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recrutas, para as tropas da cidade da Baía, em distância de oitenta léguas, com desvelo e
detrimento de sua pessoa e despesas próprias”, do mesmo modo fez quando foi designado
para levar de Sergipe para a Bahia o dinheiro arrecadado para o real subsídio voluntário e
literário. Foi ainda juiz ordinário e provedor da Casa da Santa Misericórdia e “em tudo se tem
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comportado bem e louvavelmente”. Cabe assinalar que a funçao de provedor, uma espécie
de dirigente máximo daquela instituição, era um cargo que exercia bastante influência no
âmbito das relações de poder então travadas no espaço local. Esta trajetória evidencia ainda a
importância que possuía a concessão de títulos militares no que este aspecto representava um
elemento de grande valor em termos da hierarquização social e de símbolo de honra e
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reconhecimento para a população masculina colonial.
Um processo semelhante de absorção da elite colonial nas malhas da burocracia pode
ser observado na história de Antonio Moniz de Souza, colono nascido em 1782, em Campos
do Rio Real, povoação de Lagarto. Por muito tempo, dedicou-se a atividades de pecuária nas
fazendas da família. Posteriormente, voltou suas atenções para um pequeno comércio, ao qual
se dedicou por aproximadamente cinco anos. Designado capitão-mor, destacou-se na
localidade por seu envolvimento no conflito com o proprietário Bento José de Oliveira, um
importante e poderoso sargento-mor da região do Cotinguiba, que, com seus “cabras”, tornou-
se temido e famoso pelos excessos de autoridade e envolvimento em vários assassinatos.
Antonio Moniz trabalhou para sua prisão, confrontando-se abertamente com o coronel e
mobilizando as autoridades judiciárias coloniais e pessoa notáveis da localidade. A questão só
foi efetivamente resolvida quando o Conde da Ponte, governador da Bahia à época,
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determinou a prisão de Bento José de Oliveira
Os casos apontados são significativos no sentido de ilustrar o movimento de
apropriação pelos grupos sociais locais, das oportunidades de enriquecimento pelo acesso a
cargos, contratos e postos que a participação no Estado permitia.
Um exemplo concreto dessa política foi reorganização das Juntas de Fazenda nas
capitanias. A ideia era que as capitanias ficassem responsáveis por sua autossustentação

113 Atestado do juiz ordinário, presidente, e mais oficiais da Câmara da Cidade de São Cristóvão, capitania de
Sergipe d’El-Rei. 25 de Janeiro de 1810. In: LAGO, Laurenio, op. cit., p.114.

114 Essa importante dimensão da vida militar foi percebida por Caio Prado Jr. e enfatizado por GOUVÊA,
Maria de Fátima Silva. Redes de Poder na América Portuguesa – O Caso dos Homens Bons do Rio de Janeiro.
1790-1822. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.18, n.36, 1998.

115 NUNES, Maria Thétis. Sergipe colonial II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 4 ed., 1996; BOMFIM,
Clovis. Retratos da história de Santo Amaro das Brotas. Santo Amaro das Brotas: Edição do autor, 2002.
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econômica no que diz respeito à questão das despesas. Seus gastos deveriam ser pagos com
recursos próprios, não onerando a Coroa, a quem caberia apenas recolher o lucro. Na sua
essência, as Juntas fazendárias foram criadas com o intuito de centralizar os poderes na
metrópole, criando uma ligação direta entre os órgãos arrecadadores fazendários nas
capitanias e o órgão superior metropolitano, o Erário Régio. Para o funcionamento das Juntas,
contava-se com o envolvimento e desempenho dos colonos nas funções administrativas,
aspecto que muito interessava aos grupos enriquecidos da capitania, uma vez que
encontravam nessa oportunidade o caminho que lhes dilatava a participação na esfera do
Estado, além de exercer uma atividade lucrativa.
Importante lembrar que a ocupação desses cargos era vista, e sentida, como símbolos
de prestígio e dignidade, considerados essenciais em uma sociedade permeada de valores
estamentais-escravista. Além disso, a abertura a essas oportunidades funcionava como formas
de recompensa e matriz de privilégios que reforçavam as relações de compromisso entre
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colonos-vassalos e o monarca português. A disputa pelos cargos assumia o caráter de
espaço de negociação para os “melhores da terra”, momento no qual se afinava o
compromisso entre os interesses metropolitanos e as elites coloniais.
Nesse sentido, a prática do poder metropolitano em nomear funcionários régios e de
atuar para a construção de uma relação de confiança e reciprocidade institucional constituía a
peça fundamental do sistema, pois o duplo movimento fortalecia o nível político e
administrativo da capitania, ao mesmo tempo em que favorecia a centralização do poder
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metropolitano.
Vale ressaltar, ainda, que a incorporação da elite colonial ao tecido da administração
possuía também seu significado para a efetivação de interesses e jogo de influência nas
disputas locais envolvendo terras, negócios, cargos e poder. Isso pode ser verificado quando,
no processo de apropriação e exploração das antigas propriedades jesuíticas em Sergipe, o
direcionamento dessas terras provocou o enfrentamento das pessoas e grupos interessados em
sua posse. Nessa competição, indivíduos que ocupavam cargos públicos de natureza decisória,
como a da Justiça colonial, passaram a influenciar diretamente no processo de licitação das
propriedades buscando favorecer, ou mesmo decidir, através de acordos com proprietários, o

116 MESGRAVIS, Laima. Os aspectos estamentais da estrutura social do Brasil colonial. Estudos Econômicos.
São Paulo, v.13, 1983; SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos. Engenhos e escravos na sociedade colonial.
São Paulo, Companhia das Letras, 1988.

117 COSTA, Wilma Peres. Do domínio à nação: os impasses da fiscalidade no processo de Independência. In:
JANCSÓ, István (org.). Brasil: formação do Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec/Fapesp; Ijuí: Unijuí,
2003, p.163.

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