Você está na página 1de 12

A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia

Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

A CIÊNCIA DAS ILHAS E OS ESTUDOS INSULARES:


BREVES REFLEXÕES SOBRE O CONTRIBUTO DA GEOGRAFIA

The science of islands and the insular studies: Brief point of view about the importance of Geography

Paulo Espínola
Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
geopespinola@hotmail.com

Fernanda Cravidão
Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal
cravidao@fl.uc.pt

Artigo recebido em 04/02/2014 e aceito para publicação em 31/07/2014

RESUMO:
Ao longo das últimas décadas tem-se verificado um aumento do interesse pelos estudos insulares, atrain-
do investigadores de diversas áreas disciplinares que em conjunto tem sido capazes de promover esta
“nova” linha de investigação. Tendo em conta a perspetiva internacional o presente texto pretende dar
a conhecer as principais tendências ao nível da investigação sobre os espaços insulares, com particular
destaque para a nova “ciência das ilhas”. Partindo de uma análise retrospetiva recente sobre a evolução
dos estudos insulares, o objetivo principal deste artigo passa por compreender a relação entre a Geografia
(bem como dos geógrafos) e as ilhas, realçando o tipo de contributo que a ciência geográfica tem prestado
a este tipo de análise territorial. Esta investigação inscreve-se num trabalho mais vasto no âmbito do
doutoramento em Geografia que estamos a realizar.
Palavras-Chave: Ilhas; Ciência das Ilhas; Estudos Insulares; Geografia.

ABSTRACT: Throughout the last decades an increase in the interest for the island studies has occurred becoming
appealing to researchers from different areas that together have been able to promote this “new” line
of research. Considering the international perspective, this text intends to show the main tendencies of
research on the island spaces with a particular prominence in the new “science of the islands”. Growing
from a recent retrospective analysis about the evolution of the island studies, the main objective of this
article is to understand the relation between Geography (as well as geographers) and the islands high-
lighting the kind of contribute that Geography has been given to this type of territorial analysis. This
research is included in a more vast work in the PhD in Geography that we are writing.
Keywords: Islands, Science of Islands; Insular Studies; Geography.

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-451320140303

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

433
A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia
Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

INTRODUÇÃO curta duração, que possibilita a evasão à rotina diária


dessa gente.
“O mundo está repleto de ilhas” (BALDAC- Habitualmente às ilhas é associada a ideia de
CHINO, 2006b, p. 4)! Se assim é, por que razão não vulnerabilidade (no sentido de “fraqueza” e perma-
estudá-las? Será que não têm nada para oferecer no nente dependência), no entanto persistem exemplos
sentido de serem investigadas? de grande sucesso, como por exemplo o império
A ciência das ilhas, embora jovem, tem re- construído a partir da (ilha da) Grã-Bretanha, ou então,
velado grande interesse nos estudos internacionais, a expansão territorial edificada durante a Segunda
como é demonstrado pelo título do editorial da revista Grande Guerra mundial pelo arquipélago japonês.
Tijdschrift voor Economische en Sociale Geografie: Aliás, neste âmbito, torna-se conveniente recordar
“A chegada da Era dos estudos insulares” (BALDAC- que a “condição insular” constituiu-se como um dos
CHINO, 2004), proclamando deste modo a “maturi- fatores decisivos que contribuiu para a forte resistên-
dade” dos estudos insulares (KING, 2010). cia demonstrada pela população britânica à enorme
Os espaços insulares sempre foram alvo de ameaça nazi, naquela fase da história mundial. Com
interesse em termos de investigação. As pequenas ilhas os exemplos apresentados, não desejamos ocultar as
desde há muito que despertam sentimentos opostos, debilidades típicas com que as pequenas ilhas estão
por vezes ambíguos, tanto na população residente diariamente confrontadas, todavia pretendemos refutar
como também entre os seus diversos tipos de visitan- uma visão que defende um “determinismo negativis-
tes. O facto de serem territórios diminutos totalmente ta” para os espaços insulares, uma vez que mediante
rodeados por água, cuja localização poderá encontrar- contextos relacionados com a dimensão e a qualidade
-se a grande distância de outras áreas emersas, pode dos seus territórios (e populações) é possível, também,
provocar emoções contraditórias entre os diferentes identificar nas ilhas sociedades vanguardistas.
tipos de atores dos espaços insulares. O surgimento de Suportado por uma pesquisa realizada em
uma sensação de “insulafobia”, que exprime o medo revistas e livros nacionais e estrangeiros sobre ilhas,
(exagerado) pelas ilhas, enquanto espaços demasiado este artigo cumpre vários objetivos que procuram
limitados e excessivamente fechados/isolados, poderá promover o interesse pelo desenvolvimento da área
ser uma consequência. Todavia, por vezes sucedem- de estudos em destaque: demonstrar as principais
-se situações próximas do conceito de “insulafilia”, evoluções registadas ao nível dos estudos insulares;
sentimento que expressa a adoração pelas ilhas (de definir as tendências dominantes ao nível da investiga-
forma exagerada), que segundo King (2010: 31) ção sobre ilhas; e realçar a importância da Geografia,
“consiste em visitar tantas ilhas quanto possível”. No e dos geógrafos, na consolidação dos conhecimentos
entanto, estes dois tipos de estados mentais constituem (académicos) nesta área do saber. A organização do
geralmente exceções ao nível da relação Homem-ilha. texto encontra-se em conformidade com os objetivos
Com efeito, a maioria da população insular cria laços estipulados, daí apresentar três capítulos principais.
afetivos com a sua terra natal, tal como acontece com
os habitantes de qualquer outro território continental, A “CIÊNCIA DAS ILHAS” E OS ESTUDOS IN-
sendo até por vezes mais intensos devido ao próprio SULARES: BREVE SÍNTESE EVOLUTIVA
fator de insularidade, comprovando-se deste modo a
natural adaptação às condições oferecidas pelo meio. “Let me propose that the next millennium is to
Mesmo para os que mudam a sua residência para zonas be the Island Millennium, a nissological mil-
continentais, a relação com o ambiente insular nem lennium, when the custodians of the planet and
sempre se deteriora, podendo até ser reforçado. Por its resources shall be islanders.” (McCALL,
sua vez, para os que simplesmente estão de passagem 1996, p. 84)
pelos territórios insulares, fazem-no não por adora-
rem persistentemente as ilhas, mas porque aqueles Em 2004, por altura do anúncio da “Era dos
espaços garantem uma alternativa diferenciada de estudos insulares”, Godfrey Baldacchino salientou

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

434
A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia
Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

que o número de publicações sobre as ilhas estava a entender o desenvolvimento da ciência. Porém, foi
aumentar rapidamente em todas as áreas disciplinares, durante o século XX que se verificou a consolidação
sendo este um dos motivos apontados para a “matura- deste novo ramo científico (sobre ilhas). Pois, para se
ção” dos estudos sobre espaços insulares. No entanto, desenvolver estudos insulares de uma forma sistemática
para que tal tenha ocorrido foi necessário verificar-se e consolidada foi necessário criar uma série de institui-
alterações ao nível das estruturas de apoio a este tipo de ções e organizações de carácter nacional e internacional
investigação, através das quais despontou uma “ciência cuja preocupação principal se centrasse na promoção de
das ilhas” que naturalmente é considerada por nós um estudos sobre territórios insulares. Normalmente torna-
marco fundamental na consolidação de uma linha de -se difícil desenvolver estudos numa área do saber com
investigação direcionada para o estudo específico das elevado rigor científico, sem que a investigação coabite
regiões insulares. com instituições de ensino superior/Universidades.
Neste âmbito, segundo McCall (1994) o “Center for
A evolução das estruturas de apoio aos estudos insu- Pacific Islands Studies” (Universidade do Hawai) foi
lares um dos primeiros a ser fundado, em 1950. No entanto,
segundo este autor, a primeira instituição a dedicar-se
Ao longo da História sempre foram surgindo ao estudo das ilhas em geral foi o “Institute of Islands
textos relacionados com os espaços insulares, associados Studies”, fundado em 1985 na Universidade de Prince
a diferentes géneros literários, desde tempos mais remo- Edward Island (Canadá), onde “a partir de 2003 foi
tos. Relativamente às ilhas atlânticas, Orlando Ribeiro instalado o primeiro centro de pesquisa das ilhas do
(1960, p. 19) refere que “a lenda das Ilhas Afortunadas mundo académico” (BALDACCHINO, 2006c). No
criou-se na Antiguidade, quando a imaginação dos entanto, cada vez é mais frequente encontrar Universi-
homens procurava, num lugar perdido e distante, um dades com institutos e/ou centros de pesquisa próprios
mundo melhor que este onde viviam.” Segundo este especializados nos vários temas das ilhas. Russel King
mesmo autor, foi a partir desta lenda que Platão redigiu (2010, p. 35) refere que “uma das justificações para a
a descrição mítica da Atlântica: “onde os homens viviam “maturidade” dos estudos insulares enquanto discipli-
numa felicidade perpétua, na paz, na prosperidade e na na reconhecida é a existência, desde há algum tempo,
justiça” (Idem). É com esta perspetiva excessivamente de dois programas de mestrado (na Universidade de
positiva sobre os espaços insulares, que Thomas More Prince Edward Island e na Universidade de Malta) e
publica pela primeira vez em 1516 a obra “Utopia”, a de duas revistas cientificas dedicadas ao tema: a Island
qual representa uma ilha (imaginária) habitada por uma Studies Journal, publicada desde 2006 e cujos artigos
sociedade perfeita. Nesse mesmo século, o português são objeto de peer-review; e a mais antiga (desde 1992)
Luís de Camões inclui nos “Lusíadas” o mito da “Ilha mas menos académica Insula, publicada com o apoio
dos Amores”, prestando assim um contributo nacional ao da UNESCO.” Com efeito, constata-se que para uma
papel idílico dos espaços insulares. Nesta perspetiva, as nova área disciplinar se afirme no mundo atual, torna-se
ilhas são como que um “espaço-solução” para os proble- necessário que obtenha sucesso em termos académicos,
mas existentes nas sociedades (continentais) da época. nomeadamente ao nível dos estudos pós-graduados,
Outras publicações foram surgindo desde como é o caso do exemplo utilizado anteriormente.
então, todavia algumas das mais bem-sucedidas Do mesmo modo, algumas das associações
apresentaram-se com um carácter mais ligado à ficção internacionais não académicas, quer de âmbito
literária, como o romance (da ilha) de Robinson Crusoe, governamental quer não-governamental, também
de Daniel Defoe (1719). Não obstante, os marcantes desempenharam um papel extremamente importante
estudos desenvolvidos no século XIX por Charles Da- ao nível das reuniões científicas e na publicação de
rwin (ilhas Galápagos) e Alfred Wallace (arquipélago estudos sobre ilhas, na medida em que forneceram
indonésio) constituíram-se como grandes referências apoios de ordem logística e material para o efeito.
na explicação da evolução da vida natural na Terra, Embora não seja objetivo enumerar todo o tipo de
colocando assim as ilhas numa posição central para organizações envolvidas, pretendemos destacar as

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

435
A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia
Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

Nações Unidas, que tem participado de forma ativa abrangente reconhecimento”.


na promoção de iniciativas em, e sobre, ilhas, sendo
responsável pelo surgimento da AOSIS (“Alliance of A “ciência das ilhas”: em busca da terminologia
Small Islands States”) em 1992, e que segundo McCall correta
(1994, p.101) “é a representação política do crescente
interesse na Nissologia”, outros exemplos podem ser No início dos anos 1980, Abraham Moles
apontados através das suas agências, como a UNES- publicou um artigo na revista L`Espace Géographique
CO, que contribuiu para a formação da organização intitulado “Nissonologie ou science des îles”. Esta
não-governamental “International Scientific Council publicação proporcionava assim uma nova discussão
for Islands Development”, cooperando com a mesma em torno dos estudos insulares, uma vez que a partir
na publicação da revista Insula, já mencionada neste de então era possível falar de uma ciência própria
texto. O próprio Banco Mundial possui um fórum das ilhas, enquanto área autónoma do saber. A este
dedicado aos pequenos Estados, onde estão incluídos respeito, Bonnemaison (1990-1991) considerou que
os pequenos Estados insulares. De salientar ainda a as- a análise efetuada por Moles possui um carácter mais
sociação ISISA (“International Small Islands Studies psicológico do que geográfico, apelando ao aprofun-
Association”) que é responsável pela organização de damento deste tipo de abordagem. Neste seguimento,
conferências bienais sobre pequenas ilhas, desde 1992. um outro autor francês, “Depraetere (1990-1991;
Outra constatação que resulta da nossa obser- 1992), emprega pela primeira vez o termo “Nissolo-
vação sobre estudos insulares está relacionada com a gie” em francês” (McCall, 1994, p. 103). Não levaria
origem dos principais investigadores desta temática. muito mais tempo para que a designação desta nova
Notamos que a grande maioria destes cientistas são ciência surgisse também na língua inglesa, cabendo
oriundos de países-ilhas/arquipélagos, Estados que esta responsabilidade ao australiano Grant McCall,
possuem territórios insulares ou até mesmo aqueles que através de um artigo publicado em 1994 propôs
que possuem uma relação histórica com este tipo o vocábulo “Nissology” para designar a ciência das
particular de espaços, por exemplo, através de um ilhas, atribuindo-lhe uma breve definição: “o estudo
passado colonial de dependência. Por conseguinte, científico das ilhas, segundo os seus próprios termos”.
os principais centros de investigação que reúnem McCall (1994) justifica o termo “Nissology” tendo
estudiosos especializados em ilhas estão localizados por base a junção de dois vocábulos provenientes do
em países como o Reino Unido, República da Irlanda, grego antigo: “nisos” (ilha) e “logos” (estudo de).
Itália, França, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, etc. Expandiu-se deste modo o debate sobre a nova ciência
Por outro lado, após a Segunda Guerra Mundial, e na literatura anglo-saxónica, no qual vão surgir críticas
principalmente a partir dos anos (19) 60, verificou-se à perspetiva apresentada por McCall (que retomare-
um aumento do número de Estados-Insulares inde- mos mais à frente). No entanto, a evolução sobre a
pendentes que, a par de alguma ajuda internacional, terminologia desta ciência não acaba aqui. Em 2010,
foram capazes de montar os seus próprios centros de um português, Alberto Vieira, reabre o debate sobre a
investigação sobre pesquisa insular. A este nível, é de sua designação, que tinha sido originalmente traduzida
salientar a constituição da “University of the South para português como Nissologia. Baseando-se nas
Pacific”, cujas estruturas estão distribuídas por vários ideias de um especialista em estudos clássicos, Marcos
países insulares daquela área do globo, incluindo uma Martinez, propõe a sua substituição por Nesologia.
original “Faculty of Islands and Oceans”. Assim, ao Para o especialista referido por Vieira, existe uma
longo das últimas décadas tem-se assistido a uma mul- possível confusão entre a forma de escrita (grafia) e
tiplicação dos centros de investigação, de cientistas e a fonética das palavras com origem no grego antigo,
de associações internacionais que têm como preocu- alegando que a palavra ilha referente ao grego clássico
pação essencial os espaços insulares. Daí Baldacchino é “nesos”, mas que os modernos dizem “nissos”, em
(2006c, p. 7) referir que “o estudo das ilhas nos seus virtude do fenómeno do itacismo, ou seja, pronunciar
próprios termos goza atualmente de um crescente e a vogal antiga por uma vogal moderna.

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

436
A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia
Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

Partilhamos da ideia de Vieira (2010, p. 20), do mundo são ilhas ou arquipélagos. Para além disso,
ao referir que “são múltiplas as formas como tem as ilhas assumem-se como identidades e espaços dife-
sido substantivada esta nova ciência das ilhas”, no renciados num mundo cada vez mais homogéneo (em
entanto, acreditamos que esta ciência veio para ficar resultado do processo de globalização).
e que face à sua atual fase de consolidação torna-se Apesar da sua relevância, os pequenos espaços
muito difícil refutá-la. Neste sentido, convém destacar insulares encontram-se frequentemente associados a
que ainda não estão reunidas as condições necessárias um conjunto de constrangimentos estruturais, uma
para revelarmos a nossa posição final sobre o termo vez que “em consequência da sua escala, as pequenas
correto da “ciência das ilhas”, mas é nosso objetivo ilhas são limitadas em tamanho, em área de terra, em
aprofundar esta questão, para tal pretendemos solicitar recursos, em potencial económico e populacional,
o auxílio de outros especialistas, a fim de se chegar a e poder político (ROYLE, 2001, p. 42). Assim, não
uma realidade o mais objetiva possível. surpreende que da totalidade de países soberanos não
Não obstante considerarmos importante a inteiramente insulares, somente dois apresentam a sua
questão terminológica, julgamos que esta não é fun- capital numa ilha, sendo estes a Dinamarca e a Guiné
damental para suster a “ciência das ilhas”, até porque Equatorial, traduzindo uma preferência político-
a realidade demonstra que existem cada vez mais -funcional pelas áreas continentais em detrimento dos
cientistas atraídos pelos estudos insulares, o que tem territórios exclusivamente rodeados por água.
permitido ampliar os domínios ao nível da investiga- No entanto, “os supostos riscos de pobreza e
ção sobre esta nova área do saber, assunto que será vulnerabilidade económica dos habitantes das ilhas
abordado em seguida. são postos em causa pelo facto do PIB per capita dos
Estados insulares ser em geral superior à média mun-
A IMPORTÂNCIA CIENTÍFICA DAS ILHAS: dial, de tal forma que os pequenos Estados insulares
PRINCIPAIS TENDÊNCIAS AO NÍVEL DA IN- se encontram sobre-representados entre os países de
VESTIGAÇÃO rendimento médio e elevado (KING, 2010, citando
READ, 2004). Com efeito, devemos ter em atenção
a escala de análise, até porque “o que parece ser uma
Throughout human history, islands have held
evidência é o facto de todas as ilhas serem únicas”
a special place in the minds, the imaginations,
(BALDACCHINO, 2004, p. 278), e nas quais estão
the affections of mankind. What are the special
presentes condições físico-humanas particulares que
secrets of their charm? The remoteness of is-
mediante as especificidades do contexto insular em
lands surrounds them with a certain mystery,
que se inserem podem produzir efeitos diversos ao
and their isolation is responsible for their
nível dos problemas estruturais que afetam as ilhas.
individual characteristics and evolutionary
Por outro lado, numa perspetiva de transformar as
history (YOUNG, 1999, p. 2).
fraquezas em forças, Royle (2001) afirma que os dois
fatores que tornam as ilhas tão especiais são preci-
Todas as terras emersas, de maior ou menor
samente o isolamento e o facto de se apresentarem
dimensão, estão rodeadas por oceanos, pelo que as
como espaços limitados. Talvez por isso, às ilhas é
ilhas ocupam, inevitavelmente, um lugar de extrema
frequente serem associados cenários idílicos, uma vez
importância na vida mundial (BIAGINI; HOYLE,
que podem ser considerados “locais com uma poética
1999, p. 1). Há factos que traduzem de uma forma
especial” (BACHELARD, 1957, apud HENRIQUES,
sintética o real valor das ilhas a nível mundial, embo-
2009, p. 13).
ra os mesmos sejam frequentemente ignorados pela
Deste modo, são muitas as dificuldades e
maioria dos investigadores. Segundo Baldacchino
potencialidades que podemos encontrar nas ilhas, por
(2007), perto de 10% da população mundial (quase
isso estes espaços possuem uma enorme riqueza ao
600 milhões de pessoas) vivem atualmente em ilhas,
nível do estudo científico. Lockard e Drakakis-Smith
ocupando cerca de 7% da superfície da Terra. Apro-
(1997) referem que os temas das ilhas que mais tem
ximadamente um quarto dos Estados independentes

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

437
A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia
Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

atraído a atração dos investigadores inclui, para além referentes ao contexto insular em que se inserem.
da atividade turística, a emigração e migração de Estamos em crer que o perfil dos investigadores não
retorno, transportes e acessibilidade, recursos limi- deverá excluir nem incluir totalmente os investigado-
tados (como o abastecimento de água) e políticas de res de um determinado local, julgamos que o sucesso
desenvolvimento económico. dos estudos insulares passa pela formação de equipas
Em 1993, King atribuiu às ilhas dois papéis multidisciplinares cuja origem dos cientistas poderá
históricos contrastantes, o de isolamento e o facto de ser multiterritorial (como por exemplo, conjuntos que
terem funcionado como “centros de encontro e fusão simultaneamente integram insulares e não insulares).
dos povos”. Com efeito, o facto de se tratar de territó- Até porque, num mundo com o atual grau de globa-
rios com elevado grau de isolamento, principalmente lização torna-se difícil traçar a fronteira entre locais
no caso das ilhas “profundamente” oceânicas, pos- e não locais. Por outro lado, King (2010) critica a
sibilitou a formação de formas culturais-identitárias expressão final utilizada na definição de Nissologia de
distintas, bem como a conservação de modos de vida McCall, “nos seus próprios termos”, na medida em que
não humana mais primitivas (veja-se, por exemplo, transmite uma ideia de homogeneidade e unanimidade
a fauna e a flora das ilhas Galápagos e da maior ilha nas comunidades insulares, o que não se verifica em
africana, Madagáscar). Por outro lado, as ilhas foram resultado das diferenças ao nível da classe social, da
alvo de uma multiplicidade de movimentos migrató- etnia ou do percurso migratório dos vários elementos
rios, desde uma primeira fase de imigração resultante que pertencem às sociedades insulares.
do povoamento inicial, a uma intensa relação com Numa perspetiva dos estudos insulares que
a emigração e migrações de retorno, a novos tipos apresenta como referência o conceito de insularidade,
de imigração. As ilhas, pela sua posição marítima, Baldacchino (2004) alerta para o perigo tradicional
foram muitas vezes pontos estratégicos utilizados na que existe sobre o negativismo associado a esta
expansão dos diversos impérios da época dos desco- noção, pois conforme destaca Henriques (2009, p.
brimentos, pelo que permitiram a coabitação de povos 13/14) “entre essas “certezas” que costumamos acei-
muito diferentes. tar como categóricas ou definitivas sobre ilhas e a
Num trabalho mais recente (2010), o mesmo condição insular estão ideias como as de isolamento
autor refere que atualmente existem três perspetivas ao e solidão, de separação e afastamento, de fechamento
nível da investigação sobre estudos insulares: uma re- e de aprisionamento.” Ora, nem sempre este tipo de
lacionada com a “Nissologia” de McCall (1994, 1996), visão corresponde à realidade, até porque o conceito
outra assente na noção de insularidade (Baldacchino, de insularidade deverá ser considerado com alguma
2004), e, uma terceira, relacionada com o facto de relatividade. De acordo com Biagini e Hoyle (1999)
as ilhas se constituírem como laboratórios espaciais. o conceito de insularidade está muito longe de ser
A abordagem proposta por McCall (1994, fácil definir, tratando-se de uma ideia problemática.
1996) tem sido alvo de uma crítica principal, partilha- A este respeito, Marshall (1999) sugere que a noção
da por alguns dos autores da área (BALDACCHINO, de insularidade não é apenas um conceito geográ-
2008; KING, 2010), na medida em que “McCall privi- fico, mas também, e objetivamente, um estado de
legia a perspetiva subjetiva dos habitantes locais, por espirito. É frequente introduzir-se a questão mental
oposição à suposta objetividade dos investigadores como complemento da realidade geográfica, pois
externos” (KING, 2010: 32). Dando primazia aos es- trata-se de um espaço rodeado por uma determinada
tudos realizados por insulares sobre os seus próprios massa de água que psicologicamente não produz o
espaços de naturalidade/residência, há sempre o risco mesmo efeito sobre todos indivíduos, uma vez que o
de a investigação produzida poder estar enviesada. sentimento insular varia de pessoa para pessoa. Com
Assim, existe a possibilidade dos investigadores locais efeito, “peguemos” num exemplo extremo, o de uma
imprimirem nos seus trabalhos perceções já previa- ilha deserta. Para uns essa ilha será certamente uma
mente adquiridas, relacionadas, por exemplo, com prisão, uma situação de isolamento, distância, aban-
conotações persistentemente positivas ou negativas dono, mas para outros pode constituir a única forma

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

438
A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia
Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

de liberdade total, no sentido em que não estão a ser rios insulares que se constituem como nós centrais
condicionados por nenhum outro membro social. A de um mundo atual globalizado.
este respeito, sabe-se que durante a história certas Por fim, temos uma terceira visão em que as
ilhas foram destino para condenados, no entanto, são ilhas são “utilizadas” como laboratórios espaciais:
conhecidos exemplos de indivíduos abastados que “as ilhas são lugares de testes, e não somente para
compram ilhas desertas para gozarem férias sozinhos planos económicos ou para armas nucleares” (BAL-
ou apenas acompanhados com familiares e/ou amigos DACCHINO, 2004, p. 278). De facto, “as ilhas têm,
(de total confiança!). desde há muito, sido utilizadas de forma produtiva
Subjacente à ideia de insularidade está natural- enquanto contexto semi-laboratorial para o estudo
mente o conceito de ilha. Aliás, consideramos que são de processos ecológicos, epidemiológicos e sociais”
os dois conceitos centrais quando falamos de estudos (CONNEL; KING, 1999; KING, 1999; KING, 2010).
insulares, pelo que convém procurar previamente No entanto, Russel King, embora reconhecendo este
compreender estas noções, no sentido em que se torna importante papel das ilhas, alerta para os perigos
mais simples e eficaz adequar pesquisas neste âmbito. inerentes a este tipo de visão dos estudos insulares,
Daí acharmos necessário fazer considerações nesta nomeadamente o facto de estes espaços poderem ser
parte do trabalho sobre a noção de ilha, numa perspe- vistos como sistemas fechados, ou como réplicas em
tiva relacionada com o seu isolamento que pode ser miniatura dos continentes ou do planeta. As ilhas
alterado, perspetivando-se assim mudanças ao nível podem ser consideradas pequenos mundos? Poderão
da insularidade. O dicionário de língua portuguesa refletir o todo global?
da Porto Editora (2011) apresenta duas definições Pelo que ficou descrito, podemos afirmar que
para a palavra ilha, a primeira surge na linha tradi- não faltam razões para estudar as ilhas. Independen-
cional, “porção de terra cercada de água por todos temente da perspetiva utilizada, a investigação sobre
os lados”, enquanto a segunda refere “aquilo que espaços insulares revela uma grande amplitude te-
está isolado”. De facto, é frequente identificar uma mática, dado que podem ser analisados de diferentes
ilha como sinónimo de isolamento. Porém, tal não ângulos. O texto até agora produzido engloba muitas
significa que certas ilhas estejam mais isoladas que citações pertencentes a geógrafos. A razão pela qual
outros territórios continentais, pois se possuírem uma tal se verificou não está relacionada com a nossa pre-
localização muito próxima das margens dos continen- ferência por este tipo de cientistas, embora sejamos
tes, podem apresentar interligações mais favoráveis também geógrafos, mas pelo facto de serem incon-
com uma zona litoral desenvolvida em comparação tornáveis nos estudos internacionais sobre ilhas. Por
com áreas interiores situadas a uma distância maior conseguinte, torna-se importante especificar o papel
e com comunicações mais irregulares. Além do mais, da Geografia e dos geógrafos nos estudos insulares,
a proximidade de um território insular da costa dos aspeto que trataremos a seguir.
continentes poderá permitir a construção de uma for-
ma de comunicação fixa (pontes ou túneis) ao espaço A GEOGRAFIA E OS ESTUDOS INSULARES
continental adjacente. Embora por esta via se verifique
uma intensa diminuição do isolamento, Baum (1996, Islands have long attracted the attention
p. 24) considera que “uma ligação artificial terrestre of geographers and researchers in cognate
retira a perfeição da ilha”, por vezes esta perspetiva disciplines and, moreover, research has been
é levada tanto a sério que “para o EUROSTAT, por spread over a range of economic, environmen-
exemplo, as “ilhas” ligadas ao continente por pon- tal and social issues (LOCKHART, 1993, p. 1).
tes ou túneis não são incluídas nas estatísticas dos
territórios insulares (não são consideradas “ilhas”, A atuação do(s) “Geógrafo(s) das Ilhas”
portanto)” (HENRIQUES, 2009, p. 21). Por este
motivo, não se pode colocar as ilhas numa posição “A ilha é um objeto geográfico” (GOMBAUD,
periférica permanente, pois há exemplos de territó- 2010, p. 51). Para este autor “um geógrafo pode espe-

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

439
A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia
Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

cializar-se no estudo das ilhas” (p.52), o que significa das ilhas em alguns dos seus trabalhos principais.
“estudar os espaços insulares, as ilhas e os arquipé- No entanto, “numa fase posterior do século XX, as
lagos”. No entanto, o “geógrafo das ilhas” traduz um ilhas passaram de moda enquanto objeto de estudo”
tipo de especialização que apresenta como referência (KING, 2010, p. 29). Este desinteresse da geografia
um espaço com características muito particulares, não e da investigação geográfica pelas ilhas foi motivado
incidindo em concreto, e de forma individualizada, por um conjunto de razões, dos quais King (2010)
num determinado ramo da geografia humana (como destaca cinco principais:
a geografia da população, geografia social, geografia
económica, etc.) ou da geografia física (tal como a • as ilhas são sinónimo de férias, descontração
geomorfologia, a climatologia, a hidrologia, etc.). e diversão, não de trabalho cientifico sério;
Por conseguinte, o campo de análise de um “geógrafo • as dimensões reduzidas da maior parte das ilhas
das ilhas” corre o risco de ser demasiado abrangente, estão associadas à ideia de insignificância;
embora seja observado um espaço (ou um conjunto • o estudo das ilhas invoca um olhar académico
de espaços) rigorosamente limitado, e, por vezes, de tipo colonial, em que o “especialista” olha
de reduzida dimensão. Por outro lado, não é de todo de fora para dentro;
• o equívoco que consiste em encarar as ilhas
comum falar-se em “geógrafos dos continentes”, logo
como pequenos “modelos” à escala do mundo;
poderá ser questionado o facto de ser necessário uma
• o risco do excecionalismo – considerar-se que
especialização particular ao nível das ilhas.
as ilhas são demasiado especiais, demasiado
Não obstante das principais críticas/dúvidas únicas.
acerca do “geógrafo das ilhas”, a ciência geográfica
não pode renunciar ao seu papel no desenvolvimento No entanto, parece-nos que um movimento
dos estudos insulares. Aliás, assiste-se cada vez mais recente constituído por uma nova geração de geógra-
a um estreitar da relação entre a geografia e as ilhas, fos tem conseguido contornar este tipo de problemas
como pode ser personificado por um poema intitulado com algum sucesso, ao procurarem aprofundar a
“Geografia”, elaborado pela geógrafa portuguesa Fáti- investigação sobre estudos insulares. Neste contexto,
ma Velez de Castro, que caracteriza metaforicamente McCall (1994, p. 105) atribui aos geógrafos franceses
esta ciência como uma ilha: a responsabilidade de terem iniciado o desenvolvi-
mento do conceito de “Nissology” (MOLES, 1982;
GEOGRAFIA DEPRAETERE, 1990-91). Com efeito, a geografia
está na génese de um dos principais temas em dis-
Melancolia cussão nos estudos insulares da atualidade. Mas, a
de ser uma ilha cooperação dos geógrafos não fica por aqui, comu-
de nascer de um rift num qualquer oceano nidades de geógrafos internacionais tem prestado um
contributo fundamental para o desenvolvimento dos
E conhecer todos os navegadores estudos insulares, seja através de reuniões científicas
que ao chegar tocam (por exemplo, “The Commonwealth Geographical
nesta rocha que me sustenta. (…) Bureau Conference on Small Island Development”,
Malta, em março de 1990), como também na produção
(VELEZ DE CASTRO, 2012, p. 83) de trabalhos de pesquisa publicados (por exemplo,
serem editores da coleção ”Islands Studies Series”).
Há muito que as ilhas atraem as atenções dos Esta preocupação da ciência geográfica é reforçada
geógrafos (KING, 1993). Este autor destaca o es- pelo facto da própria União Geográfica Internacional
pecial contributo dos geógrafos no início do século possuir uma comissão própria sobre ilhas. Por outro
XX, como Ellen Churchill Semple, Jean Brunhes lado, numa das obras (consideradas por nós) mais
e Paul Vidal de la Blanche, e mais tarde, Fernand completas, e recentes, sobre pequenas ilhas, em ter-
Braudel, por terem salientado o importante papel mos temáticos transversais, “The World of Islands”,

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

440
A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia
Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

cuja edição foi dirigida por Godfrey Baldacchino insular da Austrália a dúvida levanta-se sempre:
(2007), os geógrafos assumiram-se como o grupo trata-se de uma ilha ou de um continente? Quais os
de cientistas maioritário em termos de publicação. critérios que deverão ser utilizados numa definição
Tratando-se de uma edição transversal, e dirigida deste tipo? Deverão ser somente naturais? Ou então,
por um não geógrafo, não deixa de ser relevante que devemos também ter em conta aspetos humanos e/ou
dos 28 autores que contribuíram com capítulos para socio-emocionais?
o livro, 11 são geógrafos, o que corresponde a cerca O geógrafo é naturalmente um dos vários
de 39% do total dos investigadores, atestando bem o cientistas a quem cabe refletir sobre os temas territo-
interesse e o reconhecido papel da geografia para os riais das ilhas, como por exemplo a definição de ilha
estudos insulares. ou a construção de tipologias de espaços insulares,
Portanto, deparamo-nos com alguns factos preocupações geralmente presentes, por exemplo,
que nos permitem sugerir que a geografia tem sido nos trabalhos do geógrafo Stephen Royle (2001,
uma das áreas disciplinares que mais tem procurado 2007). De forma igualmente meritória e inovadora,
desenvolver os estudos insulares. Daí julgarmos im- destaque para Christian Depraetere, um dos fundado-
portante salientar já de seguida os principais conteúdos res da “Nissologie”, que tem procurado desenvolver
insulares que se enquadram no perfil dos geógrafos. modelos que facilitem a classificação dos vários es-
paços insulares (Depraetere, 1990-1991; Depraetere
Perspetivas sobre as principais áreas temáticas in- e Dahl, 2007), em consequência da sua formação em
sulares dos geógrafos “hidrogeomorfologia”. Assim, o geógrafo apresenta o
perfil mais adequado para localizar, definir, classificar
O papel dos geógrafos pode sair extremamente e tipificar ilhas.
valorizado quando estes se dedicam ao estudo das Em 1993, King apresentou as 3 fases que, se-
ilhas, nomeadamente se tiverem em conta a resolução gundo o mesmo, constituem o ciclo da paisagem das
de determinados problemas associados ao contexto ilhas mediterrâneas: a primeira, caracterizada por um
insular, mas também há outros aspetos da insularidade espaço limitado com elevada densidade populacional
que devem integrar a lista de preocupações do geógra- e um sector agrícola com um avançado grau de orga-
fo, e que pretendemos expor neste espaço, segundo nização; a segunda refere-se ao declínio da paisagem
a nossa visão. anterior e ao abandono dos campos, em resultado da
Relativamente aos dois conceitos, que já os emigração e de outros fatores; por fim, a terceira fase
consideramos como centrais dos estudos insulares, é marcada pelo crescimento da atividade turística.
insularidade e ilha, entendemos que são da responsa- Julgamos que existe todo o interesse em aprofundar
bilidade dos “cientistas do território”, principalmente este tipo de ciclo de paisagem insular, reconstruindo-
em relação ao que foi mencionado em último lugar. A -o, com a possibilidade de eliminar ou acrescer novas
clássica definição de ilha, “porção de terra rodeada por fases. Este modelo poderá ser aplicado a outras regiões
água por todos os lados”, está longe de ser consensual insulares, sendo que o geógrafo ao verificar que não
entre os investigadores atuais. Na realidade, a grande se ajusta à região em análise, deverá desenvolver
problemática está relacionada com os seus limites, novas propostas adequadas ao nível de evolução das
tanto o seu máximo como o mínimo, pois a ausência paisagens das ilhas.
de um intervalo universalmente aceite, por vezes, cria Os geógrafos também podem, e devem, atuar
dificuldades ao nível da sua distinção com outros ter- no desenvolvimento dos espaços insulares, parti-
ritórios também rodeados totalmente por água, como cularmente ao nível do planeamento territorial e da
o ilhéu ou o continente. É consensual a ideia que as questão ambiental. No entanto, muitas vezes o que
ilhas situam-se entre estes dois últimos conceitos ge- “aflige” as pequenas regiões insulares está relacionado
ográficos, mas quando termina um e começa o outro? com a vertente socioeconómica das suas populações.
A Gronelândia é geralmente aceite como a maior ilha Por conseguinte, um cientista, como o “geógrafo
do mundo, no entanto, quando se discute o território das ilhas”, que estude este tipo de regiões insulares

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

441
A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia
Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

deverá procurar que o seu trabalho de investigação Porém, estes problemas podem ser esbatidos, uma vez
contribua para desenvolver as ilhas, numa perspetiva que a produção industrial deve assentar nas matérias-
de melhorar o bem-estar das respetivas sociedades. -primas disponíveis nas ilhas, como por exemplo, nos
Neste contexto, as (tele)comunicações são a chave- provenientes da agropecuária e/ou da pesca. Aliás, os
-central para a quebra de isolamento e consequente recursos piscícolas podem ser abundantes em qualquer
aumento do contacto entre as ilhas e o resto do mundo. ilha, uma vez que é rodeada por água, embora nem
A procura de um crescimento económico sustentado, sempre se verifique. O recurso mar tem de ser enca-
e sustentável, no sentido em que se procure diminuir a rado no desenvolvimento das ilhas, seja através da
dependência exterior das ilhas, sem se verificar perda pesca, como da produção de energia elétrica, ou então,
de qualidade de vida, é outro aspeto fundamental. quando a temperatura das águas permite, no turismo
Ora, uma pequena ilha (ou conjunto de pequenas balnear. É com base nesta última atividade económica
ilhas) não tem de ser obrigatoriamente vulneráveis que muitos Estados insulares têm prosperado rapida-
a forças exteriores, podendo, na maioria dos casos, mente, de tal forma que McElroy (2006) e McElroy
optar pelo seu próprio modelo de desenvolvimento. e Hamma (2010) propuseram um terceiro modelo de
Neste âmbito, nas duas últimas décadas tem surgido desenvolvimento insular, SITE (“Small Islands Tou-
um grande debate sobre dois tipos de modelos de rist Economies”), mas com a limitação de somente
desenvolvimento aplicados a pequenos Estados in- se verificar em ilhas situadas na zona intertropical.
sulares: MIRAB (BERTRAM; WATTERS, 1985) e Nesta parte do texto, apenas nos referimos a
PROFIT (BALDACCHINO, 2006a, 2010), enquanto alguns dos temas que assumem maior destaque no
o primeiro assenta num sistema em que o grau de início do século XXI, no entanto, para a Geografia
dependência do exterior é extremamente elevado há sempre uma enormidade de questões com as quais
(fundamentalmente através de remessas de emigrantes poderá ser confrontada. Neste sentido, julgamos que
e ajuda ao desenvolvimento), o segundo, mais recente, os novos conceitos de “ilheidade”, “maritimidade”,
propõe um aproveitamento dos recursos endógenos “hypo-insularidade”, mencionados por Vieira (2010)
insulares, como a rentabilização da própria população deverão ser alvo de debate na ciência geográfica. Por
interna, dos recursos naturais (por exemplo, aplicados conseguinte, a Geografia, pela sua natureza, deve
à atividade turística) ou através da constituição de explorar novos temas insulares.
zonas francas (“offshore”), atraindo assim capital de Mas um geógrafo nunca deverá encarar os
grandes empresas mundiais. Estes modelos surgiram temas insulares como um espaço apenas do âmbito
para contrariar os obstáculos estruturais que condicio- da Geografia, deve procurar desenvolver trabalhos
nam os pequenos territórios insulares. Neste sentido, e relacionar-se de uma forma pluridisciplinar com
as grandes dificuldades das pequenas regiões insulares as outras áreas disciplinares, como a Sociologia, a
está relacionada com a limitação do seu território e Antropologia, a Psicologia, a Economia, entre outras.
os reduzidos quantitativos populacionais que habitam
nesses espaços. Por um lado, ter pouco território im- CONSIDERAÇÕES FINAIS
plica uma reduzida extensão de solo agrícola, o que
certamente provoca problemas ao nível da quantidade A análise efetuada permite-nos confirmar a
e variedade das culturas agrícolas, revelando-se tam- ideia que os estudos insulares encontram-se numa fase
bém insuficiente em matérias-primas para sustentar avançada ao nível da sua consolidação. O surgimento
as diversas atividades associadas ao sector industrial. de uma ciência das ilhas, independentemente das
Por outro lado, uma diminuta dimensão demográfica dúvidas ainda inerentes à mesma, nomeadamente no
não permite a formação de uma massa crítica capaz de que concerne à sua terminologia, constituiu um marco
sustentar um tecido empresarial privado consistente, decisivo para ascensão desta nova área do saber. No
e de pagar impostos a um nível que possibilite ao entanto, para que tal acontecesse foi fundamental
sector público realizar investimentos com qualidade o aparecimento de estruturas científicas de apoio a
em áreas como os transportes, saúde ou a educação. este tipo de investigação, principalmente em termos

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

442
A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia
Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

académicos, à medida que foram aumentando o nú- BALDACCHINO, G. Studying Islands: On Whose
mero de pequenos Estados insulares. Porém, como Terms? Some Epistemological and Methodological
ficou demonstrado, não foi apenas aquele grupo que Challenges to the Pursuit of Island Studies. Islands
desenvolveu os estudos sobre ilhas, mas também, Studies Journal, v. 3 n. 1, pp. 37-56, 2008.
e sobretudo, os países desenvolvidos de âmbito de
insular ou predominantemente continental, mas que BALDACCHINO, G. Islands Enclaves. Offshoring
detém áreas insulares habitadas. Strategies, Creative Governance and Subnational
Sublinhamos a importância do papel da Geo- Island Jurisdictions. Montreal; McGill-Queen`s Uni-
grafia e do “geógrafo das ilhas” na evolução de temas versity Press, 2010, 301 p.
insulares, na medida em que nos estudos internacio-
nais foi possível encontrar um número significativo de BAUM, T. G. The Fascination of Islands: The Tour-
geógrafos que se destacam, seja ao nível de reuniões ist Perspective. In: LOCKHART, D.; DRAKAKIS-
científicas quer através de publicações. Salientamos SMITH, D. (Eds.). Island Tourism: Trends and Per-
que há áreas de estudo das ilhas que são específicas da spectives. London: Pinter, 1996, p. 21-35.
Geografia, como por exemplo a problemática envolta
dos conceitos relacionados com a definição de ilha e BERTRAM, G.; WATTERS, R. The MIRAB economy
com a questão da insularidade, mas a área de inter- in the South Pacific microstates. Pacific Viewpoint, v.
venção do geógrafo é muito mais abrangente, devendo 26, n. 3, pp. 497-520, 1985.
inclusive participar na elaboração dos programas de
desenvolvimento das pequenas regiões insulares. BIAGINI, E.; HOYLE, B. Insularity and Develop-
ment on an Oceanic Planet. In: BIAGINI, E; HOYLE,
REFERÊNCIAS B. (Eds.). Insularity and Development: international
perspectives on islands. London; Pinter, 1999, p. 2-14.
BALDACCHINO, G. The Coming of Age of Island
Studies. Tijdschrift voor Economische en Sociale Geo- BONNEMAISON, J. Vivre dans L`île. L`Espace
graphie, v. 95, n. 3, pp. 272-283, 2004. DOI: http:// Géographique, v. 19-20, n. 2, pp. 126-134, 1990-1991.
dx.doi.org/10.1111/j.1467-9663.2004.00307.x
DEPRAETERE, C. Le phénomène insulaire à
BALDACCHINO, G. Managing the hinterland l`échelle du globe: tailles, hiérarchies et formes des
beyond two ideal-type strategies of economic de- îles océanes. L`Espace Géographique, v. 19-20, n. 2,
velopment for small islands territories. Asia Pacific pp. 119-125, 1990-1991.
Viewpoint, v. 47, n.1, pp. 45 – 60, 2006a. DOI: http://
dx.doi.org/10.1111/j.1467-8373.2006.00295.x DEPRAETERE, C.; DAHL, A. Locations & Clas-
sifications. BALDACCHINO, G. (Ed.). A World of
BALDACCHINO, G. Extreme Tourism: Lessons from Islands. Charlottetown: University of Prince Edward
the world cold water. Oxford; Elsevier, 2006b, 291 p. Island, Institute of Island Studies, 2007, p. 57-105.

BALDACCHINO, G. Islands, Islands Studies, Islands DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Di-


Studies Journal. Islands Studies Journal, v. 1, n. 1, cionário da Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora,
pp. 3-18, 2006c. 2011.

BALDACCHINO, G. Introducing a world of islands. DIEGUES, A. Ilhas e mares. Simbolismo e imaginá-


In: BALDACCHINO, G. (Ed.). A World of Islands. rio. São Paulo: Hucitec, 1998, 272 p.
Charlottetown: University of Prince Edward Island,
Institute of Island Studies, 2007, p. 1-29. GOUMBOUD, S. Iles, insularité et îléite. Le relativism
dans l`étude des espaces archipélagiques. Dissertação

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

443
A ciência das ilhas e os estudos insulares: Breves reflexões sobre o contributo da geografia
Paulo Espínola, Fernanda Cravidão

de Doutoramento, Universidade de Reunião, 2010. MCCALL, G. Clearing Confusion in a disembed-


ded World: The case for Nissology. Geographische
HENRIQUES, E. Distância e Conexão. Insularidade, Zeitschrift, v. 84, n. 2, pp. 74-85, 1996.
relações culturais e sentido de lugar no espaço da
Macaronésia. Angra do Heroísmo; Instituto Açoriano MCELROY, J. Small islands tourist economies across
de Cultura e Centro de Estudos Geográficos da Uni- the life cycle. Asia Pacific Viewpoint, v. 47, n. 1, pp.
versidade de Lisboa, 2009, 174 p. 61-77, 2006. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-
8373.2006.00303.x
KING, R. The Geographical Fascination of Islands.
In: Lockhart, D.G.; Drakakis-Smith, D.; Schembri, MCELROY, J.; HAMMA, E. SITESs revisited: Socio-
J.A. (Eds.). The Development process in Small Islands economic and demographic contours of small islands
States. London: Routledge, 1993, p 13-37. tourist economies. Asia Pacific Viewpoint, v. 51, n. 1,
36-46, 2010. DOI : http://dx.doi.org/10.1111/j.1467-
KING, R.; CONNELL, J. Small Worlds, Global Lives: 8373.2010.01412.x
Islands and Migration. London; Pinter, 1999, 320 p.
MOLES, A. Nissologie ou science des îles. L`Espace
KING, R. Islands and Migration. Insularity and Géographique, v. 11, n. 4, pp. 281-289, 1982.
Development on an Oceanic Planet. In: BIAGINI,
E.; HOYLE, B. (Eds.). Insularity and Development: RIBEIRO, O. A ilha do Fogo e as suas erupções. Lis-
international perspectives on islands. London: Pinter, boa; Junta de Investigações do Ultramar, 1960, 319 p.
1999, p. 93 – 115.
ROYLE, S. A Geography of Islands: Small Island
KING, R. A geografia, as ilhas e as migrações numa Insularity. London; Routledge, 2001, 226 p.
era de mobilidade global. In: FONSECA, M. L. (Ed).
Actas da Conferência Internacional – Aproximando ROYLE, S. Definitions & Typologies. In: BALDAC-
Mundos. Emigração e Imigração em Espaços In- CHINO, G. (Ed.). A World of Islands. Charlottetown:
sulares. Lisboa: Fundação Luso-Americana para o University of Prince Edward Island, Institute of Island
Desenvolvimento, 2010, p. 27-62. Studies, 2007, p. 33-56.

LOCKHART, D. Introduction. In: LOCKHART, D. VELEZ CASTRO, F. O Eterno e o Efémero. Lisboa;


G.; DRAKAKIS-SMITH, D.; SCHEMBRI, J. A. Chiado Editora, 2012, 156 p.
(Eds.). The Development process in Small Islands
States. London: Routledge, 1993, p. 1-9. VIEIRA, A. Repensar os Estudos Insulares Hoje. Anu-
ário do Centro de Estudos de História do Atlântico,
LOCKHART, D.; DRAKAKIS-SMITH, D. Island v. 1, pp. 16-71, 2009.
Tourism: Trends and Perspectives. London; Mansell,
1997, 320 p. VIEIRA, A. As Ilhas: da Nissologia à Nesologia. Anu-
ário do Centro de Estudos de História do Atlântico,
MARSHALL, J. Insiders and Outsiders: The Role of v. 2, pp. 16-21, 2010.
Insularity. In: KING, R.; CONNELL, J. (Eds.). Small
Worlds, Global Lives: Islands and Migration. London: YOUNG, L. B. Islands: Portraits of Miniature Worlds.
Pinter, 1999, p. 95-114. New York: W. H. Freeman and Company, 1999, 300 p.

MCCALL, G. Nissology: the study of Islands. Journal


of the Pacific Society, v. 17, n. (2-3), pp. 1-14, 1994.

Soc. & Nat., Uberlândia, 26 (3): 433-444, set/dez/2014

444

Você também pode gostar