresa numa agência de comuni-
correrem o risco de apanhar Covid-19. cação, em Lisboa. Os dois já andavam

54 VISÃO 18 MARÇO 2021


No início da pandemia, Catherine
Lebel decidiu avançar com um estudo
para monitorizar grávidas e o primeiro
ano de vida dos seus filhos, para verifi-
car se o confinamento terá um impacto
semelhante ao da grande tempestade
de há 20 anos. Em abril de 2020, par-
ticiparam nesta sua investigação 1 987
mulheres residentes no Canadá, e os
primeiros resultados revelam sinais
preocupantes: 37% relataram sintomas
de depressão e 57% tinham sinais de
ansiedade.
“Não chegaria ao ponto de falar
numa geração danificada”, sublinha a
investigadora, citada pela revista Na-
tional Geographic. “Mas, daqui a 20
anos, vamos ver taxas mais elevadas
de depressão e de ansiedade do que
nas gerações anteriores.”

MARCOS BORGA
Se há coisa que incomoda Mar-
garida Tomás é o afastamento a que
tem estado votado o marido, Fábio.
“É muito duro e injusto ele não poder
há uns tempos a falar em ter filhos e, Dúvidas desfeitas Quando soube acompanhar nada da gravidez, não
em dezembro de 2019, ela apostou que estava grávida, Ana passou ouvir o som do coração da Maria Rita,
com as suas quatro primas que ia ser por um misto de sentimentos. não ver os seus bracinhos a mexer nas
a primeira a engravidar. Mas a aposta Como seria ter mais um filho numa ecografias...”, diz a cozinheira e dona
seria suspensa quando uma amiga altura de grande pressão para os do restaurante Vintage e do bar Crio-
médica, que estava a trabalhar numa hospitais e os profissionais de lina, ambos em Pombal. “Ainda por
ala de Covid, lhe disse: “Por favor, não saúde? Não teve Daniel ao seu cima, vamos tê-la muito por pressão
engravides neste ano, não se sabe o lado, mas correu tudo bem dele que adora crianças.”
que isto é, quando vai acabar e que O nascimento de Maria Rita está
problemas pode trazer às grávidas.” previsto para daqui a três meses. Mar-
Em abril, porém, decidiram avan- garida tem 34 anos e Fábio 39, estão
çar. Queriam muito ser pais e já ti- TAXAS ELEVADAS DE ANSIEDADE juntos há 11 anos e só não são ainda
nham esperado até aos 30 anos. “Pa- Os cientistas já se perguntam se as pais porque o empresário sofreu um
rece que nunca é a altura certa”, nota crianças geradas e nascidas durante acidente de trabalho e ela passou por
Teresa. “Mas, se o mundo tiver de esta pandemia poderão vir a sofrer um problema de saúde complicado. Há
acabar, vamos todos.” de traumas a longo prazo. A hipó- um ano, por coincidência, Margarida
Avançaram, mas com cuidados tese é cabal. Basta olhar para o que tinha consulta marcada com a obstetra
redobrados, recorda Teresa. “Sentia aconteceu após a chamada “grande para 16 de março. Queria começar a
esse dever e fui tendo picos de stres- tempestade de gelo norte-americana tomar ácido fólico e tentar engravidar,
se, ataques de histeria, conforme as de 1998”, acredita a médica Catherine “tudo certinho”, diz, mas o fecho dos
notícias. Era capaz de decidir ‘Agora Lebel, especialista em imagiologia pe- restaurantes levou-a a adiar os planos.
não vejo ninguém!’ e passava três se- diátrica e professora na Universidade Seguiram-se uns meses difíceis,
manas sozinha. Também não ajudou de Calgary, no Canadá. inclusive com a equipa do Vintage em
ter ficado em casa de repouso desde Em janeiro de 1998, uma combi- layoff, até que, em julho, decidiram
outubro, porque estava com contra- nação de cinco tempestades de gelo arriscar. “Pensámos ‘Não vamos estar
ções e ainda de 20 e poucas semanas sucessivas atingiu uma faixa de terra no à espera de que a pandemia passe,
de gestação.” Leste de Ontário e no Sul do Quebeque, ficamos velhos’”, recorda Margarida.
acabando por deixar a população sem “Pôr um filho ao mundo é sempre
energia ao longo de seis semanas. O uma grande incerteza, mas se não o
Projeto Tempestade de Gelo estudou o fizéssemos agora estaríamos a perder
AS CRIANÇAS cérebro de 68 crianças, cujas mães es-
tavam grávidas nesse período, para ver
mais um ano. Temos de arriscar viver.”
Entretanto, os restaurantes abri-
GERADAS DURANTE se o evento teve influência na amígdala
que está envolvida na gestão das emo-
ram, voltaram a fechar “e o futuro
ninguém sabe o que vai ser”, diz a
A PANDEMIA ções. Os investigadores concluíram que, cozinheira. A incerteza, porém, não

PODERÃO VIR A
uma década mais tarde, elas tinham as lhe rouba o sorriso. “Isto é tudo mui-
amígdalas maiores, um aumento que to stressante, mas estaremos cá para

SOFRER DE TRAUMAS
corresponde a uma maior frequência contar à Maria Rita como foi nascer em
de comportamentos agressivos. plena pandemia.” rruela@visao.pt

18 MARÇO 2021 VISÃO 55


Carlos Matos Gomes
“A discussão
dos brasões
é bizantina.
Reduz a expansão
portuguesa
e a relação com
aqueles povos
a uma questão
de jardinagem”
Agora que passam 60 anos sobre o início da Guerra Colonial,
pergunta-se: será que alguém pode ter várias condecorações
por “feitos em combate” como oficial dos Comandos, nos
três teatros – Moçambique, Angola e Guiné –, e acabar entre
os fundadores do movimento dos capitães que derrubou a
ditadura e terminou com o conflito? Pode. É o caso de Carlos
Matos Gomes que aqui explica – sem filtros – porque correu
mal a “aventura” que buscou em África
J. PLÁCIDO JÚNIOR
JOSÉ CARLOS CARVALHO

18 MARÇO 2021 VISÃO 57


É
É um homem que diz o que pensa – sem
pruridos. Esta entrevista à VISÃO de
Carlos Matos Gomes, hoje coronel na
reforma do Exército, comprova-o. Se
participou enquanto oficial dos Comandos
em algumas das principais operações da
De oficial
a escritor
Carlos Matos Gomes
em síntese – de
militar condecorado
a autor premiado

BERÇO
Nasce a 24 de julho
de 1946, em Vila Nova
da Barquinha, numa
família de classe média.
Completa o Ensino
Secundário no Colégio
O que o moveu, então?
A Academia Militar foi um espaço que me
permitiu libertar da minha família. Deixei
de ter de dar satisfações aos meus pais –
embora nunca mas pedissem, fui criado
com uma enorme liberdade. Mas deixava
de ter o tipo de necessidades como a
mesada e assumia a carta de alforria muito
cedo, o que sempre ansiei.
Mas sabia que, após concluir o curso,
iria combater em África. Qual era a sua
ideia?
No meu caso, foi uma questão de afirmação
pessoal. Até que ponto é que consigo ir?
Que aventura é que vou viver? Por isso,
após terminar o curso, ofereci-me para
ser destacado para o teatro de guerra que
estivesse o mais longe possível, quando me
perguntaram para qual dos três – Angola,
Guerra Colonial (como a Nó Górdio, em Nun’Álvares, em Tomar. Guiné ou Moçambique – eu queria ir.
1970, em Moçambique), também relata de E o Exército fez-lhe a vontade?
forma crua a conclusão de que as armas DE CAMUFLADO Sim. Fui colocado, em 1967, no ponto mais
não resolveriam o conflito. Ao longo de Entra para a longínquo que existia, junto ao lago Niassa,
13 anos, a guerra, iniciada em Angola em Academia Militar. em Moçambique, num sítio chamado
fevereiro/março de 1961, provocou a morte Faz três comissões Meponda. Estava, pois, no extremo mais
de cerca de nove mil militares e civis (Moçambique, 1967, afastado do Império – tirando Timor ou
portugueses e ferimentos graves em 33 Angola e Moçambique, Macau, onde não havia guerra – e junto à
mil. Agora, Matos Gomes, 74 anos, tanto 1969/1971, e Guiné, fronteira com a Tanzânia e o Malawi.
defende o seu camarada Marcelino da Mata, 1972/1974), as duas Começou a arriscar a vida, em nome
últimas como oficial dos do Império defendido pela ditadura do
apelidado de “criminoso de guerra”, como
Comandos. Casa-se com
diz que os peticionários da manutenção Estado Novo...
Céu Lickfold, professora
dos brasões coloniais no jardim da Praça Eu e os meus camaradas jurámos bandeira,
de Inglês, com quem
do Império, em Lisboa, são “patrioteiros” tem uma filha, Carla.
não jurámos o salazarismo.
que “apoucam” a discussão da expansão Porquê, então, fazer a guerra?
portuguesa. E atribui à esquerda, campo OPERACIONAL Porque éramos militares e portugueses, e
político onde se situa, uma “reanálise do Participa em grandes porque tínhamos de acabar com ela. E é por
passado muito pouco rigorosa e científica”, operações, como a Nó isso que a minha geração, que aos 20 anos
o que associa ao crescimento da extrema- Górdio (Moçambique, começou a ir para a guerra, será aquela
direita. É assim, desconcertante, o também 1970), a Ametista Real que, uma década depois, se perguntará: “O
escritor que, sob o pseudónimo de Carlos (Senegal, 1973) e a Neve que é que andamos aqui a fazer?”. Quase
Vale Ferraz, tem 12 romances publicados, Gelada (Guiné, 1974). todos fizemos três comissões. E, sempre
o primeiro dos quais, Nó Cego, de 1982, “Feitos em combate” que íamos para a próxima, a situação estava
se tornou uma obra de culto, por ser valem-lhe as medalhas pior do que na anterior. Vimos que a guerra
“um fresco sobre a Guerra Colonial e um de Cruz de Guerra de 1ª não era solução para a guerra.
requiem sobre os soldados portugueses”, e 2ª Classe, a medalha Regressando a 1967 e ao Niassa: que
sintetizou o cineasta António-Pedro de prata de serviços cenário de guerra encontrou?
Vasconcelos. Com a guerra em fundo, os distintos, a medalha Ao Niassa chamávamos “o estado de minas
protagonistas das obras de Carlos Vale de mérito militar de gerais”. Era a zona em que a guerra se
Ferraz são quase sempre alguém que 1ª Classe e a medalha revelava mais violenta. Aliás, o primeiro
não alcançou o que se tinha proposto a coletiva da Ordem da congresso da Frelimo em território
Torre e Espada.
conseguir. Dir-se-ia, pela entrevista que moçambicano foi realizado no Niassa,
se segue, que autor e personagens se em 1968. Tenho aí a primeira grande
CARLOS,
confundem. MAS FERRAZ
experiência de vida e de morte, e do que é
Quando em 1963, aos 17 anos, escolheu Em 1982, torna-se comandar como alferes. E esse era o desafio
entrar para a Academia Militar, estava escritor, como Carlos – connosco próprios e o de ter alguém pelo
imbuído do espírito de defesa do Vale Ferraz. Com qual somos responsáveis. Era adjunto de
Império? A Última Viúva de uma companhia e comandava um grupo de
Não. O Império não fazia parte do África vence o Prémio combate com 30 homens.
imaginário da minha geração. Resumia- Fernando Namora, Qual foi a situação mais marcante dessa
se, na escola, a dividir orações n’Os em 2018. Em abril 1ª comissão?
Lusíadas. Tínhamos a noção do Ultimato próximo, sairá o seu 13º Uma emboscada noturna que fizemos a
inglês, no século XIX, mas das províncias romance: Angoche – Os uma grande coluna de reabastecimento
ultramarinas sabíamos muito pouco. Fantasmas do Império. da Frelimo que vinha da Tanzânia em

58 VISÃO 18 MARÇO 2021


Em Luanda
Tenente dos Comandos,
1969

E isso significou o quê?


Fizemos operações no Norte, na zona dos
Dembos. Ali havia uma guerra complicada
entre o MPLA e a FNLA, em que, por vezes,
se combatiam uns aos outros e em que,
por vezes, nos iam combatendo a nós. Fiz
operações contra uns e outros.
Pouco depois regressou a Moçambique...
Tornou-se necessário que uma companhia
fosse para Moçambique, onde a situação
estava a agravar-se. E voltei já não para o
Niassa mas para Montepuez, na zona de
Cabo Delgado.
Foi nessa altura que um jipe em que
seguia pisou uma mina...
Se tivesse sido um jipe... Foi uma Berliet,
em que eu seguia ao lado do condutor e
que ia muito carregada. Quando houve a
explosão, foi tudo ao ar, pessoal e carga,
mas a mina não seria das mais sofisticadas.
Com que sequelas ficou?
Fiquei surdo. Mas ouço a 100% – 60%
de um ouvido e 40% do outro [risos]. A
maior sequela está nas costas, por causa do
embate da explosão.
Como capitão dos Comandos participou,
em 1970, na operação Nó Górdio,
dirigida pelo general Kaúlza de Arriaga,
em Cabo Delgado, e sobre a qual há
quem diga que esteve quase a aniquilar
a Frelimo...
Nada disso. Uma operação que envolveu
cerca de dez mil homens, com todos os
direção a sul. Essas colunas levavam civis, recursos que existiam em Moçambique,
que eram os carregadores, escoltados por do Exército, da Marinha e da Força Aérea,
guerrilheiros. Foi uma mortandade do lado só podia ser apresentada à opinião pública
deles. Ser-se confrontado, aos 20 anos, como um sucesso. A minha companhia
com tantos corpos e moribundos, incluindo ocupou a base Gungunhana e apanhou
mulheres, é um processo muito complexo material – mas não estava lá ninguém. A
de gerir. Frelimo tinha retirado da zona dos três
Já pertencia, na altura, aos Comandos? grandes objetivos da Nó Górdio – além
Não. Entrei para os Comandos logo após da Gungunhana, mais duas importantes
regressar a Portugal, em 1968. bases – toda a população e deixado só
Outra escolha “violenta”... pequenos grupos de guerrilheiros muito
Aquela era a minha vida e entendi que, já bem treinados. Andámos ali dois meses,
que a situação tendia a agravar-se, a melhor sem população para conquistar – um
forma de intervir nela, para alterá-la, era
Ser-se dos objetivos das guerras de guerrilha é
combater nas tropas que fazem a guerra confrontado, ganhar o coração e a alma dos povos –, e a
com maior eficácia e em que nos sentimos confrontarmo-nos com aqueles pequenos
mais defendidos e apoiados.
aos 20 anos, núcleos de guerrilheiros, e a ter baixas
E Salazar caiu da cadeira... com tantos neste processo.
Houve a esperança, quando Salazar foi corpos e Saldo negativo?
substituído na Presidência do Conselho Claro. Para reunir todas as suas forças
de Ministros por Marcelo Caetano, de que moribundos, naquele quadrado, o general Kaúlza de
um novo tempo iria iniciar-se, com outros incluindo Arriaga teve de retirar para ali unidades
princípios. que estavam espalhadas pelo território
Um tenente dos Comandos, posto em mulheres, de Moçambique, sobretudo na zona de
que partiu com uma companhia para é um processo Tete, a sul. A Frelimo aproveitou esse
Angola, em 1969, pensava mesmo isso? vazio para aumentar a infiltração de
O espírito era este: “Vamos fazer todas muito guerrilheiros, em direção ao rio Zambeze.
as operações que forem possíveis para complexo A Nó Górdio acabou por permitir à Frelimo
encontrar forma de dar tempo para que a que escolhesse o seu campo de batalha
questão da guerra se resolva.” de gerir no centro de Moçambique, em Tete e no

18 MARÇO 2021 VISÃO 59


istmo da Beira. Era uma guerra que obtinha
resultados contrários aos pretendidos.
Que efeito tudo isso teve em si?
Tomei consciência de que aquela guerra
não tinha solução militar. Se quando lá
estive, em 1967, a guerra estava confinada
ao Niassa e ao planalto de Cabo Delgado,
no Norte, e se três anos depois já chegava
a Vila Pery, a 100 quilómetros da segunda
maior cidade, a Beira, cá em baixo, no
Centro, intuí que quando lá regressasse
uma terceira vez estaria de certeza às
portas de Lourenço Marques, a capital, no
extremo sul.
Diria que, antes do 25 de Abril de 1974,
houve oportunidades para uma solução
política da guerra?
Várias. Na Guiné, a opção do general
Spínola de se encontrar para conversações
com o líder do PAIGC, Amílcar Cabral, em
1972, foi uma possibilidade que Marcelo
Caetano cortou de raiz. Em Moçambique,
Jorge Jardim buscava fórmulas para
propor ao Presidente da Zâmbia, Kenneth
Kaunda, uma negociação com a Frelimo, e
que resultaram nos chamados “acordos 1
e 2 de Lusaca”, em 1973. Marcelo Caetano
nem quis ler aquilo. E, no Leste de Angola,
houve um acordo, em 1972, entre Jonas
Savimbi e autoridades portuguesas, para
que o líder da UNITA ingressasse num
governo multirracial em Luanda, o que Às armas No sentido
foi recusado, entre outros, por Soares dos ponteiros do
Carneiro, que era o secretário-geral do relógio: cadete da
Academia Militar,
governo provincial. Já agora, para a Guiné,
1963; na operação Nó
Marcelo Caetano aceitava a ideia de “uma
Górdio, Moçambique,
derrota digna” – coisa que ainda hoje estou 1970 – Matos
à espera de que os chamados “doidos do Gomes é o militar de
Império” me digam o que é. barba, atrás da mão
A Guiné será a sua 3ª comissão. Partiu levantada do coronel
de Lisboa com uma companhia de que vai ao lado do
Comandos? general Kaúlza de
Não. Se já não acreditava na solução Arriaga; exercícios
da guerra para a guerra, moralmente em Santa Margarida,
não podia formar uma companhia de 1964; operações
Comandos aqui e levá-los para irem na região do lago
combater em pura perda, correndo o risco Niassa, Moçambique, para um processo à margem das leis da
de morrerem ou de ficarem estropiados 1967; a ser guerra – mas ao serviço do Estado. Não
por nada. Por isso, ofereci-me para oficial condecorado com a há guerras de mãos limpas. É iníquo quem
das companhias de Comandos africanas, Cruz de Guerra de 1ª lhe chama “criminoso de guerra” e quem,
que estavam a combater no seu território e Classe, pelo general à laia de abutre, quer agora promover, à
perfeitamente conscientes. António de Spínola, custa dele, certas ideologias e restaurar as
A propósito: como vê as acusações de 1973, Guiné; visita questões do Império e da descolonização.
“criminoso de guerra” dirigidas ao do general Spínola Como vê o crescimento da extrema-
ao Batalhão de
tenente-coronel Marcelino da Mata, direita na Europa, Portugal incluído?
Comandos Africanos
agora falecido e com quem combateu na Estamos ainda a fazer o luto do
da Guiné, de que
Guiné? era 2º comandante.
eurocentrismo, quando o mundo tinha
São acusações a-históricas, de um discurso Foto abaixo: a como pilares o conhecimento, a cultura
ideologizado. comandar um grupo e a civilização europeus. E isto causa um
Como assim? de Comandos no conflito entre a imagem que temos do
Os Estados não são pessoas de bem. E, Centro de Instrução passado e o que é o desejo do futuro. Tem
quando há guerra, isso torna-se mais de Luanda, 1969 havido da parte da esquerda, dos que
evidente. O Marcelino da Mata foi atraído se designam como progressistas, uma

60 VISÃO 18 MARÇO 2021


Na Guiné, integrou a 1ª Comissão
Coordenadora do Movimento dos
Capitães, embrião do golpe do 25 de
Abril. Qual era a situação militar em
vésperas da Revolução?
Tínhamos 250 mil homens nas Forças
Armadas. Mal instruídos, mal equipados e
mal enquadrados por capitães milicianos,
de “aviário”. Já nem superioridade aérea
tínhamos. É neste quadro depauperado
que a descolonização vai ocorrer.
Um “caos”, diz-se...
Passa pela cabeça de alguém que
movimentos que tinham perdido
milhares de homens, que andavam a
combater há dez anos, caso da Frelimo,
há 11, caso do PAIGC, ou há 13, caso do
MPLA, aceitassem, no final da luta, a
“oportunidade”, que o Estado colonizador
lhes oferecia, de fazerem uns cartazes e de
concorrerem a eleições, contra partidos
criados nas cidades por colonos, por
mestiços, por tipos que nunca pensaram
na independência, antes tratavam das
suas vidinhas? Isto era um cenário
inconcebível.
Mas não conseguimos sarar a ferida
colonial...
Há que não tomar a História como ponto
de traumatismo. O que devemos fazer
é compreender os acontecimentos e as
reanálise do passado que me parece muito decisões que foram tomadas no momento
pouco razoável e, até, muito pouco rigorosa e nas condições em que ocorreram. Não
e científica. estamos a tratar de feridas. Estamos a
Porquê? tentar perceber o que aconteceu e a retirar
Lê o passado à luz do presente. Já a daí lições importantes que expliquem
extrema-direita faz o contrário, indo quem nós somos.
às raízes, que são sempre as dela, do Como vê a eventual retirada dos
nacionalismo e das questões identitárias. brasões coloniais da Praça do Império?
E nós, seres humanos, quando estamos Acho essa discussão bizantina. As colónias
em crise, procuramos o refúgio das nossas só têm brasões muito tarde. Angola, por
origens e raízes. Daqui resulta a facilidade exemplo, é uma construção portuguesa.
e a atração das propostas identitárias – Para a Guiné, Quando fui para lá, em 1969, os africanos
permitem o tal refúgio em momentos de não se consideravam angolanos. Eram
dúvidas e de ansiedade que nós, europeus, Marcelo caluandas, bacongos, ovimbundos,
estamos agora a viver. Caetano ovambos, cuanhamas, ganguelas... E,
Qual é, então, o antídoto? em Moçambique, era a mesma coisa. Os
Quando estamos a discutir o papel que a aceitava a africanos diziam-se macuas, macondes,
Europa teve de abertura ao mundo, que ideia de ‘uma ajauas, rongas, tsongas...
se quisermos começou nas Cruzadas, que Onde está a “bizantinice” de quem
vai depois até à expansão portuguesa e derrota digna’ defende a manutenção dos brasões?
espanhola e a seguir até ao aproveitamento – coisa que Apouca algo de muito importante, a
que a Inglaterra e a Holanda fizeram, e discussão da expansão portuguesa e
pomos tudo isso em causa, colocamos ao ainda hoje da relação de Portugal com aqueles
mesmo tempo em causa a nossa própria estou à espera povos, reduzindo-a a uma questão de
identidade. E é este aproveitamento que a jardinagem. Angola, Moçambique e São
extrema-direita está a fazer, porque não de que Tomé são construções artificiais recentes.
tem mais nada para propor a não ser a os chamados Os brasões são dos anos 1930, 1940, e
“glória do passado”. Isto exige das forças estarem hoje os “patrioteiros”, como os
democráticas e de esquerda uma atenção ‘doidos do designava Eça, a evocarem um fenómeno e
particular ao estudo e à análise da História, Império’ me um Estado que têm menos de um século,
enquadrando-a nas condições em que os para mim não faz qualquer sentido.
acontecimentos ocorreram. digam o que é jjunior@visao.pt

18 MARÇO 2021 VISÃO 61


BIDEN EM BUSCA DO
INIMIGO INTERNO
A administração de Joe Biden prometeu derrotar a violenta extrema-direita,
a maior ameaça que os EUA enfrentam desde a guerra civil de 1861-1865.
Falta, no entanto, o mais difícil: descobrir como o fazer
V E R A B E R G E N G R U E N E W. J . HENNIGAN*

62 VISÃO 18 MARÇO 2021


Poucos uma escalada de violência às mãos de
dias de- extremistas de direita, nomeadamente
pois da em Oklahoma City, Charlottesville e El
investi- Paso. Desde os atentados [da Al-Qaeda]
dura do em 11 de setembro de 2001, terroristas
Presiden- da extrema-direita têm sido responsá-
te Joe Biden, veis por quase três vezes mais ataques
a sua equipa de em solo norte-americano do que os
segurança nacional pediu aju- terroristas muçulmanos: só não foram
da à Anti-Defamation League os autores de um dos 17 atos de terror
(ADL). O novo comandante su- cometidos em 2019.
premo lançou uma campanha
governamental para combater UMA TAREFA ASSUSTADORA
a violenta extrema-direita e pediu Nunca foi tão fácil recrutar extremistas.
conselhos a esta organização sem fins As redes sociais deixaram milhões de
lucrativos que, há 108 anos, rastreia o norte-americanos a um clique de dis-
antissemitismo, o discurso de ódio e tância das ideias radicais e das bizarras
o radicalismo interno. “Esperávamos teorias de conspiração que antes cir-
ser contactados, só não imaginámos culavam apenas através de panfletos.
que fosse tão rapidamente”, afirma No Facebook e no YouTube, figuras
Ruan Greer, um antigo quadro do elegantes de fato e gravata conquistam
Departamento de Segurança Interna muitos seguidores ao incorporarem,
(DHS) que, agora na ADL, estuda o no discurso político, retórica racista,
extremismo. “Em comparação aos antissemita e violenta. O apoio que o
anteriores anos, o contraste, no tom ex-Presidente Donald Trump ofereceu
e na urgência, não poderia ser maior.” aos seus partidários da extrema-direita
Em tempos normais, os principais deu força aos militantes mais extremis-
assessores de segurança na nova ad- tas do Partido Republicano, do qual é
ministração estariam concentrados em o líder: o ataque ao Capitólio esbateu
terríveis ameaças externas, como o ter- as barreiras que antes separavam os
rorismo transnacional, a ciberespiona- típicos conservadores de grupos de
gem chinesa ou a proliferação nuclear milicianos, como os Proud Boys, os
norte-coreana. Só que, atualmente, o Oath Keepers e os Three Percenters.
maior perigo está dentro de casa. Cho- “Este novo fenómeno que tem vindo
cado com o ataque ao Capitólio, em a emergir é particularmente perigoso:
Washington, no dia 6 de janeiro, Biden as soccer moms [mulheres suburba-
pediu aos principais conselheiros que nas] e os Joe Blow Citizens [cidadãos
fizessem o que outras administrações comuns] aparecem juntos nos mesmos
jamais tentaram: redirecionar a rede comícios e participam nas mesmas
de agências de segurança dos EUA atividades que os grupos supremacis-
para ajudar a combater o extremismo tas brancos e milicianos extremistas”,
interno. anota Daryl Johnson, antigo analista
Avril Haines, a nova diretora dos do DHS, autor de um relatório que,
serviços de informação [National Inte- em 2009, alertava para a ascensão
lligence], está a cooperar com o FBI e o da extrema-direita. “Estamos a ver o
DHS para avaliar o nível de ameaça. Os elemento criminoso e violento a mis-
quatro membros de um novo gabinete turar-se com o elemento cumpridor da
no Conselho de Segurança Nacional lei, sob o disfarce da Primeira Emenda
(NSC) comprometeram-se a, num [da Constituição dos EUA].”
prazo de dez dias, entender melhor e a Em janeiro, quase quatro em cada
resolver este problema. O gabinete está dez republicanos diziam que a violên-
a recolher dados sobre crimes e estra- cia poderia ser necessária “se os líde-
tégias de recrutamento, reunindo-se res eleitos não protegessem os EUA”,
semanalmente por videoconferência segundo uma sondagem. As ameaças
com antigos agentes federais, acadé- contra políticos e dirigentes locais
micos e grupos de advocacia. Fala-se tornaram-se um lugar-comum, e os
em expandir as delegações do FBI e em analistas que, há décadas, estudam os
reforçar o financiamento de programas grupos marginais da extrema-direita
que reabilitem antigos supremacistas avisam que as suas fileiras deverão
brancos violentos e neonazis. engrossar ainda mais, durante a ad-
A urgência já era evidente muito ministração Biden.
antes da insurreição no Capitólio. Du- É uma tarefa assustadora, esta da
rante três décadas, os EUA sofreram equipa de Biden: confrontar uma das

18 MARÇO 2021 VISÃO 63


maiores ameaças desde a guerra civil
(1861-1865) sem provocar uma cri-
se política ou infringir as liberdades
cívicas dos norte-americanos. Há es-
cassos dados e ainda menos dinheiro,
poucos programas para inspiração e
nenhuma solução comprovada. A apli-
cação da lei federal vê-se limitada pelas
proteções da liberdade de expressão
de que gozam os cidadãos dos EUA.
Os departamentos locais da polícia
estão, muitas vezes, mal equipados
ou não têm vontade de apurar se os
perpetradores fazem parte ou não de
organizações de extrema-direita mais
vastas. No entanto, a luta de 100 dias
que Biden iniciou para avaliar a dimen-
são do problema é indicador do quão
longe este se propagou.

COMBATER SEM REFORÇAR


O INIMIGO
O mais desafiador de tudo isto talvez
seja o facto de o combate a estes grupos
poder fortalecê-los. Qualquer ofensiva
contra a extrema-direita arrisca-se a
reforçar as suas narrativas de que o
governo os persegue ou os silencia
por motivos políticos, e isso, avisam
especialistas, poderá aumentar o seu de março, referindo que a sua agência
número. Horas depois de Biden ter tem em mãos dois mil casos de terro-
prometido, durante a sua investidu- rismo doméstico, ou seja o dobro do
ra, que iria combater o “extremismo que tinha em setembro.
político, a supremacia branca [e] o No entanto, se há uma lição que os
terrorismo doméstico”, o apresentador EUA aprenderam, depois de 30 anos
da Fox News, Tucker Carlson, adver- de tentativas falhadas para travar a
tiu os seus ouvintes. “Estamos agora ascensão do extremismo interno, é
numa nova guerra ao terror, mas é
uma guerra interna centrada no povo OS SERVIÇOS que só a aplicação da lei pela força não
basta para resolver o problema. O êxito
deste país.” Fóruns pró-Trump incen-
diaram-se com mensagens de fúria. “Se DE SEGURANÇA da administração Biden será medido
não pelo número de processos judi-
começarem a aprovar leis de merda
visando os seus opositores políticos, TÊM IMENSAS ciais instaurados contra os terroristas
internos mas, sobretudo, pelo número
devemos recorrer à violência”, escreveu
um utilizador.
FERRAMENTAS de pessoas que conseguir dissuadir a
juntarem-se ao campo da violência.
“Neste contexto, não é surpresa que PARA INVESTIGAR DAS MARGENS PARA
E LEVAR A TRIBUNAL
Biden tenha escolhido para procura-
dor-geral [equivalente a ministro da O “MAINSTREAM”

OS VIOLENTOS
Justiça] Merrick Garland, o magistrado A ameaça emana, hoje em dia, de uma
que chefiou o processo do Departa- teia emaranhada de ideologias, sejam
mento de Justiça contra os autores
do atentado bombista na Cidade de EXTREMISTAS elas de supremacistas brancos, neo-
nazis, milícias antigovernamentais e
Oklahoma, em 1995 – o mais mortífero
ato de terrorismo interno na História INTERNOS. defensores da teoria de conspiração
Qanon, movimento nascido em 2017,
dos EUA. Garland prometeu que a sua
“primeira prioridade” será punir a tur- CONTUDO, MUITAS na internet, para disseminar a ideia de
que EUA são controlados por uma ca-
ba que atacou o Capitólio. Agentes do
FBI e delegados do Ministério Público VEZES OPTAM bala de pedófilos e de canibais. Noções
que antes pertenciam às margens de
já localizaram e acusaram cerca de 300
insurretos. “O dia 6 de janeiro não foi
POR NÃO USÁ-LAS, lunáticos são, agora, parte do mains-
tream, porque redes de notícias, po-
um acontecimento isolado”, certificou ADMITEM ANTIGOS líticos e grupos de interesses ligados à

AGENTES
o diretor do FBI, Christopher Wray, direita, ao abraçarem uma postura de
ao depor perante o Congresso, em 2 nós ou eles contra as “elites liberais”,

64 VISÃO 18 MARÇO 2021


Methodist Episcopal Church [Primeira para conter estes grupos. O gabinete
Igreja Episcopal Metodista Africana], do DHS que lidava com o extremismo
em Los Angeles, e de disparar mortal- interno foi desmantelado. Foi cortado
mente sobre membros da congregação. o financiamento de programas para
“Isto foi nos anos 1990, e na altura não conter ideologias extremistas ao nível
faltavam leis para lidar com criminosos da base, incluindo um fundo de 400
terroristas”, recorda German. “Então, o mil dólares [mais de 335 mil euros]
que aconteceu, depois disto?” que se destinava ao único programa
centrado na reabilitação de radicais da
OBAMA E TRUMP direita, o Life After Hate, cofundado
Por um lado, aconteceu o 11 de Setem- por Picciolini.
bro. Depois dos ataques, o governo A combinação da retórica simpática
dedicou toda a sua força a erguer uma de Trump com a negligência federal
rede de espionagem global capaz de teve consequências óbvias. No Mi-
prevenir qualquer atentado terrorista. chigan, as medidas de confinamento
Agentes federais receberam poderes para travar a pandemia Covid-19 au-
extraordinários do Congresso para mentaram o número de filiados em
vigiar e investigar qualquer suspeito milícias antigovernamentais. Em abril
de terrorismo com a mínima ligação a de 2020, indivíduos armados tentaram
organizações estrangeiras. Entretan- entrar à força no capitólio estatual, em
to, a ameaça interna foi crescendo. O Lansing. Os Proud Boys tornaram-se
número de grupos da extrema-direita presença constante em manifestações
subiu mais de 250%, no primeiro ano por todo o estado, envergando os seus
da Presidência de Barack Obama, se- inconfundíveis polos negros com ris-
gundo uma análise do Southern Poverty cas amarelas, servindo de “guardas
Law Center. Num relatório interno de de segurança” em encontros do GOP
2009, analistas do DHS avisavam que [Grand Old Party].
a eleição do primeiro Presidente negro Em outubro, o FBI abortou um pla-
nos EUA, em conjunto com a crise eco- no de mais de uma dúzia de homens
Casa Branca Joe Biden prometeu nómica, “poderia criar um ambiente com ligações a milícias de direita, como
unir o país e, ao mesmo tempo, fértil ao recrutamento de extremistas os Wolverine Watchmen, para raptar
“derrotar” a supremacia branca de direita”. Quando uma fuga de infor- e matar a governadora do Michigan, a
e o terrorismo interno. Qual será mação revelou o documento, seguiu- democrata Gretchen Whitmer, crítica
a tarefa mais difícil? -se um coro de protestos por parte de de Donald Trump. Estes grupos “en-
conservadores que objetaram o uso do trelaçavam-se, até certo ponto, com a
termo “extremismo de direita”. Respon- atividade do GOP”, garante a congres-
têm vindo a empolar cada vez mais as sáveis do DHS sentiram-se obrigados sista Melissa Slotkin, democrata do
narrativas dos nacionalistas brancos. a retratar-se. A contestação, realçam Michigan, cujo distrito inclui Lansing.
Poucos operacionais de segurança analistas do DHS, ilustra bem o desa- “Isto estava bastante normalizado, mas
estão tão familiarizados com a pro- fio político que Biden tem pela frente. acho que as pessoas só recentemente
paganda extremista como Michael A eleição de Trump foi um divisor se deram conta disso.”
German, o antigo agente do FBI que de águas para os grupos extremistas
passou a maior parte da sua carrei- que, até à campanha de 2016, haviam COMBATE ÀS CEGAS
ra na clandestinidade, infiltrado em sido renegados, inequivocamente, Os serviços de segurança têm imensas
grupos de extrema-direita. Em 1992, pelos candidatos nacionais. Trump, ferramentas para investigar e levar a
ao investigar burlas com empréstimos o Presidente, partilhava tweets de se- tribunal os violentos extremistas inter-
e poupanças, no field office do FBI em guidores radicais e, em 2017, no que nos. Contudo, muitas vezes optam por
Los Angeles, German ia a passar pelo foi considerado uma infâmia, des- não usá-las, admitem antigos agentes.
corredor quando um colega se virou creveu como very fine people [muito Quando alguém pinta com spray uma
para ele e lhe disse: “Oi, tu tens cabelo boa gente] os neofascistas, neonazis, cruz suástica numa sinagoga, polícias
louro e olhos azuis. Podias ser um nazi.” simpatizantes do Ku Klux Klan e da locais tendem a classificar o crime
German alinhou, deixou crescer Confederação, milicianos e outros como vandalismo, em vez de provarem
o cabelo e tornou-se amigo de um que participaram no comício Unite que os perpetradores têm ligações a
círculo de neonazis em fúria com os the Right (Unir a Direita), em Charlo- grupos de ódio.
tumultos e pilhagens que se seguiram ttesville/Virgínia. Antes das eleições de Só 14% dos cerca das 15 600 agên-
ao brutal espancamento pela Polícia 2020, durante um debate presidencial, cias da Polícia local e estadual envol-
do ativista negro Rodney King, em 3 Trump aconselhou também os Proud vidas no programa do FBI Uniform
de março de 1991. German passou 14 Boys a stand back and stand by [re- Crime Reporting têm denunciado os
meses neste caso que levou à prisão cuar e aguardar], o que lhes deu força crimes de ódio. A maioria nada repor-
oito suspeitos que tinham armazenado e gerou um grito de guerra na direita. ta. Sem dados fiáveis que cataloguem
explosivos e armas automáticas, com Ao mesmo tempo, a administra- a ameaça, é impossível alocar fontes
intenção de levar a cabo um ataque ção Trump foi privando o governo para lutar contra ela. “Neste momento,
bombista, destruindo a First African dos muitos já limitados instrumentos é um combate às cegas, se é que estão

18 MARÇO 2021 VISÃO 65


a combater”, lamenta German.
As locais e estaduais forças da lei
e da ordem estão frequentemente
mal equipadas ou não lhes apetece
responder aos crimes extremistas, o
que facilitaria pistas e investigações.
(O Departamento de Justiça também
não inquire se os autores de crimes
de ódio integram grupos extremistas
internos de maior dimensão quando
remete investigações para as agências
de segurança locais. Em 2019, o FBI
informou que 80% dos seus agentes de
contraterrorismo no terreno estavam
encarregados de casos de terrorismo
internacional e que só 20% trabalha-
vam em casos internos.)
Mesmo quando as autoridades lo-
cais sinalizam uma possível conspira-
ção da extrema-direita, os federais ra-
ramente assumem a condução do caso.
Em 2019, um estudo divulgado pelo
centro de investigação Transactional
Records Access Clearinghous/TRAC),
da Universidade de Syracuse, em Nova
Iorque, indicava que, na última década,
houve quase duas mil vezes mais casos
de crimes de ódio encaminhados para
as autoridades federais. Só 15%, porém,
resultaram em processos judiciais.
Perante este dilema, muitos no Con-
gresso apelam para que seja aprovada
legislação que criminalize formalmente
o terrorismo interno, iniciativa que Ameaça Nunca foi tão fácil recrutar antigo diretor de política de ciberse-
Biden apoiou durante a sua campanha extremistas. As redes sociais gurança estratégica, no Departamento
eleitoral. Defensores das liberdades deixaram milhões a um clique de de Defesa, e atual chefe de estratégia da
cívicas rejeitam, todavia, esta ideia, distância das ideias radicais e das empresa de cibersegurança AttackIQ.
receando que dar mais poder a um sis- bizarras teorias de conspiração, “Se não aproveitarmos este momento
tema quebrado só agravará a situação. como se viu no assalto ao Capitólio para examinar o extremismo online e
Numa carta ao Congresso, datada de 19 o que aconteceu ao nosso país, então
de janeiro, a American Civil Liberties algo muito pior acontecerá.”
Union (ACLU) e outros 150 grupos – membros de grupos religiosos, fa- Tudo isto faz com que os 100 dias
alertaram para o facto de que uma lei mílias que viajaram juntas e “crentes estipulados por Biden para avaliar a
de contraterrorismo interno poderá ser inspirados”, como o estudo os desig- ameaça da extrema-direita e conceber
um atentado aos direitos consagrados nou – o que mostra como a fé na ex- um plano para contê-la sejam um ca-
na Primeira Emenda e de que poderá trema-direita se propagou e se tornou lendário muito ambicioso. Uma coisa
ser usada para visar, preferencialmente, mainstream. é certa, a luta contra o extremismo in-
pessoas de cor e de outras comunida- Especialistas recomendam que a terno será um tema definidor para um
des marginalizadas. Casa Branca comece a aplicar iniciati- Presidente que assumiu ter concorrido
vas de base comunitária, como as que à Casa Branca por causa do que suce-
IDENTIFICAÇÃO DIFÍCIL foram adotadas na Alemanha e noutros deu em Charlottesville e cuja tomada
A composição da turba que atacou o países da Europa – a colaboração com de posse foi ofuscada pela invasão do
Capitólio poderá ser o maior problema. organizações de bairro no combate à Capitólio. Joe Biden prometeu unir o
Embora o Congresso se tenha preocu- desinformação e ao radicalismo. Le- país e, ao mesmo tempo, “derrotar”
pado com os grupos de supremacistas gisladores democratas e republicanos a supremacia branca e o terrorismo
brancos e de milicianos, estas fações apresentaram propostas de lei no interno. Se é possível realizar as duas
são representativas de poucos parti- sentido de estabelecer uma comissão coisas, isso não se sabe.
cipantes. Um estudo da Universidade bipartidária que estude o ataque ao * Com Julia Zorthian
George Washington identificou 257 Capitólio.
pessoas envolvidas na sublevação e só “Precisamos de saber quem lide-
uma pequena parte destas pertence a rou a turba até aos portões de entrada
© 2021, TIME Inc. Todos os direitos reservados.
redes militantes. Na sua maioria são [do Capitólio], para resolvermos este Traduzido da TIME Magazine
comuns cidadãos norte-americanos problema”, advoga Jonathan Reiber, e publicado com autorização da TIME Inc.

66 VISÃO 18 MARÇO 2021


A QUEDA DO
Ao darem uma entrevista onde acusam a Casa Real de racismo,
os duques de Sussex provocaram a enésima crise que a rainha Isabel II
enfrenta em quase sete décadas. Será que a monarquia britânica
e as outras espalhadas pelo mundo são um anacronismo?
FILIPE FIALHO

68 VISÃO 18 MARÇO 2021


OS TRONOS

18 MARÇO 2021 VISÃO 69


N
Não é por acaso que o Reino Unido é definido
como um país de “monárquicos moderados” e
de “republicanos reticentes”
reticentes”. A culpa éé, em larga
medida, de Elizabeth Alexandra Mary, a princesa
que, a 6 de fevereiro de 1952, com 25 anos, se
tornou rainha com o nome de Isabel II. Agora,
como há quase sete décadas, a maioria dos britâ-
nicos vê a soberana como um símbolo da maior
e mais antiga democracia do mundo e considera
que ela está longe de ser uma simples relíquia.
De acordo com a mais recente sondagem da You-
Gov, a sua popularidade está nos 72 por cento; e
mais de dois terços dos inquiridos afirmam que
O QUE PAGAM
OS SÚBDITOS
Evolução das
despesas anuais
com Isabel II e
a família real,
financiadas pelos
contribuintes
britânicos (em
milhões de euros)

41,5
46,3
2015

2016

a monarquia é a forma de regime mais apropria- 2017

48,8
da para o país, que não conhece uma república
desde que Oliver Cromwell e respetivos pares
mandaram decapitar Carlos I, em 1649. Ou
seja, os estudos de opinião, por enquanto, não
refletem a suposta crise institucional provocada
pelos duques de Sussex. No entanto, a conversa
entre a rainha das entrevistas televisivas nos EUA
(Oprah Winfrey) e o mediático casal que decidiu 2018

55,2
revoltar-se contra a Casa de Windsor e insta-
lar-se em Los Angeles, em 2020, inspira todo
o tipo de polémicas dos dois lados do Atlântico. de viver “num casamento a três” com Carlos e
Do Washington Post aos inevitáveis tabloides, a amante do marido, Camilla Parker Bowles.
sucedem-se artigos e colunas de opinião em que No meio de todos estes dramas palacianos há
se especula que este novo escândalo pode pôr em uma personagem que sai ilesa: a rainha. Após a
causa a sobrevivência da dinastia. transmissão da entrevista, a 7 de março, Oprah
Num acerto de contas familiar com porme- 2019 Winfrey afirmou que as declarações racistas

78,0
nores edipianos, Harry (neto de Isabel II e sexto sobre a cor da pele de Archie, o filho de Harry
na linha de sucessão ao trono) e a sua mulher, e de Meghan, nascido em maio de 2019, não
Meghan Markle (antiga atriz e filha de pai branco partiram da monarca, dando origem a novas
e de mãe negra), disseram que a vida de ambos especulações sobre a possível autoria de tais
no Palácio de Kensington, em Londres, nada comentários: Carlos e Camilla e, claro, os duques
tinha que ver com os contos de fadas e que fo- de Cambridge, William e Kate.
ram alvo de um tratamento racista e desumano 2020 “A ocorrência de escândalos sugere que temos

80,8
pela Casa Real. Sem nunca identificarem os um problema estrutural. Reparar as linhas de
alegados responsáveis, as duas altezas reais, que fratura é cada vez mais urgente. A rainha tem
perderam os títulos para rumarem à Califórnia e ainda um papel a desempenhar, enquanto âncora
assinarem contratos milionários com a Netflix e da estabilidade nacional. Mas Isabel II, que fará
a Spotify, conseguiram recordes de audiência e 95 anos no próximo mês (...), não é imortal. (...)
impressionaram milhões de pessoas. A etiqueta Se a Firma [nome dado à trituradora máquina
#abolishthemonarchy (abolir a monarquia) tor- da monarquia] não souber adaptar-se, estará
nou-se um tema de discussão nas redes sociais condenada (...) a um final potencialmente infe-
e não faltaram sequer as comparações com as liz”, advertiu o Financial Times, num editorial
confidências feitas por Diana, em 1995, à BBC, em que se faz também uma referência cirúrgica

70 VISÃO 18 MARÇO 2021


Morgan [jornalista que tem por hábito destratar
Meghan Markle] e colocar toda a redação do
Daily Mail no cadafalso. Como esses tempos já
lá vão, ele vinga-se a partir de uma mansão em
Beverly Hills e através de um grande espetáculo
televisivo.” De forma bem mais sóbria, não falta
quem também relativize o impacto das denún-
cias dos duques de Sussex: “O que a entrevista

MARWAN NAAMANI/GETTY IMAGES


demonstrou foi que a instituição monárquica,
simultaneamente tão fascinante e opaca, é avessa
à mudança e depende do respeito da sociedade
para continuar a existir”, escreveu na revista
GETTY IMAGES

Prospect o historiador Alexander Larman. Uma


sua colega de profissão, Catherine Haddon, afina
pelo mesmo tom, alegando que as queixas de
Harry e Meghan são mais um episódio – real –
Famílias da série The Crown e identificando aquele que
disfuncionais será o grande teste à monarquia: “a sucessão”.
Em Espanha, Felipe VI Isabel II continua a exibir uma saúde de
não quer que o seu pai ferro, nunca deu qualquer sinal de interesse –
regresse a Madrid. No ou vontade – de abdicar para o seu filho mais
Dubai, o emir velho e está a dois anos e três meses de igualar
(de amarelo) é Luís XIV (o “Rei Sol” que governou França entre
acusado de ter
1643 e 1715), entrando para o Guinness e para a
sequestrado duas
História como a monarca que mais tempo se
filhas, e uma das suas
seis mulheres fugiu
manteve no trono. O príncipe Carlos, por seu
para Londres. turno, mantém-se como o eterno pretendente à
Na Tailândia, o rei coroa e já por diversas vezes terá dito que aguar-
é cada vez mais da a morte da mãe para se “sentir vivo”. Algo que
contestado dificilmente poderia ouvir-se a um príncipe da
Escandinávia ou da Península Arábica. E por
razões bem diferentes.

VÍCIOS PÚBLICOS E PRIVADOS


As monarquias absolutas do Golfo Pérsico são
um exemplo de como, em pleno século XXI, há
GETTY IMAGES

famílias cujo nome se confunde com os países


AS ILHAS que governam. Os Al Saud mandam há quase
três séculos naquilo que é hoje a Arábia Saudita

ao filho favorito da rainha: o príncipe André. Na BRITÂNICAS e o reino é agora liderado pelo polémico prín-
cipe herdeiro Mohammed bin Salman, que se
primeira metade dos anos 90, o casamento do
também duque de Iorque com Sarah Ferguson
NÃO TÊM aproveitou da debilitada saúde do seu pai (o rei
Salman) para impor uma agenda dita reformista
fez as delícias da imprensa de mexericos. Depois UMA que passa por projetos faraónicos e a eliminação

REPÚBLICA
do divórcio, já como embaixador especial da Co- de qualquer dissidência – a CIA e a Administra-
roa, continuou a alimentar manchetes por jogar ção Biden consideram-no o responsável pelo as-

DESDE QUE
golfe à borla nos cinco cantos do planeta e pelos sassínio do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018.
seus negócios obscuros com ditadores; e, em Nos Emirados Árabes Unidos, os atropelos
maio, foi sumariamente afastado de quaisquer
funções oficiais devido à sua amizade de longa OLIVER aos Direitos Humanos não são tão óbvios, mas
a democracia continua a ser uma miragem. O
data com Jeffrey Epstein, o milionário pedófilo
que se suicidou na prisão, em 2019, e em cujas CROMWELL emir do Dubai, que é também primeiro-minis-
tro do país, não gosta de ser contrariado nem
festas André participava com frequência.
Na revista digital UnHerd, Will Lloyd desdra- MANDOU em casa. Com mais de 30 filhos e seis esposas,
é suspeito do sequestro de duas princesas e de
matiza o atual momento da família real britânica
e garante que Sua Majestade e respetiva prole
CORTAR ter tentado fazer o mesmo à mulher com quem
se casou em 2004, a princesa jordana Haya bint
saem sempre a ganhar: “A monarquia é uma for-
ma de entretenimento (...) para os súbditos terem
A CABEÇA Hussein, que se exilou em Londres e recorreu
à justiça britânica para garantir a sua proteção.
sempre escândalos, fofocas e anedotas. (...) Harry AO REI Mais a sul, na Tailândia, o rei Rama X passa

CARLOS I,
odeia o pai profundamente. (...) Se estivéssemos mais tempo no seu palacete bávaro (na Alema-
no século XIV, ele estaria em França, a conspirar nha) do que em Banguecoque. E os protestos

EM 1649
e a constituir um exército que viesse até Ingla- pró-democracia, contra as arbitrariedades dos
terra para se apoderar do trono, torturar Piers militares e os affairs do monarca, continuam

18 MARÇO 2021 VISÃO 71


O avanço republicano
Em 1914, no início da Primeira Guerra Mundial, a Europa tinha apenas quatro repúblicas (Portugal, França,
Suíça e San Marino), rodeadas por monarquias e impérios. Atualmente, no Velho Continente e no resto do mundo já
só existem 44 países cujo Chefe de Estado é um monarca - com a particularidade de Isabel II ser a rainha
de 16 deles (e a partir de novembro serão 15, porque Barbados, nas Caraíbas, vai passar a ter um Presidente eleito)

EUROPA EM 1914 HOJE Monarquias Repúblicas

Islândia Finlândia
Islândia Finlândia

Suécia Suécia

Noruega
Noruega
Est.
Rússia
Dinamarca Império Russo Dinamarca Let.
Países Baixos Lit.
Irlanda Países Baixos
Bélgica Irlanda Bielorrússia
Reino Reino Bélgica
Unido Império Unido Polónia
Alemão Alemanha Ucrânia
Luxemburgo Luxemburgo
Rep. Checa Moldávia
Império Esl.
Austro-Húngaro Áust. Hungria
Suíça Suíça Roménia
França França
Roménia
San Marino Itália Bósn. Sérv.
Sérvia Bulgária Bulgária
Itália Croá.
Mac.
Espanha Império Otomano Espanha Turquia

Portugal Grécia
Portugal Grécia
Montenegro Albânia Montenegro Albânia
INFOGRAFIA MT/VISÃO

sem surtir os efeitos desejados: no ano passado, génito, Felipe VI: o seu estilo de vida, as suas pai-
23 pessoas foram condenadas pelo crime de le- xões por figuras como Corinna Larsen e os seus
sa-majestade e, em janeiro, uma ex-funcionária negócios das arábias constituíam uma ameaça
pública, sexagenária, recebeu uma sentença de para o regime criado em 1975, após a morte do
43 anos por partilhar vídeos considerados difa- ditador Francisco Franco. Como escreveu José
matórios para a família real. Antonio Zarzalejos (monárquico assumido e
No extremo oposto, as monarquias da Europa
do Norte aparecem invariavelmente no topo de JUAN ex-diretor do diário ABC) no seu mais recente
livro, Juan Carlos sucumbiu à “avareza, à pro-
todos os rankings de democracia e qualidade
de vida. “Tenho a certeza de que se houvesse CARLOS, miscuidade e à prepotência”.
Na opinião de Filipe Vasconcelos Romão,
referendos para a implantação de repúblicas
na Escandinávia, mais de 85% das populações
COMO SE investigador do ISCTE, a democracia espanho-
la nasce de um “pecado original”: “A escolha
iriam votar contra”, afirma à VISÃO Hélder ESCREVE de Juan Carlos para liderar o reino é feita por

NUM LIVRO
Fernandes, jornalista português que vive na re- Franco. Apesar da Constituição de 1978 e do
gião desde 1988. No seu entender, as dinastias papel do monarca contra o golpe de 23 de fe-
nórdicas também têm escândalos e polémicas,
mas a monarquia é vista como um instrumento RECÉM- vereiro de 1981, ele sempre teve de enfrentar
essa aparente falta de legitimidade que depois
essencial à coesão nacional. E dá como exemplo o
namoro da princesa Marta Luísa da Noruega, de -LANÇADO se agudizou nos últimos anos. As franjas radicais
do espetro político continuam a aproveitar-se. A
49 anos e quarta na linha de sucessão ao trono, EM ESPANHA, esquerda e os nacionalistas instrumentalizam a

SUCUMBIU
a qual se envolveu com um guru californiano, questão republicana e a extrema-direita defende
dado às ciências do oculto (Durek Verrett): “As a monarquia, com prejuízo da própria Casa Real.”
pessoas acham que ela tem todo o direito de
viver com o bruxo. Encaram o caso como uma À “AVAREZA, Um autêntico berbicacho que, segundo Xavier
de Xaxàs, jornalista do diário La Vanguardia,
curiosidade, um fait divers que só a ela pode
envergonhar – ou não!” À PROMIS- só o futuro pode resolver: “Nem Espanha, nem
o Reino Unido, nem o resto das monarquias
Em Espanha e durante quase quatro déca-
das, acreditou-se que Juan Carlos I era o “rei
CUIDADE europeias têm a autoconfiança suficiente para
viver sem coroa. Os reis, no entanto, já morre-
das grandes virtudes públicas”, a quem se podia E À PREPO- ram. Só Isabel II e Felipe VI sobrevivem (...) mas

TÊNCIA”
“perdoar os vícios privados”. Só que em 2014, o também eles entraram no nevoeiro das tragédias
monarca teve de abdicar a favor do seu primo- shakespearianas.” ffialho@visao.pt

72 VISÃO 18 MARÇO 2021


FOCAR

ELEIÇÕES INTERNAS

“Nada é PAN
constante, neste
mundo, exceto a
inconstância” Mais do que
Jonathan Swift
Escritor anglo-irlandês
(1667-1745)
um castelo
de cartas?
Passaram-se mais de seis anos
desde que André Silva assumiu
a liderança do PAN. Na hora
da saída, deixa um partido André
Silva
amadurecido para o exterior, mas
cheio de contradições internas
R I TA R AT O N U N E S

Cristina
Rodrigues

Francisco
Guerreiro

74 VISÃO 18 MARÇO 2021


Equilíbrio difícil André Silva foi o
primeiro deputado do PAN. Esteve
quatro anos na AR, sozinho, e é a cara
mais conhecida do partido. Quem o

A
substituirá na estrrutura da pirâmide?

ndré Silva concretizou uma


ameaça que já tinha feito
ecoar dentro do partido al-
Nelson gumas vezes e vai deixar, em
Silva junho, quer a liderança do
PAN (partido Pessoas-Ani-
mais-Natureza) quer o seu
lugar como deputado na As-
sembleia da República. Pai
há cinco meses, considerou,
numa mensagem enviada
aos filiados no partido, que
deve “apanhar o comboio da paternidade
para materializar valores essenciais nas
esferas privada e pública”: dedicar-se à
família e não se eternizar em cargos po-
líticos. Não vai recandidatar-se no Con-
gresso do PAN, a 5 e 6 de junho, e no dia
seguinte deixa o Parlamento. Em reação,
não faltaram agradecimentos oficiais da
família PAN, mas, dentro do partido, fon-
tes ouvidas pela VISÃO garantem que o
anúncio não foi um choque. André Silva
estava fragilizado.
A primeira vez que o ouviram dizer
que queria demitir-se das responsabi-
lidades dentro do partido foi em 2015;
ano em que o PAN alcança, nas eleições
legislativas, 55 170 votos (1,39%) e elege
o próprio André Silva como deputado.
Estava há três anos dentro do partido
e era o porta-voz nacional desde 2014.
Depois das legislativas, chegou mesmo a
escrever a carta de demissão e deu-a a ler
a membros da Comissão Política Nacional
(CPN). Em causa estariam divergências
com elementos da delegação do Norte,
entre estes, um dirigente da CPN, que se
mantém no cargo.
O conflito não terá sido ultrapassado
e a relação entre os dois grandes centros
de poder do partido – a delegação de
Lisboa e a do Norte – é tensa. O Norte
reclama mais poder, mas este permane-
ce centralizado sobretudo no grupo da
Assembleia da República, de onde vem
a maioria das propostas do PAN, que,
embora analisadas pela CPN, são quase
sempre aprovadas. Apesar do mal-estar,
a demissão do, na altura, deputado único,
iria em contracorrente com o crescimento
do partido, que começou por ser olhado
de lado, no Parlamento, e considerado
radical e impreparado, mas que passou a
ser uma peça central para fazer aprovar,
por exemplo, o Orçamento do Estado.
André Silva, que se estreou no Parla-
mento aos 39 anos, aguentou as análises
mediáticas a um discurso ainda em cons-
Inês trução e que cobria poucas áreas gover-
Sousa Real namentais, as ironias de outros deputados

18 MARÇO 2021 VISÃO 75


ELEIÇÕES INTERNAS

Debandada No verão de 2020,


em apenas dez dias, deixaram
o partido sete elementos com
cargos, incluindo a deputada
Cristina Rodrigues e o
eurodeputado Francisco Guerreiro

quando se levantava sozinho para falar


sobre touradas ou caça e até a polémica li-
gação entre a deputada Cristina Rodrigues
(eleita em 2019 e atualmente deputada não
inscrita no Parlamento por ter deixado
o PAN) e o grupo Intervenção e Resgate
Animal (IRA), que age à margem da lei em
ações de resgate de animais. André Silva
conseguiu também aprovar na Assembleia
da República medidas como o estatuto
jurídico dos animais, a criminalização dos
maus-tratos nos canis, a opção vegetariana
nas escolas. Mas as suas fragilidades não
diminuíram com o tempo. Pelo contrário.
No verão do ano passado, o PAN foi
acusado de ter contratado assessores com
falsos recibos verdes durante a anterior
legislatura, esquema negado por André RESULTADOS PAN num clima de pouca abertura para ouvir
ideias diferentes.
Silva. Já em fevereiro deste ano, o depu- André Silva sacudiu as responsabilida-
tado foi alvo de uma crítica pública por LEGISLATIVAS des e, quando perdeu sete elementos (que
parte de três dos fundadores do partido, 2011 exerciam cargos) no espaço de dez dias,
que começou a ser criado em maio de
2009 ainda com o nome Partido Pelos
57 995 VOTOS lembrou que todos os partidos políticos
têm este tipo de problemas, acrescen-
(1,04%)
Animais e evoluiu para a atual designação tando que estas pessoas “optaram pelo
em 2011. Numa carta aberta, diziam que o 2015 caminho mais fácil da saída e da acusação,
líder desvirtuou a matriz do partido, que 75 170 não reconhecendo nunca as suas respon-
deveria ser uma força política centrada (1,39%) sabilidades”.
na luta pelo bem-estar dos animais, da Um deputado eleito (André Silva) A ex-deputada do PAN Cristina Ro-
Natureza e um partido de oposição, o que, drigues fala à VISÃO num capítulo encer-
segundo os três primeiros membros do 2019 rado, sem deixar de recordar que, “num
PAN, não poderia incluir o apoio formal 173 931 curto espaço de tempo, saíram várias
à candidatura da socialista Ana Gomes às (3,49%) pessoas do partido e que toda a equipa do
presidenciais de 2021. Não foram os úni- Quatro deputados eleitos (André PAN da legislatura passada deixou a AR.
cos a ver com maus olhos o rumo do PAN, Silva, Bebiana Cunha, Inês de Sou- Não há uma aprendizagem, uma conti-
que, no último ano, viu desfiliarem-se sa Real e Cristina Rodrigues) nuidade. Para não falar nas desfiliações
vários membros, alguns escolhidos para constantes. Isto só demonstra que há uma
ocupar lugares de destaque. AUTÁRQUICAS grande instabilidade dentro do partido”.
2013 Tanto Cristina Rodrigues como o euro-
SAÍDAS CONSTANTES 16 233 deputado Francisco Guerreiro não acre-
Entre os desiludidos encontra-se o euro- ditam que haja mudanças estruturais com
deputado Francisco Guerreiro, o primeiro 2017 a saída de André Silva do Parlamento e da
eleito do PAN para Bruxelas, em 2019, 55 921 direção. “A saída de André Silva não vai
com 168 015 votos (5,46%), que optou por (1,08%) mudar o centralismo, a falta de abertura a
permanecer no lugar como independente, ideias diferentes, a falta de mecanismos de
depois de deixar o partido. Também a sua EUROPEIAS transparência, o afastamento dos progra-
mulher, a deputada municipal de Cascais mas definidos e da linha ideológica inicial
2015
Sandra Marques, saiu; tal como o líder face a uma maior aproximação ao PS”, diz
regional madeirense, João Freitas, que 56 441 Francisco Guerreiro, que apresenta como
(1,72%)
arrastou consigo toda a sua comissão po- exemplo uma moção, aprovada no último
lítica. Na Assembleia da República, onde 2019 congresso, para criar grupos de trabalho
o partido tinha quatro deputados, saíram 168 015 dentro do partido, mas que “ainda nem
Cristina Rodrigues e dois chefes de gabi- (5,46%) sequer foram regulamentados. Há pessoas
nete consecutivos. Todos se mostraram Eleito um deputado (Francisco que querem contribuir com ideias e não
em rota de colisão com a direção e falam Guerreiro) são ouvidas”.

76 VISÃO 18 MARÇO 2021


OPINIÃO

Três “temas”
P O R J O S É C A R L O S D E VA S C O N C E L O S

A
UTÁRQUICAS A candidatura de cinco milhões; b) o não estar provado
Carlos Moedas à câmara de o “nexo de causalidade” entre a vacina-
Lisboa é uma boa notícia. E ção e tais coágulos – questiono-me se
não só para o PSD. Porque é isso não será prudência a mais e razão
de toda a conveniência, para a menos... Por os governos e outros
os concelhos, o País e a de- decisores considerarem correr menos
mocracia, haver bons candi- riscos com tal excesso do que fazendo
datos capazes – para haver na minha ótica o mais adequado: espe-
bons autarcas. Candidatos como rar pela recomendação a tal propósito
Moedas, com um perfil de compe- que a OMS fará nesta quinta-feira, 18,
tência e não agressividade política, com base científica, a partir de dados
além de currículo. Aliás, também em recolhidos em todo o mundo.
Coimbra o PSD de Rui Rio terá um A suspensão, além de atrasar a va-
cabeça de lista de peso, José Manuel cinação em curso, teve/tem ainda o
Silva, ex-bastonário da Ordem dos demérito de amedrontar quem já a
D.R.

Médicos e cujo movimento, Somos tomou, ou quem iria e, por isso, deixa
Coimbra, elegeu dois vereadores em de ir; ou até de fazer recear de todas as
OS SUBSTITUTOS 2017. Se a isto acrescentarmos, nas vacinas. Qualquer medicamento pode
O lugar do deputado já se sabe que fica duas cidades como noutros locais, ter efeitos secundários – quem ler cer-
para Nelson Silva, 35 anos, programador as coligações do PSD com o CDS e tas “bulas” e for muito temeroso já nem
informático. Foi ele, aliás, quem substi- outros acordos, torna-se evidente um o toma... E, para mais numa pandemia,
tuiu André Silva no Parlamento durante o efetivo potencial de vitória. impõe-se ponderar: se há o “perigo” de
tempo da licença de paternidade. Nelson Sendo assim, o que 0,00 XX dos vacinados
Silva, licenciado em Estudos Europeus, fará o PS? Creio óbvio sofrerem certas conse-
filiou-se no PAN em 2017, ano em que que devia (tentar) fazer Se em Lisboa, quências, não poderão
foi eleito para a Assembleia Municipal de também coligações ou quando de ser muito mais graves
Odivelas, e é também um dos membros da acordos. De imediato costas voltadas, as consequências de só
Comissão Política Nacional. No currículo, pelo menos em Lisboa e se vacinarem mais tarde
tem uma passagem pela Comissão Polí- com o PCP – dado que PS e PCP se milhões de pessoas que
tica da Distrital de Lisboa. Identifica-se o BE já anunciou a sua entenderam estavam para ser vaci-
com o estilo de André Silva e quer dar candidata e parece não para conquistar nadas e não foram?
continuidade ao seu trabalho. “Eu par- saber ou querer inter-
tilho da visão que o André deixou e são pretar o significado do a câmara, será EUTANÁSIA Compreende-
essas causas que continuarei a defender seu resultado nas pre- um enorme -se a decisão do TC na
à minha maneira”, promete. Quanto à sidenciais. Se em Lis- erro político restrita parte em que
liderança do partido, ainda é cedo para boa, quando estavam considerou inconstitu-
apontar nomes. “Estamos a processar a de costas voltadas, PS e
agora não cional a lei, em confor-
saída do André”, diz Nelson Silva. Mas as PCP se conseguiram en- fazerem nada midade com o exposto
fontes ouvidas pela VISÃO acreditam que tender para conquistar nesse sentido por Marcelo ao enviá-la
esta ficará entre as duas deputadas: Inês a câmara, será incom- para apreciação preven-
Sousa Real (líder do grupo parlamentar) e preensível e um enorme tiva por ter conceitos
Bebiana Cunha. Para já, apenas Inês Sousa erro político, 32 anos e um acordo de “indeterminados”. Porém, mais impor-
Real admitiu essa hipótese: “Naturalmente governo depois, não fazerem nada em tante, do acórdão resulta estar votado
que, atendendo às responsabilidades que conjunto nesse sentido. ao insucesso um pedido de fiscalização
assumo no partido, não me excluo desta sucessiva, com base na violação do di-
reflexão. Oportunamente, as candidaturas A VACINA DA ASTRAZENECA A suspensão da reito à vida. Quanto à indeterminação,
à Comissão Nacional serão conhecidas”, administração da vacina da AstraZene- considerada inconstitucional, de um
diz-nos, sem adiantar mais. André Silva ca, na sequência de casos de formação pressuposto exigido na lei – “lesão
deixa um partido fraturado, que enfren- de coágulos em pessoas que a rece- definitiva de gravidade extrema de
tará um teste importante, em junho, para beram, é uma compreensível medida acordo com o consenso científico” –,
saber quem vai substituir o líder que levou prudencial. Mas será a mais ajustada? não creio possível encontrar para ele
o PAN de um partido ridicularizado na Tendo em conta: a) a ínfima percenta- uma formulação clara e rigorosa como
Assembleia da República a um partido que gem de pessoas vacinadas em que ocor- o TC quer. Por isso, o caminho tem de
representa entre 3% e 4% das intenções reram esses casos, na Europa 30 em ser outro. visao@visao.pt
de voto nas sondagens. visao@visao.pt

18 MARÇO 2021 VISÃO 77


Polémica Observatório
europeu lançou abaixo-
DIPLOMACIA -assinado a pedir a Costa que
se acabe com presidências
patrocinadas por marcas

Patrocínios da
presidência portuguesa
causam mal-estar Portugal alvo de abaixo-
-assinado por resgatar prática de
lideranças rotativas em Bruxelas
sob a chancela de grandes empresas.
Gastos de Lisboa cimentam imagem
despesista e avessa à ética
NUNO MIGUEL ROPIO

D
iversos feitos ainda podem depois de a secretária de Estado dos desconforto com a reposição de uma
vir a ser conquistados pela Assuntos Europeus, Ana Paula Zacarias, prática que parecia que seria extinta.
liderança portuguesa do Con- se ter apresentado na Comissão de As- Para Freund, “a Presidência do Con-
selho da União Europeia (UE), suntos Constitucionais ao lado de quatro selho não é um Campeonato do Mundo
nos três meses e meio que garrafas de águas e sumos de uma mul- FIFA, que deva ser utilizado como pla-
ainda tem pela frente. Porém, tinacional portuguesa que, a par de uma taforma de publicidade”. Além disso,
de um desaire já não se livra: transformadora de pasta de papel e de diz à VISÃO, “trata-se de criar políticas
o de ter a imagem de Lisboa uma empresa cafeeira, é patrocinadora responsáveis para mais de 400 milhões
colada ao regresso do pa- da atual gestão semestral – que arrancou de pessoas. A associação de marcas e
trocínio privado de grandes a 1 de janeiro e termina a 30 de junho. logótipos à sua missão política criará
marcas às presidências rotativas, após a “Se a presidência portuguesa manti- a impressão de que poderá favorecer
Alemanha deixar cair, no ano passado, ver os produtos dos seus patrocinadores o interesse de alguma corporação”. Até
essa prática com mais de 15 anos – já em reuniões oficiais, deveremos colocar porque as empresas podem chegar ao
criticada pela Provedora de Justiça Eu- no ecrã das transmissões um ‘aviso’ com ponto de assumir o pagamento de alguns
ropeia e na mira das organizações não exclusão de responsabilidade”, avisa Da- custos relativos às presidências.
governamentais (ONG) anticorrupção. niel Freund, eurodeputado alemão da Apesar de uma denúncia da Foodwat-
Um abaixo-assinado dirigido a An- bancada dos Verdes/Aliança Livre, que ch – grupo de defesa europeu dos direi-
tónio Costa, contra aquilo que é visto confrontou Zacarias com o tal cenário tos do consumidor –, em julho de 2019,
como um retrocesso relativamente aos na referida comissão, a 27 de janeiro. A contra a polémica presidência romena,
seis meses da presidência alemã, está a representante do Governo evitou tocar patrocinada pela Coca-Cola, Renault
ser organizado a partir do coração da diretamente no assunto, embora reco- e Mercedes, a Provedora de Justiça da
Europa, pelo Observatório Corporativo nhecendo a necessidade de aperfeiçoar UE, Emily O’Reilly, não exigiu logo ao
Europeu (CEO, na sigla inglesa), grupo as linhas que guiam o lóbi em Bruxelas. Conselho Europeu explicações sobre
que se bate contra a influência das em- Desde então, aquele vice-presidente do este procedimento. No caso da Roménia,
presas e do lóbi industrial na construção Intergrupo Parlamentar Anticorrupção, a Coca-Cola ofereceu mobiliário e 140
das leis comunitárias. E do Parlamento responsável pelo controlo da transpa- mil litros em bebidas, numa altura em
Europeu (PE) partem mais avisos à na- rência e integridade nas instituições se afinava o Regulamento Europeu de
vegação portuguesa, principalmente europeias, tem sido a voz mais ativa do Informação Alimentar.

78 VISÃO 18 MARÇO 2021


D.R.
Publicidade Ana Paula Zacarias
criticada pela panóplia de litico expor as despesas da presidência
sumos e águas nacionais que fez portuguesa. O jornal digital europeu
questão de ter numa comissão fixou-se apenas nos gastos que não in-
cluíssem as habituais contratações das
gestões rotativas, comparando-os com
os dos semestres anteriores. E acabou
em setembro, num relatório, criticou por identificar milhares de euros em
este financiamento, por fragilizar a re- equipamentos – entre eles, um centro de
putação da UE aos olhos dos cidadãos. imprensa pouco usado –, bebidas e rou-
Nem um mês depois, o Parlamento pas, contratados no início do mandato,
Europeu aprovou uma recomendação quando os Estados-membros estavam
contra este hábito. à beira ou já em confinamento.
Segundo Susana Coroado, presi- O Governo de Costa alegou que o
MARCOS BORGA

dente da associação Transparência e plano traçado não se verificou devido à


Integridade em Portugal, que integra pandemia. Susana Coroado contrapõe:
a rede internacional com o mesmo “Não há uma racionalização da despesa
nome, “várias ONG entregaram uma e continuamos a apostar na técnica da
O pedido de esclarecimento só sur- carta à presidência portuguesa, pedin- promoção turística. Portugal insistiu
giu no verão de 2020, quando a gestão do que não fossem aceites patrocínios”. em trazer a Lisboa os representantes
croata – surpreendida pela pandemia no Depois, “essa carta foi ignorada e, por europeus, para reuniões presenciais que
início do seu mandato – contava com isso, olhamos a atuação de Portugal com podiam ser feitas à distância: uns acaba-
o apoio da sua petrolífera nacional, e muito desapontamento, porque perdeu ram infetados e outros em quarentena. E
já após os finlandeses, na presidência a oportunidade de continuar uma boa está apostado em ter o máximo de gente
anterior, terem tido despesas pagas pela prática da Alemanha”, descreve, frisando numa cimeira no Porto. Algo que tem
BMW. O Conselho Europeu respondeu que o Conselho Europeu, ao contrário da sido alvo de ironia em Bruxelas, porque
a O’Reilly que cabe a cada Estado-mem- Comissão Europeia, não está obrigado ninguém vem para fazer turismo.” E re-
bro decidir como financiar a sua pre- a cumprir regras de transparência. Mas conhece que “o importante regulamento
sidência e “evitar qualquer conflito de “não há almoços grátis”. que obriga as multinacionais a dizer o
interesses real ou aparente”. A reação da O abaixo-assinado do CEO dirigido que ganham em cada país, que estava
Provedora de Justiça da UE foi lapidar: a Costa arrancou um dia antes de o Po- há anos na gaveta e foi desbloqueado
por Portugal, perde-se no meio desta
imagem de faltfalta de ética”.
Freund resume o desencanto
Daniel Freu
de Bruxelas cocom o País, ao sinalizar que
“enquanto milh
milhões de cidadãos e milha-
“PRESIDÊNCIA DO CONSELHOO res de empresa
empresas na Europa enfrentam o

NÃO É UM CONCURSO DE
impacto económico
econó da crise, certamente
existem maneiras
mane mais inteligentes de
BELEZA”, CRITICA DANIEL gastar o dinheiro
dinhe dos contribuintes do
que em equip
equipar centros de imprensa
FREUND, ROSTO DA vazios”. O alemão
alem é ainda mais incisivo:
“Uma Presidência
Presidên do Conselho da UE
COMISSÃO ANTICORRUPÇÃO não é um conconcurso de beleza – espe-
cialmente no meio de uma pandemia
DO PARLAMENTO EUROPEU global.” nropio@
nropio@visao.pt

18 MARÇO 2021 VISÃO 79


SAÚDE

Os detetives da pandemia
Com a estratégia de desconfinamento assente em testar em massa,
rastrear, isolar e vacinar, o inquérito epidemiológico feito pelos
rastreadores é uma missão em que todos os minutos contam.
Fomos ver como trabalham

D
SÓNIA CALHEIROS LUÍS BARRA

epois de saber que estava infe- o filho de 18 anos não o sabia fazer; uma baixo risco, mentem, omitem e tentam
tado pelo SARS-CoV-2, um jo- profissional de saúde que omitiu o con- ludibriar os rastreadores, os inquéritos
vem rapaz não aguentou estar tacto da empregada doméstica para não epidemiológicos perdem velocidade e
sozinho e organizou uma es- ficar sem a limpeza da casa; um senhor os profissionais de saúde que, na sua
pécie de Covid party, chaman- que dizia estar deitado na cama e do outro maioria, os fazem, mais os militares que
do alguns amigos lá para casa lado da linha ouviam o motor do carro a reforçam a operação desde novembro,
para lhe fazerem companhia. carburar; alguém que não atendeu o te- desperdiçam tempo precioso para fazer
Quando a duas dessas pessoas lemóvel, mas no telefone fixo o seu filho face à estratégia de desconfinamento,
o rastreador que fazia o inqué- descaiu-se dizendo que o pai não estava agora apostada em testar em massa (es-
rito epidemiológico lhes disse em casa; uma pessoa no supermercado colas, prisões e empresas), rastrear, isolar
que também teriam de ficar isoladas além (ouvia-se o ato de passar os códigos de e vacinar. Todos os minutos contam num
do tempo do infetado inicial, por terem barra na caixa), a dizer que só estava a verdadeiro “trabalho de formiguinha” em
tido proximidade desprotegida, choveram comprar lixívia para desinfetar tudo; al- busca da verdade. Só assim conseguem
impropérios ao telefone. guém que garantia que morava sozinho, encontrar a cadeia de transmissão, isolar
Relatos de discursos perturbados e mas o Registo Nacional de Utentes men- os casos e travar a disseminação do vírus.
casos insólitos não faltam no rol de histó- cionava que existia um cônjuge e filhos a Mas este não é um problema exclusivo
rias que os rastreadores têm para contar morarem na mesma casa... português. Em Inglaterra, os rastreadores
– seja uma mãe de família que mesmo De cada vez que os casos positivos, não conseguem contactar uma em cada
infetada continuava a cozinhar porque bem como os seus contactos de alto e de oito pessoas com teste positivo e 18% dos

80 VISÃO 18 MARÇO 2021


Centro de operações Relatos
de discursos perturbados e casos
insólitos não faltam no rol de
histórias que os rastreadores têm
para contar

282
Total de rastreadores
no País a tempo inteiro
(35 horas semanais)

130
Total de rastreadores na
região de Lisboa e Vale
do Tejo a tempo inteiro
que são encontrados não fornecem de- na véspera, pediram para ligar mais tar- (35 horas semanais)
talhes sobre os seus contactos próximos. de ou podem estar internadas ou até no
“Além de fazermos os telefonemas, estrangeiro – há rastreadores a dar apoio

€1 205
que não demoram cinco ou dez minutos, aos agrupamentos de centros de saúde
temos de ensinar conceitos às pessoas, na marcação da vacinação da população
como o que é estar a menos ou a mais de incluída na fase 1. Não há tempos mortos
dois metros de distância, dando exemplos e a polivalência faz-se notar numa equipa
para perceberem. Temos de perguntar se muito jovem e com formação superior.
bebeu café com o caso positivo, se usou Cada um dos 13 líderes tem uma ou mais Salário bruto dos
máscara, se partilharam casa de banho, equipas para gerir, compostas por sete rastreadores a tempo
se foram juntos fumar um cigarro, por a nove pessoas, que estão a trabalhar a inteiro, mais subsídio de
exemplo. Às vezes são estas perguntas partir de casa. alimentação, com contrato
que fazem a diferença e tudo isso demora São todos profissionais de saúde, desde a termo incerto na categoria
o seu tempo”, exemplifica Cláudia Rainha, psicólogos, nutricionistas, enfermeiros, de técnicos superiores
responsável pelo GRIS – Gabinete Regio- fisioterapeutas, farmacêuticos ou com
nal de Intervenção para a Supressão da mestrados em Saúde Pública. Para Cláudia
Covid-19 em Lisboa e Vale do Tejo, uma Rainha, 46 anos, enfermeira especializada

779
sala de comando que concentra os chefes em Saúde Infantil e Pediátrica, recrutar
de equipa dos rastreadores. pessoas que estivessem desempregadas
foi condição sine qua non, pois este tra-
A CRIAR EMPREGO balho não dá para “fazer no intervalo das
Numa terça-feira calma de março, com consultas”. “Muitos candidatos desistiram
183 inquéritos pendentes – o que significa quando perceberam que não dava para
que as pessoas não atenderam o telefone fazer ‘só uma horinha’.” Total de militares dos três
ramos das Forças Armadas
Expressiva e com sotaque alentejano
a realizarem inquéritos,
de Beja, Filipa Lopes, 34 anos, psicólo-
divididos em 43 equipas
ga, estava a trabalhar na receção de uma
clínica quando quis mudar de percurso
DE CADA VEZ QUE OS

54 992
profissional. Desconhecia que apenas ia
contactar com casos positivos e que era
INFETADOS MENTEM, uma tarefa tão minuciosa. Também João

OMITEM E TENTAM
Jesus, 24 anos, fisioterapeuta a exercer
numa clínica, quis experimentar um tra-
LUDIBRIAR OS balho diferente. Agora, “levanta-se com as
galinhas”, como brinca Cláudia, para às Pico máximo de inquéritos
RASTREADORES, OS sete da manhã fazer a exportação da base
de dados dos novos casos positivos diários
em atraso, em janeiro,
na região de Lisboa
INQUÉRITOS PERDEM e assim disponibilizar os recursos para os
rastreadores começarem os telefonemas.
e Vale do Tejo

VELOCIDADE Aos 21 anos, Margarida Mascarenhas,

18 MARÇO 2021 VISÃO 81


SAÚDE

MILITARES NO BARCO
Desde 19 de novembro de 2020 que mili-
tares dos três ramos das Forças Armadas
integram a operação dos inquéritos epi-
demiológicos. São 779 militares divididos
em 43 equipas (só 20 operam em Lisboa,
com 462 militares), sempre apoiadas
por um profissional de saúde, que co-
meçam por fazer o “contacto prévio”, a
abordagem para perceber a morada de
isolamento, que pode não coincidir com
a morada de residência. Além da notória
Trabalho de “formiguinha” capacidade de trabalho – os rastreado-
Todos os minutos contam para se res militares trabalham 12 horas diárias,
encontrar a cadeia de transmissão, sete dias da semana – acrescem outras
isolar os casos e travar a mais-valias destes profissionais, como
disseminação do vírus a disciplina, capacidade de planeamento
e de trabalho em equipa e sensibilidade.
O caos de milhares de inquéritos em
mentar. Por diversas vezes, e em janeiro atraso “não vai voltar a acontecer”, prevê
aconteceu, multiplicaram-se as histórias o major António Valente, responsável
de doentes e dos seus contactos mais pelo centro logístico que tem a seu cargo
próximos que não foram identificados planear, coordenar e monitorizar todo o
pelos rastreadores, ficando assim por apoio que as Forças Armadas dão nesta
quebrar a cadeia de transmissão. operação. “Nós entrámos no barco já
Segundo a Organização Mundial da em situação de crise; agora temos uma
a mais nova desta equipa de 130 funcio- Saúde, para uma operação de rastrea- resposta rápida e organizada”, afiança.
nários a tempo inteiro (inseridos numa mento de contactos Covid-19 ser bem- A monitorizar o fim da vigilância, cabe
bolsa de 1 193 adaptável às necessidades -sucedida é preciso detetar e colocar em a Ana Martins, 37 anos, perceber como foi
só da região de Lisboa), terminou a li- quarentena 80% dos contactos próximos, feito o isolamento. Há pessoas a chora-
cenciatura em Ciências da Saúde em se- no espaço de três dias após a confir- rem com medo de perderem o emprego
tembro e conseguiu logo o seu primeiro mação de um caso. Christophe Fraser, se ficarem de quarentena. Nesses casos,
emprego. Mudou-se de Armação de Pêra, biólogo matemático da Universidade de Ana explica os direitos laborais e quais
no Algarve, para um quarto alugado no Oxford, no Reino Unido, aperta ainda os apoios sociais da autarquia e como
bairro de Arroios, em Lisboa, e coordena mais o cerco: num único dia, 70% dos os pode solicitar. Outra realidade com
nove pessoas, mais uma equipa de 20 casos positivos precisam de ser isolados a qual já contactou é a dos migrantes
a 25 militares. “Pensar na pandemia é e 70% dos seus contactos precisam de positivos que não falam nem português,
assustador, mas no meu caso abriu di- ser rastreados e colocados em isolamento nem inglês, e é preciso chegar à única
versas portas.” profilático (quarentena). pessoa da casa que fala inglês. Apesar
Só na região de Lisboa e Vale do Tejo, de haver uma linha telefónica de apoio
O FANTASMA DE JANEIRO entre 8 e 14 de janeiro, foram notificados linguístico disponível, com intérpretes
Com o levantamento gradual das restri- 23 264 novos casos positivos (76,22% dos prontos a fazerem a tradução, entre os
ções, uma maior circulação de pessoas quais na Área Metropolitana de Lisboa) 300 internos de Medicina da Universida-
levará a um novo aumento dos casos e realizados 15 028 inquéritos, tendo 8 de Nova existem muitos russos, moldavos
positivos, logo voltará a subir o número 236 ficado atrasados. “Houve incapaci- e ucranianos que se disponibilizam para
de inquéritos epidemiológicos para fazer dade, por não estarmos a prever aquele traduzir, por exemplo.
– um círculo vicioso com tendência a au- aumento tão acelerado de novos casos. Na hora em que a pandemia for con-
Tivemos de readaptar a nova metodolo- trolada, a Cláudia Rainha não faltam
gia, reorganizar equipas, centralizá-las, ideias de como no futuro dar uso aos
uniformizar processos e torná-los mais dados recolhidos de milhares de pes-
céleres”, elenca Ana Dinis, delegada de soas. Podem ser válidos para estudar a
HÁ PSICÓLOGOS, saúde regional-adjunta da ARSLVT. incidência da doença num determinado

NUTRICIONISTAS,
Em janeiro, esta ARS atingiu o máximo local, qual a implicação do fenómeno das
de 54 992 inquéritos em atraso – o mês baixas temperaturas num determinado
ENFERMEIROS, registou 42,2% do total de casos acumu-
lados desde o início da pandemia. “Mas,
concelho ou o meio socio-económico
mais fustigado pela doença. Nos Estados
FISIOTERAPEUTAS, a partir de 21 de janeiro, todos os novos
casos diários que entravam na nossa base
Unidos da América, por exemplo, já exis-
tem estudos com estes dados: são as co-
FARMACÊUTICOS... de dados eram contactados no próprio
dia, passando o número de telefonemas
munidades afro-americanas e os setores
mais pobres quem mais tem sofrido com
ALÉM DOS MILITARES a ultrapassar o de entradas”, garante. a Covid-19. Sem surpresa. scalheiros@visao.pt

82 VISÃO 18 MARÇO 2021


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FIGURA

Rafael
VAGA R

“As paródias
e as caricaturas
são as formas
mais agudas
de crítica”

Bordalo Pinheiro,
Aldous Huxley
Escritor
(1894-1963)

um contemporâneo
ARMADO COM LÁPIS “GALHOFEIRO”, CRIADOR DE
“TRAÇOS FUNAMBULESCOS”, PAI DO ZÉ POVINHO
E ZURZIDOR DAS ELITES, O CARICATURISTA,
CERAMISTA, ILUSTRADOR, JORNALISTA E BON
VIVANT CRIOU UMA OBRA MAIOR QUE, VAI-SE
A VER, CONTINUA FRESCA COMO UMA ALFACE.
NOS 175 ANOS DO SEU NASCIMENTO, FOLHEÁMOS
LIVROS COM EDIÇÃO RECENTE QUE O MOSTRAM
EM QUARENTENA, ECOLOGISTA AVANT LA LETTRE
E CRÍTICO DE UMA LISBOA EM TRANSFORMAÇÃO.
ONDE É QUE JÁ VIMOS ISTO?
S Í LV I A S O U TO C U N H A

84 VISÃO 18 MARÇO 2021


18 MARÇO 2021 VISÃO 85
P
FIGURA

“Porque a verdade é esta: ninguém pode


dizer deste Lazareto não beberei”, es-
creveu Rafael Bordalo Pinheiro (1846-
1905) quando o calendário marcava os
idos de 1881, desconhecendo o glorioso
e rubicundo artista que o futuro – tão
extravagante e irónico como as suas
criações – haveria de fazer-nos cumprir
este chiste à letra, numa pandemia em
pleno século XXI. À data, Rafael, portu-
guês sem dó, humorista reconhecido em
todos os salões, homem de fino traço e
ironia musculada, irmão mais velho do
pintor naturalista Columbano Bordalo
Pinheiro, regressava de quatro anos de
idílio tropical no Rio de Janeiro, a bordo
do vagaroso vapor Valparaíso. Chegado
o paquete à “praia Ocidental”, ao fim de
20 dias de viagem, o artista estendeu
os braços saudosos à “imagem querida
da pátria”, intentando, rascunhou ele,
dar-lhe um “ósculo”, mas o “Ministério
do Reino mete a bandeira amarela” pelo
meio: “Desembarco, considerado, para
todos os efeitos, um emissário do Vómi-
to Negro”, lamenta-se ele, a veia cómica
a parasitar melodrama e pantomina. E é
assim que Bordalo Pinheiro se vê enfiado
e confinado no chamado Lazareto.
O edifício isolado, uma estação de
quarentena localizada em Porto Brandão,
na margem sul do Tejo, estava desti- registará essa sua quarentena obrigatória
nado a acolher e a desinfetar pessoas e em No Lazareto de Lisboa: um opús-
mercadorias, os monsieurs, madames e culo povoado de desenhos, “pequenino
bebés de torna-viagem, os descendentes memorial” onde passa a limpo, com a
dos heroicos navegadores lusitanos que habitual ferocidade cómica, as cenas
cuspiam a última refeição borda fora, brasileiras deixadas para trás, as sau-
os tristes de chapéu de coco e os reme- dades lusitanas confessadas ao “Tejo
diados de casacos com mangas puídas, de cristal” e os dias aprisionados no tal
a bicharada de vária estirpe, e tudo o Lazareto – onde os quartos de 1ª, 2ª e
que tivesse remetente duvidoso. Como 3ª classes são iguais; onde o “coco da
as regiões assoladas por epidemias ou massa” passa entre lado empestado e
doenças contagiosas, caso da temida não empestado sem cuidados de maior;
febre-amarela que nessa época andava em que para partir o queijo “em vez de
a dizimar milhares no Brasil. O país vivia dentes, são necessárias picaretas”; em
uma epidemia devastadora causada por que os muitos reis pagos a toda a gente,
picadelas dos “pernilongos” (mosquitos) ao receber alta, fazem o empresário cair
infetados pelo vírus ARN, do género
Flavivirus, parente distante dos coro-
navírus que agora afligem o mundo… O
Portugal bordaliano do século XIX cer-
Lisboa menina e moça A visão
rava fronteiras, praticava o confinamento crítica e humorística de Rafael Bordalo
profilático, vivia a realidade sanitária de Pinheiro sobre a capital e as (con)
enfermarias improvisadas. Familiar... tradições da sociedade lisboeta
A infeção raspa apenas no lisboeta revela-se neste livro-catálogo Lisboa
agora retornado: “Vi-lhe a cor, mas não de Bordalo (Museu Rafael Bordalo
lhe senti o gume da foice”, escreve. São Pinheiro, 76 págs., €15) de João Alpuim
de corpo e espírito, sem medidores de Botelho, e em Bordalo Não Gostava
R(t) nem máscaras de proteção, mas de Fadistas (Museu Rafael Bordalo
com sentido de humor e caderninho de Pinheiro, 40 págs, €7,50) de Pedro Félix,
notas à mão, Rafael Bordalo Pinheiro agora lançado

86 VISÃO 18 MARÇO 2021


Relato de uma epidemia Reedição de joelhos bendizendo “o momento em
de uma obra esquecida, originalmente que a Providência se lembrou de inven-
lançada há 140 anos, em 1881. No tar a febre amarela”. “Os meus sinceros
Lazareto de Lisboa (coedição PIM! agradecimentos à febre”, atira Bordalo
Edições e Museu Bordalo Pinheiro/ Pinheiro, zombeteiro. Às caricaturas
Egeac, 56 págs., €7,70) é o relato expressivas não escapam o “primo Ba-
humorado e ilustrado da quarentena sílio” que “passeia de braço dado com
a que se viu obrigado Rafael Bordalo as Niniches. Provavelmente, agora já há
Pinheiro no regresso da estada de de passear com as Nanás” (aludindo a
quatro anos no Brasil, onde grassava
Eça e a Émile Zola); as cenas pitorescas
uma doença de origem viral, que hoje
do Rio de Janeiro, em que desenha os
ganha particular ressonância
“moleques” que “apregoam bala di ovo,
bala di caju”; os contrastes sociais do
país, patentes em apontamentos como
o da “elegante sinhá cheia de mi deixes”
que “toca ao piano suas valsas melancó-
licas” num canto da página e as cenas do
A EPIDEMIA DE FEBRE- próprio Bordalo a ser rasteirado por um
mulato ou esfaqueado por um literato:
-AMARELA RASPA APENAS “Que noites de poesia, que esplêndidas
facadas!” O artista português foi alvo
O LISBOETA REGRESSADO de dois atentados durante a estada no
A LISBOA: “VI-LHE A COR, Rio, vítima de gente desagradada com
a contundência verbal que não poupava
MAS NÃO LHE SENTI políticos nem “capadócios” debaixo dos
coqueiros (trapaceiro dado a cantorias).
O GUME DA FOICE”, Essas circunstâncias apressariam a sua
partida do Brasil – aqui deliciosamente
DESCREVIA BORDALO representada com um desenho do Pão de
Açúcar, com pés e chapéu empinado no
cume, que o acompanha no “bota-fora.”

O ARTISTA INQUIETO
Atrás das grades do Lazareto, Rafael
“sonha” com Lisboa “tal qual era dan-
tes”: “à porta da Havaneza, os mesmos
grupos”, os mesmos políticos em que
avista “menos convicções e mais alguns
elefantes”. “Um, que quando eu partia
para o Brasil acendia majestosamente um
charuto, acaba agora mesmo de o fumar”,
larga, afiado. O “sol da tragédia declina
no horizonte”, no Rossio, enquanto “às
10 horas da noite, os mesmos três gatos
comendo a mesma sardinha no Largo de
S. Julião”, perora, provocatório. Cruza os
fios da mitologia grega e da ópera bufa da
realidade: “Caronte pede um vintenzinho
para cigarros, queixando-se de que o
governo não lhe paga. Pago e sigo como
condenado que recolhe do exílio”, legenda
Rafael no desenho autobiográfico, repre-
sentando-se com o característico bigode
farfalhudo, cenho franzido a esticar uma
moeda ao barqueiro com nome mitoló-
gico que arrasta os turistas infelizes para
o Lazareto. Na ilustração seguinte, ele
representa-se de costas curvadas, pernas
cambadas e chapéu enterrado na cabeça,
ladeado por dois guardas, lembrando a
sua célebre criação do Zé Povinho.

18 MARÇO 2021 VISÃO 87


FIGURA

Raphael Augusto Prostes Bordallo Exposição Universal de Paris de 1900. miniscência: “Nesse país essencialmente
Pinheiro, alfacinha, filho de artistas, Em 1883, o artista inquieto fundou a agrícola, o Tesouro emagrece, e não
cedo sentiu vocação pelas artes: foi Fábrica de Faiança das Caldas da Rainha, obstante os cafezais são prósperos.” Se
aluno do Conservatório e da Academia aí criando um extraordinário universo a crítica ferina aos poderes é traço ha-
de Belas Artes, experimentou sentar-se cerâmico povoado por figuras populares, bitual, o que Bordalo traz do Brasil será
num curso de Letras e na Escola de Arte sopeiras em forma de couve, vasos que coisa mais verdejante. “Em pouco tempo
Dramática, e até estrear-se nas tábuas desafiavam as tecnologias conhecidas, Bordalo transforma-se num arauto ativo
do Teatro Garrett. De tudo desistiu. O ou um bestiário cornucópico: lagartixas, da arborização, um defensor incansável
pai empurrou-o para umas funções sapos, vespas, lagostas, gatos arrepiados, e quase obsessivo dos jardins, não se
burocráticas na Câmara dos Pares, cujos andorinhas esvoaçantes… E não nos coibindo de zurzir feroz e humoristi-
bastidores e bengaladas lhe aguçaram o esqueçamos da sua “botânica política”. camente sobre as cabeças de todos os
talento para a sátira e o fizeram renegar Nas primeiras ilustrações de No La- que, por carência mental e cultural, não
carreira sossegada. Até porque as suas zareto de Lisboa, uma figura indígena celebram as árvores e as flores”, escreve
caricaturas já varriam a capital. mirrada com uma chave de cofre a Susana Neves, investigadora que escre-
Bordalo Pinheiro, precursor da ca- trespassar-lhe a barriga, e empoleirada veu o precioso Rafael Bordalo Pinheiro
ricatura e da sátira (sobretudo políti- num burrito esquelético, ganha esta re- – De Árvore em Punho. É uma original
ca), deu-lhes ampla rédea nos jornais investigação sobre a presença botânica
satíricos que fundou. A lista é longa: A na obra de Rafael, espoletada por um
Berlinda e O Binóculo (1870), A Lan- detalhe: ela ter reparado numa orquídea
terna Mágica (1875), O Mosquito, o na lapela do artista num desses retratos
À beira-jardim plantado Rafael Bordalo
Psit!! e O Besouro (publicados durante Pinheiro − De Árvore em Punho (edição
a sépia, de pose respeitável em estúdio,
os anos brasileiros), O António Maria, Câmara Municipal de Lisboa, com apoio tão ao gosto oitocentista. E que revelou
assim batizado para alfinetar o chefe Museu Bordalo Pinheiro/Egeac, 160 um conhecimento botânico aprofunda-
de governo António Maria Fontes Pe- págs., €25), da autoria de Susana Neves, do que atravessa toda a obra de Bordalo
reira de Melo (1879 e 1891), Pontos nos é um volume ilustrado que revela um Pinheiro. A autora recorda a febre das
ii (1885) e o célebre A Paródia (1900). Bordalo ecológico em cinco capítulos: orquídeas vivida na altura: estas flores
Mas a sua criatividade inesgotável es- Uma flor com binóculos; A couve requintadas eram vendidas por fortunas.
tendeu-se além de jornais e capas de ensopada em vinho; Regar os bigodes; “Vivendo no Brasil, pátria das Cattleyas,
livros, cartoons e figurinos, rótulos e até Fruta verde come-se com a testa; e O país onde se encontra a maior diver-
a decoração do Pavilhão de Portugal na pinheiro que não parava de crescer sidade de orquídeas no mundo, mais

88 VISÃO 18 MARÇO 2021


Costas largas Rafael Bordalo Pinheiro,
caricaturista e muito mais, desaparecido em
1905, lançou sementes de humor e crítica
social que, ainda hoje, permanecem vivas

paisagista de qualquer cidade civilizada”,


lê-se neste volume. E, por entre muitas
ilustrações adornadas com brincos-de-
-princesa, margaridas, lírios, bromélias
ou rosas-chá, Susana Neves defende
ainda: “Porque as flores, para ele como
para Fialho de Almeida, não eram apenas
um luxo de janota ou de dandy, mas um
bem essencial, higienizador, medicinal,
civilizador, um cúmplice de trabalho, um
aliado da felicidade, a pedra de amolar
onde se afiava a espada, a lima das garras
do gato assanhado, a musa com quem se
podia dançar.” E que ele apura num “ramo
novo” da botânica: a dita “Botânica políti-
ca” através da qual transforma os políticos
em plantas (nabos, abóboras, vagens de
ervilhas…) e vice-versa. Bordalo, militante
de uma causa verde? Eis um pioneirismo
que encontra ecos nas atuais cruzadas
ambientalistas. Rafael, muito provavel-
mente, gostaria de assistir à atual escolha
de Lisboa como Capital Verde Europeia.
A constelação de figuras que merece-
ram o lápis “galhofeiro” e afiado de Bor-
dalo Pinheiro muito desfilou pelas ruas
da capital. Lisboeta encartado, sempre
à espreita na Havaneza, sentado à mesa
das esplanadas, zurzindo em janotas,
políticos, ministros e tantos outros
cromos, o artista não perdia pitada nem
oportunidade para assim radiografar
as manias da cidade que estava, então,
em transformação profunda: a Avenida
da Liberdade rompia cidade acima e as
“perliquitétes” ocupavam os seus pas-
seios; os novos carros elétricos tinham
vindo “civilizar Lisboa”; o moderno
Mercado da Praça da Figueira é inaugu-
rado e, por esta ser tão “aceiada”, zomba
o cartoonista, os vendedores sobem de
categoria, isto é, “as colarejas devem
usar de tournure, os azeméis andarem
de casaca”. No livro Lisboa de Bordalo,
percebe-se que o seu espírito corro-
de 2 500 variedades, Bordalo Pinheiro espécies – caso da Bacoconifera (junção sivo encontrava muitos alvos: numa
não teria dificuldade em encontrar uma de Baco, deus do vinho, com um género notícia sobre o estado das canalizações
orquídea nem precisava de a comprar, de plantas). Defensor das simples hortas, da capital, o ilustrador desenha Lisboa
bastava-lhe esticar um braço e colher observador dos novos jardins (surgidos, como “um ser repelente que se arras-
uma flor no ramo de uma árvore, ou por exemplo, com o novo desenho do ta” com a legenda “Lisboa inteira é um
inclinar-se e apanhá-la no pé de um Passeio Público e a criação da Avenida imenso furúnculo de sujidade”. Noutra
cafeeiro.” Leitor da Revista de Horticul- da Liberdade), indignado por saber do tirada, relacionada com as altas tensões
tura, ele era figura familiar nos círculos desbaste de árvores no Rossio, Bordalo provocadas pelo chamado ultimatum
dos horticultores e, depois, dos atores da desenha um angustiado Zé Povinho, em britânico, argumenta que se as decisões
arborização e jardinagens, sinónimos do frente a um minúsculo rebento a sair do políticas tinham passado para Londres,
novo cosmopolitismo que Lisboa então chão da praça vazia: “Há-de crescer!” mais valia encher de hotéis e esplanadas
ensaiava. Rafael conhecia de cor árvo- “Para o grande caçador de tipos hu- a Praça do Comércio… E, preocupado
res, plantas, flores, legumes, e usou-os manos (…), a medida da grandeza de tudo com o drama da habitação na cidade,
como metáfora, estética, arma e símbolo e de todos eram as árvores e as flores, critica ainda ferozmente a “ganância dos
– como medida da própria humanida- consideradas igualmente como tónico senhorios”. Onde é que já ouvimos tudo
de. Até chegou a inventar jocosamente do talento, húmus revitalizador e sonho isto? scunha@visao.pt

18 MARÇO 2021 VISÃO 89


PESSOAS

GRAMMYS 2021
Beyoncé e Taylor Swift, poder feminino
N
ão foram só mais uns pré- Stevie Wonder e Paul Simon). Beyoncé Numa edição muito marcada pela
mios nas carreiras vence- tornou-se, na cerimónia do passado música feita por mulheres (e pelo obri-
doras de Beyoncé Knowles, domingo, 14, em Los Angeles, a artista gatório distanciamento social, que não
39 anos, e Taylor Swift, com mais Grammys no currículo. São, combina bem com este tipo de festas
31. Com os Grammys que agora, 28 – quatros deles conquistados musicais...), não foram só Beyoncé e
acrescentaram às suas coleções bateram nesta edição: Melhor Videoclip (para Taylor Swift a festejar. Houve, mesmo,
dois impressionantes recordes. Brown Skin Girl), Melhor Performance muitos mais exemplos: Fiona Apple
Swift, ao ser escolhida como autora de R&B, Melhor Canção de Rap e Melhor venceu dois prémios: Melhor Álbum
do Melhor Álbum do Ano (Folklore), Performance de Rap (estas duas últimas de Música Alternativa (Fetch the Bolt
tornou-se a primeira
p mulher a ter ven- categorias
g num pprémio ppartilhado com Cutters) e Melhor Performance Rock;
cido três vezes nessa categoria (juntando outra das figuras da noite, Megan Thee Billie Eilish, com 19 anos, acrescentou
o seu nome aos de três pesos-pesados Stallion, já que o remix da canção Sa- duas estatuetas às cinco que venceu
da música made in USA: Frank Sinatra, tra, vage junta as duas artistas).
artistas) no ano passado: Melhor Gra Gravação do
Ano (Everything I Wanted) e Melhor
Canção para Filme (No Time Tim to Die);
Brittany Howard, a carismática
carismátic guitar-
rista e vocalista dos Alabam
Alabama Shakes,
venceu o prémio de MelhoMelhor Canção
Rock (Stay High); a categoria
cate de
Melhor Álbum Pop di distinguiu
Future Nostalgia, de Du Dua Lipa; a
Melhor Canção do Ano ffoi I Can’t
Breathe, tema de H.E. H.E.R. (nome
artístico da jovem calicaliforniana
Gabriella Sarmiento Wilson)
Wil ins-
pirado nos movimentos de protesto
que alastraram depois da morte de
George Floyd na via públic
pública provo-
cada pelo joelho de um polí polícia que o
sufocou ao longo de oito minutos;
Megan Thee St Stallion foi
considerada a artista
considerad
revelação de 2020.
Pelo meio,
me sim,
também houve
alguns homens
premiados (Harry
premiado
Styles, The
Th Strokes,
Nas...), mas
m este
ano os G Grammys
dela P.D.A.
foram delas.

90
0 VISÃO 18 MARÇO 2021
Lídia Jorge
Mais um filme a caminho a partir das suas palavras
Em 2004, estreou A Costa dos Murmúrios, filme
realizado por Margarida Cardoso a partir daquele que
é, muito provavelmente, o romance mais lido de Lídia
Jorge. Agora, está em marcha outra adaptação. Desta
vez, a longa-metragem vai basear-se no livro lançado
em 2002, O Vento Assobiando nas Gruas. Será uma
coprodução luso-suíça – tal como a sua realizadora,
Jeanne Waltz, nascida em 1962 em Basileia mas há
muitos anos radicada em Portugal – e a rodagem
deve começar este ano.
O Vento Assobiando nas Gruas, que recebeu, em
2003, o Grande Prémio de Romance e Novela da
Associação Portuguesa de Escritores, passa-se
numa aldeia ficcional chamada Valmares, no Sul
de Portugal. No seu centro está uma personagem
feminina, Milene Leandro, com a sua história de
ANTÓNIO PEDRO FERREIRA

amor, silêncio, crime e mistério. Mais uma vez, como


em A Costa dos Murmúrios, há ecos dos últimos anos
da presença colonial portuguesa em África. O guião
foi escrito pela realizadora, acompanhada de perto
por Lídia Jorge. P.D.A.

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TENDÊNCIAS

Como se vende a alta-costura


Grandes criadores adaptaram-se à nova realidade sem desfiles
e sem eventos de moda, e adotaram a televisão e os meios digitais
como os canais escolhidos para transmitir o seu trabalho
B E AT R I Z C AVA C A

O
vídeo tem pouco fardo de suceder ao imenso Lagerfeld, com em autênticos espetáculos televisivos
mais de dez minutos quem trabalhou mais de 30 anos. semelhantes a filmes de Hollywood. Na
e começa por mos- O vídeo da coleção ready to wear ou- maior parte das vezes, aquilo que anti-
trar um grupo de tono/inverno 21/22 da Chanel pode ser gamente era apenas uma montra de uma
modelos a caminhar visto no YouTube e nos sites de tudo o que nova coleção é atualmente alvo de uma
numa rua de Paris é revista de moda e não só. Sem público narrativa própria, com um ou mais te-
e a entrar no Cast- para ver de perto e em primeira mão as mas, e que procura não apenas mostrar o
le, famoso nightclub novas peças, a marca arranja outras formas trabalho dos criadores e das marcas, mas
em Saint Germain. A ideia é retratar uma de chegar aos seus clientes. Já no final do também proporcionar um bom espetáculo
“noite de miúdas”. Sem ninguém para as ano passado, a apresentação da coleção Le a quem o vê, mesmo que normalmente
ver ao vivo, claro. Pandemia oblige. “Ima- Château des Dames foi feita em grande, não assista a desfiles de moda.
ginei as modelos a fazerem um desfile num fabuloso castelo do Loire. “Temos As grandes alterações são sobretudo
para elas mesmas, indo de sala em sala, de fazer eventos impactantes para man- os locais escolhidos para fazer os desfiles,
cruzando-se nas escadas, empilhando os ter uma ligação forte ao nosso público”, tal como a plataforma onde os partilham.
casacos no bengaleiro e subindo ao andar reconheceu Bruno Pavlovsky, presidente No Instagram e no TikTok, a alta-costura
seguinte para se trocarem. E pensei nos da divisão de moda da marca, ao jornal compete com os vídeos de qualquer in-
desfiles sobre os quais Karl me contava, The Guardian. “Isto é sobre as emoções.” fluencer menor... enquanto tenta captar
naquela época, muito tempo atrás, quando Grandes marcas de alta-costura como influencers maiores para dar lastro às suas
as modelos se vestiam e se maquilhavam Chanel, Valentino ou Dior utilizam o talen- coleções. E assim temos a Chanel a recor-
elas mesmas”, descreve Virginie Viard, a to de artistas de música e de cinema para rer a realizadores como Anton Corbijn, um
diretora criativa da Chanel com o pesado transformar os seus desfiles sem público “artista visual” que assinou obras como o

92 VISÃO 18 MARÇO 2021


filme Control (sobre Ian Curtis) e diversos Apostas visuais Imagem do vídeo da que são mais fáceis de vender pela inter-
videoclips de bandas famosas. coleção ready to wear outono/inverno net. Isso altera a moda, criando coleções
Já a casa Valentino escolheu Robert 21/22 da Chanel (à esq.) e do filme da mais polivalentes e utilizáveis em todos
Del Naja, dos Massive Attack (e suspeito Dior para a primavera/verão 21 (à dir.). os contextos.”
número um de ser Banksy), que fez um Na outra página, a preparação de uma
filme sobre a coleção primavera/verão sessão fotográfica da Dior ESTILO NO SOFÁ
2021, tendo como cenário o barroco Pa- Em 2020, o Portugal Fashion manteve o
lazzo Colonna, em Roma. seu roteiro por cidades como Londres, Mi-
Pelo mesmo caminho cinematográfico lão e Paris, apresentando designers como
foi casa Dior, liderada por Maria Grazia manas da moda de Londres e de Paris, que Alexandra Moura, Ernest W. Baker, Miguel
Chiuri. Mas neste tempo de pijamas e aconteceram nos mesmos moldes. Outra Vieira, David Catalán e Marques’Almeida.
calças de fato de treino, ainda há quem tendência que tem vindo a ser reforçada Sempre em formato digital, sem público
compre alta-costura? Os clientes da Dior durante a pandemia é a sustentabilidade. nem imprensa.
“estão a encomendar roupas lindíssimas Para as novas coleções, a estratégia tem A edição de 2021, de 18 a 20 de março,
para usar em casa”, disse Chiuri ao The sido o reaproveitamento de tecidos, a também ocorre exclusivamente online,
Guardian. “Há muitos países com uma reinvenção de técnicas e a adaptação de para ver do sofá. Para André de Atayde, di-
cultura em que se gosta de vestir bem den- criações, tudo para sobreviver a esta crise, retor de comunicação, é “relevante que se
tro de casa. Mas também podemos fazer tornando mais acessível a moda sustentá- encontrem novas formas de divulgação da
pijamas no nosso atelier”, remata a estilista. vel ao consumidor comum. moda. Apesar de o negócio ter abrandado,
A presidente da ModaLisboa referiu é importante que imprensa e clientes, quer
A MODA ADAPTA-SE ainda que existem marcas a desaparecer, nacionais quer internacionais, tenham
Em Portugal, um dos grandes eventos de mas também muitas outras criadas já no acesso às novas coleções”.
moda é a Lisboa Fashion Week, organizada contexto do confinamento, com a cola- Para Joana Barrios, influencer, atriz e
duas vezes por ano pela ModaLisboa. Na boração dos grandes criadores. “A moda apresentadora/autora do programa Ar-
última edição, realizada em outubro de adaptou-se à pandemia. Tudo o que tem mário, na RTP, o acesso facilitado através
2020, e devido à pandemia, optou-se por a ver com vestidos de festas acabou, e o da televisão ou das plataformas digitais
fazer o evento ao ar livre. Segundo Eduar- confortável passou a ser uma realidade.” “democratizou a moda”. “A moda enquanto
da Abbondanza, presidente da ModaLis- Além disso, o surgimento de lojas on- fenómeno passou a depender muito de
boa, os bastidores assumiram proporções line promoveu uma forma totalmente toda uma construção cénica que alterou a
nunca vistas, com a utilização obrigatória diferente de o consumidor se relacionar maneira como a vemos. Existe agora todo
de máscaras, testes obrigatórios para to- com os criadores. “Atualmente, o grosso um outro cuidado narrativo nos ciclos de
dos os envolvidos e ainda a criação de três das vendas é feito online e existem peças moda”, motivado pela necessidade de fa-
ferramentas fundamentais para continuar zer um espetáculo televisivo ou em vídeo
a transmitir a mensagem dos criadores a para um público mais vasto. Sendo a moda
quem os segue e admira: surgimento de também cultura, acrescenta ainda que “é
uma área específica no site, nova app mo- essencial traduzir o estado de espírito das
bile e ainda disponibilização de um canal pessoas em forma de moda”.
aberto na posição 16 do serviço MEO, com
o apoio da Altice.
“PODEMOS FAZER A nova tendência da sustentabilida-
de é ainda algo que Joana Barrios elogia
Na próxima edição, agendada para PIJAMAS NO NOSSO neste contexto. No entanto, afirma que

ATELIER”, IRONIZA MARIA


abril, “serão captadas imagens para criar, tal só poderá ser atingido se existir uma
pela primeira vez, uma edição exclusiva- alteração dos modelos de negócio e dos
mente online”, como se de um programa
de televisão se tratasse, tal como tem sido GRAZIA CHIURI, DESIGNER modelos de consumo, onde o lucro terá
de deixar de ser a maior prioridade. Uma
feito no estrangeiro, por exemplo, nas se-
DA MAISON DIOR utopia? visao@visao.pt

18 MARÇO 2021 VISÃO 93


CRÓNICA

O
s contactos com o mundo fazem-se tendo a tecnologia
como interface e tem sido muito nela que me tenho
visto ao espelho. Tem sido nela que tenho fotografado
os outros, procurado novos estímulos e encontrado
recorrentes constatações.
Foi a ver a minha imagem no ecrã durante uma
videochamada de Zoom, que reparei que era quase
P O R C A P I C U A / Rapper fevereiro e a árvore de Natal ainda estava montada.
Não fosse essa coisa Escheriana de nos vermos enquadrados numa janela,
enquanto falamos para dentro de um ecrã, num jogo de espelhos, em que
outras janelas se agrupam, com outros rostos em interação cruzada, e não

“Espelhos” teria tido aquela perfeita imagem de mim. Uma mãe, com ar cansado, com
o mesmo camisolão cor-de-rosa e o mesmo rabo de cavalo semidesfeito,
tentando manter a concentração numa longa videochamada de fim de tarde,
ou a últi- com uma anacrónica árvore de Natal de fundo.
A árvore de um Natal coletivamente muito arrependido, mas que

ma crónica foi muito desejada e celebrada por aqui. Primeiro, por ter sido uma
estreia absoluta. Saí de casa dos meus pais há 20 anos e nunca tinha feito
uma árvore de Natal, em nenhuma das casas em que vivi, sozinha ou

do confi- acompanhada. Foi a maternidade que me devolveu o encanto infantil de


montar uma árvore de Natal. Segundo, porque quis o acaso que a nossa
árvore fosse igualzinha à da Masha e o Urso, o que resultou num sucesso
namento(?) estrondoso junto do nosso pequeno fã. Claro que foi também a maternidade
que fez a árvore ir passando pelos pingos da chuva até fevereiro, mais
precisamente até à videochamada em que a vi no ombro, qual papagaio de
pirata, para confirmar a sensação de que tudo em redor tem estado meio
desfocado, enquanto me movo a alta velocidade por entre missões, sem
tempo para pousar o olhar sobre os móveis.
Ainda assim tenho insistido em fazer cursos online para aproveitar a
oportunidade de aprender à distância, desenvolver a minha escrita e sair
um pouco da bolha. Quando penso nisso quase me enterneço com a minha
própria boa vontade, pois na maioria das aulas estou ensonada e em esforço,
tenho pouco tempo para os trabalhos de casa, e quase sempre aproveito as
horas de aula para tentar o multitasking, que aliás costuma ter muito boa
imprensa, mas é apenas mais um caminho para a exaustão feminina.
Ora foi mais uma vez na janela da videochamada, que me vi rodeada de
montinhos de meias, cuecas e roupa de criança, por ter intervindo na aula
por impulso, sem me lembrar de que estava a dobrar roupa lavada. A imagem
parou em mim, e as pequenas pilhas de roupa interior emolduraram o ecrã.
Ali estava eu, com o ar ligeiramente tenso de quem tenta terminar uma tarefa
a todo o custo e, ao mesmo tempo, participar numa aula de escrita de não
ficção. Era eu na minha condição de pessoa-esforçada, tentando manter a
sensação de que a vida continua, apesar de estar fechada em casa e atolada em
tarefas domésticas, com o corpo e o espírito batendo continência a todas as
missões, como o chinês do circo que faz girar vários pratos ao mesmo tempo.
Foi também nas minhas conversas com amigos, uma por SMS, outra por
telefone e a última por WhatsApp, que constatei a omnipresença das letras
de canções nas mais banais conversas quotidianas. É que ao mesmo “como
estás?” responderam-me com três encolheres de ombros diferentes, em
Tenho insistido em forma de citação:
1. “Por vezes forte, coragem de leão, às vezes fraco assim é o coração”
fazer cursos online (com ironia)
para aproveitar 2. “Enquanto houver estrada para andar a gente vai continuar” (com
a oportunidade esperança)
3. “Cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas” (com resignação)
de aprender à Eram as frases de Pedro Abrunhosa, Jorge Palma e Sérgio Godinho,
distância, desenvolver como parte da mobília idiomática que nos decora a sala em que convivemos
com os amigos, sobretudo nestes tempos, em que é tão difícil responder a
a minha escrita e sair essa pergunta (já que a resposta mais fácil tende a ser falsa, e a verdadeira
um pouco da bolha custaria muito mais carateres do que os que queremos gastar). visao@visao.pt

94 VISÃO 18 MARÇO 2021


ENGENHO E ARTE
Cinco marcas portuguesas que
transformam a madeira em peças
com alma e traço – do mobiliário
aos utensílios de cozinha
Mestres da madeira
Produzem em pequena escala, recorrendo à matéria-prima
nacional e às sobras que mais ninguém quer. Do mobiliário
aos utensílios de cozinha, eis cinco marcas portuguesas
que recuperam esta arte cheia de alma e traço
S U S A N A L O P E S F A U S T I N O slopes@visao.pt

JOSÉ MARIA LS

A arte do equilíbrio CABANA STUDIO


Mircea Anghel mudou-se, há cerca de um ano, do atelier da Rua D. Luís I, em Lisboa, para a Herdade cabana.studio
da Barrosinha, em Alcácer do Sal, e instalou-se na serração que era do senhor Joaquim, um armazém
de 1 500 m² cobertos, mais quatro mil de terreno. “Foi aqui que aprendi as primeiras noções, mas As peças do Cabana
o primeiro contacto com a madeira foi quando transformei, no jardim de casa, um velho barco de Studio são construídas
pesca numa pequena cabana”, conta o romeno, a viver em Portugal desde 2001. A dimensão do com madeiras
novo atelier impressiona quem não conhece as peças deste artista-artesão, que largou o trabalho reaproveitadas,
na área financeira para montar o Cabana Studio, em 2013. Da sua imaginação, e da sua aptidão para provenientes de
trabalhar a madeira, diga-se, começaram por nascer mesas de formas únicas, num jogo de encaixes várias partes do
perfeitos, sem recurso a cola nem a pregos, entre peças de madeira, em grande parte exótica e com mundo, de sobreiros
características muito particulares, que recolhe quase como uma coleção (vigas antigas, árvores alentejanos a
partidas, barcos abandonados...) – e que combina também com outros materiais, como a pedra carvalhos petrificados
basáltica da ilha do Pico, nos Açores. O equilíbrio e o balanço são características muito vincadas do encontrados
seu trabalho, que hoje se multiplica noutros projetos. Mircea está a desenvolver dois sistemas de na Polónia
casas modulares e a construir dois barcos, e as encomendas não param de chegar, seja para trabalhar
numa mesa para um restaurante no sul de França, seja noutras peças para um novo hotel em Lisboa.

96 VISÃO 18 MARÇO 2021


GONÇALO MILLER

RICARDO JERÓNIMO
RICARDO JERÓNIMO

GONÇALO MILLER

Respigar as sobras RIVAL


Um dos primeiros desafios lançados a Ricardo Jerónimo veio do chefe Pedro Pena Bastos, que rivaldesignermaker.com
lhe pediu para desenvolver peças exclusivas de madeira para o restaurante Ceia. “Esta ligação
aos chefes de cozinha, alguns com Estrela Michelin, deu muita visibilidade ao meu trabalho”, Marceneiro autodidata,
conta Ricardo, 39 anos, designer industrial de formação e marceneiro autodidata. As colheres, Ricardo Jerónimo,
de vários tamanhos e formas, esculpidas com arte e muito empenho (as maiores podem levar 39 anos, montou
cerca de quatro horas a fazer), são o produto mais procurado na Rival, a marca que fundou há oficina na garagem da
cerca de três anos. “Trata-se de um objeto universal que nos acompanha ao longo da nossa vida, casa da avó, na zona
da infância à velhice. É uma concha e uma pega, forma e função”, explica. A ligação à madeira de Caneças, onde à
vem desde pequeno, dos tempos em que fazia brinquedos com o avô, a partir de pedaços deste volta ainda há campo
e de outros materiais apanhados no campo. Com o nascimento do primeiro filho, a vontade de para o inspirar
criar levou-o de volta a esta matéria-prima. “Para mim, é um processo muito natural e orgânico,
só faço o que ela permite por natureza.” Na Rival, tudo sai da sua imaginação e das suas mãos.
Ricardo procura as sobras de madeira em carpintarias e marcenarias antigas de Lisboa, que
depois corta, lixa e esculpe para dar vida, também, a taças, pratos e objetos decorativos. As
peças, de design depurado e aspeto natural, são feitas em oliveira (“é diferente, dura, mas
linda”) e nogueira (“mais escura, também bonita e fácil de esculpir”). Para dar forma à matéria,
usa essencialmente plainas, grosas e facas afiadas, ferramentas que lhe permitem imprimir
a textura de que tanto gosta. “É uma linguagem que tenho vindo a explorar e um trabalho
essencialmente escultural”, diz Ricardo. Um trabalho destes pode levar três a quatro dias
a fazer, mas, para este artesão da madeira, dedicar-se ao ofício foi a melhor decisão que tomou.
“É uma arte dura em termos físicos, mas estou muito agradecido por ter feito esta mudança.
Tento usufruir ao máximo durante o processo, tanto que até me custa deixar uma peça ir.”

18 MARÇO 2021 VISÃO 97


Dar valor ao pinho
Gonçalo Prudêncio não se cansa de elogiar o pinho
nacional. “É o mais bonito do mundo, com um veio
lindíssimo, fruto do nosso clima”, diz o designer,
fundador da Ghome, marca portuguesa de mobiliário e
acessórios para a casa, onde habitam o banco Munge
e a mesa Pinho, nesse material. “Nos anos 80, as
casas estavam forradas com móveis de pinho mal
desenhados, que se tornavam feios e se escangalhavam
com facilidade, devido às características da madeira
que é macia e propícia a rachar. Isso criou um estigma”,
explica. Gonçalo quis fazer a diferença e acabou com
a má fama desta matéria-prima. “Há um antes e um
depois da Ghome, agora há pinho em todo o lado”, nota.
No site da marca, encontram-se outras peças feitas
com esta madeira, caso da série de três prateleiras
que formam uma estante ou das mesas e dos bancos
corridos Bistro. Tudo é produzido em pequena escala
e personalizável, uma forma de “criar identidade num
objeto e uma ligação mais forte com quem compra”,
defende o designer. “Pontos de honra”, continua, “são
o uso de matéria-prima nacional e a produção local”.
Em Sintra, onde Gonçalo cresceu e para onde voltou
GHOME
depois de 12 anos a viver no estrangeiro, encontrou
ghome.pt
a matéria-prima (também usa madeira de acácia,
recolhida das podas da serra) e quem produzisse o que
A marca fomenta o
lhe sai da imaginação. “Só quando comecei o projeto é
consumo consciente,
que me apercebi do potencial de manufatura existente.”
apostando em peças
Gonçalo refere-se a pequenos negócios, como a
de mobiliário feitas
Marcenaria Castro, que fabrica o banco Munge, e a
com matérias-primas
carpintaria de Samuel Santos, responsável pela mesa
nacionais, produzidas
Pinho, apresentados na ficha de cada peça. Uma forma
localmente, sem
de tornar o processo o mais transparente possível e de
intermediários
valorizar o trabalho de quem produz.
D.R.

WOOMETRY STUDIO
pt.woometry.com

Os painéis
tridimensionais, feitos
de madeira reciclada,
são o principal produto
deste estúdio, fundado
pela arquiteta Kate
Bombony, 28 anos,
e pelo marceneiro
ANTÓNIO FORJAZ NASCIMENTO

Mike Beck, 32 anos

98 VISÃO 18 MARÇO 2021


D.R.

Geometria sustentável
O efeito tridimensional dos painéis da Woometry é um verdadeiro quebra-cabeças. “Parece que estamos a ver uma coisa do
outro mundo, porque a isometria não existe na realidade, vemos sempre em perspetiva”, explica Kate Bombony, arquiteta e
cofundadora deste estúdio, instalado na antiga MEC, fábrica de aparelhagem industrial, em Santa Iria de Azoia. O sistema isométrico
não foi inventado por Kate nem por Mike Beck, marceneiro e parceiro de projeto e de vida de Kate: “Não somos os primeiros a
cortar losangos e triângulos de madeira e a fazer painéis. O que nos distingue é a forma como colocamos, no plano, imagens
tridimensionais complexas, o uso de cores e de transições incomuns, tudo a partir de madeira reciclada”, dizem. Na oficina, arejada
e luminosa, há paredes forradas com tábuas, mesas de trabalho e prateleiras produzidas por Mike, a partir da única matéria-prima
trabalhada pela dupla. “Percebemos que havia muita madeira deitada fora [portas, janelas, mobiliário], um recurso que podia ser
reaproveitado, revalorizado. O caminho por detrás de cada peça, da sua origem à utilização anterior, é algo que nos inspira.”
Natural de Kharkiv, na Ucrânia, o casal instalou-se em Portugal em 2015. Kate veio estudar para a Faculdade de Arquitetura de
Lisboa, um ano depois foi a vez de Mike, que deixou as Tecnologias de Informação e que por cá se tornou marceneiro autodidata.
A recolha do material é da sua responsabilidade, assim como todo o processo de produção. “A madeira dita o que fazer com ela. É
um material muito especial, tem muita vida e alma; é algo que veio da Natureza e tem uma forte ligação com o tempo”, sublinham.
Fruto da sua formação, Kate está mais focada nos pormenores, combinando os diferentes tons de madeira, de forma que a imagem
final fique tridimensional e certificando-se de que, mesmo depois de lhe aplicarem uma cor, a textura do material continue visível,
formando peças únicas, “do outro mundo”, como dizem. E tão bonitas, acrescentamos nós.

18 MARÇO 2021 VISÃO 99


O marceneiro escultor
Um mocho, uma baleia, um pássaro, uma lebre, um tatu... Na Arca de Noé de Frederico Burmester BANCADA 9
moram animais esculpidos em madeira de freixo, castanho, sicómoro e casquinha, que saltaram dos bancada9.com
livros de histórias infantis que costuma ler aos filhos, de 5 e 7 anos. Mas não só. Há um coelho que há de
nascer a partir de uma sombra vista ao acaso, caixas redondas e quadradas com baixo-relevo, utensílios Das mãos de
domésticos e de decoração, como uma colher, uma taça ou uma travessa canoa feita de madeira Frederico Burmester,
reaproveitada. “O essencial de um artesão está na repetição do gesto, sem evitar uma margem de erro, 62 anos, saem peças
para que as coisas se tornem especiais”, diz-nos, entre goivas, serrotes, limas e pedaços de madeira de de decoração. Mestre
vários tamanhos, na oficina Bancada 9 que abriu em 2017, em Ramalde, no Porto, onde dá workshops em talha, marcenaria
de marcenaria e talha. Frederico ambicionava ser escultor, mas cedo percebeu que havia um caminho e carpintaria,
a trilhar antes de concretizar esse sonho. Tirou o curso de Design de Comunicação na Alemanha, no ambiciona fazer
final dos anos 1970, seguiu-se a marcenaria, a carpintaria e, já em Lisboa, no final da década de 80, móveis em pequenas
a especialização em talha na Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva, onde acabou por dar aulas e séries, combinando
trabalhar como entalhador, sobretudo em mobiliário dos séculos XVII e XVIII. Fascinado pela madeira, madeira, palhinha
“por ser um material que vem da Natureza”, gosta especialmente quando trabalha com ela ainda verde, e bunho
após o abate, e consegue observar a transformação da peça: “É o tempo que a finaliza.” F.A.

FOTOS: LUCÍLIA MONTEIRO

100 VISÃO 18 MARÇO 2021


Manifesto
O QUE ANDAMOS A GOSTAR (OU NEM POR ISSO) DE DESCOBRIR POR AÍ

F L O R B E L A A L V E S falves@visao.pt

> muitíssimo bom > bom


COZINHAR PARA MAIS UM BEM-VINDA, PRIMAVERA!
O projeto Lugar Com a primeira fase do
desconfinamento, reabriram os
Para Mais Um, lançado parques e jardins mesmo a tempo
da primavera – começa neste
pela Refood Belém, sábado, 20. O Parque de Serralves é
um deles, com os seus 18 hectares
desafia as famílias de jardins, lagos e obras de arte.
Todos os dias, das 10h às 19 horas
a prepararem,
semanalmente,
uma refeição a pensar > bonzinho
em mais uma pessoa,
que é depois distribuída OUVIR POESIA
Andreia C. Faria, Fernando Assis
por quem precisa. Para Pacheco, Herberto Helder, Mafalda
Veiga, Mário-Henrique Leiria e
já, o projeto solidário Soror Violante do Céu são os poetas
abrange apenas homenageados no Poesia à Mesa,
em São João da Madeira, que
a Grande Lisboa e Loulé decorre online até domingo, 21

(Algarve), mas ficamos


a torcer que seja > assim-assim
alargado a outras
zonas do País COZINHA DA ÉPOCA
Março é mês do sável em
Vila Franca de Xira, e do arroz
do Mondego e da lampreia
em Montemor-o-Velho.
Nos restaurantes que participam
na iniciativa, os repastos estão
disponíveis para takeaway
ou entregas em casa

> para esquecer


AREJAR, COM CAUTELA
Com o bom tempo, sabemos que
a beira-mar é apetecível. Mas será
que, um ano depois, ainda é preciso
explicar que se deve usar máscara,
evitar ajuntamentos e manter
a distância?

18 MARÇO 2021 VISÃO 101


COM ER E BEBER

Bread & Brunch Bakery Porto


Mercearia Aurora Cascais Antes de se dedicar ao

Legumes, fruta, flores e muita criatividade


pão a tempo inteiro, Sónia
Costa, 44 anos, trabalhava
na área financeira.
Em agosto de 2020, depois
de ter tido formação
Com o bar Toca da Raposa fechado, Constança Cordeiro arrumou e acertadas as receitas,
temporariamente o shaker e abriu uma mercearia em São Pedro do Estoril abriu com José Faria,
o marido, a Bread
& Brunch Bakery, no Porto.
A padaria artesanal, com
menu de almoço e brunch,
tem uma área de produção
visível do exterior, onde
se pode observar como,
da padaria à pastelaria,
“tudo é feito de raiz, sem
químicos ou coberturas de
açúcar”, diz Sónia Costa.
De fermentação lenta, feito
com farinhas de moleiro,
moídas em mó de pedra,
há pão de sementes, trigo,
centeio (pequeno/€0,30,
grande a partir de €4,10/
JOSÉ CARLOS CARVALHO

kg) e especiais do dia,


como alfarroba, espelta,
quinoa, abóbora, batata-
-doce roxa e azeitona com
ervas aromáticas. Já nas
opções doces desfilam
muffins, cookies, scones
Constança Cordeiro assume de Lisboa (MARL). A primeira visita
e bolos inteiros (a partir
que é demasiado irrequieta àquele mercado enorme teve várias de €8,50) ou à fatia (a
para estar sem criar e dar peripécias que Constança não vai partir de €1,50). Além de
vida às suas ideias. “Percebi, esquecer. Desde a falta de um porta- tostas, hambúrgueres
durante o confinamento, -paletes próprio (tentou remediar-se e sanduíches, o menu
que me dá gozo fazer coisas com dois skates), tudo lhe aconteceu. contempla quatro
diferentes”, diz a bartender de 29 anos, Nas prateleiras da Mercearia sugestões de brunch,
proprietária do bar Toca da Raposa, Aurora, há também pão de incluindo um vegan, com
em Lisboa, encerrado até ao próximo fermentação lenta da padaria Taleiga pão, salsichas de soja,
outono. E, numa altura desafiante, (na Parede) e, aos sábados, o brioche cogumelos, bolo, fruta e
pensou “em modo de sonho e as baguetes da Isco (em Alvalade, café, cappuccino ou latte
longínquo”: “Se um dia fizesse alguma Lisboa), além de queijos, manteigas macchiato (€12). Com
coisa na zona onde vivo, o que seria?” temperadas, empadas congeladas, e, o apertar das medidas,
Lembrou-se de abrir uma mercearia feitos pela própria, frasquinhos com devido à pandemia, a
em São Pedro do Estoril, onde, diz, tomate seco, azeitonas e manjericão, Bread & Brunch manteve
faltam sítios onde comprar, por chutney de manga e Nutella caseira, a mesma oferta, mas
exemplo, fruta e legumes. No dia 9 de entre outros mimos. Falta ainda em takeaway. Além de
março, inaugurava a Mercearia Aurora. mencionar o cantinho dedicado disponível nas plataformas
Da quinta Vale das Dúvidas, no às flores, ali vendidas avulso ou em habituais, a padaria dispõe
Alentejo, perto da Vidigueira, chegam, arranjos. Se no bar Constança tinha de um serviço próprio de
entregas que abrange a
todas as quartas-feiras, o funcho, as noites preenchidas, aqui são as
zona das Antas, Costa
o aipo, a cebola, o alecrim, o tomilho, a manhãs e as tardes que a mantêm
Cabral e as Praças do
couve pak choi, entre outros legumes, ocupada. Mas há um elemento Marquês e Francisco Sá
produzidos em modo biológico. comum, diz: “A proximidade com Carneiro. S.S.O.
As restantes hortícolas e a fruta vêm as pessoas, e é isto que realmente me
do Mercado Abastecedor da Região dá prazer.” Sandra Pinto
X
R. Prof. Bento de Jesus Caraça,
251, Porto > T. 22 540 0547, 96 469
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R. Sacadura Cabral, 377B, São Pedro Estoril, Cascais > ter-dom 10h-20h 7h-20h, sáb-dom 7h-17h > entregas
grátis (mínimo €20) no Porto

102 VISÃO 18 MARÇO 2021


VIN HO S

ACV Castas Antigas Vinho de


Talha Alentejo Branco 2018
Feito com seis castas
antigas – Síria,
Antão-Vaz, Manteúdo,
Perrum, Diagalves e
Larião – de uma vinha
POR com cerca de 40 anos,
MANUEL em talhas também
G O N ÇA LV E S antigas, à maneira
D A S I LVA tradicional, herdada
dos romanos. Resulta
comer&beber@visao.pt
um vinho esplendoroso
de cor carregada,

Dia do Pai à porta aroma complexo e


surpreendentemente
fino, paladar cheio e rico

Mais vinhos para celebrar


com fruta de qualidade,
acidez crocante,
equilíbrio. Final longo e
sedutor. €35

Tem cada qual seu perfil, mas em todos se reconhece caráter,


equilíbrio, elegância. Numa palavra: qualidade Anselmo Mendes Pardusco
Private Monção e Melgaço Tinto
Ainda a tempo de entrarem nas celebrações do Dia do Pai, 2017
a par dos vinhos que foram sugeridos na edição anterior, Da casta Alvarelhão,
eis mais três propostas capazes de surpreender, agradar vinificado em inox com
e convencer. Preste-se a devida atenção ao branco estágio de 24 meses em
alentejano Castas Antigas 2018, pela razão singela de ser barricas usadas, resultou
excelente, e aos tintos Pardusco Private 2017, de Monção um tinto tão original
e Melgaço, e Vallado Sousão 2017, do Douro, por terem não só como encantador. Tem
qualidade mas também aptidão para acompanhar pratos de lampreia, cor rubi aberta, aroma
que é a iguaria da época (o Pardusco, de perfil muito elegante, requer intenso e delicado com
pratos sofisticados, pelo que a lampreia deverá ser cozinhada sem notas de frutos vermelhos
excessos de vinho nem de gordura – só azeite, do mais fino –, a fim maduros e sugestões de
de preservar o sabor único do ciclóstomo e o indispensável equilíbrio madeira, de especiarias e
balsâmicas, paladar seco
com o vinho).
e muito fino com sabor
Falando do Castas Antigas, produzido pela ACV – Vinhos de Talha,
(da fruta) e frescura (da
em Vila de Frades, concelho da Vidigueira, no Alentejo, por métodos acidez) em conjugação
ancestrais que remontam ao tempo dos romanos, pode dizer-se, no virtuosa. Final longo,
mínimo, que é impressionante. Só uvas de vinhas realmente antigas mineral, cativante. €18
conseguem transmitir aos vinhos tal estrutura, complexidade, volume
e caráter, que o método de vinificação em talha potencia.
Pardusco é um tinto da Região dos Vinhos Verdes, sub-região Vallado Sousão Douro Tinto
Monção e Melgaço, feito exclusivamente com uvas de uma casta antiga
chamada Alvarelhão e localmente conhecida como Brancelho. Tem a
2017
assinatura do produtor e enólogo Anselmo Mendes, que é garantia de Cem por cento da casta
qualidade no mundo dos vinhos. Quem guarda a memória – e o gosto, Sousão, com estágio de
porque o tem – do verde tinto tradicional com a sua cor muito escura, 16 meses em barricas
a acidez intensa e a adstringência por vezes agressiva, surpreenda-se de carvalho francês
com a extrema elegância e maviosidade aromática e gustativa desta novas (40%) e usadas
obra-prima da Natureza e do homem, em parceria. (60%). Apresenta cor
Sousão é o nome que se dá, no Douro, a uma casta de uvas que, rubi profunda, aroma
no Minho, se chama Vinhão, e que é a base do verde tinto tradicional. com boas notas de
Mudam os nomes, diferem os vinhos, mas não em tudo. Por exemplo, frutos pretos maduros e
sugestões balsâmicas e
tanto um bom Vinhão quanto um bom Sousão acompanham
de especiarias, paladar
garbosamente pratos de lampreia, seja em arroz ou à bordalesa,
cheio e carnudo com
modos usuais de a confecionar, no forno, recheada, seca ou de outro taninos bem presentes,
modo. O Sousão da Quinta do Vallado é um clássico com boas provas acidez correta, boa fruta
dadas. e equilíbrio. Final longo e
muito agradável. €20

18 MARÇO 2021 VISÃO 103


Hora do lanche
QUATRO RECEITAS DE BOLOS, SIMPLES E FÁCEIS DE SE FAZER, PARA SABOREAR EM FATIAS GENEROSAS

BOLO DE BANANA
E C H O C O L AT E
POR MARLENE VIEIRA

INGREDIENTES para o caramelo


Para 8-10 pessoas • 1 c. de sopa
• 5 ovos de manteiga
• 125 g de açúcar • 5 bananas
• 150 g de chocolate • 150 g de farinha
• 125 g de manteiga • 2 c. de chá de
fermento em pó
• 150 g de açúcar

PREPARAÇÃO
Pré-aqueça o forno a 180º C.
No copo da batedeira coloque os ovos e o açúcar e bata
até formar um creme esbranquiçado.
Numa tigela, junte o chocolate e a manteiga e leve
a derreter em banho-maria.
Ponha o açúcar para o caramelo num tacho, adicione uma
colher de sopa de água e leve ao lume até atingir o ponto
de caramelo. Verta-o no fundo de uma forma de bolo e
unte a parte lateral com manteiga e polvilhe com farinha.
Disponha as bananas em rodelas no fundo da forma.
Entretanto, misture o chocolate derretido aos ovos
batidos. Adicione a farinha peneirada com o fermento
e mexa com cuidado.
Encha a forma com a massa e leve ao forno a 180º C
durante 15 minutos. Retire e deixe arrefecer. Desenforme
BOLO DE CAFÉ PREPARAÇÃO
depois de frio.
COM LEITE Pré-aqueça o forno a 180 graus.
Leve ao lume (ou micro-ondas) Do livro Os Doces da Chef Marlene – O Sabor do Saber
POR RITA NASCIMENTO
o leite juntamente com o café Português (Casa das Letras)
solúvel para dissolver o café
INGREDIENTES e amornar ligeiramente o leite.
• 200 ml de leite Reserve.
• 4 colheres de sopa Com a batedeira, bata a
de café solúvel manteiga amolecida e o
• 200 g de manteiga açúcar até obter uma mistura
mais fofa, cremosa e clara.
• 350 g de açúcar
• 4 ovos Junte as gemas e continue a
bater para que fiquem bem
• 350 g de farinha
integradas. Envolva metade
• 2 colheres de chá do leite.
de fermento
Junte a farinha e o fermento,
mexendo suavemente.
Do livro Um Bolo por Semana Adicione o restante leite.
(Arte Plural Edições) Bata as claras em castelo e
envolva-as delicadamente
na massa. Coloque a massa
numa forma preparada e leve
ao forno. Coza durante cerca
de 45 minutos ou até um palito
espetado no centro sair limpo.

104 VISÃO 18 MARÇO 2021


BOLO DE PERA
E CANELA
POR ISABEL SILVA

INGREDIENTES
• 2 peras grandes (300 g) sem caroços
• 1/2 chávena de água
• 1 colher de sopa de vinagre
de sidra ou sumo de limão
• 1/2 chávena de agave
• 5 colheres de sopa de óleo de coco
(60 g) derretido
• 1 1/2 chávena de farinha de arroz
(225 g)
• 1/3 chávena de farinha de araruta
(50 g)
• 5 colheres de sopa de linhaça moída
(50 g)
• 1 colher de chá de fermento em pó
• 1 colher de chá de bicarbonato
de sódio
• 1 colher de chá de canela
• Óleo de coco para untar
BOLO DE CENOURA E ESPECIARIAS
POR MARIA JOÃO CLAVEL PREPARAÇÃO
Corte e descaroce as peras e coloque-as
na liquidificadora juntamente com todos
INGREDIENTES PREPARAÇÃO os ingredientes líquidos. Triture e reserve.
Para o bolo Para o bolo Numa taça média, junte os restantes
• 250 g de açúcar mascavado Coloque o açúcar, os ovos, a baunilha ingredientes secos. Adicione o líquido anterior
integral e o óleo numa taça e bata durante cinco e envolva bem.
• 4 ovos minutos. Unte uma forma para bolos com um pouco
• 1 c. de chá de extrato Junte aos poucos as farinhas, o de óleo de coco, verta o preparado e leve
de baunilha fermento, o bicarbonato, a canela, o ao forno, pré-aquecido a 180° C, durante cerca
• 300 ml de óleo de coco gengibre e o sal peneirados e bata em de 30 minutos.
(ou outro óleo vegetal) velocidade baixa, só até ficar tudo ligado.
• 200 g de farinha de trigo Adicione a cenoura e a noz e envolva Do livro Eu Sei Como Ser Feliz (Manuscrito)
• 200 g de farinha de trigo tudo com uma espátula.
integral Verta a massa em duas formas de 20
• 2 c. de chá de fermento cm untadas com manteiga e polvilhadas
em pó com farinha e leve ao forno a 180ºC,
• 1 c. de chá de bicarbonato durante 45 minutos ou até um palito sair
de sódio seco do interior do bolo.
• 1 c. de café de canela em pó Para o recheio
• 1 c. de café de gengibre Bata numa taça o queijo-creme com
em pó a manteiga até obter uma pasta macia.
• 1 pitada de sal Adicione o açúcar e bata até incorporar.
• 300 g de cenoura ralada Reserve.
• 100 g de miolo de noz Retire os bolos do forno e deixe arrefecer
picado um pouco antes de desenformar.
Para o creme Deixe arrefecer por completo e corte
• 250 g de queijo-creme cada um ao meio. Espalhe uma porção
de creme por cima de uma camada,
• 50 g de manteiga
coloque outra camada por cima, mais
• 150 g de açúcar em pó uma porção de creme e novamente uma
camada de bolo, repetindo até terminar.
Do blogue Clavel’s Kitchen Leve ao frigorífico para endurecer.

18 MARÇO 2021 VISÃO 105


C OMP RA R

Animalphabet GUR
A coleção de
tapetes da
GUR continua a
crescer, agora
com o divertido
Animalphabet,
da ilustradora
Mariana Malhão.
Neste abecedário,
vivem 26 bichos,
desenhados numa
ampla paleta de

D.R.
tons. “Não é só uma

Goiaba
letra ou um bicho”,
diz Mariana. “São
figuras divertidas,
alegres e, às vezes,

Quanto maiores, melhor


até irreverentes.
Cada tapete é um
universo”, conta a
ilustradora, “grande
parte inspirado
A coleção de brincos da marca portuguesa pisca o olho à extravagância dos anos 80, em animais reais.”
com padrões coloridos e formas divertidas Do A ao Z, há
aranhas a espreitar,
gatos malhados,
macacos a dançar
Grandes e com padrões interiores, de 32 anos, a viver em Aveiro, e lobos à espera de
exuberantes, os brincos da Goiaba se aventurar no lançamento da Goiaba, em assustar os mais
não passam despercebidos. julho de 2020: “Acreditei que este momento, desprevenidos.
“Acompanham muito bem um em que as pessoas estão mais limitadas Os tapetes, que
visual mais básico”, sublinha Irina nas compras, seria o ideal para avançar também podem
Coelho, a criadora da marca, com a marca online. E a verdade é que a servir para decorar
assumidamente revivalista, inspirada na primeira coleção esgotou rapidamente.” Irina uma parede, são
irreverência dos anos 80 do século XX, sempre teve um fascínio por acessórios e todos feitos à
mas equilibrada por formatos mais atuais. acompanhava atentamente as tendências. mão (€160 cada
É ela quem desenha e produz as peças, em “Continuo a exercer a minha profissão, unidade). A GUR,
acrílico, com encaixes em aço inoxidável, mas esta é uma forma de a complementar marca de tecelagem
para manterem a leveza. Edições sempre com algo de que gosto”, diz. artesanal, sediada
limitadas (apenas cinco por modelo), para O projeto não ficará por aqui. “Comecei no Porto e
manter a aura de exclusividade. “Quero pelos brincos, por serem mais económicos fundada em 2013
oferecer peças de autor, acessíveis a qualquer [entre €9,99 e €18,99], mas gostava de pela designer
pessoa”, acrescenta. A nova coleção é lançada fazer outro tipo de acessórios”, adianta. Célia Esteves,
nesta sexta, 19, e cada linha ostenta o nome Algo a concretizar quando avançar com sempre viveu de
de cidades da Ásia, a remeter para o calor abertura de uma loja física, em Aveiro colaborações. Até
agora, já foram mais
da próxima estação. (provavelmente, ainda este ano). Isto
de 170 os artistas
O projeto de criação de uma marca porque, mesmo com as imagens bem
que deixaram a
de acessórios de moda vinha de longe, coloridas e apelativas do site da Goiaba, assinatura nas suas
do tempo em que Irina Coelho fazia, “muitas pessoas sentem a necessidade peças. S.S.O.
por brincadeira, peças para as amigas. de experimentar as peças”. E vencer a
A desaceleração provocada pela pandemia resistência de recuarem aos divertidos
X
serviu de pretexto para a designer de (e felizes!) anos 80. Joana Loureiro rugbygur.com > À venda
na Senhora Presidenta,
R. Joaquim António de
X Aguiar, 65, Porto >
goiabadesign.com > brincos entre €9,99 e €18,99 T. 91 158 9193

106 VISÃO 18 MARÇO 2021


VE R

Palavras em palco – Um
Os Filhos do Mal caminho para Caryl
Os dois lados da memória do Estado Novo Churchill
O afastamento dos
palcos forçou as
Depois de “Os Filhos do Colonialismo”, estreado em 2019, André Amálio e Tereza companhias a pensar
Havlíčková regressam, no São Luiz, ainda via online, à nossa história recente em novas formas de
chegar ao público.
O Teatro Aberto também
não escapou ao digital
e estreia neste domingo,
dia 21, um espetáculo
pensado e filmado para
ser visto em casa, num
ecrã. “Não é teatro, mas
é, sem dúvida, uma
forma de nos
aproximarmos dos
nossos espectadores,
que nos fazem tanta
falta”, sublinham.
Palavras em palco – Um
caminho para Caryl
Churchill parte da obra
da dramaturga britânica,
ESTELLE VALENTE

referência maior da
companhia, combinando
excertos das peças
Proprietários (1972) e
Top Girls (1983) com os
textos integrais de Sete
Há os filhos e outros familiares “Falar do ‘mal’ é, para nós, uma crianças judias. Uma
de pessoas que se opuseram à posição política; não temos dúvidas peça para Gaza (2009) e
ditadura; há os filhos e outros sobre dizer que o antigo regime é um de Os amigos de Barba
familiares de pessoas que período do mal e achamos que, às Azul (2019). A autora,
eram afetas ao regime. vezes, isso não é dito claramente em apontam, “distingue-se
Nas memórias e nos relatos Portugal”, diz André Amálio. A Hotel pelas experiências
da convivência com estas pessoas, reside Europa seguiu a mesma metodologia inovadoras com as
um dos fatores mais importantes deste do espetáculo anterior: encontrar as formas de escrita para
espetáculo: quer tenham sido familiares suas personagens reais através de o teatro e pelo modo
de oponentes ou de coniventes com a workshops. O espetáculo é, depois, crítico, enigmático e
ditadura que em Portugal durou de 1926 pautado por documentação saída de poético como interpela
a 1974, todos se posicionam do lado certo arquivos, por vídeos e por um trabalho os espectadores a refletir
da História. Numa altura em que de movimento que parte, também, da sobre o mundo que os
movimentos políticos populistas ideia de memória: os gestos que um rodeia”. Encenado por
aproveitam a polarização da sociedade avô fazia na fábrica, a marcha da Legião Marta Dias, realizado
para se alimentarem, esse lado traduz-se Portuguesa ou dos soldados durante a por Nuno Neves e
na certeza de que uma alteração dos guerra... “Este espetáculo vem provar interpretado por Bruno
que as gerações do pós-25 de Abril, Bernardo, Margarida
valores democráticos definidos na
Vila-Nova, Sílvia Filipe
Constituição seria um retrocesso da democracia, precisam de conhecer
e Vítor d’Andrade, o
civilizacional. Depois de trabalhar a o passado dos seus pais e olhá-lo espetáculo cruza a
memória e o colonialismo, a companhia criticamente; de repente, há perguntas linguagem do teatro e
Hotel Europa, de André Amálio, retrata que nunca tinham sido feitas”, explica do cinema, tendo sido
agora a memória do Estado Novo também Amálio. E acrescenta: “É um esforço que filmado precisamente
através das gerações pós-25 de Abril e do espero que cada espectador faça por si.” para esta estreia no
que lhes foi transmitido por pais e avós. Cláudia Marques Santos streaming. J.L.

X
X
teatroaberto.com > 21 mar,
Sala Virtual do São Luiz – bol.pt > 25-31 mar, qui-qua 19h (disponível até às 24h), 2-4 abr, sex-dom 14h
dom > grátis
(disponível até às 19h) > €3

18 MARÇO 2021 VISÃO 107


VER

MONSTRA Quarentena Cinéfila


Enquanto os cinemas

Uma semana animada


não reabrem, a Medeia
avança para a quarta fase
do programa Raridades,
da Quarentena Cinéfila.
Mais uma vez, os filmes
Os 20 anos do festival de animação de Lisboa começam por ser celebrados são disponibilizados,
com um programa especial na plataforma Filmin de forma gratuita e por
tempo limitado, no site da
distribuidora.
Ao longo de 20 anos de Jogo, de Georges Schwizgebel; ou Pai e
O programa inicia-se
existência, passaram pela Filha, de Michaël Dudok de Wit. Todos em grande estilo com
Monstra alguns dos grandes eles artisticamente deslumbrantes, Labirinto Infernal (1956),
nomes do cinema de prontos a desfazer o lugar-comum uma das grandes obras
animação mundial e que diz que a animação é coisa apenas da fase mexicana de
centenas de filmes de todas de crianças. Para juntar toda a família, Luis Buñuel. Trata-se de
as latitudes. Para celebrar a data a Monstra também pensou outra uma adaptação do conto
redonda, o festival de Lisboa está a retrospetiva, com animações para todas homónimo de José-André
preparar uma edição comemorativa lá as idades. Igualmente acessível a todos Lacour protagonizada
para o final de julho (acreditando que, está uma retrospetiva, não integral, por Simone Signoret e
nessa altura, a pandemia estará mais da obra de José Miguel Ribeiro, um Michel Piccoli. Segue-se
branda). Mas, entretanto, disponibiliza dos realizadores portugueses mais O Rio (2018), de Emir
na plataforma Filmin um programa destacados internacionalmente, com Baigazin (filme vencedor
especial, em que se faz uma retrospetiva filmes como Passeio de Domingo e do LEFFEST nesse ano),
de duas décadas de festival, ao mesmo Viagem a Cabo Verde. da autoria de um dos mais
tempo que se levanta o véu do que O festival de 2021 anuncia-se com badalados realizadores
poderá ser a edição de 2021. uma amostra das secções curtas, cazaques da atualidade;
Quem gosta de animação não vai Monstrinha (para os mais novos) e um filme rural de grande
querer perder o ciclo “Curtas 20 anos”, filmes de estudantes. E há ainda espaço intensidade estética. O
em que se exibem algumas das melhores para espreitar uma retrospetiva do Bosque dos Equinócios
(2016), por seu lado, é a
obras que já passaram pelo festival. São Festival de Leipzig e da Agência da
primeira obra realizada
17 filmes, incluindo Kali, o Pequeno Curta-Metragem, além da exibição do
pelo ator francês Grégoire
Vampiro, de Regina Pessoa; Crime e filme alemão Fritzi - Uma História Le Prince-Ringuet, que
Castigo, de Piotr Dumala; Sonhos e Revolucionária, de Ralf Kukula contou com produção de
Desejos – Laços de Família, de Joanna e Matthias Bruhn, a única longa- Paulo Branco e esteve
Quinn; A Sereia, de Alexander Petrov; metragem apresentada. Manuel Halpern presente no festival de
Cannes. Uma história de
encontros e desencontros
amorosos ao bom estilo
francês. O programa
termina com uma obra
prima: Helena e os
Homens (1956), de Jean
Renoir, aquele a que
Jean-Luc Godard chamou
o mais “mozartiano” dos
filmes do realizador.
A Medeia aproveitou
ainda a quarentena
para lançar uma caixa
de DVD com quatro
filmes recentes de
François Ozon, um
dos mais controversos
realizadores do cinema
francês, além do clássico
O Carteirista, de Robert
D.R.

Bresson. M.H.

X X
filmin.pt > 17 mar-14 abr medeiafilmes.com > 18 mar-1
abr > grátis

108 VISÃO 18 MARÇO 2021


LIVROS E DI S CO S

Subterrâneos O Gajo
Uma campaniça sem amarras
O Gajo já não está sozinho. No novo disco tem a companhia
do contrabaixo de Carlos Barretto e da percussão de José Salgueiro

Suspense ou a Arte
da Ficção Patricia
Highsmith
Para quem quer
truques infalíveis,
outros manuais
existem. Suspense
ou a Arte da Ficção
(Cavalo de Ferro, 143
págs., €14,99) tem
a honestidade certa.
JORGE BUCO

Patricia Highsmith
(1921-1995) aborda
as etapas essenciais:
as “sementes” das
O passado de João Morais nos meios mais underground do ideias, o caderno de
rock nacional, como guitarrista de bandas como Corrosão bolso (“a frequência
Caótica, Carbon H ou Gazua, não deixava adivinhar uma com que uma frase,
reinvenção como a que conseguiu enquanto O Gajo. Tanto registada num bloco
dele próprio, como músico, como do instrumento adotado de notas, conduz
por esse seu alter ego nascido em 2017: a tradicional viola de imediato a uma
campaniça, que conheceu, “quase por acaso”, numa noite em Beja, pela segunda frase”), o
mão de “um exímio tocador” da dita. Sem o saber, tinha encontrado a trunfo das emoções,
via que há muito procurava: “Criar um som próprio, imediatamente É já o terceiro o exercício de tornar
identificado como português.” Pelo caminho, trocou as voltas a este disco assinado o herói simpático
instrumento tradicional alentejano, trazendo-o para a confusão da pelo projeto (“terrivelmente
grande cidade com o elogiado álbum de estreia, Longe do Chão, que O Gajo, de difícil”), o ponto de
através de 11 temas instrumentais transportava o ouvinte numa João Morais. vista (“um bicho-
nostálgica viagem por uma Lisboa cada vez mais em risco de extinção, Subterrâneos papão para muitos”).
guiado pelo som de uma viola campaniça entre o fado e o punk rock. marca uma Fala-se, também, da
viragem no seu falta de dinheiro, da
Um universo entretanto alargado com As 4 Estações de O Gajo (2018)
percurso, agora singularidade de cada
e agora outra vez expandido a territórios totalmente virgens neste
menos solitário criador, das dúvidas
Subterrâneos, um disco no qual, pela primeira vez, se apresenta em em obras como O
depois de
formato trio e logo na companhia de dois pesos-pesados da música Desconhecido do
apostar num trio
portuguesa: Carlos Barretto, no contrabaixo, e José Salgueiro, na instrumental Norte Expresso, do
percussão. “Gosto de me reformular, de não repetir fórmulas, e por “ardor do público
isso senti necessidade de trazer mais alguém para o barco”, assume. pela justiça, bastante
Antes, porém, teve de “criar uma narrativa própria”, que deixasse a enfadonho e
linguagem d’O Gajo intacta mas ao mesmo tempo permitisse aos artificial”. “Explicar
convidados desbravarem novos caminhos para a viola, tal como como se escreve um
acabou por acontecer. São vários os ambientes musicais que se cruzam livro bem-sucedido
neste álbum, por entre jazz, fado, rock e sonoridades tradicionais mais – ou seja, bom de ler
ou menos exóticas. “Se é indefinível é bom sinal, porque esse é o – é impossível”, diz.
espaço onde gosto de me mover”, sublinha. Miguel Judas Mas ela tenta, e muito
bem. S.S.C.

18 MARÇO 2021 VISÃO 109


TV

A Caçada TV Cine Top


Até ao minuto 63, a
atriz Hilary Swank
aparece sempre de
costas. Antes, já
um grupo de doze
pessoas acordou
numa clareira, sem
saber onde está
nem perceber qual
a razão de terem
sido todos drogados
e deixados ali.

D.R.
O argumento de
Nick Cuse e Damon

A Unidade AXN
Lindelof leva-nos
então até a um outro
grupo, denominado
de elite e liderado

Luz verde para cercar os jihadistas pela personagem de


Hilary Swank, que
se reúne no tal local
remoto para caçar
Uma série policial espanhola que presta, à sua maneira, homenagem às 193 vítimas esses estranhos
(a que chamam
do ataque terrorista de 11 de março de 2004 em Madrid deploráveis), por
puro prazer e
divertimento.
Esta série, falada em espanhol, aparato policial das séries do género, A Caçada recorre a
francês e árabe, vem mesmo com muito suspense e ação, recorrendo bastantes momentos
a calhar, numa altura em que a sirenes, tiros, fumo, rusgas, helicópteros de terror, muito
o mundo quase esqueceu os e operacionais infiltrados. sangue e cenas
estragos provocados pelo Apesar de parecer, a história está longe em que se torna
terrorismo islâmico. Pela de acabar na celebração que a equipa faz obrigatório franzir os
primeira vez, passámos ao de leve pelo 11 quando todos estão de volta à esquadra, olhos, como quando,
de março, o maior ataque terrorista sofrido em Madrid, com comida e bebida à mistura. por exemplo, se
aqui ao lado, em Madrid, e não o Sem querer abusar do spoiler, até pode mostram corpos
recordámos como tínhamos obrigação dizer-se que, na verdade, a história ainda trespassados por
de o fazer. Pois bem, A Unidade começa por está por começar – é para isso que existem setas.
envergonhar-nos por essa falta de atenção, seis episódios semanais. O filme, realizado
ao lembrar o que se passou em 2004 e as Entretanto as vivências pessoais dos por Craig Zobel
193 pessoas que morreram naquele dia, agentes mais importantes da brigada, que e produzido por
nas imediações da estação de Atocha. têm de agir com a máxima discrição, até Jason Blum,
De seguida, continua a explicar, sempre junto das suas famílias, vão intrometer- tornou-se polémico
por escrito, que o nome da série remete -se nas investigações secretas a que por satirizar a
para uma célula da polícia que investiga se dedicam. O maior drama pessoal polarização política
é o recentíssimo divórcio de Carla (a entre democratas
o terrorismo em território espanhol.
e republicanos e as
Numa megaoperação, que se desenrola superchefe) e Marcos (chefe da Unidade),
cisões sociais nos
entre Madrid, Toulouse, Melilla e Tânger, e o sofrimento da filha, Lua, pois ambos
EUA. Não chegou a
sob a batuta da comissária Carla Torres, têm de continuar a trabalhar juntos, apesar estrear nas salas de
estes superagentes acabam por capturar de ele ter saído de casa, de comum acordo, cinema, como estava
o terrorista mais procurado do mundo. mas com algum drama a rondar a situação. previsto, mas pode
Durante essa captura não falta o típico Luísa Oliveira agora ser visto na
televisão. L.O.
X
Estreia 22 mar, seg 22h50 X
Estreia 19 mar, sex 21h30

110 VISÃO 18 MARÇO 2021


O gosto dos outros

O Livro por Vir Maurice Blanchot


“Surpreendeu-me pela dificuldade,
Djaimilia
Pereira
mas gosto de regressar às coisas que
não entendi bem.” Fê-lo em 2020,
quase 15 anos depois da primeira
leitura. “Encontrei, neste livro, uma
das mais misteriosas e profundas
discussões sobre a natureza da
imaginação e da composição literária”,
sublinha. “Reconheço-me na descrição
de Blanchot.”
de Almeida Moon Maiden“Nesta canção,
composta por Duke Ellington por
ocasião da missão Apollo 11,
em 1969, ouvimo-lo cantar. A sua
voz é apoteose do cool: sensual
A escritora folheia e sugestiva, mágica”
livros e recordações,
no conforto da sua
sala. Em breve, lançará
o novo romance,
Maremoto, editado
pela Relógio D’Água

A sala de casa J O A N A L O U R E I R O jloureiro@visao.pt

Diz ser “uma pessoa de interiores”


e refere um lugar especial: “A sala da
Zambujeira do Mar
nossa casa, durante a noite, enquanto É destino recorrente nas férias,
escolhemos e corrigimos fotografias, e Djaimilia guarda com intensidade
revemos textos, conversamos, as memórias de uma viagem feita com
namoramos, discutimos.” Fala no o marido: “Os últimos minutos de uma
plural, a recordar os serões passados chegada à Zambujeira do Mar, ainda
com Humberto Brito, o marido, com namorados, de carro, alta noite, há 19
quem fez Regras de Isolamento, uma anos. A sensação de tempo dilatado,
espécie de diário do confinamento, o cheiro das camarinhas, o som das
lançado em setembro de 2020. ondas.”

Passing Through Eden


Tod Papageorge
Neste livro, o fotógrafo registou anos
de deambulações pelo Central Park,
em Nova Iorque. “As imagens fixam os
momentos de lazer dos nova-iorqui-
nos, sentados ao sol, a jogar xadrez,
Canetas de aparoHerdou a ler, a namorar, absortos. É o livro
de uma vida e um Jardim do Éden
a coleção do avô materno.
“Comprou-as com sacrifício imprevisto
e ofereceu-mas, para que eu lhes e apinhado”,
desse uso. São o objeto que mais descreve a
estimo, amuleto contra o medo escritora.
e a cobardia”, conta
J OGO S

Palavras cruzadas
>> H O R IZONTAIS >> 1. Nome da letra “f”. Tremer de frio.
// 2. Ação de cortar. Contr. da prep. “de” com o pron. pess. “ele”.
// 3. Género de moluscos acéfalos hermafroditas que vivem encerrados
numa concha bivalve. Valor intrínseco ou estimativo. // 4. Nome
genérico de um grupo de substâncias de origem vegetal, uma das
quais é o ácido tânico. // 5. Instrumento de ferro para escavar a terra,
arrancar pedras, etc. Bismuto (s.q.). // 6. Acrónimo de Imposto sobre o
Valor Acrescentado. Revestir de gesso para pintar ou dourar. // 7. O m.q.
“drenar”. // 8. Pessoa excessivamente gorda (fig.). Metal precioso de cor
amarela, dúctil e maleável. // 9. Baixio. A pessoa ou coisa masculina de
que se fala. Sensação emocional ou psicológica que causa sofrimento.
// 10. Agregar. Chefe supremo em Moçambique. // 11. Quantia reposta
por um parceiro no jogo do voltarete. Conjunto de coisas descritas e
enumeradas. >> VE RT ICAIS >> 1. Repetição de um som reenviado
por um corpo duro. Letra grega correspondente a “p”. Cidade do distrito
de Aveiro. // 2. Festa religiosa ou civil. // 3. Pau aguçado que se crava na
terra para diferentes usos. De sentimentos perversos. // 4. Caixa em
que se recolhem os votos nas eleições. Designa diferentes relações,
como posse, matéria, lugar, proveniência (prep.). Graceja. // 5. Revelar
informação que era secreta. // 6. Imposto automóvel (sigla). Recusa a
dar lição ou a ser chamado à lição. Lírio. // 7. Aprovei ou elegi por meio
de voto. Eia (interj.). // 8. Jornada. Jumento. // 9. O tecido em que se
pintam os quadros desde que, postos no cavalete, se lhes dá a primeira
mão de pintura. Cumprimentar. // 10. Naquele lugar. Exuberante.
// 11. Exercer reação. Diz-se do fonema que é produzido pela boca,
sem ressonância nasal (gram.).

> > Q U I Z > > 1. C // 2. C // 3. C // 4. B // 5. A // 6. A // 7. C // 8. B // 9. C // 10. B


SOLUÇÕES

Ruim. // 4. Urna, De, Ri. // 5. Trair. // 6. IA, Nega, Lis. // 7. Votei, Ena. // 8. Ida, Asno. // 9. Tela, Saudar. // 10. Ali, Barroco. // 11. Reagir, Oral.
// 8. Odre, Ouro. // 9. Vau, Ele, Dor. // 10. Adir, Inhaca. // 11. Remissa, Rol. >> V E RT I CA I S > > 1. Eco, Pi, Ovar. // 2. Festividade. // 3. Estaca,
> > H O R I ZO N TA I S > > 1. Efe, Tiritar. // 2. Cesura, Dele. // 3. Ostra, Valia. // 4. Tanino. // 5. Picareta, Bi. // 6. IVA, Gessar. // 7. Drainar.

Sudoku DIFÍCIL Quiz


POR PEDRO DIAS DE ALMEIDA

1. Como se chama o novo livro 6. A marca de vinhos Papa Figos


de José Luís Peixoto? tem origem em que região vinícola?
A. O Chá das Cinco A. Douro
B. Mesa para Dois B. Dão
C. Almoço de Domingo C. Alentejo
2. Onde nasceu Marchesín, guarda- 7. O navio-escola Sagres foi
-redes do Futebol Clube do Porto? construído, nos anos 30 do século
A. Uruguai XX, em estaleiros de que país?
B. Chile A. França
C. Argentina B. Inglaterra
C. Alemanha
3. Qual o país de origem da marca
de automóveis Bugatti? 8. A companhia teatral Comuna
A. Itália – Teatro de Pesquisa surgiu,
B. Suíça em Lisboa, em que ano?
C. França A. 1968
B. 1972
4. Quem foi a arquiteta responsável C. 1975
pelo edifício do Museu de Arte,
Arquitetura e Tecnologia (MAAT), 9. Phascolarctos cinereus
em Lisboa? é o nome científico de que animal?
A. Nathalie Eldan A. Panda Gigante
B. Amanda Levete B. Canguru
C. Jeanne Gang C. Coala
5. Como se chamava o último álbum 10. Em que concelho fica a Praia
de José Afonso, lançado em 1985? da Areia Branca?
A. Galinhas do Mato A. Vila do Conde
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112 VISÃO 18 MARÇO 2021


Proprietária/Editora: TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
Sede: Rua da Fonte da Caspolima – Quinta da Fonte
Edifício Fernão de Magalhães, n.º 8, 2770-190 Paço de Arcos
NIPC: 514674520.
Gerência da TRUST IN NEWS: Luís Delgado,
Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.
Composição do Capital da Entidade Proprietária: 10.000,00 euros,
Principal acionista: Luís Delgado (100%)
Publisher: Mafalda Anjos

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MARCA NACIONAL TEM NOVO SITE!
Diretora: Mafalda Anjos A Airfree apresenta o seu novo site –
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Editores-Executivos: Catarina Guerreiro e Filipe Luís mais intuitiva e interativa no mundo dos
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EXAME/Economia: Tiago Freire (diretor)
Editores: Alexandra Correia (Sociedade), Clara Cardoso (visao.pt)
Através de um layout moderno e responsivo pode
Filipe Fialho (Mundo), Inês Belo (VISÃO Se7e), João Carlos Mendes (Grafismo), aceder-se ao site a partir de qualquer aparelho
Manuel Barros Moura (Radar) e Pedro Dias de Almeida (Cultura)
Redatores Principais e Grandes Repórteres: Cláudia Lobo, José Plácido Júnior,
(computador, monitor da TV,
Miguel Carvalho e Rosa Ruela tablet, smartphone, etc.), e chegar
Redação: André Moreira, Carmo Lico (online), Cesaltina Pinto, Clara Soares,
Clara Teixeira, Florbela Alves (Coordenadora VISÃO Se7e/Porto),
mais facilmente a qualquer página ou função.
Joana Loureiro, Luísa Oliveira, Luís Ribeiro (Coordenador Ambiente), Margarida Vaqueiro O novo site responde a todas as dúvidas sobre o
Lopes, Mariana Almeida Nogueira, Nuno Aguiar, Nuno Miguel Ropio, Paulo C. Santos, modo de funcionamento dos purificadores
Paulo Zacarias Gomes, Rita Rato Nunes, Rui Antunes, Rui Barroso, Sandra Pinto,
Sara Rodrigues, Sara Santos (redes sociais), Sílvia Caneco, Sílvia Souto Cunha, Sónia de ar Airfree, com a sua
Calheiros, Susana Lopes Faustino, Susana Silva Oliveira, Teresa Campos e Vânia Maia tecnologia TSS exclusiva e patenteada.
Grafismo: Paulo Reis (Editor adjunto), Teresa Sengo (Coordenadora),
Ana Rita Rosa, Edgar Antunes, Filipa Caetano, Hugo Filipe, Patrícia Pereira e Rita Cabral Em páginas de informação interativa podem
Infografia: Álvaro Rosendo e Manuela Tomé analisar-se as especificidades e benefícios de cada
Fotografia: Fernando Negreira (Coordenador), José Carlos Carvalho,
Lucília Monteiro, Luís Barra e Marcos Borga
aparelho, numa descrição detalhada.
Copydesk: Maria João Carvalhas, Rui Carvalho e Teresa Machado
Secretariado: Sofia Vicente (Direção), Teresa Rodrigues (Coordenadora),
e Ana Paula Figueiredo
Colunistas: Capicua, Cecília Meireles, Gonçalo Cadilhe, Isabel Moreira,
José Eduardo Martins, José Manuel Pureza, Miguel Araújo, Pedro Norton
e Ricardo Araújo Pereira
DONA ERMELINDA GRANDE RESERVA
“PARA UM GRANDE PAI, UM GRANDE RESERVA”
Colaboradores Texto: Manuel Gonçalves da Silva, Manuel Halpern, Miguel Judas;
Margarida Robalo e Sónia Graça (Revisão)
Ilustração: João Fazenda (Boca do Inferno) e Susa Monteiro
Centro de Documentação: Gesco
Redação, Administração e Serviços Comerciais: Rua da Fonte da Caspolima
– Quinta da Fonte, Edifício Fernão de Magalhães, 8
2770-190 Paço de Arcos – Tel.: 218 705 000
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Marketing: Marta Silva Carvalho (diretora) – mscarvalho@trustinnews.pt
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Mariana Jesus (Gestora de Marca) mjesus@trustinnews.pt
Rita Roseiro (Gestora de Marca) rroseiro@trustinnews.pt
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Tecnologias de Informação: João Mendes (Diretor)

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para parceiros da VISÃO, com coordenação do TIN Brand Studio.
Produção, Circulação e Assinaturas: Vasco Fernandez (Diretor) O dia do Pai, que se comemora no próximo dia Trata-se de um vinho raro e único, muito
Pedro Guilhermino (Coordenador de Produção), Nuno Carvalho, Nuno Gonçalves
e Paulo Duarte (Produtores), Isabel Anton (Coordenadora de Circulação), 19, é assinalado pela Casa Ermelinda Freitas com intenso que apenas se produz em anos
Helena Matoso (Coordenadora de Assinaturas), uma sugestão especial para brindar em família excepcionais. O mesmo requer iguarias de
Serviço de apoio ao assinante. Tel.: 21 870 50 50 (Dias úteis das 9h às 19h)
Impressão: Lisgráfica – Casal de Sta. Leopoldina – 2745 Queluz de Baixo.
- presencialmente ou à distância através de uma grande complexidade, de forma a se poder
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Dias úteis – 9h às 19h
BOCA DO INFERNO

Lavagem
de manto real sujo
POR RICARDO ARAÚJO PEREIRA

A
entrevista aos duques de Sussex revelou além disso, o assaltante estava bastante mal vestido.
mais uma vez a importância de nos co- O resto da entrevista já foi mais fácil de com-
locarmos no lugar do outro. Como tenho preender. Os duques revelaram a Oprah Winfrey a
uma capacidade muito grande para a sua intenção de começar a levar um estilo de vida
empatia, fui obrigado a ver a entrevista que caracterizaram como de “regresso ao essencial”.
aos poucos, uma vez que o sofrimento, Mais uma vez, o meu coração apertou-se, imagi-
mesmo em segunda mão, estava a cau- nando o escárnio daqueles que nunca passaram pela
sar-me muito transtorno. O que se pas- dificuldade de regressar ao essencial numa mansão
sou foi o seguinte: a duquesa de Sussex de 14 milhões de dólares. Uma coisa é viver uma vida
decidiu integrar voluntariamente uma simples num T2 no Cacém. Mas eu gostava de ver
família cuja existência assenta na ideia de que não esses privilegiados habitantes dos subúrbios a man-
somos todos iguais. Uma vez instalada no palácio, a terem presente o essencial numa mansão de 14 mi-
família fê-la sentir que – preparem-se – não somos lhões de dólares. Em princípio, não teriam disciplina
todos iguais. Só posso imaginar a dor. Preparamo- para tanto. É um esforço duro e diário. Só espero
-nos para usufruir da discriminação boazinha de, que os duques continuem a poder fazê-lo sem dis-
por exemplo, sermos designados por alteza, que é o tracções como, por exemplo, terem de arranjar um
dever de todas as baixezas que se cruzam connosco, emprego a sério. Queira deus que nunca cheguem a
e de repente somos alvo de discriminação abjecta. esse ponto. visao@visao.pt
Deve ser uma surpresa muito grande.
Logo a seguir a fazer a acusação de racismo, a
duquesa lamentou também uma ocasião em que
discutiu com a cunhada acerca da indumentária das
meninas que levavam as flores no seu casamento,
discussão essa que acabou com ela em lágrimas.
Aqui, confesso, tive de fazer um esforço maior para
compreender sua alteza real. Tem a ver com a minha
idade. No meu tempo, o racismo era uma questão
muito séria, e ainda não estou habituado a que a pa-
lavra se aplique a ninharias como a que, há uns me-
ses, custou uma suspensão e uma multa ao Bernardo
Silva. Por isso, para mim, denunciar uma situação de
racismo na mesma entrevista em que também refe-
rimos a altura em que nos fizeram chorar por causa
de collants é como relatar que fomos vítimas de um
assalto muito violento e depois acrescentar que,

A duquesa de Sussex decidiu


integrar voluntariamente
uma família cuja existência
assenta na ideia de que não
somos todos iguais. Uma vez
ILUSTRAÇÃO: JOÃO FAZENDA

instalada no palácio, a família


fê-la sentir que – preparem-se
– não somos todos iguais.
Só posso imaginar a dor

114 VISÃO 18 MARÇO 2021


FIQUE A CONHECER MELHOR
A NOSSA PRIMA

BUMBA
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