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A geograficidade dos comandantes de embarcação no Amazonas

Giovanna Letícia da Silva Marcelino¹


O artigo de Amélia Regina Batista Nogueira, da Universidade Federal do Amazonas, busca
apresentar através do método da fenomenologia, como os comandantes do munícipio de Careiro da
Várzea- AM, se deslocam cotidianamente pelas águas do rio Solimões-Amazonas e seus afluentes,
sem ajuda de instrumentos técnicos de orientação para a navegação. A relação sujeito e espaço fica
elucidada no estudo por meio dos relatos dos comandantes, mostrando sua geograficidade perante
seu espaço de vivência.
A autora, tendo como base referencial os estudos e a forma de representar os mapas do
cartógrafo Fra Mauro, onde ele reproduzia em seus mapas as diferentes culturas dos lugares,
relatadas por viajantes e mercadores ainda no século XVI. Usando também a percepção
fenomenológica dos estudos de Maurice Merleau-Ponty, e tantos outros citados durante o artigo,
elucidando assim o método da fenomenologia, mostrando a experimentação das vivências do ser
com o lugar onde vive.
O estudo mostra que, os comandantes das embarcações fazem seus percursos através de seus
próprios mapas mentais e de seus chamados “práticos”, que são os acompanhantes dos comandantes
nas viagens, fornecendo-lhes informações sobre o trajeto. Os navegantes não utilizam a
instrumentação técnica de orientação como mapas e bussolas por exemplo, pois nesses mapas não
contém informações precisas sobre a dinamicidade dos rios, enchente e vazante por exemplo.
A relação homem e lugar é elucidada no artigo mostrando o conhecimento dos comandantes com
a água, por exemplo, na época de cheia eles conhecem os furos que são como atalhos para se chegar
mais rápido nos lugares pretendido, os paranás que são onde as águas estão mais calmas para se
navegar. Em suas embarcações são transportadas os chamados “bagulhos” que são as mercadorias e
encomendas da comunidade, sendo que as mesmas não são cobradas por eles para serem levadas, e
também é feito o transporte de pessoas que precisam ir a cidade para atender suas necessidades,
como por exemplo consultas médicas, a taxa de cobrança é mínima, sendo necessária apenas para a
manutenção das embarcações.
Durante o percurso os comandantes passam por diversas comunidades, reconhecendo a paisagem
e seu funcionamento, seja por meio dos furos, dos paranás, das formações de novas ilhas, os rebojos
que são os redemoinhos encontrados nos rios, tudo isso elencando a inter-relação do sujeito com
espaço. A inter-relação entre os sujeitos, onde mostra a forma de organização social deles e sua
convivência, é mostrada no transporte das pessoas da própria comunidade e das comunidades
vizinhas nas embarcações dos comandantes, fazendo que durante esse deslocamento todos se
conheçam, tendo uma relação de proximidade e confiança.
No contexto dos relatos dos comandantes, fica nítido e como a própria análise do estudo mostra,
que não há uma relação capitalista por parte dos comandantes e comunidade, eles são responsáveis
pelos deslocamentos de produção, pessoas, necessidades básicas de Careiro da Várzea e região, ou
seja, pode-se dizer que é uma relação de formas de produção de subsistência, e as comunidades em
si, parecem reconhecer a importância deles, é uma troca, uma valorização do conhecimento um do
outro. Tudo isso mostra a geograficidade dos comandantes e seu ambiente de vivência.

¹ Estudante do curso de bacharelado em Geografia do 4º semestre do período letivo 2018/2, Depto de


Geografia/IGHD/UFMT.
Resumo Analítico do Artigo
O resumo do artigo apresenta-se bem estruturado, abordando suscintamente sobre os pontos que
o estudo trará. A partir da introdução, quando se aborda sobre desde dos primeiros registros de
descrição da terra, a autora começa a elucidar o método adotado, a inter-relação do sujeito com seu
meio de vivência cotidiana, descreve o lugar a partir de suas vivências, valorizando o conhecimento
espacial do indivíduo. Essas percepções são do método fenomenológico, utilizado pela autora, no
qual todas as informações contidas no estudo, são provenientes dos relatos comandantes das
embarcações. Esse método da fenomenologia, é encontrado dentro da corrente teórica da Geografia
Humanista e Cultural, onde busca compreender organização espacial e politicamente do sujeito com
o meio, onde as culturas que os indivíduos possuem, mostram sua inter-relação com a natureza.
Nogueira, tem seu referencial teórico das percepções fenomenológicas, a partir dos estudos do
cartógrafo Fra Mauro conhecido na época das “grandes descobertas”, o seu modo de produzir os
mapas, era advindo da valorização da descrição dos lugares por onde os viajantes e mercadores
passavam, trazendo relatos de como era a cultura e vivência de outros povos. Correlacionando
períodos históricos onde se tem a inserção da fenomenologia, a autora trás também os estudos de
Maurice Merleau-Ponty, tendo como base apontamentos feitos por ele, como; “ser experiência é
comunicar interiormente com o mundo, com o corpo e com os outros, ser com eles em lugar de
estar ao lado deles” (MERLEAU-PONTY, p. 145 apud NOGUEIRA, p. 95). Esses referenciais são
nítidos por todo o corpo do texto, por tratar sobre a experimentação vivida e o conhecimento
adquirido do sujeito com mundo.
Após todo um arcabouço de bases teóricas construídas e refletidas, para realização de tal trabalho,
a autora estabeleceu diálogos com os moradores de Careiro da Várzea- AM, para conhecer melhor o
espaço de estudo em si, antes também, como forma de caracterizar o lugar, buscou por informações
de colegas e referências dentro da própria academia. Em seguida se inseriu no meio da rotineira
vivência dos comandantes das embarcações, onde propôs um exercício para que eles
demonstrassem no papel suas rotas navegáveis diariamente, ou seja, que traçassem seus mapas
mentais. Através de conversas com os moradores, estando dentro das embarcações e dialogando
com os passageiros, assim como percorrer vários caminhos diferentes ao longo do rio, fez com que
Nogueira elucidasse a concepção da geograficidade dos indivíduos desse munícipio, mostrando
como é importante os relatos de experiência deles, como conhecimento para pessoas de fora da
comunidade.
Os resultados desse trabalho, se mostram presentes nos relatos dos comandantes, fica explícito
seu conhecimento íntimo com seu lugar de vivência, nos caminhos dos rios Solimões-Amazonas, o
tempo de deslocamento nessas águas, os chamados furos que são atalhos em períodos de cheias, os
paranás sendo por onde as águas são mais brandas para se navegar, a inter-relação social dos
comandantes com a comunidade, no qual são fontes de deslocamento das produções que saem e
encomendas que chegam na comunidade, assim como levam as pessoas para atender suas
necessidades básicas, compartilhando suas histórias de vida, criando laços afetivos com os
indivíduos de comunidades vizinhas, elucidando bem toda a forma da aplicação da fenomenologia
nesse estudo.

¹ Estudante do curso de bacharelado em Geografia do 4º semestre do período letivo 2018/2, Depto de


Geografia/IGHD/UFMT.
Considerações finais
O artigo de Amélia Regina Batista Nogueira, é um estudo extremamente interessante, durante a
leitura se compreende a necessidade do método fenomenológico na Geografia, entendendo a
inter-relação do sujeito com o mundo. A aplicação do método é elucidada e trabalhada muito bem
pela autora, seu posicionamento a partir dos referenciais teóricos, principalmente das teorias de
Merleau-Ponty, faz com que haja toda uma correlação textual e metodológica da pesquisa em si. A
descrição que ela faz dos relatos dos comandantes das embarcações, mostra o quão é importante
essa a percepção de cada indivíduo com seu lugar de vivência, mostrando a geograficidade
estabelecida por eles.

Referência
NOGUEIRA, Amélia Regina Batista. A geograficidade dos comandantes de embarcação no
Amazonas. Terra Livre: Goiânia, Ano 22, v. 1, n. 26 p. 91-108 Jan-Jun/2006.

¹ Estudante do curso de bacharelado em Geografia do 4º semestre do período letivo 2018/2, Depto de


Geografia/IGHD/UFMT.

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