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Estamos sob os escombros de uma tragédia. Quando afastaram a presidenta Dilma usando
uma artimanha jurídica, o golpe foi dado no Brasil. Vivemos dias tenebrosos, com muito
sofrimento para o povo brasileiro. Mas isso não significa que tudo esteja perdido.
Neste dia Nacional da Cultura (5/11), nada a comemorar. É lastimável a destruição perpetrada
pela necropolítica de Bolsonaro. No entanto, devemos lembrar nossa enorme capacidade
histórica de resistência e a vitalidade latente que nos mantêm de pé e nos habilitam a
reconquistar o tempo perdido. Não é por capricho que a primeira providência de governos
autoritários e entreguistas seja atacar a cultura.
A extinção do Ministério da Cultura foi o marco do desmanche de políticas públicas que, pela
primeira vez desde a proclamação da República, trataram a cultura como direito e
reconheceram o papel Estado no desenvolvimento cultural e na democratização da cultura. A
extinção não é mera retaliação aos avanços produzidos pelas gestões lideradas pelo Partido
dos Trabalhadores (PT). É um ataque à dignidade dos brasileiros e à sua mais genuína e
poderosa qualidade de se expressar e se afirmar no mundo.
A política de sufocamento tem mais que extinção de órgãos públicos, corte de verbas e do
aparelhamento de instituições de Estado, como o IPhan (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional), a Funarte (Fundação Nacional das Artes) e a Fundação Palmares , entre
outras. Está eivada de censura, calúnia, perseguição, irresponsabilidade e omissão criminosas.
Deixam queimar a memória, como a Cinemateca e o Museu Nacional. Colocam à venda ícones
como o edifício Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro. Depredam e aparelham a Ancine, de
onde saíram os maiores incentivos à mais aclamada produção audiovisual brasileira em
décadas. O setor, que chegou a injetar mais de R$ 30 bilhões por ano na economia, oferecendo
renda per capta de quase R$ 34 mil reais, hoje sofre cortes irracionais de verbas e é achacado
pela censura e pelo dirigismo ideológico.
A gestão Bolsonaro insulta, persegue e marginaliza nossos povos ancestrais. Usa um capitão do
mato negro na Fundação Palmares para ficar mais doloroso, esvazia a Funai e desrespeita
imperativos constitucionais que preservam territórios e protegem as tradições culturais e
religiosas indígenas e quilombolas. Com igual truculência, discrimina e impede o acesso aos
direitos culturais dos movimentos periféricos, da população LGBTQI+, das mulheres, dos povos
da floresta e de pobres em geral.
O governo demoniza a Lei Rouanet, não por ter proposta de fomento às artes e à cultura, mas
somente para transformá-la em instrumento de proselitismo político, de pregação religiosa e
de favorecimento a aliados políticos e cúmplices ideológicos da extrema direita
fundamentalista.
Bolsonaro e os que o sustenta atacam aquilo que mais ameaça o projeto autoritário e ultra
neoliberal que representam. Sabem que é impossível dominar um povo e submeter uma nação
democrática e culturalmente forte.
A resistência não tem sido fácil, mas contamos algumas vitórias. Uma delas é a Lei Aldir Blanc
que, no auge da barbárie bolsonarista, garantiu auxílio emergencial aos artistas e fazedores de
cultura durante a pandemia de Covid 19.
Esse processo demanda reflexão, conhecimento e elaboração. Vai muito além das disputas
econômicas e políticas imediatas. Passa pela cultura, que deve ser pensada como argamassa
da coesão nacional, como espaço que abriga identidades culturais, regionais, étnicas, de
gênero e tantas outras; como espaço de comunicação e de ressignificação da vida coletiva.
A cultura deve nos guiar e inspirar. Ela agrega valores, possibilita uma visão generosa do
mundo e da humanidade, promove diálogo, conhecimento e lucidez. A cultura é a nossa porta
de entrada no Século 21, nossa melhor oportunidade de desenvolvimento sustentável e de
inclusão soberana do Brasil no mundo.