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A PESQUISA COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO COM VISTA À

ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NO ENSINO FUNDAMETAL

G3 – Ensino de Ciências (Física, química e biologia)

Reginaldo dos Santos (DO)/ reginaldousp@ig.com.br


Rita de Cássia Frenedozo/ rita.frenedozo@unicsul.br

Resumo
Com foco em metodologia para o ensino de ciências, esse artigo relata os resultados de
uma pesquisa-ação de abordagem qualitativa, onde, objetivou-se identificar
contribuições que a pesquisa como princípio educativo, pode oferecer ao ensino de
ciências que por sua vez, visa a promoção da Alfabetização Científica (AC) no Ensino
Fundamental (EF). Tal objetivo procurou responder a seguinte pergunta: a pesquisa
como princípio educativo no ensino de ciências do EF contribui com a promoção da
AC? Tal pesquisa se deu com a realização de um projeto de estudo envolvendo a
pesquisa como princípio educativo, desenvolvido em 2012, junto a alunos do sexto ano
do EF de uma escola pública da periferia de Osasco-SP. A estratégia metodológica
usada pelo projeto de estudo, visou estimular a observação sistematizada de fenômenos
naturais, a formulação de hipótese e a produção própria por alunos com média de idade
de onze anos. O estudo buscou fundamentação nos trabalhos de Pedro Demo, Jorge
Santos Martins, entre outros que defendem o uso da pesquisa científica como princípio
educativo como opção metodológica para o ensino de ciências e, Décio Auler, Ana
Maria Pessoa de Carvalho, entre outros autores que discorrem sobre a AC como
finalidade para o ensino de ciências. No contexto e perspectiva em que o estudo foi
realizado, os resultados alcançados revelaram que a articulação da pesquisa como
princípio educativo ao ensino de ciências, pode oferecer importantes contribuições à
promoção da AC no EF.

Palavras-chave: Alfabetização Científica, Ensino de Ciências, Metodologia de Ensino.

1. Introdução
Segundo Cachapuz et al. (2005), entre os desafios do ensino escolar para o
século XXI, tem-se aquele relacionado ao discurso que preconiza por um ensino de
ciências, que por sua vez, contribua com a promoção da AC em todos os níveis de
ensino que constituem a educação escolar.
Tal discurso fundamentou-se no pressuposto que apregoa o ensino ciências
balizado pela AC como possibilidade para um melhor aproveitamento de tal ensino,
para termos uma formação cidadã, provida de competências para atuar conscientemente
em questões de ordem ambiental, política, econômica, cultural e social, relacionadas à
ciência e a tecnologia (CACHAPUZ et al., 2005; DEMO, 2010).

Anais do Encontro de Produção Discente PUCSP/Cruzeiro do Sul. São Paulo. p. 1-12. 2012.
Segundo Acevedo-Diaz, Vázquez-Alonso e Manassero-Mas (2003), conceber a
AC como finalidades do ensino de ciências, se justifica pelo fato de esta almejar, não só
a formação básica do aluno para prosseguir os seus estudos em carreira científica, mas
também, formar cidadãos capazes de reconhecer e definir termos científicos,
compreender ideias básicas do atual conhecimento científico e ainda, saber aplicar tal
conhecimento para se posicionar de forma crítica, reflexiva, consciente e atuante, em
situações atuais e reais.
O ensino de ciências, com vista à AC, é também sugerido pelos documentos
oficias para o ensino brasileiro, entre eles, os Parâmetros Curriculares Nacionais, e o
atual Currículo da Secretaria da Educação para o Ensino Fundamental – Ciclo II e o
Ensino Médio da rede pública do Estado de São Paulo.
Segundo Sarreron e Carvalho (2011), o discurso conduzido pelo termo
Alfabetização Científica, tem se apresentado na literatura estrangeira como
Alfabetización Científica (no espanhol), Scientific Literacy (no inglês), Alphabétisation
Scientifique (no francês) e, a sua tradução aparece nas publicações nacionais como:
Letramento Científico, Enculturação Científica e Alfabetização Científica, conforme as
opções semânticas e terminológicas de cada autor. No entanto, salvo algumas
especificidades, percebe-se que os discursos conduzidos por essas diferentes
terminologias, apresenta tendência a convergir-se para a defesa da necessidade de um
ensino de ciências que contribua com o processo formativo de habilidades e
competências1 para que o sujeito possa assim, apresentar compreensão básica de termos,
conhecimentos e conceitos científicos fundamentais, compreensão da natureza da
ciência e dos fatores éticos e políticos que circundam sua prática e, entendimento das
relações existentes entre ciências, tecnologia, sociedade e meio ambiente.
Independente da terminologia usada, as publicações sobre a AC como
finalidade do ensino científico na Educação Básica, como é o caso dos trabalhos de
Auler (2003), Sasseron e Carvalho (2011), Lorenzetti e Delizoicov (2001), sempre
apresentam preocupação sobre quais seriam as estratégias metodológicas de ensino, que
por sua vez, poderiam contribuir, de fato, com a promoção da AC.

1
Aqui, a definição de competência ancora-se no referencial teórico do Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) onde, competências são modalidades estruturais da inteligência, ou seja, são ações e operações
que se utiliza para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que se
deseja conhecer. Já as habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano
imediato do saber fazer. Através das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se,
possibilitando nova reorganização das competências (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDO E
PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÁSIO TEIXEIRA/ENEM - Documento Básico, 2000, p. 5).
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Anais do Encontro de Produção Discente PUCSP/Cruzeiro do Sul. São Paulo. p. 1-12. 2012.
Entre os trabalhos desses autores, e outros pesquisadores do tema AC, há
sempre o consenso sobre a necessidade de o ensino de ciências com vista à promoção da
AC, partir da problematização e investigação onde, ao aluno, é oferecido a oportunidade
de realização de leitura e escrita com uso da linguagem científica, formulação e teste de
hipótese, observação sistematizada de fenômenos naturais e simulados, entre outras
estratégias metodológicas que não restrinja o processo ensino-aprendizagem à
memorização de conceitos e sim, que promova o contato e a familiarização do aluno
com a linguagem científica do mundo real/natural e/ou simulado.
Considerando que o discurso sobre AC discorre sobre a aproximação do aluno
ao empreendimento científico e tecnológico, por meio de um ensino útil e significativo,
então, pressupõe-se que tal aproximação poder ser melhor estabelecida, quando nas
aulas de ciências, há o uso da pesquisa como princípio educativo, implementada por
projetos de estudo como discorre, diferentes autores, entre eles, Demo, (2006; 2010;
2011), Martins (2007; 2005), Pavão e Freitas (2008), entre outros.
Frente ao que foi exposto, o presente artigo, com foco em metodologia de
ensino de ciências, relata os resultados e comentários de uma pesquisa-ação de
abordagem qualitativa, desenvolvida no ano de 2012, com o objetivo de identificar
contribuições que a pesquisa como princípio educativo, pode oferecer ao ensino de
ciências, que por sua vez, visa a promoção da AC. Assim, tal objetivo procurou
responder a seguinte pergunta: a pesquisa como princípio educativo no ensino de
ciências do EF contribui com a promoção da AC?
O objetivo da pesquisa fundamentou-se principalmente no discurso de Demo
(2006; 2010; 2011), onde este autor, afirma que os projetos de pesquisa como princípio
educativo pode contribuir com a aproximação do aluno à ciência, de uma forma mais
significativa e atrativa, o que, aqui nesse trabalho, foi visto como possibilidade para a
promoção da AC.
Segundo Demo (2006; 2010; 2011), a pesquisa como princípio educativo
proporciona oportunidade de o educando ser também responsável por suas necessidades
educacionais bem como, ser protagonista da sua própria aprendizagem onde, o que se
aprende na escola aparece no cotidiano, e vice-versa, além de contribuir com a
compreensão, no aluno, de que, a aprendizagem é um processo natural e
necessariamente contínuo, e que ocorre, não simplesmente por substituição mecânica
e/ou passiva, mas, por reconstrução/revisão.

Anais do Encontro de Produção Discente PUCSP/Cruzeiro do Sul. São Paulo. p. 1-12. 2012.
Além desse autor, o trabalho também buscou fundamentação nos trabalhos de
Martins (2005; 2007) e Pavão e Freitas (2008), os quais defendem a tese que apregoa a
importância do uso da pesquisa no ensino de ciências com a configuração em que
discorre o professor Pedro Demo.

2. Metodologia
Com a perspectiva de objetivo pretendido, a pesquisa-ação aqui relatada, teve
como público alvo, vinte e oitro alunos do sexto ano do Ensino Fundamental de uma
escola pública da periferia da cidade de Osasco, Região Metropolitana da Grande São
Paulo, com média de idade de onze anos, sendo eles, treze meninos e quinze meninas,
para os quais, foi apresentado um projeto de estudo que envolveu a realização de aula de
campo, estudo em laboratório, seminário e publicações do conhecimento por eles
produzido.
Como técnica e instrumento de coletada de informações, o pesquisador valeu-
se da observação direta sobre as atitudes, falas e produções dos alunos. E para isso,
norteou-se por um roteiro estruturado com quatro categorias de informação para o qual,
todas as observações e anotações, foram conduzidas e posteriormente analisadas pela
abordagem qualitativa.
As quatro categorias adotadas pela pesquisa, foram elaboradas segundo o que
sugere Auler (2003), Lorenzetti e Delizoicov (2011) e Sasseron e Carvalho (2011) sobre
estratégias metodológicas de ensino para a promoção da AC. São elas: 1-Observação
sistematizada, 2-Formulação de hipótese, 3-Relacionar fenômenos naturais às vivências
e experiências do cotidiano, 4-Produção própria mediante observação sistematizada.
Essas categorias serviram como o norte que balizou a atuação docente no trabalho de
mediação e também, como referencial de observação e anotações acerca das falas,
percepções, concepções e produções dos alunos.

2.1 Contexto e aplicação do projeto de estudo


Para realizar o estudo, o pesquisador que também era professor do público alvo
da pesquisa, apresentou aos alunos, um projeto de estudo semiestruturado, inicialmente
constituído por quatro fases (aula de campo, seminário, produção de relatório e
publicação de conhecimento produzido), para, em grupo, ser desenvolvido durante as
quatro aulas semanais da disciplina ciências, do mês de março do ano de 2012.

Anais do Encontro de Produção Discente PUCSP/Cruzeiro do Sul. São Paulo. p. 1-12. 2012.
Durante a apresentação do projeto, que seu deu em forma de proposta de
estudo, o pesquisador conversou com os alunos sobre como os cientistas procedem em
seus trabalhos para fazer ciência e assim, eles também iriam proceder de forma
semelhante, e para isso, então, deveriam, durante os trabalhos, estarem sempre atentos
as três importantes características de um bom cientista: capacidade de observação, de
questionamento e de formulação de hipótese, antes de formar qualquer conclusão.
Após explicar a proposta das quatro fases do projeto, e as possíveis atividades
que os alunos iriam desenvolver e, já com os grupos montados, o pesquisador
apresentou o problema a ser estudado/investigado por meio da seguinte pergunta: que
característica em comum, a maioria dos animais introduzidos pelo homem no Parque
Ecológico do Tietê2 de Barueri, possuem entre si e com os outros animais nativos do
local ou que por lá apareceram naturalmente após a construção do parque?
A pergunta que norteou o projeto de estudo, foi elaborada de acordo com os
conteúdos curriculares que, segundo o currículo oficial da escola, deveriam ser
abordados/estudados no período em que o estudo foi realizado.
Antes de iniciar qualquer atividade, houve uma ampla discussão sobre o porquê
da questão de pesquisa já que, na linha metodologia em que o estudo perspectivou
percorrer, a preocupação sobre o ‘onde se está’, deveria prevalecer sobre o ‘onde iremos
chegar’ uma vez que, assim como discorrem Demo (2010) e Auler (2003), o ensino de
ciências com vista à AC, não preocupa-se com o seguir receita dos roteiros estruturados.
O ‘onde vamos chegar’, é a incerteza, as possibilidades e as hipóteses que por
sua vez, serão, provavelmente, melhores alcançadas, quando se tem claro, o ‘onde se
estava’, já que, o ‘onde se consegue chegar’, será o novo ponto de partida, ou seja, o
novo ‘onde se está’ e assim sucessivamente.
Frente à questão de pesquisa, e já no local selecionado para a aula de campo,
cada grupo deu início a primeira fase do estudo, percorrendo as trilhas do parque,
observando diretamente os animais do local, fazendo perguntas aos monitores e
anotações que julgaram pertinente para posteriormente, no seminário, expor suas ideias
como possíveis respostas para a questão problema da pesquisa e projeto de estudo.
Terminado a primeira etapa da primeira fase, partiu-se então para a
classificação dos animais (segunda etapa) e elaboração das possíveis respostas (terceira
etapa) que posteriormente foram apresentadas nos seminários.

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Localização: Avenida Via Parque, 1.600, Alphaville – Barueri – SP -Telefone: (011) 4191-9844.
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Pelo motivo de alguns grupos terem resolvido coletar diferentes amostras de
água, besouros e algumas formigas, então, a primeira fase foi dividida em fase 1-A e
fase 1-B para os grupos que necessitaram fazer observação do material coletado com
auxilio de lupa e microscópio. Dessa forma, a primeira fase foi dividida em dois
momentos, um caracterizado pelas observações diretas em campo, enquanto, o outro,
caracterizou-se pela observação instrumentalizada em laboratório.
Por se tratar de crianças com média de idade de onze anos, o pesquisador
procurou ater-se a informa-los e/ou lembra-los apenas sobre as características básicas do
trabalho científico, observação, questionamento e formulação de hipótese, e assim,
permitindo que tais crianças também pudessem se valer das suas percepções e
concepções sobre a natureza para formular suas respostas, pois, em tal pesquisa-ação a
ideia era promover a AC, priorizando especialmente os interesses das crianças sobre o
estudo científico do meio ambiente e os fenômenos naturais inerentes a ele.
Essa prioridade sobre as percepções, concepções3 e interesses das crianças é,
segundo Demo (2010; 2011), de fundamental importância para, de um lado, substituir o
papel do professor como ditador de receitas, pela condição em que este, passe a exercer
a função de incentivador e coordenador da aprendizagem científica dos alunos. Além
disso, esse autor, bem como, Sasseron e Carvalho (2011), recomendam que os estudos
científicos com vista AC, necessitam permitir que as crianças apreciem o mundo natural
guiados pela orientação do olhar científico formal, mas sem deixar de lado a apreciação
com do olhar infantil que, quando bem dirigida, pode contribuir para a posterior
sistematização do conhecimento acerca da experiência vivenciada.
Terminado a fase de observação, classificação, estudo do material coletado e
elaboração das respostas, partiu-se então para a realização dos seminários (segunda
fase) onde, cada um dos grupos, tiveram até dez minutos para apresentar suas
observações e respostas para a questão inicial do estudo e, até mais cinco minutos para
responder/debater as perguntas que recebera dos outros grupos.

3
Aqui, adota-se a definição de percepção e concepção conforme discorre Cunha (2009) em sua tese.
Segundo essa autora, percepção é algo que está ligado à processos cognitivos, por meio da entrada de
estímulos externos, produzindo significações que são internalizadas pelo sistema psicológico, mas que
ainda não constituíram uma generalização, ou seja, um conceito. Nesse sentido, a concepção seria o
entendimento de uma situação, no nível conceitual, isso, após a internalização dos significados
produzidos pela percepção e de todas as transformações ocorridas no sistema psicológico. Assim,
somente após o processo de significação e formação conceitual é que se está apto a conceber algo ou
alguma coisa, ou seja, ter uma concepção do objeto e condições de resolver um problema, por exemplo.

Anais do Encontro de Produção Discente PUCSP/Cruzeiro do Sul. São Paulo. p. 1-12. 2012.
Com a conclusão dos seminários (segunda fase), os alunos escreveram os
relatórios finais (terceira fase) para assim, publicar (quarta fase) o conhecimento por
eles produzido, onde, tal publicação, se deu com a exposição dos relatórios no mural de
publicação interna da escola.
Sobre o contexto escolar dos sujeitos público alvo da pesquisa, salienta-se que,
em tal unidade escolar, é oferecido atendimento a seiscentos e sessenta e cinco alunos
do Ensino Fundamental – Ciclo II e oitocentos e três alunos do Ensino Médio em três
turnos. Em tal escola é expressivo o índice de reprovação, abandono escolar e
vandalismo ao patrimônio público por parte dos próprios alunos. Por fim, o espaço
físico e os recursos didáticos deixam a desejar e as estratégias metodológicas de ensino
e aprendizagem baseiam-se preferencialmente no ensino tradicional.

3. Resultados e Discussão
As transcrições a seguir representam uma síntese do feedback sobre aquilo que
ao alunos foi incentivado por meio da proposta de estudo. Então, sobre a categoria
observação sistematizada, foi sintetizado as seguintes falas e observações:
[...] para ser ave precisa ter pena, bico, asa e ter um corpo mais largo em
4
baixo [...] (G - 3) .
[...] temos que escolher um tipo de ser vivo para pesquisar, mas tem que ser
os tipos de seres vivos que são a maioria aqui no parque [...] acho que as aves
são a maioria porque para toda lado tem ave, elas vem voando de outros
lugares para morar ou comer aqui e depois vão embora [...] (G - 2).
[...] nosso grupo escolheu pesquisar sobre as aves porque a gente não iria
conseguir fazer todas as observações com outra espécie como os peixes que
foram colocados lá no parque, a gente teria que pegar todos os peixes e
observar [...] (G - 7).
[...] o cabrito come folha porque ele é igual a vaca, a cabrita que é a mulher
do cabrito também dá leite igual a vaca (riso) [...] (G - 1).
[...] meu grupo pensou em pesquisar as formigas mais elas são muito
pequenas, e dá mais trabalho para observá-las [...] a gente queria saber se elas
são iguais aos cabritos porque elas comem folha igual ao cabrito, eu acho
[...] (G - 6).

Os alunos relacionaram o perfil alimentar da vaca com o do cabrito e das


formigas. Embora, havendo um erro sobre o perfil alimentar das formigas, já que estas
não se alimentam diretamente de folhas como o cabrito e a vaca, percebe-se que os
alunos conseguiram fazer relação entre a necessidade direta ou indireta do uso das
plantas, por três espécies de seres vivos, para suprir suas necessidades alimentares.
Os alunos não souberam definir as aves como animais bípedes, mas
apresentaram uma explicação por analogia ligando o fenômeno observado a elementos
4
Cada grupo foi identificado com um número em algarismo arábico de 1 a 7 assim, a letra G do alfabeto
da Língua Portuguesa refere-se a inicial da palavra grupo e o número, refere-se a sua identificação.
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Anais do Encontro de Produção Discente PUCSP/Cruzeiro do Sul. São Paulo. p. 1-12. 2012.
conhecidos ao falar que elas são mais largas na porção corporal inferior. Essa
explicação apresentada pelos alunos, caminha ao encontro daquilo que discorrem
Astolfi e Develay (1990) e Dolle (2011), quando esses autores chamam a atenção para a
importância de o professor está atento as pontes que as crianças costumam formar entre
os conhecimentos prévios e os novos conhecimentos, antes de formar uma nova
concepção ancorada ou não na linguagem científica.
Considerando que o ensino que visa a AC, preocupa-se em valorizar os
conhecimentos prévios, então, e assim como discorre Dolle (2011), é neste contexto que
a exigência sobre a eficiência da atuação docente é aumenta porque, quando o ensino
visa a promoção da AC, o professor necessita sempre optar por não dá a resposta pronta
e sim, promover condições favoráveis para que o aluno a encontre/produza.
Segundo Doller (2011) e Giordan (1996), essas explicações, reduzidas e/ou
equivocadas, faz parte do conhecimento produzido pelo aluno/criança e, dessa forma,
não pode ser simplesmente apagado/substituído mecanicamente por um outro
conhecimento considerado correto, e sim, reelaborado com a ajuda do professor, por
meio de situações problematizadoras em que o aluno será mobilizado a praticar o
autoquestionamento sobre suas percepções e concepções.
[...] o ensino deve tomar como ponto de partida os interesses dos alunos,
buscar a conexão com seu mundo cotidiano com a finalidade de transcende-
lo, de ir além, e introduzi-los, quase sem que eles percebam, na tarefa
científica. Não se deve supor que, para aprender ciência, os alunos devem ter
desde o começo as atitudes e os motivos dos cientistas; na verdade, é preciso
projetar um ensino que gere essas atitudes e os motivos [...] (POZO;
CRESPO, 2009, p.43-44).

É nesse contexto que, segundo Auler (2003), Demo (2010), Lorenzetti e


Delizoicov (2001) e Sasseron e Carvalho (2011), que o ensino escolar para a AC
apresenta seu diferencial, já que, o processo, o percurso, a transformação que se dá no
processo ensino-aprendizagem, lhe interessa muito mais que a resposta.
Sobre a categoria formulação de hipótese foi obtido as seguintes produções:
[...] precisamos pegar água em todas as lagoas para ver como são os
bichinhos que vivem em todas elas [...] para saber acho que temos que ver no
microscópio (G - 7).
[...] eu acho que tem seres vivos nessa água porque em toda água de rio ou
lago tem ser vivo, a gente não consegue ver todos, mas tem [...] (G - 1).
[...] será que os seres vivos que tem nessa água, são diferentes dos outros que
podem ser encontrados nos outros lagos do parque? [...] (G - 5).
[...] a cor da água é diferente, então, os bichinhos que moram nela, devem ser
diferente também [...] o cheiro dessa água é muito forte, eu acho que ai não
tem nenhum ser vivo [...] (G - 4).
[...] acho que não dá para comparar esses seres vivos porque esse
microscópio não mostra muitos detalhes do corpo deles, precisamos de um
microscópio que mostra mais coisas, mais potente [...] (G - 3).
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[...] lá no parque tem mais aves porque elas são mais fáceis de ser criadas e
também porque elas conseguem viver em quase todos os lugares na natureza
[...] (G - 2).
[...] as aves tem pena porque deve ser a melhor maneira para viver o tipo de
vida que elas tem [...] (G - 6).

Salientando que Lorenzetti e Delizoicov (2001) e Auler (2003) concordam que


as situações problematizadoras no ensino de ciências podem favorecer a prática da
elaboração de hipóteses, então, percebe-se que tal motivação por meio do projeto de
estudo envolvendo a pesquisa como princípio educativo, surtiu o efeito que o estudo
almejou. Todos os grupos apresentaram em suas falas e/ou produções, mais de três
hipóteses como as que aqui foram selecionadas e transcritas.
A competência de formular hipótese, em especial, mediante o conhecimento
científico, é segundo Demo (2011), um diferencial em aprender/compreender o
conhecimento científico de forma mais útil e significativa, pois, a prática de formulação
de hipótese mobiliza os conhecimentos prévios, o autoquestionamento, duas
características, constantemente apregoadas pelo ensino que visa a AC.
Ao que tange a categoria relacionar fenômenos naturais às vivências e
experiências do cotidiano, o pesquisador sintetizou os seguintes resultados:
[...] olha aqui nesse microscópio os bichinhos correndo, parece que eles estão
brincando de pega-pega [...] (G - 4).
[...] todos os seres vivos que nosso grupo conseguiu vê no microscópio tem
uns pelinhos parecem, que estão de peruca [...] (G - 5).
[...] as formigas conseguem andar pelo mesmo caminho parecendo carros em
uma estrada [...] (G - 1).
5
[...] quando elas se encontram, elas tocam uma na outra parecendo que estão
se cumprimentado (riso) [...] (G - 7).
[...] o pavão macho é mais bonito que a fêmea, quando ele abre as penas
parece uma fantasia de carnaval [...] (G - 3).
[...] olha só, aquele besouro, (libélula?) ela se parece um helicóptero [...] (G -
2).
[...] tem bicho que parece gente, o avestruz anda igual uma pessoa com as
mãos para trás [...] (G - 6).

Considerando que a AC é, segundo Lorenzetti e Delizoicov (2001), classificada


em três dimensões (funcional, conceitual e processual, e multidimensional) de evolução,
aprofundamento e segundo o nível de aprendizagem do sujeito, então, a capacidade de
relacionar fenômenos naturais às vivências e experiências do cotidiano, e comentá-los,
com ou sem o uso de analogia, deve ser estimulado pelo ensino de ciências que visa AC
porque, tal atitude, segundo esses autores, são os primeiros passos na perspectiva de se
atingir as dimensões mais elevadas da AC, onde o sujeito consegue fazer uso do
conhecimento científico de forma mais sistematizada, ampla e contextualizada.
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Fala do aluno do grupo 7 sobre as formigas, em complemento ao que o aluno do grupo 1 falou.
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O uso do conhecimento científico, da forma que aqui se coloca, também pode
ser conseguido com o ensino pela abordagem tradicional que se organiza
preferencialmente pela abordagem conceitual de termos científicos, o diferencial que a
AC coloca em relação ao ensino tradicional, diz respeito ao fato de esta (a AC),
enfatizar a importância de o aluno ser primeiramente apresentado ao fenômeno para dai
partir para os conceitos científicos que o subjaz. Tem-se essa interpretação uma vez que,
acredita-se que, o fenômeno, influência muito mais o interesse por sua compreensão do
que, os conceitos que o explica. Ou seja, a ideia é, sempre dentro do possível, promover
o estudo científico de forma a partir do fato para os conceitos, e não o contrario.
Ainda, segundo Lorenzetti e Delizoicov (2001), quando as estratégias
metodológicas das aulas de ciências para crianças buscam nortear-se por essas
dimensões, tem-se ai, uma importante oportunidade para o aluno iniciar naturalmente
sua familiarização à ciência e seu vocabulário. Nesse contexto Demo (2011) ressalta
que o ensino de ciências, especialmente para criança, que não parte das concepções
prévias dos sujeitos, mesmo que estas sejam equivocadas, com ou sem uso do sentido
figurado ou analogias, possui forte tendência em ser assimilado por memorização que,
nesse caso, nem sempre contribuirá com a superação dos pré-conceitos e estereótipos
acerca do conhecimento científico, da ciência e dos cientistas.
Sobre a categoria produção própria mediante observação sistematizada, tem-se
as seguintes produções onde, as transcrições a seguir reúnem as respostas que os alunos,
apresentaram durante os seminários para a situação problema que a eles foi solicitado.
[...] patos, galinhas, gansos, são todos aves, eles voam, tem pena e comeram a
mesma ração que foi dada por nos [...] (G - 2).
[...] a característica comum que a maioria dos animais implantados no parque
apresentam entre si e com os outros animais nativos ou que por lá pareceram,
é a presença de pena porque a maior são aves [...] (G - 4).
[...] a característica comum é que todos tem pena, bico, comem semente e
ração e botam ovo [...] (G - 7).
[...] os animais lá do parque tem em comum a forma de viver e se alimentar
porque são aves. As galinhas, os gansos, os patos, as galinhas de angola, os
perus, e os passarinhos que tem lá e são muitas espécies [...] (G - 5).
[...] lá no parque tem muitas aves então, a característica em comum é ser ave
do jeito que toda ave é, ter pena, ter asa, come semente [...] (G - 6).
[...] nosso grupo tentou comparar todos os animais que foram vistos durante o
passeio pela trilha então, como são muitos, tivemos muita dificuldade de
chegar a uma característica comum entre eles. Como não dava para a gente
pegar todos, então, concluímos que a característica em comum é o
comportamento porque, tirando o bode, todos são mansos, não são agressivos
e você pode passar a mão, até os gansos você pode passar a mão [...] (G - 3).

As últimas transcrições apresentam a produção dos alunos mediante a questão


que a eles foi apresentada com o projeto de estudo. Como se vê, todos os grupos
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conseguiram formular uma resposta conforme as informações que eles reunirão com a
aula de campo e, segundo seus conhecimentos prévios.
Frente ao que foi exposto com a explanação bibliográfica, entende-se que as
produções dos alunos aqui apresentadas, pode contribuir com o debate sobre os
possíveis caminhos que o professor pode investir quando pretende desenvolver o ensino
de ciências por meio de projetos de pesquisa com vista a promoção da AC.
Em relação às dificuldades encontradas pelo pesquisador para a realização do
estudo, esta se deve ao fato de, nessa escola, assim como todas as escolas dessa rede,
existir um currículo a ser seguindo por meio de aulas apostiladas, para serem
desenvolvidas pelos professores de todas as escolas de tal rede, então, para não
comprometer as aulas obrigatórias da apostila e assim, evitar problemas de ordem
pedagógica e administrativa da escola, o projeto envolveu apenas um dos conteúdos do
tema de estudo apresentado em tal currículo para o primeiro bimestre do ano letivo.
A falta de laboratório e matérias didáticos adequados, também foram aspectos
que dificultaram o desenvolvimento do projeto já que, os alunos formularam hipótese
que necessitaram de materiais básicos de laboratório como microscópio, entre outros.

4. Conclusão
Frente ao que foi perspectivado como objetivo para a pesquisa-ação, os
resultados alcançados revelam que a prática da pesquisa como principio educativo por
meio de projetos de estudo, apresenta-se como meio viável ao ensino de ciências que
também visa a promoção da AC uma vez que, pode favorecer a prática da observação
sistematizada dos fenômenos naturais, a formulação de hipótese, a oportunidade de
relacionar fenômenos naturais as vivências e experiências do cotidiano e a produção
própria. Frente a isso, conclui-se que o investimento nas metodologias de ensino de
ciências que possibilita a prática da pesquisa como princípio educativo, pode contribuir
com a prática e aprendizagem de um ensino científico mais atrativo e significativo para
todos os níveis de ensino, em especial, o ensino científico para o Ensino Fundamental.

Referências

ACEVEDO-DÍAZ, José Antonio; VÁZQUEZ-ALONSO, Ángel; MANASSERO-


MAS, Maria Antonia. Papel de la educación CTS en una alfabetización científica y
tecnológica para todas las personas. Revista Eletrónica de Enseñanza de las Ciências.
v. 2, n. 2, p. 80-111, 2003. Disponível em:
<http://www.saum.uvigo.es/reec/volumenes/volumen2/Numero2/Art1.pdf>. Acesso em:
15 ago. 2012.
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Anais do Encontro de Produção Discente PUCSP/Cruzeiro do Sul. São Paulo. p. 1-12. 2012.
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