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Disponível em
http://criticanarede.com/oqefilosofia.html . Acesso em 16/11/2012.
O que é a filosofia?
A filosofia é uma grande aventura intelectual, ao mesmo tempo que o seu objecto de
discussão é uma das coisas mais importantes que podemos fazer com as nossas vidas.
Há uma anedota recorrente entre muitos filósofos profissionais, que envolve um deles a
ser encurralado durante uma festa por alguém que ao saber que se trata de um filósofo lhe
pergunta: "Bom, o que é então a filosofia?" A piada reflecte na verdade o desconforto de
muitos filósofos e a desconfortante consciência de não serem capazes de dar uma
resposta directa e clara. Muitos filósofos recorrem ao método de responder por listas,
explicando que a filosofia é acerca de "questões fundamentais" como "a verdade", "o que
se pode conhecer?", "qual a natureza de uma boa acção?", "qual a natureza da mente e a
sua relação com o corpo?". A outra maneira de lidar com a questão é algo evasiva e
envolve afirmar o menos possível, algo como: "Bom, a melhor maneira de compreender o
que é a filosofia é fazê-la." É provável que ambas as respostas, embora tendo um fundo
de verdade, deixem os interlocutores perplexos, e com razão, insatisfeitos e com vontade
de se afastarem para ir buscar outra bebida — para grande alívio do filósofo.
Penso que cabe aos filósofos lidar frontalmente com esta questão. Afinal, somos pagos
para isso. A minha resposta imediata, que mais tarde terá de ser ligeiramente
aperfeiçoada, a esta questão é a seguinte:
Pode-se acrescentar um pouco mais. Assim que nos libertamos dos hábitos das crenças
recebidas, as que por acaso se adquiriu mesmo acerca de questões básicas, e começamos
realmente a pensar acerca daquilo em que devemos acreditar, à luz da razão (argumentos)
e indícios, começámos a fazer filosofia. A "tradição" de se apoiar antes em "autoridades"
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e "textos sagrados" é o estado normal das coisas e não a excepção na história — para
muitos é ainda a maneira natural de viver. Além disso, pensar por si próprio não é algo
que se leve a cabo facilmente por mero capricho, mas antes algo que é preciso reforçar
como a um músculo, através de bons hábitos mentais. A filosofia é um modo de vida, que
se constrói ao longo dos anos; o pensamento filosófico é um estado de espírito que se
torna parte da própria natureza de uma pessoa.
A filosofia por vezes trata a questão da maneira como devemos viver. Pode-se
argumentar que a própria adopção de uma atitude filosófica é exactamente o modo como
se deve viver — tudo o resto é submissão crédula. Claro que se trata de uma questão de
grau, mas na maioria dos casos é um bilhete de ida para a liberdade de pensamento:
depois de o experimentar ninguém quer regressar à escravidão novamente.
Seria errado pensar que a filosofia nos deixa constantemente num estado de dúvida vaga.
Aceita-se as próprias crenças com base nos melhores argumentos. Mas deixa-se a porta
entreaberta à discussão suplementar. Na verdade são os que adoptam as suas crenças
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como actos de vontade e fé que se apoiam em terreno instável, onde podem ser
derrubados por acaso, com as consequências dolorosas da desilusão, do vazio e da perda.
O resultado pode ser catastrófico porque caem, se o fazem, de uma altura tal e de um
lugar onde se julgavam absolutamente seguros. Depois disso, o quê? A filosofia não
sonha tão alto. Está também preparada para viver corajosamente com isso. Apesar de
mudarmos de crenças à luz de novos argumentos, podemos assegurar-nos que, da última
vez que defendemos uma perspectiva, fizemos o melhor para chegar realmente ao fundo
da questão. A filosofia não gera a dúvida vazia nem uma certeza inalcançável.
A filosofia assemelha-se muito a uma casa que se constrói sobre estacas num rio. Nessa
casa podemos fazer todo o género de coisas — construir coisas, movê-las de um lado
para o outro — mas estamos sempre cientes de que a estrutura é suportada por pilares
assentes em algo potencialmente e, amiúde, realmente inconstante. A filosofia desce
repetidamente para ver como estão as coisas perto da base dos pilares e na verdade
inspecciona os próprios pilares. As coisas podem precisar de mudança lá em baixo. Para
os filósofos isto não é apenas a natureza da filosofia mas a condição intelectual genuína
da humanidade. É a filosofia que presta uma atenção detalhada a essa condição e a leva a
sério. Isto em vez de a ignorar ou resolvê-la de um modo sofístico.
As áreas da filosofia
No que diz respeito aos capítulos deste livro, pode-se dividir a filosofia em três grupos.
A relação entre estas subdivisões da filosofia não se caracteriza pela dificuldade mas pela
generalidade, havendo um decréscimo de generalidade à medida que nos afastamos do
centro. Isto não significa que os temas das áreas exteriores são menos importantes. Ao
invés, o que acontece é que os temas do Grupo 1 sustentam os problemas considerados no
Grupo 2 e têm consequências para as conclusões a que se chega no Grupo 2 — este grupo
encontra-se em constante referência ao Grupo 1. Os temas no Grupo 3 não levantam
considerações filosóficas fundamentais novas que não sejam tratadas nos grupos 1 e 2,
mas, ao invés, aplicam a áreas específicas todos os problemas que se encontra nesses
grupos. Eis alguns exemplos: a metafísica pode lidar com a questão de que categorias de
entidades fundamentalmente existem; a estética preocupa-se em saber como existem as
obras de arte; que género de entidades são? A ética examina em que consiste afirmar que
devemos fazer algo, em que consiste algo ser moral ou imoral; a filosofia política estuda
a forma correcta de organizar a sociedade, se é que esta deve ser organizada de todo em
todo.
Os capítulos históricos aqui listados, como a filosofia antiga e a filosofia medieval lidam
evidentemente com todos os problemas centrais da filosofia, tal como são tratados num
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Os problemas da filosofia
Eis uma lista de alguns dos problemas filosóficos mais básicos e mais comumente
tratados. Não se preocupe demasiado com a maneira como tais questões seriam tratadas
por um filósofo — basta dar-lhes uma olhada e considerar como poderia responder-lhes,
de uma maneira intuitiva e imediata — quase aposto que em breve o leitor dará por si em
águas mais profundas do que espera, águas realmente filosóficas. Na verdade, não se
sinta pressionado para encontrar uma resposta, mas pense em diversas maneiras possíveis
de responder e que razões se tem para pensar que essas respostas são correctas. As
respostas, ou apenas a maneira por que se deve começar sequer a responder-lhes, são
muito menos directas do que poderíamos supor.
Intemporalidade
Não é controverso afirmar que os problemas filosóficos são intemporais. Para alguns
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parece uma desculpa para examinar problemas que de facto podem não ter resposta
alguma porque à partida há algo errado em considerá-los "problemas". Contudo, o
objecto de estudo da filosofia comporta-se seguramente como se os problemas filosóficos
fossem intemporais. Determinados tópicos podem ser uma preocupação mais central em
dada altura, mas isso é sobretudo função da moda. Os tópicos e questões centrais surgem
repetidamente. Raramente se dá o caso de um assunto considerado pela filosofia ser
inteiramente dispensado, ou desvalorizar-se a maneira como anteriormente foi tratado.
Muito pelo contrário. Os filósofos dão consigo a regressar aos filósofos do passado, pelo
menos para usar as suas ideias sobre determinados tópicos como ponto de partida, mas
normalmente é mais do que isso. Um livro que considera a natureza da justiça irá
naturalmente averiguar o que Platão tinha para dizer. Os problemas da indução e da
causalidade envolvem normalmente uma discussão aprofundada de Hume. Descartes é
muitas vezes o ponto de partida para se considerar a natureza da mente.
Não é de todo em todo claro que se progrida em filosofia como se faz noutras áreas.
Neste sentido a filosofia é muito diferente da ciência — um químico raramente acharia
interessante averiguar o que outro químico afirmou acerca de algo há cem anos.
Pode-se portanto perguntar qual é o sentido da filosofia, neste caso, dado que não resolve
definitivamente os problemas. Como foi já sugerido, os problemas filosóficos surgem
quando começamos a pensar profundamente acerca das nossas crenças mais
fundamentais. Quando o fazemos descobrimos amiúde que nem compreendemos
inteiramente o conteúdo dessas crenças, nem temos qualquer justificação clara para as
defender. Para um determinado tipo de mente isto é desconcertante e os problemas não
desaparecem através da aceitação de respostas palavrosas ou em resposta a um quadro
mental depreciativo. Talvez não sejamos capazes de apresentar soluções finais, mas,
ainda assim, podemos chegar a uma conclusão que resulte do melhor pensamento
disponível sobre um dado assunto.
Além do factual
A filosofia não se preocupa normalmente com a recolha de factos. Pode-se deixar isso
para outras disciplinas, como a ciência, a história, a psicologia ou a antropologia. Há uma
razão dupla para isto. Em primeiro lugar, a filosofia lida normalmente com assuntos que
têm de estar pressupostos na recolha de factos — questões acerca da verdade e
cognoscibilidade da realidade, por exemplo. Qualquer tentativa de resolver os problemas
filosóficos por referência aos factos cairá portanto muito provavelmente em petição de
princípio. Não podemos, por exemplo, referir-nos aos indícios reunidos através da
percepção para resolver o problema filosófico acerca do que se pode conhecer sobre o
mundo através da percepção, se é que podemos conhecer algo. Em segundo lugar, os
factos são normalmente insuficientes para lidar com o problema filosófico. Isto é
particularmente óbvio em ética. Argumenta-se em geral que nenhuma referência a como
as pessoas são e o que realmente fazem pode responder à questão acerca do que elas
devem fazer. Isto não significa que se ignora os factos, apenas que os factos são
insuficientes para nos permitir chegar a conclusões acerca dos assuntos com que a
filosofia lida.
Esta secção oferece um esboço conciso dos objectos de estudo da filosofia discutidos
neste livro. O livro não trata exaustivamente de tudo na filosofia, mas pode-se afirmar
com justiça que todas as áreas centrais estão aqui representadas.
Epistemologia
pode afirmar com verdade que podemos conhecer, por contraste a ter apenas crenças e
opiniões acerca disso. Será que podemos rebater as perspectivas de cépticos que afirmam
que, estritamente falando, não podemos conhecer tudo aquilo que afirmamos poder
conhecer, se é que podemos conhecer alguma coisa?
Metafísica
Que categorias de coisas em última análise existem, que conexões há entre elas e como
nos surgem? Será que todas as coisas que nos aparecem são reais, ou será que derivam de
algo mais fundamental? E o que dizer acerca da existência de coisas que não "existem"
no sentido usual do termo mas às quais, não obstante, nos referimos, tais como unicórnios
e números?
Lógica
Ética
Aqui trata-se de valores (normativos, por contraste com questões de facto) no que
respeita as acções humanas. Em que consiste considerar algo que fazemos como bom ou
mau? Em que consiste afirmar que devemos fazer ou não fazer algo? Não basta discutir o
que fazemos, temos de discutir o que devemos fazer e o que significa afirmar isto.
Filosofia antiga
Filosofia medieval
Esta área abrange, há que assinalar, o estudo de filósofos ao longo de um vasto período
de cerca de mil anos, desde Santo Agostinho de Hipona (354-430 d.C.) e Guilherme de
Occam (c. 1285-1349 d.C.) e se prolonga pelo menos até à renascença. O fio condutor é a
ascensão e predomínio do cristianismo, que permeia a filosofia que se faz durante este
período. O outro elo mais importante ao longo deste período é a interpretação e adaptação
da metafísica de Aristóteles.
Pode parecer estranho chamar "filosofia moderna" à filosofia que se faz nos séculos XVII
e XVIII. Indica o período de surpreendente fecundidade no pensamento filosófico e uma
nova maneira de fazer filosofia que foi uma ruptura significativa em relação ao que
ocorria antes. Além disso, muitas das maneiras pelas quais contemporaneamente se faz
filosofia ainda derivam do pensamento deste período. As figuras centrais são Descartes,
Espinosa, Leibniz, Locke, Berkeley e Hume.
Filosofia da mente
A que tipo de entidade nos referimos quando falamos acerca da "mente"? Como se
relaciona o discurso acerca da mente com o discurso acerca daquilo a que normalmente
chamamos os nossos "corpos"? Serão a mente e o corpo um só, ou será que a mente é
afísica? Como pode a apercepção consciente e o entendimento pelas quais nos referimos
às coisas surgir da matéria inerte? O que significa afirmar que alguém é a mesma pessoa
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Filosofia da linguagem
Em que consiste uma expressão, oral ou escrita, ter significado e capacidade de referir
coisas? O que constitui a compreensão que uma pessoa tem de uma palavra, quando sabe
como deve ser usada correctamente?
Filosofia da ciência
O que define uma lei da natureza? Como difere de outras afirmações acerca do mundo?
De que maneira as teorias científicas se justificam pelos indícios, caso se justifiquem?
Como podemos saber que as nossas leis da natureza descrevem características do mundo
que persistirão da próxima vez que o examinarmos?
Filosofia política
Como se deve organizar a sociedade? O que justifica a existência de um estado que pode
legitimamente usurpar o poder às pessoas? Como se deve controlar o estado? O que
justifica a propriedade privada, se é que se justifica? Como adquirem as pessoas direitos
que não podem ser violados senão em circunstâncias especiais, se é que os adquirem?
Pode-se definir o que é uma obra de arte? O que queremos dizer quando afirmamos que
uma obra tem uma certa qualidade estética, como a beleza? O que determina o
significado de uma obra de arte? O que justifica as diferenças entre avaliações de obras
de arte, se algo o faz?
Filosofia da religião
Até que ponto os argumentos que justificam a existência de Deus são bons? Será que
precisamos de argumentos a favor da existência de Deus, ou será a fé suficiente? Qual é a
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Filosofia continental
É controverso afirmar que o grupo de filósofos que amiúde se agrupa sob esta designação
se presta a tal classificação de uma maneira coerente, e este capítulo trata sobretudo dessa
questão. Negativamente, a designação pode indicar uma divergência de métodos e
preocupações filosóficas entre filósofos da Europa continental e filósofos de expressão
inglesa no Reino Unido, América do Norte, Nova Zelândia e Austrália. Positivamente há
talvez um fio condutor que parte do filósofo Immanuel Kant (1724-1804) até ao presente,
passando por pensadores como Jacques Derrida, e pode-se encarar isto como diversas
maneiras de responder à perspectiva filosófica do idealismo transcendental. Os filósofos
recentes encontram-se aqui marcados pelo questionamento mais fundamental da natureza
e na verdade da existência da própria filosofia.
O futuro da filosofia
John Shand