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Ancoragem Segura

Responsabilidade pelo processo deve ir muito além da resistência mecânica


Por Marcos Amazonas

Norma Regulamentadora 35 encontra-se vigente e já não é mais uma novidade. No


trabalho em altura, o foco agora deve ser dado para a análise de risco em que deixamos
de ter apenas componentes para ter uma solução com um sistema pessoal de trabalho
completo. O mercado deve deixar de comprar componentes independentes para, de uma
forma abrangente, escolher qual deles será o mais adequado para o seu sistema de
trabalho.
O cinto continuará sendo sempre uma necessidade, mas agora um maior número de
pessoas começa a entender que existe muita responsabilidade para que este esteja
“ancorado” de maneira segura. Antes da NR 35 se fazia “vista grossa” por falta de
informação ou falta de estrutura legal. Isto vem mudando e quando não se dá a devida
atenção ao trabalho em altura está se negligenciando o fato.
Muito mais do que a compatibilidade outorgada pela NR 6 para o conjunto cinto/ talabarte
ou cinto/travaqueda (ver comunicado XXIII no site do MTE), o sistema de trabalho deve
ser entendido e aceito pelo usuário final, sua equipe de trabalho, seus supervisores, os
consultores das empresas, os fornecedores de equipamentos e pelo profissional
legalmente habilitado que validará a ancoragem. A composição do conjunto pela NR 6
acabou por tirar um pouco a responsabilidade dos envolvidos no sistema e criou uma
máxima: “se tem Certificado de Aprovação o conjunto é seguro”. Isto acaba por gerar um
risco, pois, este conjunto pode ser seguro em determinada situação e ter limitações em
outras. Durante a análise de risco é que será identificada sua possibilidade de uso, que
deve ser validada pela Permissão de Trabalho.
O mercado está amadurecendo, as normas já ensaiam os equipamentos de
forma independente e com as ancoragens não deve ser diferente: equipamentos
testados separadamente para serem utilizados em diferenciados sistemas de trabalho. A
tendência é dar mais autonomia para a escolha de equipamentos certificados somado a
mais informação técnica para que sejam adotados sistemas cada vez mais seguros. Junto
a esta estrutura será possível cobrar mais dos responsáveis legais, de forma que
participem e entendam
do processo e não apenas assinem um documento “garantindo” a ancoragem.
A ancoragem antes era vista como algo independente e com o único requisito
de segurança de resistir a uma força mecânica estabelecida. Agora, de forma inversa, é a
força que uma queda irá gerar que tem que ser conhecida para se identificar a resistência
necessária para a ancoragem.
Como diz o manual de auxílio para a interpretação e aplicação da NR 35: “a seleção de
ancoragem deve ser realizada por profissional legalmente habilitado, que deve considerar
a resistência do equipamento em relação à carga máxima aplicável”. E as exigências não
param por aí, a ancoragem deve ser compatível com a forma de conexão do componente
de união: talabarte ou travaqueda deve ter sua localização condizente com a zona livre de
queda (ZLQ) para que o trabalhador não venha a impactar no chão em caso de queda.
Deve identificar áreas de cobertura limitadas para evitar quedas em pêndulo, ou seja, a
responsabilidade pela ancoragem é muito mais do que sua resistência mecânica.

INMETRO
A ancoragem tem a mesma importância dentro do sistema individual de trabalho em
altura, porém, os outros componentes contam com um selo de qualidade que garante sua
integridade. Este selo, presente hoje em cintos, talabartes e travaquedas veio a se somar
às NBRs (Normas Brasileiras), lançadas em 2010, que representaram um avanço na
forma de teste e consequentemente nos equipamentos disponíveis no mercado. O selo do
Inmetro pede de forma compulsória que os componentes sejam fabricados sob um
sistema de gestão de qualidade ou lote de produção controlado conforme estabelecido na
Portaria nº 388, de 24 de julho
de 2012 do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior que resultou no
termo de cooperação entre este e o Ministério do Trabalho.
Este selo garante: cinto, talabarte e travaqueda mais seguros, mas, o que acontece com
a ancoragem que faz parte do mesmo sistema de trabalho? Ela não ficaria sendo o “elo
mais frágil da corrente”? Esta é justamente uma das discussões neste momento: a busca
por uma forma de certificação para o dispositivo de ancoragem garantindo assim que os
componentes do sistema fornecidos no mercado tenham um mesmo controle
gerando uma corrente em que os elos sejam homogêneos. Ou seja, dar ao dispositivo
de ancoragem a garantia do cinto, talabarte e travaqueda. O primeiro passo para isto será
a norma NBR que se encontra em fase final de projeto. Uma vez aprovada, a busca
por laboratórios que atendam ao escopo da norma de dispositivos de ancoragem e que
sejam certificados pela norma ISO 17025 será um bom caminho. Se o selo compulsório
se tornar realidade será uma vitória para a segurança do trabalhador.
Se faz necessário entender um pouco mais sobre como se divide um sistema de
ancoragem e quais as formas de se obter um dispositivo de ancoragem ou mesmo o que
é este dispositivo que pode ser adquirido como um produto. Produto este que um dia
poderá contar com um selo do Inmetro. Para iniciar este entendimento uma forma é
compreender como são as garantias dos dispositivos de ancoragem comercializados hoje
no mercado:
• produtos que têm apenas a sua resistência mecânica conhecida;
• produtos sendo garantidos por responsabilidade técnica com referências diversas;
• produtos certificados por normas internacionais justificados pela NR 35 item 1.3.
Aqui entra um ponto crucial para o entendimento do dispositivo de ancoragem e que será
abordado ao longo o artigo: o dispositivo de ancoragem é sempre um produto? A resposta
pontual à pergunta é não e a certificação que se busca é apenas para o produto a ser
comercializado no mercado.

ABNT
Atualizamos as NBRs para cinto, talabarte e travaqueda, mas e a ancoragem onde
estarão conectados estes componentes, não deveria ter uma norma técnica também?
Qual a garantia que o usuário tem sobre a sua ancoragem? Alguns aspectos destas
perguntas apareceram quando o CB-32 (Comitê Brasileiro de Equipamentos de Proteção
Individual) da ABNT estudava as normas técnicas NBR para cinto, talabarte e travaqueda
antes de 2010. Este ponto acabou por gerar a criação de uma CE (Comissão de
Estudos) para equipamentos auxiliares para o trabalho em altura. Esta CE estuda
hoje justamente um projeto de norma para dispositivos de ancoragem.

A CE de equipamentos auxiliares já existe há mais de três anos e neste período realizou


um largo estudo sobre dispositivos de ancoragem, a forma como eles se compõem dentro
de um sistema de ancoragem, respectivas nomenclaturas e responsabilidades envolvidas.
Veja na Figurq 2 exemplos de como a norma interpreta o que é o dispositivo em uma
ancoragem.
Os requisitos de ensaio que constam no projeto buscam simular a utilização real do
dispositivo de ancoragem. É um dispositivo para proteger pessoas e que será instalado
em estruturas que muitas vezes não foram concebidas para isto. Para se entender melhor
é necessário conhecer sobre as forças envolvidas e receio que este artigo não possa
abordar este tema com a profundidade mínima necessária.

VALORES
Basicamente, devemos esquecer o peso de 100kg para conhecer outro valor fixo:
- a força gerada pela retenção de uma queda
- 6kN (seis Kilo-newton) ou 600kgf (Kilogramas-força).

Sem dúvida é mais importante não deixar a força passar dos 6kN no trabalhador do que a
ancoragem resistir a várias toneladas. A norma de cinto tem como requisito duas quedas
dinâmicas consecutivas que geram no cinto impactos em torno de 12kN. Ao contrário, as
normas de talabarte com absorvedor de energia e todos os tipos de travaqueda, têm
como requisito para queda dinâmica, que estes não gerem um impacto maior do que 6kN
para que sejam aprovados. O projeto de dispositivos de ancoragem prevê um impacto de
9kN, o que é superior aos 6kN que atendem à técnica correta de trabalho.
Todos os componentes citados também são ensaiados com uma carga estática, em que
afora alguma exceções, é uma carga de 15kN. Internacionalmente 6kN (seis Kilo-Newton)
é o valor máximo estabelecido como aceitável para ser recebido pelo trabalhador pela
retenção de uma queda. É um valor em que as chances de se gerar uma lesão são
pequenas. Acima deste valor de impacto as chances de ruptura de órgãos ou fraturas
aumentam significativamente. Temos então de retrabalhar a famosa pergunta: pode um
trabalhador de mais de 100 quilos atuar de forma segura?
Para o sistema de trabalho, levando em consideração o peso do profissional, é garantido
que o impacto da retenção de uma queda será menor do que 6kN. O responsável por esta
validação será o profissional legalmente habilitado que terá de conhecer esta força para
calcular a instalação do dispositivo de ancoragem.
Está sendo previsto um ensaio exclusivo para os dispositivos de ancoragem.
Chama-se ensaio de integridade realizado imediatamente depois do ensaio
dinâmico onde, de forma estática são colocados300kg no dispositivo de ancoragem para
uma pessoa. Este ensaio prevê uma situação de resgate quando um resgatista pode, com
o risco calculado, se conectar à própria ancoragem da vítima para resgatá-la. Isto faz com
que esta norma possa ser referenciada na permissão de trabalho em que o sistema de
resgate previsto utilize as próprias ancoragens do sistema de trabalho.

Tipos de dispositivos
Instalação e produto dividem as responsabilidades em uma ancoragem

Estão previstos quatro tipos diferentes de dispositivos de ancoragem. Veja


exemplos ilustrando cada um dos tipos nas Figuras 3, 4, 5 e 6. Importante saber
que estes não são exaustivos e diversos outros formatos podem ser classificados dentro
dos tipos de dispositivos de ancoragem.
São classificados em: A - Fixo, B - Transportável, C - Linha flexível e D - Linha rígida.
Instalação e produto dividem as responsabilidades em uma ancoragem em que
a instalação é de responsabilidade do profissional legalmente habilitado e o
dispositivo de ancoragem separável é de responsabilidade do seu fabricante no caso de
ser um produto. Estas responsabilidades e divisões devem ser conhecidas de forma que
se possa identificar, no caso de uma falha da ancoragem, em qual parte do sistema ela
ocorreu: produto ou instalação. Isto também ajudará a entender sobre o que
realmente aconteceu para que um erro/acidente não ocorra novamente. Caso o
instalador (entenda como profissional legalmente habilitado) não siga as
recomendações do fabricante do dispositivo de ancoragem, que constam no manual
de instrução, o dispositivo será considerado descaracterizado, e o instalador também se
tornará responsável pelo dispositivo, ou seja, será responsável pelo todo.
Por exemplo, um dispositivo de ancoragem tipo tripé, muito comum no mercado, foi
instalado em um lugar em que uma de suas pernas ficou em falso. Quando este
dispositivo de ancoragem foi carregado com o peso do trabalhador que iria ser baixado, o
dispositivo falhou, se “quebrou”, e o trabalhador caiu e veio a falecer! Quem seria o
responsável por esta falha? O tripé que quebrou ou o responsável pela instalação que não
atentou para o local de instalação e nem para o manual de instrução do tripé que
orienta que todos os três pontos de suporte para as pernas sejam condizentes com
as forças a serem empregadas? Talvez seja difícil conceber um profissional legalmente
habilitado validando a compatibilidade do tripé com o piso, porém é isto que a legislação
exige e é esta estrutura que irá garantir a segurança do trabalhador. Ou seja, um produto
garantido por seu fabricante e uma instalação garantida por um profissional legalmente
habilitado.
RESPONSABILIDADE
A ideia da norma não é a de se tirar a autonomia de um profissional legalmente habilitado
para projetar e fabricar seus próprios dispositivos de ancoragem. Porém, a expectativa é
que o mercado busque, gradativamente, por esta alternativa de produto certificado e que
este produto certificado gere maior autonomia na implementação de sistemas de
trabalho.
Outro ponto que a futura norma busca é o de embasar esta responsabilidade técnica, na
manufatura do produto não certificado, servindo como parâmetro de referência específico
para trabalho em altura bem como ser citada em uma PT (Permissão de Trabalho).
O profissional legalmente habilitado será também responsável por um dispositivo de
ancoragem que foi fixado de forma permanente à estrutura. Ou seja, o dispositivo de
ancoragem deixou de ser um dispositivo para fazer parte da estrutura, e no caso de falha,
não será possível separar a estrutura do dispositivo.
A nova norma europeia EN 795:2012, que é a base do projeto para a NBR, dá muito
destaque a isto - fruto da experiência prática de mais de 15 anos de produtos certificados
pela sua versão de 1997. Veja na Figura 7, Ancoragens não cobertas pela futura norma.

O instalador é o responsável pela estrutura, é ele quem vai calcular e realizar ensaios,
caso ache necessário, e assim garantir que ela irá suportar as forças geradas em uma
queda. No momento em que o dispositivo de
ancoragem não pode ser separado da estrutura sem que seja danificado ou que se
danifique a estrutura, ele deixa de ser um dispositivo para se tornar parte da estrutura.
Desta forma, o fabricante não pode garantir que esta fixação permanente não venha a
alterar as características de seu dispositivo. Independente de estar fixado de forma
permanente ou não, o instalador deve se comunicar com o fabricante em caso de
dúvida. Outra forma de destacar a importância do profissional legalmente habilitado e
sua responsabilidade referente à instalação pode ser observada nas práticas
realizadas em outros países. No final de junho, durante o Simpósio Internacional de
Proteção de Queda promovido pela ISFP (International Society for Fall Protection), um
dos itens comentados em mais de uma apresentação foi sobre como é tratada hoje esta
responsabilidade nos Estados Unidos. A legislação norte-americana permite que uma
pessoa que não seja um profissional legalmente habilitado escolha uma ancoragem
quando esta apresenta uma resistência “garantida” para mais de 2.200 kg. Digo
“garantida” porque a forma de se garantir é apenas visual e intuitiva. O que está sendo
questionado é o fato de que um percentual pequeno destas ancoragens supostamente
garantidas não são tão seguras quanto parecem. O ideal sob o ponto de vista do
especialista de uma das palestras, seria que 100 por cento das ancoragens fossem
validadas por um profissional legalmente habilitado. Isto é o que a legislação brasileira já
exige.

Destaque ao tipo C
Linha de vida horizontal flexível possui requisitos de ensaio diferenciados

O formato atual do projeto da norma brasileira prevê que existam duas


partes independentes, que serão duas normas com o mesmo número: subparte 1 para os
tipos A, B e D e subparte 2 apenas para o tipo C. Isto porque as forças e os requisitos de
ensaios são muito diferentes para o tipo C, linha de vida horizontal flexível. Por isso, a
Comissão de Estudo decidiu separar em dois grupos para dar destaque maior ao tipo
C, facilitando o entendimento. Os requisitos de ensaio para Tipo D, linha de vida
horizontal rígida, acabam por ser mais próximos aos de um dispositivo tipo A e B do que
do tipo C, por envolver apenas forças verticais na maioria de seus testes e também na
sua utilização real.
Com o produto certificado o profissional legalmente habilitado vai ter mais autonomia e
poderá ter foco na interface entre a estrutura e o dispositivo de ancoragem que já é uma
responsabilidade enorme especialmente quando se fala em Tipo C.
Vejamos o que já acontece hoje com dispositivos certificados por normas
internacionais instalados no Brasil: o fabricante fornece dados, que foram
comprovados por ensaio, e que serão a referência para o instalador. Estes dados, de
forma bastante simplificada, são: a deflexão dinâmica da linha e as forças geradas nas
extremidades e curvas resultantes da retenção da queda de um trabalhador.
Enquanto os outros tipos de dispositivos de ancoragem estão referenciados apenas na
força vertical de 6kN gerada pela queda, o tipo C, irá reter uma queda que da mesma
forma deve respeitar os 6kN gerados no trabalhador. Porém, este impacto retido pela
linha irá gerar forças resultantes bem maiores nas extremidades
e curvas da linha. Isto é complexo e deve ser abordado por fabricantes e
profissionais legalmente habilitados.
Apenas para se ter uma noção das forças geradas nas extremidades de uma linha de vida
horizontal flexível, estas podem superar facilmente os 15kN. Muitas vezes, o
entendimento é de que este valor seja a resistência necessária para uma ancoragem de
trabalho em altura e isto pode ser muito perigoso no caso do tipo C.
A boa vontade e a intuição na hora de se montar uma linha de vida é muito
comum, porém, o risco de gerar um acidente é enorme. A tendência de mercado em se
trabalhar a segurança a partir do projeto está acontecendo e, neste caso, o sistema de
proteção para inspeções e manutenções das edificações, é previsto ainda no papel. Esta
é a situação ideal, especialmente para as linhas de vida horizontal flexível. O dispositivo já
pode beneficiar os trabalhadores na construção da obra, suas forças serão previstas
na estrutura, além de gerar uma economia significativa se comparado a uma
instalação com a obra pronta.

INFORMAÇÃO

Sem citar a hierarquia das soluções, que pede que o risco seja evitado sempre
que possível, o texto presume que o cinturão foi escolhido como a melhor solução para o
trabalho. Seja realizando a limpeza e a manutenção de fachadas de edificações
a dezenas de metros de altura ou em um enlonamento de caminhão pouco mais de dois
metros do chão. Em ambos os casos existe o risco de queda com diferença de nível que
deve ser prevenido ou ter minimizadas as suas consequências.
Lembre-se de uma coisa apenas: a boa vontade e a presunção de que algo “vai resistir”
não são suficientes para garantir a segurança do sistema. Algumas dicas para se chegar
ao melhor sistema de ancoragem são: cobrar por informações de qualidade do
profissional legalmente habilitado, e também exigir suporte de seu fornecedor de sistemas
e equipamentos.
A parte prática do trabalho em altura sempre aconteceu e não vai parar. A
expectativa, inclusive, é de aumento. As estatísticas de acidentes são muito altas
e geraram a NR 35 para tentar mudar este quadro e para que estes números diminuam.
Sem interromper suas atividades, os responsáveis pelos sistemas têm de tomar
consciência sobre a importância da teoria obrigatória para execução de suas tarefas.
Parece simples o apelo e espero que não seja necessária uma geração para aceitar a
mudança. A máxima “sempre trabalhei assim há mais de 20 anos e nada me aconteceu”,
pode ser perigosamente substituída por uma nova versão do tipo “sempre assinei a
Anotação de Responsabilidade Técnica assim, sem cálculos e nada aconteceu, não será
agora”!

Fonte: Revista Proteção / Edição 260 – Agosto/2013

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