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Preclusão elástica no Novo CPC

Zulmar Duarte de Oliveira Junior

Sumário1
1. Apresentação. 2. A dimensão temporal
do processo. 3. Preclusão. 4. Preclusão elástica
no Novo CPC. 5. Virtualidades da elasticidade
da preclusão no Novo CPC. 6. Considerações
finais.

1. Apresentação
O instituto da preclusão é sem sombra
de dúvida um dos temas mais intrincados2
e, não por isso, menos estudados no pro-
cesso civil3, conquanto aparente o consenso
doutrinário sobre sua conformação.
Por certo, a dificuldade na perfeita com-
preensão do fenômeno da preclusão decor-
re da própria fluidez do seu baldrame, qual
seja, o conceito de processo. A nosso ver,
conceber o processo como relação jurídica4,
1
Tomamos de empréstimo a expressão empregada
por CALAMANDREI, bem que utilizada para outra
dimensão do instituto, isto é, para a flexibilização da
preclusão das ditas deduções de mérito, na forma dos
artigos 183 e 184 do Código de Processo Civil italiano
de 1940 (CALAMANDREI, 1999, p. 310-311).
2
Sem a pretensão de ser exauriente, podemos
lembrar a discussão sobre sua abrangência subje-
tiva (partes e/ou juiz), sua tríplice configuração, a
extensão objetiva (questões processuais, prejudiciais
e etc.).
3
Penso que a falta de exame mais profundo sobre a
matéria é ligada a suposta e pressuposta concordância
sobre seus delineamentos fundamentais.
4
“Nunca se há dudado que el derecho procesal
Zulmar Duarte de Oliveira Junior é Procura- civil determina las faculdades y los deberes que po-
dor-Geral do Município de Imbituba/SC. nen en mutua vinculación a las partes y al tribunal.

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situação processual5 ou procedimento em contraditório6, por exemplo, implica em
Pero, de esa manera, se ha afirmado, también, que
alteração sobre o sentido e alcance do ins-
el proceso es una relación de derechos y obligacio- tituto (MAXIMILIANO, 1997, p. 104-105).
nes recíprocos, es decir, una relación jurídica. Esta Todavia, como o tema, em si, exige in-
simple, pero, para el derecho científico, realidad cursão, mergulho, de maior fôlego, não per-
importantíssima, desde todo punto de vista, no ha
sido hasta ahora debidamente apreciada ni siquera
mitidos nesta exposição, limitar-nos-emos
claramente entendida. Se acostumbra a hablar, tan a trabalhar com as alterações do instituto
sólo, de relaciones de derecho privado. A éstas, sin decorrentes do projeto de Novo Código de
embargo, no puede ser referido el proceso. Desde Processo Civil (Novo CPC)7, sem nos furtar
que los derechos y las obligaciones procesales se dan
entre los funcionarios del Estado y los ciudadanos,
a apresentar proposta de alteração deste.
desde que se trata en el proceso de la función de los E aqui indispensável uma advertência,
oficiales públicos y desde que, también, a las partes não placitamos a perspectiva de que um
se las toma en cuenta únicamente en el aspecto de su instituto possa ser alterado pela pena do
vinculación y cooperación con la actividad judicial,
esa relación pertenece, con toda evidencia, al derecho
legislador, mas sim que esta acaba por
público y el proceso resulta, por lo tanto, una relaci- desvelar virtualidades daquele até então
ón jurídica pública. La relación jurídica procesal se mascaradas, desconhecidas, mas não pre-
distingue de las demás relaciones de derecho por otra clusas (perdoem o trocadilho).
singular característica, que puede haber contribuido,
en gran parte, a desconocer su naturaleza de relación
Efetivamente, o Novo CPC nasce
jurídica continua. El proceso es una relación jurídica timbrado pela ideologia de aceleração da
que avanza gradualmente y que se desarolla paso a prestação jurisdicional, norte para o leme
paso. Mientras que las relaciones jurídicas privadas de sua Comissão elaboradora.
que constituyen la materia del debate judicial, se
presentan como totalmente concluidas, la relación
Nessa perspectiva, a Comissão, limitan-
jurídica procesal se encuentra en embrión” (BÜLOW, do o uso do recurso de agravo a situações
1964, p. 1-2). cirúrgicas, extraiu do corpo procedimental,
5
“Puede concebirse el Derecho como un conjunto na mesma incisão, a preclusão das questões
de imperativos que han de seguir los sometidos a las
reglas jurídicas, pero también como una serie de nor-
decididas no curso do processo em primei-
mas que han de ser aplicadas por el juez. Esta última ro grau de jurisdição.
concepción es la adecuada para el Derecho justiciario,
y, por consiguinte, para el Derecho procesal civil. jurídica> se debe a Kohler, el cual ve en ella una
Desde este punto de vista, las normas juridicas cons- relación jurídica imperfecta. Pero en todo caso, es un
tituyen, para los sometidos a ellas, las conminaciones concepto especificamente de derecho procesal, y hasta
de que el juez observará determinada conducta, y, en quizá su concepto fundamental” (GOLDSCHMIDT,
último término, de que dictará una sentencia judicial 1936, p. 8-9).
de determinado alcance. Los vinculos jurídicos que 6
“Se, pois, no procedimento de formação do
nacen de aquí entre las partes no son propiamente
provimento, ou seja, se nas atividades preparatórias
<relaciones jurídicas> (consideración <estática> del
por meio das quais se realizam os pressupostos do
Derecho), esto es, no son facultades ni deberes en el
provimento, são chamados a participar, em uma ou
sentido de poderes sobre imperativos o mandatos,
mais fases, os ‘interessados’, em contraditório, colhe-
sino <situaciones jurídicas> (consideración dâmica del
derecho), es decir, situaciones de expectativa, esperan- mos a essência do ‘processo’: que é, exatamente, um
zas de la conducta judicial que ha de producirse y, en procedimento ao qual, além do autor do ato final,
último término, del fallo judicial futuro; en una pala- participam, em contraditório entre si, os ‘interessa-
bra; expectativas, posibilidades y cargas. Sólo aquéllas dos’, isto é, os destinatários dos efeitos de tal ato”
son derechos en sentido procesal – el mismo derecho (FAZZALARI, 2006, p. 33).
a la tutela jurídica (acción procesal) no es, desde este
7
Designaremos o projeto de Novo Código de
punto de vista, más que una expectativa juridicamente Processo Civil, tramitando atualmente na Câmara
fundada –, y las últimas – las cargas –, <imperativos de Deputados tombado pelo número 8046/2010
del propio interés>, ocupan en el proceso el lugar de (Disponível em: <http://www.camara.gov.br/
las obligaciones. La situación jurídica se diferencia sileg/integras/831805.pdf>. Acesso em: 4 abr.
de la relación jurídica no sólo por su contenido, sino 2011), com a expressão “Novo CPC”, sendo que,
también porque depende, no de la <existencia>, sino em contrapartida, o atual Código de Processo Civil
de la <evidencia> y muy especialmente de la prueba – lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 –, pelo rótulo
de sus presupuestos. El concepto de la <situación “Velho CPC”.

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Verdade seja, a opção legislativa redun- pio da ordenação discricional) (MIRANDA,
da no revolvimento da base do instituto, 1996, v. 3, p. 117; COUTURE, 1942, p. 80).
mormente na sua compreensão atual, tra- A escolha legislativa traz, por conseguinte,
zendo consequências sobre sua projeção no o abrigamento da preclusão9.
ordenamento processual. Ainda assim, não concordo que a mar-
cha processual, em si, seja ordenada pela
2. A dimensão temporal do processo preclusão (MARINONI, 2005, p. 607), mas,
sim, que esta representa a causa motriz
A rigor, o processo nasce para terminar, do andamento processual, figurando
vive numa dimensão temporal (Cf. ALVIM, como grande responsável pela aceleração
1997), avançando continuamente em busca processual (DINAMARCO, 2002, p. 455),
do seu produto final, qual seja, a prestação verdadeiro impulso (COUTURE, 1942, p.
jurisdicional. 80)10.
Como sói de ser, o processo não é infen- Ponto está, nosso ordenamento proces-
so ao tempo – que a tudo e a todos alcança sual – filiado ao princípio da ordenação
indistintamente –, razão por que aquele se legal – regulou minuciosamente a ordem,
estratifica pelo calendário8, comprimido a sequência e o tempo de realização dos
ainda pela necessidade de uma duração ra- diversos atos que compõe o processo (atos
zoável (CRFB/88, artigo 5o, inciso LXXVIII) processuais) 11. Estes diversos atos, que
(TUCCI, 1997). formam estádios processuais12, suceden-
Tome-se, de antemão, se o processo do em ordem fixa, cada qual destinado a
tencionasse durar mais do que o ser hu- determinadas atividades, desenvolvem-
mano, passando de geração em geração, o -se quase que automaticamente acordes
problema da (in)justiça seria agudizado. O
sistema busca alternativas de acomodação, 9
“Quando se adota o princípio da ordenação
entre a necessidade de tempo e a justiça, legal – ou se permitem dentro de certo período atos
que há de ser tempestiva. processuais que também poderiam ser de outro, ou
só se permitem em determinado ou determinados
O próprio conceito empírico de pro-
períodos (princípio de preclusão). Então, a parte que
cesso, no que não acrescentamos nada não praticou, ou não provocou a prática de algum ato
de novo, deriva do verbo “proceder”, processual, não pode mais fazê-lo. A preclusão pode
indicando continuidade, dinâmica, uma ser relativa a um ato, ou alguns atos, ou ser ligada a
série de operações, ainda que díspares, certos períodos em que os atos têm de ser praticados
ou provocados (preclusão por período) (MIRANDA,
concatenadas temporalmente pela uni- 1996, v. 3, p. 117).
dade de fim. 10
“El ordenado y coherente desarollo del proceso
Demais disso, a ordem processual no se obtiene, además que con lós términos, también con
tempo pode ser legal ou discricional, na las preclusiones” (LIEBMAN, 1980, p. 176).
medida em que se estabeleça ou não enca-
11
“Levando em consideração a noção de tempo
(supra, no 522), quando se determina o tempo dos
deamento dos atos processuais legalmente atos jurídicos e, especialmente, dos atos processuais,
(princípio da ordenação legal versus princí- isso acontece para obter uma certa relação entre o
cumprimento de um ato e o cumprimento de um ou
8
“O tempo, como aspecto da natureza ou do mais atos e, portanto, para fazer desse modo com
mundo, conforme se preferir, não é mais do que ex- que o ato seja inserido em um ponto da história em
pressão de sua contínua mudança, ou seja, da história; preferência de outro” (CARNELUTTI, 2000b, vol.
exatamente porque a realidade não existe mais do que 3, p. 595).
em mutação, história e realidade se confundem com 12
“Poder-se-ia seccionar o processo em momen-
frequência. A posição de um ato em tal mutação é o tos, comparando-o como uma representação cin-
que se chama o tempo do ato; a inserção de cada ato ematográfica, permitindo traçar no negativo divisões
na história acontece em um ponto do tempo, ao qual ideais, no qual resultariam unidades de movimento,
nossa pobre linguagem ainda dá o nome de tempo;” os momentos processuais” (CARNELUTTI, 2000b,
(CARNELUTTI, 2000b, v. 3, p. 594). v. 3, p. 20).

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com o esquema pré-estabelecido em 3. Preclusão
abstrato.
Aliás, o procedimento estratificado, Oportuno se torna dizer, o vocábulo
dividido em fases e estádios processuais, preclusão – do latim praecludo, que sig-
seccionado pelo próprio tempo de rea- nifica fechar, tapar, encerrar (forclusion em
lização dos atos, encontra na preclusão francês: exclusio a foro) – apareceu no direito
sua costura arrematadora13. A ideia da medieval romano-canônico.
marcha procedimental é dominada pela Já Oskar Bülow (1879, p. 54-56), detido
preclusão. na análise da preclusão, pontuava com
Dito às claras e às secas, a preclusão clareza que a circunstância do não agir da
colmata o processo, impelindo-o ao ob- parte constitui fundamento decisivo para
jetivo final, isto é, a prestação da tutela seu prejuízo jurídico. O non facere, por si
jurisdicional, assumindo extremo relevo no só, é considerado fato processual.
sistema brasileiro de procedimento rígido Nada obstante, o tratamento moderno
(Cf. DINAMARCO, 2002, p. 454). deste conceito, mormente na extensão e
A bem da verdade, no atual ordena- importância aceitos atualmente, deve-se
mento processual, a conjugação do impulso a Chiovenda 16, não obstante a influên-
oficial com a preclusão, inseridos numa cia neste dos estudos procedidos por
estrutura procedimental rígida, empurra, Bülow17.
dinamiza, catalisa, o andamento do pro- Precisamente, como percucientemente
cesso ao seu estertor14. observou CHIOVENDA, todos os proces-
Nessa ampla moldura, o processo con- sos, em maior ou menor medida, fazem
segue dar sua contribuição à vida social, a préstimo da preclusão para alcançar o
segurança no gozo dos bens da vida, me-
diante a declaração definitiva da vontade belecidos limites à liberdade de agir dos litigantes,
da lei no caso concreto (ALVIM, 1997, p. circunscrevendo-se de conseguinte seus poderes
processuais. (...) O desiderato de restringir a liberdade
228), alcançada inclusive pelo automatismo das partes é obtido principalmente pelo instituto da
preclusional (LACERDA, 1985, p. 159), no preclusão” (OLIVEIRA, 1997, p. 169).
que, eliminando expedientes, facilita seu 16
A maturação do pensamento de CHIOVENDA
encerramento15. (1949, p. 223) sobre a matéria atravessou três décadas,
iniciando em 1905, no ensaio sobre coisa julgada, coisa
julgada e competência, passando pela obra princípios
13
“Constituem-se os prazos processuais e as
preclusões em dois aspectos através dos quais se do direito processual civil e pelo ensaio a ideia romana
exterioriza a disciplina do tempo no processo, em no processo civil moderno e fincando raízes no ensaio
função da idéia de que o processo deve marchar coisa julgada e preclusão.
em direção à sentença, irreversivelmente” (ALVIM,
17
“Apesar de existir em todos os sistemas proces-
1997, p. 442). suais – pois sem ela seria impossível o andamento
14
“A preclusão pode ser considerada um verda- e o término dos feitos –, a preclusão esteve durante
deiro princípio da teoria dos prazos porque ela inter- largos séculos sem conceituação precisa, confundida
fere em toda a dinâmica do andamento processual. com outros institutos, principalmente com o da
Ela é a espinha dorsal do processo, no que respeita coisa julgada e o da decadência. (...) CHIOVENDA
ao seu andamento, pois é o instituto através do qual, empreendeu uma série de pesquisas sobre a pre-
no processo, se superam os estágios procedimentais, clusão, sua natureza, fins e efeitos. Isolou o instituto,
e não deixa de ser também um instituto propulsio- despiu-o do caráter penal, distinguiu-o da coisa jul-
nador da dinâmica processual, na medida em que gada material, caracterizando precisamente os dois
for acatada pela legislação processual” (ALVIM, conceitos mostrando a natureza, objeto, finalidade
1997, p. 462). e extensão de cada um; por fim, após a fixação do
15
“A tensão inarredável entre a plena realização instituto, deu-lhe o nome de preclusão retirado da
do direito material com a maior justiça possível, e o poena praeclusi do direito intermédio – com o qual já
rápido e eficiente alcance desse desiderato, sempre se incorporou definitivamente à doutrina, à juris-
presente na história do direito processual, põe no prudência e à legislação dos povos cultos” (BARBI,
tablado das discussões a necessidade de serem esta- 1955, p. 59).

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seu final18, fato reconhecido pela doutrina Regra cardinal, a este respeito, é o ar-
pátria19. tigo 473 do Velho CPC: “É defeso à parte
Como registro, vale rememorar o con- discutir, no curso do processo, as questões
ceito galvanizado por CHIOVENDA sobre já decididas, a cujo respeito se operou a
o tema: preclusão”.
“La preclusión consiste en que des- Assome-se, a rigidez do procedimento
pués de la realización de determina- estatuído no Código de Processo Civil
dos actos o del transcurso de ciertos vigente, com fases claramente marcadas,
términos queda precluso a la parte el compassadamente desenvolvidas, impõe
derecho de realizar otros actos pro- e justifica um severo sistema de preclu-
cesales determinados, o, en general, são21.
actos procesales” (CHIOVENDA, Tangencialmente, na estruturação do
1977, p. 358). instituto, consente-se com sua tríplice
Essa é a grande premissa e coluna em configuração22, isto é, preclusão temporal,
que se apoiou o Código de Processo Civil lógica e consumativa, como amplamente
em vigor – Velho CPC –, para integrar no difundido por CHIOVENDA23.
seu desenvolvimento a preclusão, ainda A sua vez, salvo raríssimas exceções24,
que sem tratamento sistêmico20. O Velho a doutrina brasileira segue sem hesitação
CPC não apresenta uma disciplina orgânica tal diferenciação, como dá conta ARRUDA
e sistêmica da preclusão (DINAMARCO,
2002, p. 455), omissão repetida pelo Novo 21
“Politicamente justifica-se a preclusão em
virtude do princípio pelo qual a passagem de um
CPC. ato processual para outro supõe o encerramento do
anterior, de tal forma que os atos já praticados per-
18
“Todo processo, uns mais, outros menos, maneçam firmes e inatacáveis. Quanto mais rígido o
e da mesma forma o nosso processo, com o fim procedimento – como o é o brasileiro, por desenvolver-
de assegurar precisão e rapidez ao desenvolvim- se através de fases claramente determinadas pela lei –
ento dos atos judiciais, traça limites ao exercício maior se torna a importância da preclusão” (CINTRA,
de determinadas faculdades processuais, com a 1998, p. 328).
conseqüência de que, além desses limites, não se 22
LIEBMAN (1980, p. 176) advogada a existência
pode usar delas. Emprestei a essa conseqüência o de mais um tipo de preclusão, dita mista: “b) a la falta
nome de “preclusão”, extraído de uma expressão de ejercicio del derecho en el momento oportuno,
das fontes que se empregava, precisamente com o cuando el orden legalmente establecido en la sucesión
significado que lhe dou “poena praeclusi” do direito de las atividades procesales importe una consecuencia
comum, ressalvando-se que, no direito moderno, tan grave;” Preclusão mista pela conjugação do trans-
naturalmente se prescinde da idéia de pena. (...) curso do tempo com o andamento processual, sendo
Minhas observações tiveram o propósito e resultado que DINAMARCO (2002, p. 455) exemplifica, como
de simplificação e de diferenciação. Proporcionou- mista, a apresentação da manifestação de que tratam
me o motivo e o ponto de partida um dos escritores os artigos 326, 327 e 398 até a audiência preliminar
alemães que mais contribuíram para o progresso da (CPC, artigo 331).
ciência processual moderna com um concurso de 23
“que entendo por preclusão a perda, ou extinção,
idéias, não somente novas, senão também sadias, ou consumação de uma faculdade processual que sofre
fecundas e propulsivas, refiro-me a Oskar Bulow pelo fato: a) ou de não se haver observado a ordem
(...)” (CHIOVENDA, 1998, p. 184-185). prescrita em lei ao uso de seu exercício, como os prazos
19
“Se o excesso de preclusões é condenável, peremptórios, ou a sucessão legal das atividades ou
porque desumaniza o processo, porque o transforma das exceções; b) ou de se haver realizado uma ativi-
em máquina de expelir despachos, não é possível, dade incompatível com o exercício da faculdade (...);
entretanto, bani-las totalmente do direito processual” c) ou de já se haver validamente exercido a faculdade
(LACERDA, 1985, p. 156). (consumação propriamente dita)” (CHIOVENDA,
20
Independentemente dos juízos de oportunidade 1998, p. 184).
e conveniência, o fato é que o Velho CPC, no que é 24
Em bela obra sobre a preclusão, SICA nega a
repetido pelo Novo CPC, não dedicou conjunto coor- existência da preclusão consumativa, aproximando
denado de normas ao instituto da preclusão, sacando- as hipóteses assim tipificadas com a falta de interesse
se sua disciplina de normas espaçadas e remissões processual ou a impossibilidade lógica ou temporal
específicas (artigos 169, 183, 245, 473, 503). (SICA, 2006. p. 153).

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ALVIM25, DINAMARCO26, FREDERICO gente a la misma estructura del juicio
MARQUES27 e MONIZ DE ARAGÃO28. (...)” (COUTURE, 1942, p. 96).
Advirta-se Também concorde à doutrina brasileira,
“Estas tres posibilidades significan porém com mais vozes discordantes, que a
que la preclusión no es, en verdade, preclusão opera em desfavor das partes e
un instituto único e individualizado, do juiz (preclusão pro iudicato ou judicial),
sino más bien una circunstancia atin- pelo que, decidida determinada questão29
(não interpostos recursos ou improvidos
25
“A preclusão comporta diversas classificações. estes), a mesma não pode ser revista pelo
A mais comum é a que divide em: a) temporal, a mais
importante (=comum); b) lógica; e c) consumativa.
órgão jurisdicional30.
Diz-se temporal a preclusão quando um ato não é A ilação encontra estofo na previsão
praticado no prazo existente para a respectiva prática pelo Velho CPC do recurso de agravo (re-
e, por essa circunstância, não mais pode ser realizado. tido ou instrumento), contra as decisões
Diz-se lógica a preclusão quando um ato não mais
pode ser praticado, pelo fato de se ter praticado
interlocutórias (artigo 522), razão por que
outro ato que, pela lei, é definido como incompatível a não interposição daqueles implica na
com o já realizado, ou que esta circunstância deflua preclusão destas3132.
inequivocamente do sistema. (...). Fala-se, finalmente,
em preclusão consumativa, quando se pratica o ato 29
“Quando uma afirmação compreendida na
processual previsto na lei. Não será possível, depois razão (da pretensão ou da discussão) possa engendrar
de consumado o ato, praticá-lo novamente” (ALVIM, dúvidas e, portanto, tenha de ser verificada, converte-
1997, p. 465-466). se numa questão. A questão, pode-se definir, pois,
26
“Segundo as circunstâncias em que ocorre, a como um ponto duvidoso, de fato ou de direito, e sua
preclusão será: a) temporal quando decorre do decurso noção é correlativa da afirmação” (CARNELUTTI,
do prazo sem a prática do ato que a parte tinha o poder 2000, vol. 2, p. 39). Obviamente, pelos limites impostos,
ou a faculdade de realizar (p.ex., revelia); b) lógica, que não se adentra nas divergências sobre o conceito de
é a conseqüência prática de um ato incompatível com questão, o qual é utilizado, em linhas gerais, como
a vontade de exercer a faculdade ou poder (reconhe- referência a todas as matérias analisadas pelo magis-
cimento do direito do autor elimina a faculdade de trado no transcurso do processo.
contestar para resistir a ele: art. 297 c/c art. 268, inc. II); 30
Excepcionam-se as questões de ordem pública,
c) consumativa, pelo exercício da própria faculdade ou que podem a qualquer tempo ser revistas, conforme
poder (oferecido recurso contra uma decisão, não será entendimento dominante, fundado nos artigos 245,
admissível outro – princípio da unirrecorribilidade)” 267 e 301 do Velho CPC, ressalvadas algumas opin-
(DINAMARCO, 2002, p. 455). iões em contrário baseadas no âmbito de cognição
27
“A preclusão é um fato processual impeditivo, empreendido (WATANABE, 2000).
que, conforme, o acontecimento em que se configure, 31
Vige verdadeiro ônus para parte: “Falo do ônus,
pode assim ser classificado: a) preclusão temporal, quando o exercício de uma faculdade aparece como
quando o decurso do tempo é que constitui ou forma condição para obter uma determinada vantagem; por
o fato impeditivo; b) preclusão lógica, quando a in- isso o ônus é uma faculdade cujo exercício é necessário
compatibilidade entre um ato processual já praticado para a obtenção de um interesse. Obrigação e ônus têm
e outro que se pretenda praticar se torna fato impedi- em comum o elemento formal, consistente no vínculo
tivo a não permitir que se realize o ato posterior; c) da vontade; mas diferem no elemento substancial,
preclusão consumativa, quando o pronunciamento porque, quando há obrigação, o vínculo se impõe para
decisório sobre uma questão toma as características a tutela de um interesse alheio, e para a tutela de um
de fato impeditivo, não possibilitando reexame poste- interesse próprio, quando se tratar do ônus” (CARN-
rior da referida questão (ne bis in idem)” (MARQUES, ELUTTI, 2000a, v. 1, p. 119). “A diferença entre dever
1997, p. 201). e ônus está em que (a) o dever é em relação a alguém,
28
“A preclusão é um dos efeitos da inércia da ainda que seja a sociedade; há relação jurídica entre
parte, acarretando a perda da faculdade de praticar o dois sujeitos, um dos quais é o que deve: a satisfação
ato processual. Mas nem só da inação poderá resul- é do interesse do sujeito ativo; ao passo que (b) o ônus
tar. Além da temporal, que se forma pelo decurso do é em relação a si mesmo; não há relação entre sujeitos;
tempo, há a lógica, que decorre da incompatibilidade satisfazer é do interesse do próprio onerado. Não há
entre o ato praticado e outro, que se quereria praticar sujeição do onerado; ele escolhe entre satisfazer, ou
também, e a consumativa, que se origina de já ter não ter a tutela do próprio interesse” (MIRANDA,
sido realizado um ato, não importa se com mau ou 1996, v. 4, p. 253).
bom êxito, não sendo possível tornar a realizá-lo” 32
“Para tanto, partimos da idéia corrente de que,
(ARAGÃO, 1998, p. 97). quando determinada decisão incidental resta irrecor-

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4. Preclusão elástica no Novo CPC A par disso, cumpre-nos ressaltar, o
Novo CPC repetiu o Velho CPC ao reeditar
Necessário principiar pela lembrança de
no seu artigo 49433 o contido no artigo 473
que, via de regra, a dedução de questões
do último, in verbis:
processuais ou de mérito devem ser rea-
“Art. 494. É vedado à parte discutir
lizadas oportunamente, existindo termos
no curso do processo as questões já
processuais para regular sua oportunidade,
decididas a cujo respeito se operou a
sob pena da ocorrência da preclusão.
preclusão, observado o disposto no
Como já intuído, o instituto da pre-
parágrafo único do art. 963”.
clusão normalmente opera em fases, sec-
Contudo, a ressalva inscrita na parte fi-
cionando abstratamente o procedimento,
nal do citado preceptivo, aliada a ausência,
estabelecendo limites para a formulação
via de regra, de recurso contra as decisões
de deduções. Mesmo quando, por vezes,
interlocutórias, opera uma mudança radical
permite-se a persistência de tais questões,
no sistema de preclusões observado hic et
estas observam novos limites e certos con-
hunc.
dicionantes, sempre mais rigorosos pelo
A intenção meditada da Comissão, ela-
perpassar das etapas processuais.
boradora do anteprojeto, foi externada na
Assim, no regime vigente, as partes
seguinte súmula propositiva, resultado de
não têm liberdade incondicionada para
sua segunda reunião:
suscitar questões, já que estas estão sujeitas
“c) Determinar a ausência de pre-
a uma série de preclusões, sempre mais
clusão no 1 o grau de jurisdição,
rigorosas quanto mais se aproxima o final
extinguindo-se a figura do agravo,
do processo. Existe uma gradual e progres-
ressalvado o agravo de instrumento
siva sucessão de freios à subsistência de
para as decisões de urgência satisfa-
questões, principalmente processuais, um
tivas ou cautelares.”34
efetivo sistema de obstáculos ordenados
A ideia foi emagrecer o recurso de
pelo tempo e estádios processuais.
agravo de instrumento35, retornando ao
Adequada a alegoria de COUTURE:
trato dado pelo Código de Processo Civil
“Transcurrida la oportunidad, la eta-
de 1939, que estabelecia taxativamente as
pa del juicio se clausura y se pasa a la
hipóteses suscetíveis de serem devolvidas
subsiguiente, tal como si una especie
ao Tribunal pelo agravo36.
de compuerta se cerrara tras los actos
impidiendo su regreso” (COUTURE, 33
Em debate realizado na décima-primeira re-
1942, p. 97). união da Comissão, especificamente sobre a reedição
Em linhas gerais, a justificativa para do sobredito dispositivo, observou acertadamente o
a consumição gradual das questões pelo Ministro Luiz Fux: “Uma regra geral tem que con-
star” (Disponível em: <http://www.senado.gov.br/
transcurso processual é permitir a ultima- senado/novocpc/pdf/11a%20Reunião%202010%20
ção deste, bem como fechar a porta para 04%2023%20ata.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2011).
comportamentos cavilosos, que escalonem 34
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/
alegações, guardando melhores argumen- senado/novocpc/pdf/ata%20da%202%20reuniao.
pdf>. Acesso em: 4 abr. 2011.
tos para o fim, num verdadeiro conta gotas 35
Como observou o professor ADROALDO FUR-
processual. TADO FABRÍCIO, na terceira reunião da Comissão
(Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sena-
rida, sobre ela recai uma preclusão, que nada mais é do/novocpc/pdf/3a%20reuniao%20-%202010%20
do que um fenômeno de caráter limitativo, tanto para 02%2023%20ata.pdf>. Acesso em: 4 abr. de 2011.
as partes quanto para o juiz: as primeiras ficam im- 36
É a redação do artigo 842 do Código de Pro-
pedidas de suscitar de novo a questão decidida e o cesso Civil de 1939: “Art. 842. Além dos casos em
segundo fica obstado de redecidi-la. Esse enunciado que a lei expressamente o permite, dar-se-á agravo
é irremediavelmente impregnado do senso comum” de instrumento das decisões; I – que não admitirem
(SICA, 2006, p. 179). a intervenção de terceiro na causa; II – que julgarem

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Na verdade, as preclusões não foram ocorrido nos autos, sob pena de a matéria
expungidas do ordenamento processual, restar coberta pela preclusão.
mas, sim, sua ocorrência, em determinadas Agora, entretanto, o desacordo quanto
hipóteses, protraída para a fase do recurso a determinada solução imposta por decisão
de apelação, razão por que se sustenta que interlocutória, como afastada a possibilida-
o projeto de Código adotou um sistema de de interposição do recurso de agravo de
elástico de preclusão. instrumento (artigo 969 do Novo CPC38),
Seria escusado dizer, não é correto fica devolvida ao âmbito de cognoscibili-
afirmar que o Novo CPC teria extinguido dade do recurso de apelação (artigo 963
com a preclusão no processo ou, ainda, do Novo CPC39).
com a preclusão das questões surgidas em Por isso, a preclusão no Novo CPC
primeiro grau de jurisdição. opera de duas maneiras, imediatamente para
Persiste integralmente no Novo CPC aquelas matérias não suscitadas em mo-
a preclusão temporal das nulidades não mento oportuno (artigo 253) e elasticamente
apontadas no transcorrer do arco procedi- para as suscitadas.
mental, como previsto na cabeça do artigo Tanto é assim que, em pelo menos duas
253 do Velho CPC37: oportunidades, o Novo CPC estatui como
“Art. 253. A nulidade dos atos deve consequência do não agir da parte a preclu-
ser alegada na primeira oportunidade são imediata, embaçando posterior atuação,
em que couber à parte falar nos autos, notadamente quanto às divergências das
sob pena de preclusão”. atas e sobre o valor da causa.
Assim, necessário o apontamento, na Colhem-se respectivamente:
primeira oportunidade, de descompasso “Art. 176. Os atos e os termos do
processo serão digitados, datilogra-
a exceção de incompetência; III – que denegarem ou fados ou escritos com tinta escura e
concederem medidas requeridas como preparatórias
da ação; IV – que não concederem vista para embargos
indelével, assinando-os as pessoas
de terceiro, ou que os julgarem; V – que denegarem que neles intervieram ou, quando
ou revogarem o benefício de gratuidade; VI – que estas não puderem ou não quiserem
ordenarem a prisão; VII – que nomearem, ou desti- firmá-los, certificando o escrivão a
tuírem inventariante, tutor, curador, testamenteiro
ou liquidante; VIII – que arbitrarem, ou deixarem de
ocorrência nos autos.
arbitrar a remuneração dos liquidantes ou a vintena
dos testamenteiros; IX – que denegarem a apelação, 38
“Art. 969. Cabe agravo de instrumento contra as
inclusive a de terceiro prejudicado, a julgarem de- decisões interlocutórias que versarem sobre: I – tutelas
serta, ou a relevarem da deserção; X – que decidirem de urgência ou da evidência; II – o mérito da causa;
a respeito de êrro de conta; XI – que concederem, ou III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
não, a adjudicação ou a remissão de bens; XII – que IV – o incidente de resolução de desconsideração da
anularem a arrematação, adjudicação ou remissão personalidade jurídica; V – a gratuidade de justiça;
cujos efeitos legais já se tenham produzido; XIII – que VI – a exibição ou posse de documento ou coisa; VII
admitirem, ou não, o concurso de credores. ou orde- – exclusão de litisconsorte por ilegitimidade; VIII – a
narem a inclusão ou exclusão de créditos; XIV – que limitação de litisconsórcio; IX – a admissão ou inad-
julgarem, ou não, prestadas as contas; XV – que julga- missão de intervenção de terceiros; X – outros casos
rem os processos de que tratam os Títulos XV a XXII expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Tam-
do Livro V, ou os respectivos incidentes, ressalvadas bém caberá agravo de instrumento contra decisões
as exceções expressas; XVI – que negarem alimentos interlocutórias proferidas na fase de liquidação de
provisionais; XVII – que, sem caução idônea, ou in- sentença, cumprimento de sentença, no processo de
dependentemente de sentença anterior, autorizarem execução e no processo de inventário”.
a entrega de dinheiro ou quaisquer outros bens, ou a 39
“Art. 963. Da sentença cabe apelação. Parágrafo
alienação, hipoteca, permuta, subrogação ou arren- único. As questões resolvidas na fase cognitiva, se a
damento de bens”. decisão a seu respeito não comportar agravo de instru-
37
Repetiu-se a disciplina do Velho CPC (artigo mento, não ficam cobertas pela preclusão e devem ser
245). A sua vez, o vetusto CPC, Código de 1939, não suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente
estabelecia preclusão, mas sim penalidade (artigo 277). interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões”.

314 Revista de Informação Legislativa


§ 1o Quando se tratar de processo to- contestação, o prazo de revelia, são
tal ou parcialmente eletrônico, os atos todos prazos –
processuais praticados na presença (...)
do juiz poderão ser produzidos e SRA. TERESA ARRUDA ALVIM
armazenados de modo integralmente WAMBIER: Porque uma coisa é a
digital em arquivo eletrônico inviolá- preclusão no nível recursal desse...
vel, na forma da lei, mediante registro e outra coisa é tem que falar para o
em termo, que será assinado digital- Juiz...
mente pelo juiz e pelo escrivão, bem SR. HUMBERTO THEODORO JÚ-
como pelos advogados das partes. NIOR: O processo está sanando a ele
§ 2o No caso do § 1o, eventuais con- mesmo.
tradições na transcrição deverão ser SRA. TERESA ARRUDA ALVIM
suscitadas oralmente no momento WAMBIER: É, claro.
da realização do ato, sob pena de SR. BRUNO DANTAS: Tudo bem”40.
preclusão, devendo o juiz decidir de Noutro giro, mas ao redor do mesmo
plano, e mandar registrar a alegação epicentro, a matéria também não sofreu
e a decisão no termo. alterações no relativo às questões de ordem
Art. 268. O réu poderá impugnar, em públicas, as quais no presente (CPC, artigos
preliminar da contestação, o valor 245, 267 e 301) e quiçá no futuro poderão
atribuído à causa pelo autor, sob ser apreciadas livremente (Novo CPC,
pena de preclusão; o juiz decidirá a 253, 327 e 472), sem que se possa cogitar
respeito, impondo, se for o caso, a de preclusão.
complementação das custas.” O punctum saliens, objeto central deste es-
O tema foi bem apreendido nas dis- tudo, se dá no relativo às questões decididas
cussões travadas pela Comissão do Novo pelo magistrado em primeiro grau, quanto às
CPC, em sua décima-terceira reunião, senão quais a preclusão é elastecida para o momento
vejamos: de interposição do recurso de apelação.
“SR. BRUNO DANTAS: Outra coisa, Ao que se apreende, o Novo CPC tra-
Presidente, o 252 diz que a nulida- balha com, por assim dizer, uma preclusão
de dos atos devem ser alegadas na elástica, já que todas as matérias decididas
primeira oportunidade que couber podem ser suscitadas – ressuscitadas, com
à parte falar nos autos, sob pena de mais propriedade –, na fase do recurso de
preclusão. Me parece que isso está apelação, sob pena, aí sim, de precluírem.
incompatível com o regime de fim do Mais uma vez, é a dicção do artigo 963
agravo retido e ausência de preclusão do Novo CPC:
que nós criamos. “Art. 963. Da sentença cabe apelação.
(...) Parágrafo único. As questões resol-
SR. BRUNO DANTAS: Mas o meu vidas na fase cognitiva, se a decisão
ponto é o seguinte, Prof. Humberto, a seu respeito não comportar agravo
é que se precisa ser alegada, isso vai de instrumento, não ficam cobertas
levar a uma decisão, se levar a uma pela preclusão e devem ser suscitadas
decisão, precisa ter uma forma de im- em preliminar de apelação, eventu-
pugnar a decisão, porque a preclusão – almente interposta contra a decisão
SR. HUMBERTO THEODORO JÚ- final, ou nas contrarrazões”.
NIOR: Depois que o Juiz resolver, aí
sim não há preclusão para recorrer 40
Disponível em: <http://www.senado.gov.br/
disso aí no final, mas para alegar não senado/novocpc/pdf/13a%20Reunião%202010%20
pode ficar aberto; é como o prazo de 05%2010%20ata.pdf>. Acesso: em 4 abr. 2011.

Brasília ano 48 n. 190 abr./jun. 2011 315


Eis o ponto, decidida determinada ques- terlocutórias parte da proposição de que
tão pelo magistrado41, a mesma não finda, a não interposição de recurso de agravo
não se encerra, persistindo potencialmente redunda na preclusão da questão decidida,
no processo até a fase de apelação, poden- finalizando a possibilidade de sua discus-
do então ser repristinada. A preclusão da são, haja vista a norma de encerramento do
questão decidida somente ocorrerá acaso artigo 473 do Velho CPC.
não figure na fase de apelação nas razões Conquanto presente a mesmíssima
ou contrarrazões recursais. disposição no Novo CPC (artigo 494), a
Daí por que a preclusão da questão deci- preclusão não mais opera pelo transcurso
dida fica, por hipóstase, em estado letárgico do prazo para interposição do recurso de
até o não agir futuro da parte, ou seja, pela agravo contra a decisão interlocutória,
não reedição do ponto no segundo grau somente ocorrendo na hipótese de não
de jurisdição. repristinação do argumento na fase do
Posta assim a questão, o Novo CPC não recurso de apelação – preclusão elástica
extirpou a preclusão das decisões prolata- (artigo 963 do Novo CPC).
das no curso do processo, bem ao revés, Ora bem, como a questão não precluiu
elasteceu, esticou a fase preclusiva, a fim ainda, nada impede que a parte suscite
de que esta opere na fase recursal. e ressuscite a discussão sobre eventual
Deste modo, inegavelmente, o Novo questão já decidida e o magistrado se de-
CPC agasalhou a preclusão elástica no con- tenha ao seu exame, haja vista a ausência
cernente às questões decididas no curso da preclusão imediata, posto que elástica43.
do arco procedimental e não suscetíveis A obviedade, com isso não pretendo
do imediato ataque pelo recurso de agravo, dizer que o magistrado ficará perenemente
as quais devem ser suscitadas na fase de jungido ao rebate das questões já decididas,
apelação, sob pena de autêntica preclusão tendo em linha de conta que pode dar cabo
temporal42. a tentativa de sobrevida pela manutenção
da decisão por seus próprios e respectivos
5. Virtualidades da elasticidade da fundamentos.
preclusão no Novo CPC Agora, inelutavelmente, poderá o
magistrado rever a questão sem que se
Na espécie, a novel feição da preclusão possa erigir como obstáculo a existência
esculpida no Novo CPC implica em, pelo da preclusão, em virtude da elasticidade
menos, um reflexo na matéria, notadamen- assumida por esta.
te na preclusão pro iudicato. Preclusão elástica porque, observando
Estava por dizer, a ausência de preclu- adequadamente o fenômeno jurídico, não
são das questões decididas em primeiro se produz exclusivamente – nem é inteira-
grau esmaece o argumento da existência de mente confinada – no segundo grau de ju-
uma preclusão para o magistrado condutor risdição. Principia com a decisão interlocu-
do feito. tória, mas elastece seu desdobramento até
No regime atual, a preclusão para o o segundo grau, quando então se realiza.
magistrado quanto às suas decisões in-
43
Anote-se, LACERDA (1985, p. 160) sustentava a
Sempre tendo presente que as assertivas não se
41
inexistência de preclusão para o magistrado sobre as
referem àquelas questões passíveis de serem resolvi- questões decididas no curso do processo, já que o mag-
das a qualquer tempo (supra). istrado conserva a função jurisdicional, continuando
42
“na perda duma faculdade processual por se preso ao processo. Mais ainda, dizia que era sofístico
haverem tocado os extremos fixados pela lei para o o argumento da preclusão pela simples existência de
exercício dessa faculdade no processo ou numa fase recurso contra a decisão, conforme sustentado por
do processo” (CHIOVENDA, 1998, p. 450). LIEBMAN (1980).

316 Revista de Informação Legislativa


Noutras palavras, quiçá menos embar- agravo de instrumento, desde que realizado
gadas, a decisão exarada, enquanto ato protesto antipreclusivo, devem ser suscitadas
processual, produz imediatamente todos os em preliminar de apelação, eventualmente
seus efeitos, mas a consumição da possibili- interposta contra a decisão final, ou nas
dade de sua alteração somente ocorrerá em contrarrazões.”
segundo grau, com sua efetiva modificação
(provimento do recurso) ou pela preclusão. 6. Considerações finais
Outrossim, consequência disso será o
reforço aos já conhecidos pedidos de recon- Ao propósito, o Novo CPC, apesar de
sideração44, os quais atualmente encontram reproduzir as normas do Velho CPC, alte-
limites na preclusão, mas que no Novo CPC rou a disciplina da preclusão, esticando o
poderão grassar, pela inaplicabilidade, em momento de sua ocorrência nas hipóteses
primeiro grau, quanto às decisões, do artigo em que determinada questão seja decidida
494 do Novo CPC. no curso do processo em primeiro grau de
Quando muito, poder-se-ão rejeitar os jurisdição.
pedidos de reconsideração pela ausência Como se depreende, enquanto as ques-
de sua previsão legal, mas o que, since- tões não articuladas45 precluem pela não
ramente, num processo dominado pela suscitação, as enfrentadas pelo magistrado
instrumentalidade (artigos 163, 252, 258), ficam em estado letárgico até a fase da ape-
que permite a flexibilidade procedimental lação, quando então, olvidadas, recebem a
(artigo 118, inciso V), é argumento pueril. tarja da preclusão.
Penso que uma forma de manter hígi- Circunscrito o plano desta maneira, o
da a opção da Comissão Elaboradora do centro de gravidade do processo se desloca
anteprojeto, evitando, na mesma toada, os para o estertor procedimental, momento
problemas apresentados, seria adotar pro- em que, potencialmente, todas as questões
cedimento afeito ao processo do trabalho, decididas serão revistas.
especificamente o protesto antipreclusivo. Daí por que o processo, ao invés de
As partes teriam que protestar, evi- funcionar com um funil, afastando no seu
intersecto uma miríade de questões, para
tando a preclusão, contra as decisões que
se concentrar na pretensão meritória, abre
eventualmente discordassem, a fim de
seu espectro em segundo grau ao debate
posteriormente lhes submeter ao juízo ad
de toda e qualquer questão enfrentada no
quem. Omitindo-se no protesto, a questão
juízo a quo.
resolvida queda preclusa, impedindo sua
Nesta linha de inteligência, o Novo CPC
revisão posterior, aplicando-se a elas o dis-
erigiu verdadeira preclusão elástica no
posto no artigo 494 do Novo CPC.
relativo às questões decididas em primeiro
Assim, proponho uma alteração no
grau, autorizando sua renovação em sede
parágrafo único do artigo 963 do Novo
de razões de apelação e/ou contrarrazões,
CPC, que passaria a ter a seguinte grafia:
elastecendo, pois, a ocorrência da preclusão
“As questões resolvidas na fase cognitiva,
daquelas.
se a decisão a seu respeito não comportar
Pois bem, no Novo CPC os pedidos
44
“Trata-se de figura criada pela praxe forense, de
de reconsideração encontrarão solo fértil,
que poucos autores se ocupam. Está-se, na verdade, ao que não se poderá mais simplesmente
diante de um expediente informal de impugnação às aventar a ocorrência de preclusão para
decisões do juiz, que, todavia, segundo pensamos, não ceifar o expediente, eis que esta é elástica e
pode ser pura e simplesmente ignorado pelo estudioso
do processo, nem que seja para que, afinal, se chegue somente opera na fase de recurso.
à conclusão de que se trata de prática absolutamente
incompatível com o sistema processual vigente” 45
Exceto as de ordem pública (supra) e a compro-
(WAMBIER, 1996, p. 296). vação de justa causa.

Brasília ano 48 n. 190 abr./jun. 2011 317


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318 Revista de Informação Legislativa

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