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Declaração para efeitos do disposto no n.º 7 do Anexo I do Despacho NT-32/2005.

Autor: Magda Elsa de Araújo Cerqueira

Contacto: magda851@gmail.com

Título da Dissertação: O Estatuto da Vítima e suas implicações no Processo Penal português

Relatório de Atividade Profissional para obtenção do grau de Mestre em Direito, especialização em Direito Judiciário

Orientadores: Professora Doutora Margarida Maria de Oliveira Santos

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA RELATÓRIO PROFISSIONAL APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO,
MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Universidade do Minho, 28 de abril de 2017.

Assinatura: __________________________________________________

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Agradecimentos:

À Professora Doutora Margarida Maria de Oliveira Santos, deixo aqui o meu agradecimento
sincero pela colaboração, disponibilidade e paciência dispensada na orientação do presente Relatório
Profissional.

Dedico também este trabalho à minha família, especialmente à Leonor e à Filipa, sem cujo
carinho e apoio moral não poderia ter sido elaborado, e a todos aqueles que desejam um mundo melhor,
com menos vítimas e mais cidadãos responsáveis, conscientes e benévolos.

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Título: O Estatuto da Vítima e suas implicações no Processo Penal português

Resumo:

O presente trabalho aborda a problemática existente em torno do (novo) Estatuto da Vítima,


que se vazou na Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro. O Estatuto da Vítima estabelece os direitos, o
apoio e a proteção das vítimas de criminalidade. Vem criar alterações que se pretendem de relevo
na própria estrutura do Processo Penal de modo a que a vítima do crime não seja totalmente
arredada do processo pelo qual se pretende apurar a responsabilidade pela prática do ilícito típico
criminoso.

O objeto deste trabalho consiste numa análise crítica dos princípios e direitos de proteção
das vítimas de crimes. Para o efeito, abordam-se as noções legais e doutrinais de vítima, distinguindo
esta da noção de ofendido, de assistente e de lesado, bem como o contexto do seu surgimento e as
suas implicações para o Direito Processual Penal português.

Defendemos que o Estatuto da Vítima agora criado não trouxe grandes alterações no âmbito
do Processo Penal mas permite reconfigurar a intervenção da pessoa que foi alvo da conduta
criminosa, de modo a pôr em relevo a sua intervenção, melhor satisfazendo os seus interesses.

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Title: The legal status of the victim and its implications to Portuguese criminal procedure.

Abstract:

The present work faces the problematic around the new Status of the Victim created by the
statute nº 130/2015 of 4 th September. The Victim`s Status establishes the rights, support, and
protection of victims of crime.

It pretends to create relevant changes in the structure of the criminal procedure in order to
prevent the victim from being alienated from the same procedure.

The purpose of this work consists in a critical analysis of the principles and rights governing
the protection of victims of crimes. We will approach the legal and doctrinal concepts of victim,
distinguishing the victim from the concepts of offended, assistant and injured, as well as the context
of its emergence and implications to Portuguese Criminal Procedure.Law.

We will defend that the status of the victim recently created has not brought about any major
changes but it allows for the reconfiguration of the intervention of the person who has been the object
of a criminal conduct, in order to highlight an intervention better tailored to his/her interests.

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Índice:

Abreviaturas e Siglas ................................................................................................................ XII


RELATÓRIO ............................................................................................................................ - 1 -
I - Introdução ......................................................................................................................... - 3 -
1. Notas curriculares ............................................................................................................ - 3 -
2. Descrição da área territorial do juízo de Instrução Criminal do Tribunal da Comarca de Braga
........................................................................................................................................ - 5 -
3. Afetação a Processos de Inquérito Pendentes na seção do DIAP de VN Famalicão e a todos
os Processos de Inquérito Pendentes nas seções do DIAP de Braga (mesmo que não sejam
da área territorial do município) ........................................................................................ - 7 -
4. Do tipo de criminalidade em sede de instrução ................................................................ - 8 -
II. Delimitação do objeto, objetivos e estrutura da dissertação ................................................ - 9 -
DISSERTAÇÃO...................................................................................................................... - 13 -
1. A posição da vítima ........................................................................................................ - 15 -
2. O Contexto de surgimento do Estatuto da Vítima ………………………………………………….. - 18 -
3. A vítima, a/o ofendida/o, a/o assistente e a/o lesada/o: novas (re) configurações no direito
processual penal português ............................................................................................ - 25 -
4. A posição de fragilidade processual da vítima …………………………………………………..….. - 33 -
5. A Diretiva 2012/29/UE e os direitos, apoio e proteção à vítima na União Europeia........ - 37 -
6. A proteção, o apoio e os direitos das vítimas .................................................................. - 41 -
a. Princípio da Igualdade (de Oportunidades) ................................................................ - 42 -
b. Respeito pela dignidade pessoal da vítima e Respeito Integral da sua vontade........... - 44 -
c. Direito à Proteção (integridade física) respeito pela sua vida privada (sigilo de
informações) e acesso equitativo aos cuidados de saúde. .............................................. - 47 -
d. Indemnização e restituição de bens ........................................................................... - 56 -
e. Princípio e direito à Informação ................................................................................. - 61 -
f. Direito de Assistência específica à vítima ................................................................... - 66 -
g. Direito de Participação Ativa no Processo ………………………………………………….…… - 67 -
7. Perspetiva Crítica: implicações do Estatuto da Vítima para o direito processual penal
português e seu cotejo com a Diretiva ............................................................................ - 71 -
Conclusões .......................................................................................................................... - 77 -
Bibliografia ........................................................................................................................... - 81 -
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Abreviaturas e Siglas:

AAFDL- Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa


Ac- Acórdão
BFDUC- Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
CDFUE- Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
CEJ- Centro de Estudos Judiciários
CNUDC- Carta das Nações Unidas do Direito das Crianças
CP- Código Penal
CPC- Código de Processo Civil
CPP- Código de Processo Penal
CPVC- Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes
CRP – Constituição da República Portuguesa
DIAP- Departamento de Investigação e Ação Penal
EM- Estado-Membro
EMs- Estados-Membros
MP- Ministério Público
RMP- Revista do Ministério Público
RPCC- Revista Portuguesa de Ciência Criminal
STJ- Supremo Tribunal de Justiça
TEDH- Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
TFUE- Tratado de Funcionamento da União Europeia
TJUE- Tribunal de Justiça da União Europeia
TRG- Tribunal da Relação de Guimarães
TRP- Tribunal da Relação do Porto
TRC-Tribunal da Relação de Coimbra
TRL-Tribunal da Relação de Lisboa
TRE- Tribunal da Relação de Évora
UE- União Europeia

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RELATÓRIO

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-2-
I - Introdução

1. Notas curriculares

Data nascimento: 11 de março de 1974

Cartão cidadão: 10126774

Correio eletrónico: magda851@gmail.com

Habilitações académicas:

• 1997- Licenciatura em Direito pela Universidade de Coimbra.


• 2000/2002- Conclusão do Curso de Formação no Centro de Estudos Judiciários
• 10-2012 a 01-2013- Curso de Especialização em Direito da União Europeia na Escola de
Direito da Universidade do Minho, que terminou com a elaboração de trabalho escrito para
avaliação consistente no comentário ao Acórdão do Tribunal de Justiça C-236/09. Foi
avaliado em 17 valores.
• 2015- Inscrição no Mestrado em Direito Judiciário da Escola de Direito da Universidade do
Minho, com dispensa da fase letiva.

Publicações:

• Publicação, em co- autoria com Maria Paula Moreira Sá Fernandes e Rui António do
Nascimento Ferreira Martins da Rocha, 20 Anos de Jurisprudência Portuguesa sobre
Igualdade no Trabalho e no Emprego,CITE, Lisboa, 2007.

Formações anteriores ao período inspecionado:

• 1 a 16-6-2011- Ação de Formação organizada pela Universidade do Minho, em colaboração


com o Centro de Estudos Judiciários, intitulada “Direito da União Europeia”, com a duração
de 15 horas letivas.

-3-
• 18 e 19-5-2012- 2º Seminário dos Cadernos de Direito Privado, subordinado ao tema
“Responsabilidade Civil”, na Escola de Direito da Universidade do Minho, em Braga.
• 19-5-2012- Conferência “A Morte não escolhe idades” sobre os temas do Testamento Vital
e A morte e seus efeitos jurídicos- Direitos de Personalidade Post- Mortem, na Universidade
Católica, Centro Regional do Porto.
• 25-5-2012- Wokshop “Questões de Prova em Direito da Família e Menores”, na Escola de
Direito da Universidade do Minho.
• 23-11-2012 e 30-11-2012- Seminário sobre insolvência- CEJ, Lisboa.
• 21 a 23-5-2012- Workshop on Principles of European Union Environmental Law, em
Wiesbaden, ministrado em língua inglesa, e realizado pelo EIPA- European Institute of Public
Administration.
• 17-1-2013- Conferência subordinada ao tema “O novo regime jurídico das responsabilidades
parentais- as quatro mãos que embalam o berço”- no Tribunal Judicial de Barcelos, sendo
orador o Juíz Desembargador Dr Paulo Guerra.
• Abril 2013- Ação de formação contínua do CEJ sob o título “Direito Processual Civil”, que
versou sobre as alterações ao CPC que entraram em vigor em setembro de 2013.
• 3,10 e 17-5-2013- Ação de formação contínua organizada pelo CEJ sob o título “Direito
Societário e Corporate Governance”, Lisboa.
• 2013- Curso de inglês jurídico em sistema de b-learning, ministrado pelo Centro de Estudos
Judiciários.
• 30-8-2013 a 13-9-2013- Estágio no Tribunal de 1ère Instance de Liège, Bélgica, no âmbito
do Exchange Programme for Judicial Authorities implementado em 2013 pelo European
Judicial Training Network.

Ações de Formação Profissional:

Desde 25 de março de 2014 frequentei as seguintes ações de formação:

• Curso de Direito da Concorrência Entrance 2014, ministrado em plataforma on-line pelo


European University Institute, de Florença.
• Tráfico de Seres Humanos- conferência internacional- por videoconferência- a partir de
Braga, a 31-10-2014;
• Violência Doméstica e de Género e Mutilação Genital Feminina- videoconferência- a partir de
Guimarães- 28-11-2014 e 5-12-2014;

-4-
• Criminalidade Económico-Financeira e Recuperação de Produtos do Crime- Lisboa- a 17 e
24-4-2015;
• Técnicas de Inquirição e Interrogatório em Processo Penal- Lisboa- a 16-1-2015;
• Seminário em Cibercriminalidade, promovido pelo SMMP e pela ASJP que decorreu no dia
20-11-2015, no Porto.
• Temas de Direito Penal e Processual Penal- Braga- 12,19, e 26-2-2016;
• Implementação dos Direitos Fundamentais: Tendências Internacionais- Braga- 18-3-2016;
• Prova em Direito Penal, Cibercriminalidade e Prova Digital- Braga- 7 e 8-4-2016;
• Curso Inglês Jurídico B-Learning- Lisboa- 11-1-2016 a 27-6-2016- com uma sessão
presencial final.

Outra atividade de natureza científica:

• 2014- janeiro a outubro- curso on-line por e-learning “Entrance 2014”- Training For National
Judges in Competition Law, ministrado pelo European UNiversity Institute, de Florença.
• Apresentei um caso comentado em língua inglesa no “Final Workshop” do curso de Direito
da Concorrência Entrance 2014, ministrado no European University Institute, em Florença,
perante os professores universitários e juízes que o frequentaram- 2 a 4 de outubro de 2014.
Tratou-se do encerramento do curso que havia iniciado no ano anterior com aulas teóricas
que cobriram todos os temas do Direito da Concorrência. Junto cópia do trabalho
apresentado.
• Visitei o Tribunal de Justiça da União Europeia, visita organizada pela EJTN em conjunto
com o Centro de Estudos Judiciários- 13 e 14-11-2014- no Luxemburgo.
• Frequentei o curso de inglês jurídico denominado Linguistic Seminar “Language Training on
the Vocabulary of Judicial Cooperation in Civil Matters”, do European Judicial Training
Network, que teve lugar de 23 a 27 de março de 2015 na cidade de Bruxelas.

2. Descrição da área territorial do juízo de Instrução Criminal do Tribunal da Comarca de Braga

A área de competência do Tribunal da Comarca de Braga tem quatro principais centros


urbanos: Braga, Guimarães, Vila Nova de Famalicão e Barcelos. O distrito tem uma população entre
os 850 mil e os 900 mil habitantes, encontrando-se a população distribuída da seguinte forma: 40%

-5-
a residir nos municípios de Braga e Guimarães, e 70% a residir nos municípios de Braga, Guimarães,
Vila Nova de Famalicão e Barcelos.

No que à área da instrução criminal diz respeito, importa considerar que foi criada em Vila
Nova de Famalicão uma seção especializada do DIAP para os crimes de tráfico de droga (crimes em
que são frequentes as intervenções do juiz de instrução) com competência alargada a todo o território
da comarca.

Foi ainda criada uma seção do DIAP em Barcelos, com competência alargada ao município
de Esposende, especializada nos crimes de violência doméstica, cujos inquéritos são sempre de
natureza urgente e nos quais também é muito frequente a intervenção do juiz de instrução criminal.

Esta competência alargada das seções do DIAP obriga ao trânsito constante dos inquéritos
entre a sede da seção do DIAP competente e a sede da seção de instrução criminal ou da seção
criminal da instância local competente, com os gastos e perdas de eficiência associadas.

Relativamente às seções do DIAP instaladas em Braga, tais problemas foram ultrapassados


mediante a atribuição aos juízes das seções de instrução criminal do respetivo município de
competência para a prática dos atos jurisdicionais em todos os inquéritos pendentes nas referidas
seções do DIAP.

No que tange à seção do DIAP especializada nos crimes de tráfico de droga, foi atribuída
competência aos juízes das seções de instrução criminal para praticar os atos jurisdicionais nesses
inquéritos.

Na prática, a reafectação aos juízes da 1ª seção de instrução criminal dos atos jurisdicionais
respeitantes a todos os processos de inquérito pendentes nas seções de Braga do DIAP bem como
os processos de inquérito pendentes na 1ª seção de Vila Nova de Famalicão do DIAP, mas
provenientes dos municípios de Amares, Barcelos, Braga, Esposende, Terras de Bouro, Vieira do
Minho e Vila Verde, resulta da desarticulação entre o DIAP e as seções de instrução criminal. Para
informação mais detalhada pode consultar-se o relatório da Comarca disponível no sítio on-line da
Comarca de Braga.

Os crimes pelos quais são apresentados arguidos detidos para interrogatório judicial-
primeiro ou subsequente- são os de violência doméstica, com uma frequência muito preocupante,

-6-
de abuso sexual de crianças (com um crescendo de tomada de declarações para memória futura e
a revelar uma preocupação crescente pelo aumento deste tipo de crime), tráfico de estupefacientes
e crimes contra a propriedade e património.

Devo, por último referir, no que concerne a interrogatórios de arguidos, que têm vindo a
tornar-se frequentes interrogatórios judiciais de arguidos detidos por crimes de corrupção, tráfico de
influência, insolvência dolosa, participação económica em negócio, situação que é tributária da
criação de um DIAP especializado em criminalidade económico-financeira em Braga, sendo que, pela
complexidade intrínseca aos referidos crimes, mercê do longo período de investigação e
multiplicidade de diligências investigatórias e de arguidos detidos, e da maior litigância da defesa
nessas situações, pelo risco das medidas de coação mais gravosas para a vida estável e profissão e
imagem social dos arguidos, os interrogatórios têm tendência para se alongar, tendo já por três vezes
abrangido o fim-de-semana inteiro, ou, quando no mesmo dia se realizavam mais de que um ato
(alguns com vários arguidos), ocorreram situações em que as diligências terminaram muito para
além do horário de funcionamento dos Tribunais, mas nunca para além do horário previsto no Código
de Processo Penal, e sempre com respeito pelos períodos de descanso e alimentação.

Importa ainda referir que no recente relatório de monitorização do Conselho Superior de


Magistratura se pode aferir que o número de processos entrados no Juízo de Instrução Criminal de
Braga onde desempenho funções é muito superior à média nacional.

3. Afetação a Processos de Inquérito Pendentes na seção do DIAP de VN Famalicão e a todos os


Processos de Inquérito Pendentes nas seções do DIAP de Braga (mesmo que não sejam da área
territorial do município)

Desde 9-10-2014, por despacho do Exmo Vogal em substituição do Sr Vice-Presidente do


Conselho Superior de Magistratura, que aprovou a afetação dos juízes da, à data, 1ª seção de
instrução criminal da Comarca de Braga, na qual me incluía, aos processos de inquérito pendentes
na 1ª seção de Vila Nova de Famalicão do DIAP de Braga, provenientes dos municípios de Amares,
Barcelos, Braga, Esposende, Terras de Bouro, Vieira do Minho e Vila Verde, em que devam ser
praticados atos jurisdicionais. Bem como a afetação de todos os inquéritos pendentes no Município

-7-
de Braga mesmo os relativos à criminalidade económico-financeira de todo o distrito de Braga e à
violência doméstica de Braga, Amares e Vila Verde (competência do DIAP de Braga).

4. Do tipo de criminalidade em sede de instrução

No que concerne aos tipos de crime em sede de instrução, uma grande parte diz respeito a
crimes de natureza fiscal, burlas, falsificações de documentos, crimes contra a propriedade e contra
o património, crimes contra a honra e alguns crimes estradais, nomeadamente crimes de homicídio
negligente.

Mas também surgem instruções que incidem sobre crimes menos comuns, como os crimes de
corrupção previstos no Código Penal e os previstos na Lei dos titulares de cargos políticos,
participação económica em negócio, branqueamento de capitais e outros integrados na
criminalidade económica.

-8-
II. Delimitação do objeto, objetivos e estrutura da dissertação

O presente trabalho aborda a problemática existente em torno do (novo) Estatuto da Vítima, que
se vazou na Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro. O Estatuto da Vítima estabelece os direitos, o
apoio e a proteção das vítimas de criminalidade. Vem criar alterações que se pretendem de relevo
na própria estrutura do Processo Penal de forma a que a vítima do crime não seja totalmente
arredada do processo pelo qual se pretende apurar a responsabilidade pela prática do ilícito típico
criminoso.

A motivação desta reflexão prende-se com o facto de termos constatado da nossa experiência
em tribunais de comarca de competência genérica bem como da experiência enquanto juíza de
instrução criminal que muitas vezes a pessoa singular que sofreu no seu corpo, no seu património,
na sua vida afetiva ou emotiva, profissional, ou em todas estas vertentes, as consequências do ato
criminoso, não é ouvida nem informada dos ulteriores trâmites processuais após a dedução da queixa
ou da denúncia.

Neste sentido, com o presente relatório profissional pretendemos tecer um olhar crítico sobre
o (novo) Estatuto da Vítima e sobre as suas efetivas implicações práticas, perscrutando se,
efetivamente, a lei processual penal alterou de facto a posição processual da vítima, valorizando a
sua intervenção processual ou se, de iure condendo, face ao aguilhão do direito da União Europeia
- na sua legislação e concretização jurisprudencial - urgirá proceder a remodelações de forma a tornar
os direitos que se pretendem atribuir executórios e efetivos.

De uma forma especial, pretendemos com o presente estudo conhecer o Estatuto da Vítima
e definir os seus contornos, no âmbito do Direito Processual Penal português; conhecer o contexto
em que este Estatuto surge; problematizar o conceito de vítima e distinguir o conceito de vítima de
figuras próximas; integrar o Estatuto da Vítima no contexto do Processo Penal; conhecer os novos
direitos da vítima; avaliar os direitos para proteção das vítimas especialmente vulneráveis; reconhecer
a importância do novo direito da vítima de ser ouvida em qualquer fase do processo; integrar e
problematizar o estatuto da vítima no âmbito da legislação penal e processual penal em vigor, bem
como no âmbito do direito da União Europeia, de onde surgiu, apurando, nomeadamente se o

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legislador português procedeu a uma correta transposição da Diretiva 2012/29/EU do Parlamento
Europeu e do Conselho de 25 de outubro de 2012.

Atendendo aos objetivos e aos contornos da investigação, entendemos dividir este estudo
em 7 capítulos, além da introdução e da conclusão.

O primeiro capítulo aborda a posição da vítima no Processo Penal de acordo com a filosofia
iluminista influenciadora dos nossos Códigos Penal e Processual Penal.

O segundo capítulo aborda o contexto de surgimento do Estatuto da Vítima analisando os


fundamentos do direito de punir pelo Estado e a sua evolução cultural no sentido da integração da
vítima na tríade punitiva, após o seu afastamento inicial.

O terceiro capítulo versa a definição legal e doutrinal dos conceitos de vítima, ofendido,
assistente e lesado e a influência que a definição legal de vítima consagrada na alteração ao Código
de Processo Penal (CPP) pela mesma lei que consagrou o Estatuto da Vítima- e antes inexistente no
ordenamento jurídico português- trouxe para aqueles conceitos. Problematiza-se a figura da vítima à
luz desta definição legal para percebermos se foi criado um novo participante processual ou um novo
sujeito processual.

O quarto capítulo versa a posição de fragilidade processual da figura da vítima que se


encontra com a sua intervenção vinculada às decisões processuais tomadas pela magistratura do
Ministério Público.

O quinto capítulo aborda as ideias- força que presidiram ao estabelecimento de direitos,


apoio e proteção pela Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25-10-2012.

E o sexto capítulo analisa detalhadamente a Lei nº 130/2015 de 4-9, que aprovou o Estatuto
da Vítima no ordenamento jurídico interno da República Portuguesa. Subdivide-se em seis sub-
capítulos onde se abordam com minúcia os princípios e os direitos consagrados às vítimas de
criminalidade: os princípios da igualdade de oportunidades para viver sem violência, do respeito pela
dignidade pessoal e respeito integral pela sua vontade, da informação e seu respetivo direito, e os
direitos à proteção, respeito pela sua vida privada (sigilio de informações) e acesso equitativo aos
cuidados de saúde, direito à indemnização, restituição de bens e direito de assistência específica à
vítima.

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Finalmente, no sétimo capítulo analisam-se criticamente as implicações do Estatuto da
Vítima para o direito processual penal português, no seu cotejo com a Diretiva 2012/29/EU do
Parlamento Europeu e do Conselho de 25-10-2012.

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DISSERTAÇÃO

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Capítulo I – O surgimento do Estatuto da Vítima

1. A posição da vítima

O vocábulo “vítima” tem a sua origem etimológica provinda do latim víctima e referia-se ao
ser humano ou animal morto e oferecido em sacrifício (imolado) a alguma divindade 1. Com este
estigma cultural a impender sobre a palavra, o seu significado evoluiu para definir a situação de
pessoa em situação de inferioridade face às circunstâncias, de objeto e não sujeito na medida que
é alguém a quem fizeram algo, de uma relativa fragilidade2. Assim, não pode a ordem jurídica ignorar
as suas necessidades subjetivas em prol do interesse coletivo da realização da justiça.

Do ponto de vista da Dogmática Penal, o Estado detém o monopólio da administração da


justiça penal em virtude de os indivíduos seus cidadãos terem com ele celebrado um contrato social
pelo qual abdicaram de fazer justiça pelas suas próprias mãos e conferiram essa tarefa ao Estado,
que passou a deter o monopólio do uso da força3. Esta teoria do contrato social resulta dos estudos
teórico-conceptuais de grandes pensadores iluministas, como Hobbes, Locke, Hume e Rousseau,
que fornecem uma explicação não teológica para fundamentar o direito de punir, mas antes baseada
num raciocínio lógico-dedutivo. Todos têm em comum “a explicação do exercício do poder por um
trato, um ajuste tácito a que chamaram Pacto Social” 4.

Nas palavras esclarecedoras de Faria Costa5: “Na verdade, quando se cede aquele pedaço
mínimo necessário da liberdade para se beneficiar da segurança que nos permita viver individual e
colectivamente está-se, segundo este modelo, a aceitar duas coisas: uma que se confina com a

1
Dicionário Global da Língua Portuguesa, autoexplicativo com exemplos contextualizados, Jaime Coelho, Lidel- edições técnicas, Lda, 2014, página
1421. Também Dicionário Houaiss, Círculo de Leitores, 2011, página 2396.
2
DANIELE GIGLIOLI, Crítica Della Vittima, nottetempo, 2014.
3
THOMAS HOBBES, Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e Civil. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural 1997. LOCKE,
John. “Segundo tratado sobre o governo”, In: Carta acerca da tolerância; Segundo tratado sobre o governo e Ensaio acerca do entendimento humano.
Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural 1989. E, mais recentemente, PAULO MOTA PINTO, O direito ao livre desenvolvimento da personalidade, in
Portugal- Brasil, ano 2000. Tema Direito, Coimbra Editora, coleção STUDIA IURIDICA do BFDUC, 40, página 187 e 191. E JOSÉ NARCISO DA CUNHA
RODRIGUES, “Liberdade e Segurança”. RPCC, ano 4, julho-setembro 1994, página 299 e ss.
4
MIGUEL JOSÉ FARIA, Criminologia: Epanortologia: Fundamento do direito de punir, Instituto Superior Ciências Policiais e Segurança Interna, Lisboa,
2014, página 283. Este autor deixa uma nova proposta de reflexão: “a busca em radicais biológicos de uma fundamentação do Direito (…) o
entendimento de o direito ter surgido e na essência significar o instrumento da ordenada e prudente satisfação das necessidades, estas facilmente
havidas como de natureza predominantemente biológica”.
5
JOSÉ DE FARIA COSTA, Ler Beccaria Hoje, in Beccaria e o Direito Penal, Coimbra Editora, 2015, página 20 e 21.

- 15 -
contraprestação atrás referida e que é aquela que normalmente é salientada; outra, bem mais
particular mas não menos precisa, que assenta na lógica de que a existência de crimes - e
consequentes penas - pressupõem também a relação contratual originária, isto é: para viver em
segurança e paz aceitam-se os crimes como um mal necessário mas também se assume - faz parte
desse contrato originário -, comutativamente, que, se se tiverem comportamentos proibidos por lei,
é intrinsecamente correcto aceitar-se o mal da pena - «retribuição» - previsto em lei certa, anterior e
precisa”. Como claramente sintetiza o Autor “… é nuclear à ideia de contrato originário que a um
comportamento criminalmente censurável se siga a correspondente - quase de modo sinalagmático
- pena. Aquele que violou o pacto originário - através da prática de um crime - deve «pagar» com
uma pena, tanto mais que na lógica interna da doutrina do contrato originário todos estiveram de
acordo na realização do contrato e todos conhecem, sem excepção, as condições e as consequências
do não cumprimento do «contrato». Nada mais límpido e transparente à luz de uma das ideias
matrizes de todo o Iluminismo” 6.

Assim, “uma das principais missões da comunidade estadual é a de garantir a segurança


externa e interna das pessoas que a compõem”7.

Também Cesare Beccaria parte da ideia do contrato social enquanto base legitimadora do
Direito Penal no qual a mínima parte possível de liberdade que se cede individualmente permite
receber em troca as condições necessárias à segurança de cada indivíduo e o bem comum, assim
atingindo “a máxima felicidade repartida pelo maior número8”.

Como bem sublinha Jorge de Figueiredo Dias9: “Porventura em nenhuma outra disciplina
jurídica como nesta surgirá uma tão nítida relação de supra/infra- ordenação entre o Estado
soberano, dotado do ius puniendi, e o particular submetido ao império daquele; como em nenhuma
outra será tão visível a função estadual de preservação das condições essenciais da existência
comunitária e o poder estadual de, em nome daquela preservação, infligir pesadas consequências
para a liberdade e o património (…) dos cidadãos”. Neste sentido, “… verificados (…) os pressupostos

6
JOSÉ DE FARIA COSTA, Ler Beccaria Hoje, in Beccaria e o Direito Penal, Coimbra Editora, 2015, página 20 e 21.
7
SÉRVULO CORREIA, Direitos Fundamentais, Sumários Desenvolvidos, AAFDL, Lisboa, 2002, página 97.
8
CESARE BECCARIA, Dos delitos e das penas, Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, página 62.
9
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal-Parte Geral, tomo I, 2ª ed. Coimbra Editora, 2007, página 13,14.

- 16 -
da intervenção, o ius puniendi estadual surge como coisa pública, por inteiro subtraída à vontade
dos particulares”10.

Mas os particulares não podem ser completamente eliminados da equação, especialmente os


diretamente envolvidos no facto criminoso, sob pena de o próprio Direito Penal deixar de cumprir as
funções para as quais tem utilidade.

10
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal-Parte Geral, tomo I, 2ª ed. Coimbra Editora, 2007, página 14.

- 17 -
2. O Contexto de surgimento do Estatuto da Vítima

A partir da segunda metade do século XX a vítima do crime passou a assumir um papel de


relevo na comunidade científica, surgindo no âmbito da disciplina da Criminologia 11, a Vitimologia12,
como ciência autónoma.

O Conselho da Europa, criado no final da II Guerra Mundial, em 1949, por impulso de Winston
Churchill, com a incumbência de aglutinar os países defensores da civilização e cultura ocidental e
do ideal democrático, tomou a dianteira na chamada de atenção para as vítimas de crimes com a
Recomendação (85) 11, sobre a posição da vítima no Processo Penal, a Recomendação nº (87) 21,
sobre a assistência às vítimas e prevenção da vitimização, e a Recomendação nº (85) 4 sobre
violência familiar.

A nível internacional, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Declaração de princípios


fundamentais de justiça relativos às vítimas da criminalidade e às vítimas do abuso de poder, em
1985. Aí expressamente se afirmava nessa data a “necessidade de adopção, a nível nacional e
internacional, de medidas que visem garantir o reconhecimento universal e eficaz dos direitos das
vítimas da criminalidade e de abuso de poder”, e adoptavam princípios básicos de justiça,
nomeadamente: 1) um conceito lato de vítima que incluía as pessoas que tivessem sofrido um
prejuízo ao intervirem para prestar assistência, 2) o tratamento com compaixão e respeito pela sua
dignidade, 3) o direito ao acesso às instâncias judiciárias, e a uma rápida reparação do prejuízo por
si sofrido através de procedimentos, oficiais ou oficiosos, que sejam rápidos, equitativos, de baixo
custo e acessíveis, 4) o direito à informação das vítimas dos direitos que lhes são reconhecidos para
obter reparação por estes meios, 5) medidas para prestar assistência às vítimas e minimizar as
dificuldades por estas encontradas, proteger a sua vida privada e garantir a sua segurança, bem
como a da sua família e das suas testemunhas, preservando-as de manobras de intimidação e de
represálias, utilizando práticas de mediação e arbitragem, quando adequadas a facilitar a conciliação
e obter a reparação em favor das vítimas, 6) reparação do prejuízo causado às vítimas pelos autores

11
MAURICE CUSSON, Criminologia, Casa das Letras, 3ª edição, para uma visão da evolução da ciência criminológica através dos tempos.
12
MAURICE CUSSON, idem; CLAUS ROXIN, Derecho Penal parte general, tomo I, fundamentos, la estrutura de la teoria del delito, Civitas, 2001, página
562: “La victimología, es decir, la teoria criminológica de la influencia de la conducta de la víctima en la delincuencia, há comenzado recentemente a
irradiar su influencia sobre la dogmática del Derecho Penal”. ISABEL FALCÃO CORREIA, Concertos e Desconcertos na Procura de um mundo
concertado: crença no mundo justo, inocêrncia da vítima e vitimização secundária, Fundação Calouste Gulbenkian, FCT, Ministério da Ciência ecdo
Nesino Superior, 2003, página 13 e ss.

- 18 -
do crime que deve englobar a restituição de bens, 7) indemnização pelo prejuízo ou pelas perdas
sofridas, 8) reembolso das despesas como consequência da vitimização, 9) prestação de serviços e
restabelecimento de direitos, 10) asseguramento de indemnização financeira por parte do Estado às
vítimas de dano corporal ou atentado importante à sua integridade física ou mental em consequência
de atos criminosos graves, quando não seja possível obtê-la do delinquente, 11) prestação de
assistência material, médica, psicológica e social e fácil acesso à mesma, 12) formação adequada
que sensibilize para as necessidades das vítimas para todos os profissionais das polícias, justiça,
serviços de saúde e serviços sociais e 13) dispensa de atenção às vítimas com necessidades
especiais em razão da natureza do prejuízo sofrido ou de fatores como a raça, cor, sexo, idade,
língua, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou outras, crenças ou práticas culturais, situação
económica, nascimento ou situação familiar, origem étnica ou social ou capacidade física.

Importa, ainda, referir, no âmbito da União Europeia, a Resolução 95/C 327/04 do Conselho
da União Europeia de 23-11-1995 sobre a proteção de testemunhas no âmbito da luta contra a
criminalidade organizada, que convidou os Estados-Membros a garantir a proteção apropriada das
testemunhas, de acordo com linhas de orientação que delineou, abrangendo no conceito de
testemunha todas as pessoas que possuam informações importantes para o processo e suscetíveis
de pôr as pessoas em perigo em caso de divulgação, efetuou o incremento da cooperação judiciária
permitindo a obtenção de provas à distância através de meios audiovisuais, proteção contra todas
as formas de ameaça, pressão ou intimidação, direta ou indireta, possibilidade de não revelar os
elementos de identificação da testemunha, possibilidade de mudança de identidade, possibilidade
de depor em local separado do arguido através de meios audiovisuais, etc.

Seis anos após, surge a Decisão – Quadro nº 2001/220/JAI, do Conselho de 15-3-2001, em


que o Conselho da União Europeia vem novamente preocupar-se com a vítima em Processo Penal,
na linha da prioridade conferida à criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça com a
entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, nesse mesmo ano de 2001.

O Estatuto da Vítima, que se consagra pela primeira vez para todas as vítimas de crimes no
direito interno português, com a Lei n.º 130/2015 de 4-9, deflui naturalmente da Diretiva
2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25-10-2012 que foi obrigatoriamente
transposta para o direito interno, substituindo a anterior Decisão – Quadro nº 2001/220/JAI, do

- 19 -
Conselho de 15-3-2001, estabelecendo as normas mínimas para o estatuto da vítima em Processo
Penal, considerada muito tíbia e sem resultados práticos13.

Todavia, não se pode afirmar que o Direito Penal e Processual Penal português não tinha
preocupações vitimológicas. Efetivamente, a vítima sobretudo depois da 2ª Guerra Mundial, como já
se referiu, “passou então a ser alguém a quem deveria ser atribuída dignidade no âmbito do direito
penal”, referindo-se, desde logo, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 400/82 que “a vítima passa a ser
um elemento, com igual dignidade, da tríade punitiva: Estado-delinquente-vítima”14.

Neste sentido, veja-se, por exemplo, a Constituição da República Portuguesa (CRP),


enquanto “direito processual penal aplicado”, no artigo 32º, nº7, aditado pela Lei Constitucional nº
1/97, onde se confere legitimidade ao assistente para intervir no processo. Este direito envolve, como
claramente esclarece Gomes Canotilho e Vital Moreira15: “o direito (poder) de acusar, o poder de
requerer a instrução (no caso de arquivamento dos autos por deliberação do MP), o poder de recorrer
da sentença absolutória”.

E já antes se verificava uma procura de equilíbrio entre a salvaguarda dos direitos e interesses
da vítima e os direitos e interesses do presumível agente do facto ilícito típico.

Efetivamente, é notório como o direito português se preocupava com a vítima, atendendo,


desde logo, ao teor de vários artigos consagrados na Constituiçãocda República Portuguesa (CRP) e
no Código de Processo Penal (CPP).

Assim, por exemplo, a CRP consagra o direito à segurança no artigo 27º, nº1: “Todos têm
direito à liberdade e à segurança”. Também relevante é o artigo 32º, nº4, que estabelece os atos da
reserva do juiz enquanto garante da salvaguarda dos direitos fundamentais no Processo Penal: “Toda
a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades

13
Vide proposta de lei 343/XII/4ª (GOV) do CSM, 2015: “Os relatórios de execução sobre a (…) Decisão- Quadro – de 2004 a 2009- concluíram que
a legislação da União Europeia tinha sido ineficaz para garantir a proteção adequada às vítimas em toda a UE”. MARIA DOLORES BLAZQUEZ PEINADO,
“La Directiva 2012/29/EU. Un paso adelante en matéria de protección a las víctimas en la Unión Europea?”, Revista de Derecho Comunitario Europeo,
número 46, Madrid, septiembe/ diciembre (2013), pags 897-934.

14
MIGUEL CARMO, “Anotação ao artigo 17º da Lei 104/2009 de 14-9”, página 269, in PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE e JOSÉ BRANCO (org.),
Comentário das Leis Penais Extravagantes, volume 1, Universidade Católica Editora, 2010: “A reforma penal operada no ordenamento jurídico nacional
através do Decreto-Lei nº 400/82 de 29-9, deu eco, pela primeira vez, às questões relacionadas com a problemática da vítima. Esta, fundamentalmente,
depois da 2ª Guerra Mundial, começou a ser objecto de estudos de natureza criminológica que alertaram para a forma, por vezes pouco ou nada
cuidada, como era encarada, quer pela comunidade, quer ainda pela doutrina do direito Penal. A vítima passou então a ser alguém a quem deveria
ser atribuída dignidade no âmbito do direito penal. O preâmbulo do Decreto-Lei nº 400/82 refere que: «a vítima passa a ser um elemento, com igual
dignidade, da tríade punitiva: Estado-delinquente-vítima».
15
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, CRP anotada, I, 4ª ed, revista, Coimbra Editora.

- 20 -
a prática dos atos instrutórios que se não prendam diretamente com os direitos fundamentais”. Estão
aqui abrangidos todos os atos que constituiriam ofensas a direitos fundamentais se não fossem
praticados no âmbito do processo, como a aplicação de medidas de coação, reconhecimento e
interrogatório de arguidos, buscas domiciliárias, interceção e gravação de conversas telefónicas,
exame de correspondência, acesso a ficheiros informáticos de dados pessoais, exames violadores da
privacidade, que podem por em causa também a vítima e terceiros, para além do arguido, como
aponta Gomes Canotilho16.

Na mesma linha, importa atentar no n.º 7 do artigo 32.º: “O ofendido tem o direito de intervir
no processo nos termos da lei”, aditado pela Revisão Constitucional de 1997, bem como no artigo
206º da CRP: “As audiências dos tribunais são públicas, salvo quando o próprio tribunal decidir o
contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral
pública ou para garantir o seu normal funcionamento”, e ainda ao reforço do estatuto do assistente
no CPP de 1987 expresso no regime da suspensão provisória do processo17. Note-se que ao elencar
as injunções e regras de conduta aplicáveis ao arguido começa o Código por enumerar a
indemnização do lesado e a prestação de satisfação moral adequada. Sublinhe-se, ainda, que o nº7
do artigo 281º do CPP relativamente aos processos por crime de violência doméstica, não agravada
pelo resultado, prevê a suspensão provisória do processo pelo MP, com a concordância do juiz de
instrução e do arguido, “mediante requerimento livre e esclarecido da vítima”. Também nos
processos por crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, não agravado pelo
resultado, o Ministério Público, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, determina a
suspensão provisória do processo, “tendo em conta o interesse da vítima”. Aqui a lei não exige a
constituição de assistente para defesa dos interesses da pessoa objeto do crime. Esta redação do
artigo 281º do CPP resulta da Lei nº 20/2013 de 21-1.

De igual forma, o artigo 82º-A do CPP, prevê a possibilidade de o tribunal, em caso de


condenação, e não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil, arbitrar uma quantia a título
de reparação pelos prejuízos sofridos “quando particulares exigências de proteção da vítima o
imponham”. Esta norma foi introduzida pela Lei n.º 59/98 de 25-8, constituindo um arbitramento
oficioso que já existiu no nosso ordenamento jurídico, nomeadamente no artigo 34º do CPP de 1929

16
GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA , CRP anotada, 3ª ed revista, Coimbra Editora, 1993, página e 4ª edição, página 521.
17
Neste sentido, ver, com muito interesse, COSTA ANDRADE, Consenso e Oportunidade, in CENTRO ESTUDOS JUDICIÁRIOS (CEJ), “O Novo CPP,
Jornadas de Direito Processual Penal”, CEJ, Coimbra, 1988, página 337.

- 21 -
e no artigo 13º do DL 605/75 de 3-11. Manifesta notória preocupação com a proteção da situação
económica da vítima decorrente dos danos sofridos com a conduta criminosa e típica.

Ao nível do Direito da União Europeia, com a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão em


2001, foi conferida prioridade à criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça. Em 2009
com o Tratado de Lisboa, o desenvolvimento desse espaço converteu-se em preocupação
fundamental da União Europeia. Estabeleceu-se o reconhecimento mútuo18 de decisões judiciais em
matéria penal, expressamente consagrado no artigo 82º do TFUE: 1- “A cooperação judiciária em
matéria penal na União assenta no princípio do reconhecimento mútuo das sentenças e decisões
judiciais e inclui a aproximação das disposições legislativas e regulamentares dos Estados- membros
nos domínios a que se referem o nº2 do artigo 83º (…). 2- Na medida em que tal seja necessário
para facilitar o reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e a cooperação policial e
judiciária nas matérias penais com dimensão transfronteiriça, o Parlamento Europeu e o Conselho,
por meio de diretivas adoptadas de acordo com o processo legislativo ordinário, podem estabelecer
regras mínimas. Essas regras mínimas têm em conta as diferenças entre as tradições e os sistemas
jurídicos dos Estados- Membros. Essas regras mínimas incidem sobre: a) A admissibilidade mútua
dos meios de prova entre os Estados- Membros; b) os direitos individuais em processo penal; c) os
direitos das vítimas da criminalidade; (…)”.

Assim, nesta sede, realçamos a adoção por parte do Conselho da Decisão- Quadro
2001/220/JAI, de 15 de Março de 20011, relativa ao estatuto da vítima em Processo Penal; o
Programa de Estocolmo, adoptado pelo Conselho Europeu, que convidou a Comissão e os Estados
Membros a analisar a forma de melhorar a legislação e medidas de apoio concretas para proteger
as vítimas, dando especial atenção ao apoio a todas as vítimas, incluindo as vítimas de terrorismo,
e ao seu reconhecimento; o Roteiro de Budapeste, onde o Conselho afirmou a necessidade de se
tomarem medidas ao nível da União para reforçar os direitos, o apoio e a protecção das vítimas da
criminalidade; a Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de Novembro de 2004, sobre a eliminação
da violência contra as mulheres, segundo a qual os Estados Membros foram exortados a melhorarem
a sua legislação e as suas políticas de luta contra todas as formas de violência contra as mulheres e
a tomarem medidas para combater as causas dessas violência, nomeadamente, através de medidas
de prevenção, tendo a União sido chamada a assegurar o direito à assistência e ao apoio a todas as

ANABELA MIRANDA RODRIGUES, O Direito Penal Europeu Emergente, Coimbra Editora, 2008, página 67 e ss. RICARDO JORGE BRAGANÇA DE
18

MATOS, “O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu”, RPCC, ano 14, nº 3, julho-setembro 2004, página 331 e ss.

- 22 -
vítimas de violência; a Resolução de 5 de Abril de 2011 sobre a prioridade e definição de um novo
quadro político da União em matéria de combate à violência contra as mulheres, onde o Parlamento
Europeu propôs uma estratégia para combater a violência contra as mulheres, a violência doméstica
e a mutilação genital feminina como base para a criação de futuros instrumentos de direito penal
contra a violência baseada no género, incluindo um quadro para combater a violência contra as
mulheres que deverá ser seguido de um plano de ação da União; a Diretiva 2011/99/EU do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Dezembro de 2011, relativo à decisão europeia de
protecção, a qual estabeleceu um mecanismo para reconhecimento mútuo das medidas de proteção
em matéria penal entre os Estados Membros; a Directiva 2011/36/EU do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 5 de Abril de 2011, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à
protecção de vítimas; a Diretiva 2011/93/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de
Dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e a pornografia
infantil e, a Decisão Quadro 2002/475/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa à luta
contra o terrorismo, que reconheceu que este constitui uma das violações mais graves dos princípios
em que a União se baseia, incluindo o princípio da democracia, confirmando, ainda, que o terrorismo
constituiu, entre outros, uma ameaça ao livre exercício dos direitos humanos.

Por fim, salientamos o artigo 82.º, n.º 2 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
que prevê a possibilidade da União estabelecer regras mínimas aplicáveis aos Estados Membros com
o objectivo de facilitar o reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e a cooperação
policial e judicial nas matérias penais com dimensão transfronteiriça, em especial no que diz respeito
aos direitos das vítimas de criminalidade.

No seguimento de tal desiderato, pretendeu-se com a Diretiva 2012/29/EU do Parlamento


Europeu e do Conselho de 25-10-2012 estabelecer normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio
e à protecção de vítimas da criminalidade, substituindo e alargando, por conseguinte, a Decisão-
Quadro 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de Março de 2001, visando, ainda, promover, o direito
a um julgamento equitativo, sendo certo que deixa em aberto aos Estados Membros a possibilidade
de reforçarem os direitos aí previstos a fim de proporcionar um nível de protecção mais elevado.

A Diretiva 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25-10-2012 foi transposta


para o ordenamento jurídico português, como se impunha, através da Lei n.º 130/2015, de 4 de
setembro, a qual criou, por um lado, um novo estatuto de vítima e, por outro, introduziu alterações
no próprio Código de Processo Penal.

- 23 -
Relativamente às alterações no CPP, procedeu-se à introdução do artigo 68.º-A, de acordo
com o qual se definiu vítima para efeitos de Processo Penal e que corresponde na íntegra ao disposto
no já citado artigo 2.º da Diretiva.

No mais, realce-se que é hoje possível a constituição de assistente no prazo de interposição


de recurso de sentença, nos termos do disposto no artigo 68.º, n.º 3 alínea c) do Código de Processo
Penal; nos casos de revogação e substituição de medidas de coação o juiz deve, sempre que
necessário, ouvir a vítima mesmo que esta não se tenha constituído assistente, tal como prescrito
pelo artigo 212.º, n.º 4 do CPP; no âmbito da instrução, o juiz ouve a vítima, mesmo que esta não
se tenha constituído assistente, quando o julgar necessário e sempre que esta o solicitar, conforme
plasmado no artigo 292.º, n.º 2 do CPP; quanto à aferição do cumprimento das condições que
estiveram na génese da suspensão da execução de pena de prisão, impõe o actual artigo 495.º, n.º
2 do CPP que, o juiz antes de decidir por despacho, ouça a vítima, sempre que necessário e mesmo
que esta não se tenha constituído assistente.

No entanto, a nível processual, se é verdade que a vítima em sentido amplo foi ganhando
importância, o certo é que, quanto à concreta vítima de crimes, e acompanhando Arménio
Sottomayor, “atendendo especialmente à fase preliminar do processo penal, não tem sido concedida
à vítima a importância a que teria jus, havendo de considerar-se tímidas as concessões que neste
campo lhe vão sendo feitas” 19. Efetivamente, como bem lamentava, em 1980, Manuel Costa
Andrade: “Recebemos uma estrutura processual que reduz a vítima a uma testemunha da lesão dos
interesses do soberano e a quem se nega a consideração autónoma dos seus interesses” 20.

19
ARMÉNIO SOTTOMAYOR, “A Voz da Vítima”, in JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, IRENEU CABRAL e outros (org), “ Estudos em Homenagem a Cunha
Rodrigues- I”, Coimbra Editora, 2001, página 842.

20
MANUEL DA COSTA ANDRADE, A Vítima e o problema criminal, Coimbra, 1980, página 45.

- 24 -
3. A vítima, a/o ofendida/o, a/o assistente e a/o lesada/o: novas (re) configurações no direito
processual penal português

Antes de analisarmos as alterações que o Estatuto da Vítima consagrou importa definir


claramente os conceitos das figuras processuais penais21.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 130/2015 de 4-9, que alterou o CPP e aprovou o Estatuto
da Vítima efetuando a transposição da Diretiva 2012/29/UE de 25-10-2012, foram estabelecidas
normas relativas aos direitos e à proteção das vítimas de criminalidade, começando por se
estabelecer a definição legal de vítima, inexistente (salvo no que diz respeito ao crime de violência
doméstica previsto no artigo 152.º do CP22) no nosso ordenamento jurídico.

Considera a lei que “vítima23” é a pessoa singular que sofreu um dano, seja ele um dano físico
ou psíquico, emocional, moral ou patrimonial, causado por ação ou omissão, decorrente da prática
de um crime.

Ou os familiares da pessoa cuja morte foi diretamente causada por um crime e que tenham
sofrido um dano em consequência dessa morte. Pelo que só em caso de morte da pessoa singular
por força do ato criminoso é que a lei atribui o estatuto de vítima a alguns dos seus familiares.

São considerados familiares para a referida norma o cônjuge sobrevivo não separado
judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas
às dos cônjuges, os descendentes e os ascendentes, que tenham sofrido um dano com a morte.

Como resume em poucas palavras CLÁUDIA SANTOS, A Justiça Restaurativa – Um modelo de reacção ao crime diferente da Justiça Penal, Porquê
21

para quê e como? Coimbra, página 531, nota 850: “No processo penal, as partes civis têm natureza activa (o lesado), ou passiva (o responsável civil).
Este responsável civil pode não coincidir com o arguido, sendo antes um avalista ou fiador, por exemplo. Por outro lado, também o lesado pode não
coincidir com o ofendido. Finalmente, o assistente pode não ser o ofendido, mas apenas a pessoa que nos termos da lei deve representá-lo no processo
(e também o ofendido pode não ser o assistente em todos aqueles casos em que resolver não se constituir como tal)”.
22
Ver a Lei n.º 112/2009, de 16-9, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das
suas vítimas. Efetivamente, como ressalta André Lamas Leite, com esta lei, “… de jeito inovador no nosso ordenamento jurídico, há uma cristalização
processual do «estatuto da vítima» (art.º 14.º), através da entrega de um «documento comprovativo do referido estatuto, que compreende os deveres
estabelecidos na presente lei» - ver ANDRÉ LAMAS LEITE, “A violência relacional íntima: reflexões cruzadas entre o Direito Penal e a Criminologia ”,
Julgar, n.º 12: número especial: Crimes no Seio da Família e Sobre Menores, 2010, p. 59. A esta matéria ainda faremos menção adiante.
Já MANUEL DA COSTA ANDRADE havia arriscado um conceito doutrinal de vítima: “toda a pessoa física ou entidade colectiva directamente atingida,
23

contra a sua vontade, na sua pessoa ou no seu património pela déviance”, entendendo que não deveria ser alargado o conceito de vítima a toda a
pessoa direta ou indiretamente atingida pelo crime sob pena de se perder de vista o caráter de interação que carateriza a vitimologia, idem, página 34.
Para a Psicologia, contudo, “a noção de vítima tem sido construída através de uma problematização que a refere a indivíduos, à experiência psicológica
da sujeição a um crime ou a episódios de violência, às suas consequências na esfera psíquica, relacional e social do sujeito e à intervenção clínica
e/ou forense sobre ele” - CARLA MACHADO, Novas formas de vitimação criminal, Edições Psiquilíbrios, 2010, página 316.

- 25 -
A “vítima especialmente vulnerável” é avaliada pela especial fragilidade que resulte da idade,
estado de saúde, deficiência ou do facto de o tipo, grau e duração da vitimização ter resultado em
lesões graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social.

Ao aditar o título IV, através da Lei n.º 130/2015 de 4-9, ao livro I da parte I do CPP (aprovado
pelo DL n.º 78/87 de 17-2), com a designação “Vítima”, composto apenas pelo artigo 67º-A que
define a noção legal de vítima, a doutrina tem-se questionado se o legislador criou a figura de um
novo sujeito processual ou de um mero participante processual24. A nosso ver, criou apenas um novo
participante, como abaixo explicitaremos.

Na verdade, a vítima não dispõe dos poderes processuais de que beneficia o arguido com o
elenco de direitos e deveres previstos no artigo 61º do CPP.

Esta noção de vítima acolhida pela Lei nº 130/2015 abrange apenas pessoas singulares, tal
como a noção constante da Diretiva- artigo 2º, nº1, alínea a) e subalínea i) e da noção já constante
nas Leis nº 104/2009, relativa à concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos, e nº
112/2009, relativa ao regime jurídico aplicável às vítimas de violência doméstica, do ordenamento
jurídico português.

Nem detém a posição processual e prerrogativas da figura do assistente enquanto colaborador


do MP com competências especiais para intervir no inquérito e na instrução e conhecer os despachos
que recaírem sobre as suas iniciativas. Bem como o direito de deduzir acusação em caso de
procedimento dependente de acusação particular e em caso de procedimento por crime público ou
semi - público, dependente da acusação deduzida pelo MP.

24
Para mais desenvolvimentos, ver, entre outros, PEDRO MIGUEL VIEIRA, “A vítima enquanto sujeito processual e à luz das recentes alterações
legislativas”, Revista Julgar, n.º 28, Coimbra Editora, Coimbra, janeiro- abril, 2016; MARIA JOÃO ANTUNES, Direito Processual Penal, Almedina, Coimbra,
2016; CLÁUDIA CRUZ SANTOS,”Os novos atores da justiça penal («o futuro é uma astronave que tentamos pilotar»)” in MARIA JOÃO
ANTUNES, CLÁUDIA CRUZ SANTOS, CLÁUDIO DO PRADO AMARAL (coord.), Os Novos Atores da Justiça Penal, Almedina, Coimbra, 2016, página 16;
CLÁUDIA CRUZ SANTOS “A Justiça Penal entre a publicização defendida por Beccaria e a contemporânea «descoberta da vítima»”, Revista da ESMAL,
Maceió, nº1,2016, página 47. CLÁUDIA CRUZ SANTOS, “A «Redescoberta» da Vítima e o Direito Processual Penal Português”in MANUEL DA COSTA
ANDRADE e outros (coord.) Boletim da Faculdade de Direito, Studia Iuridica, Ad Honorem, Estudos em Homenagem ao Prof Doutor Jorge de Figueiredo
Dias. Sobre o sentido e alcance do conceito de “sujeitos processuais” e de “participantes processuais”, ver já JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os
sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, in Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Coimbra,
Almedina, 1989, em especial páginas 6 e seguintes.

- 26 -
O ofendido será “o titular do interesse que a lei quis especialmente proteger quando formulou
a norma penal” 25.

O “assistente” é o sujeito processual que foi vítima de um crime e que requer a intervenção
nos autos nessa qualidade. Para adquirir esse estatuto tem de ter legitimidade26 27para tal, nos termos
do artigo 68º, nº1 do CPP, tem que o fazer em tempo28, prazo que varia conforme o crime em questão
seja de natureza pública, semi- pública ou particular, e a fase em que esteja o processo a correr, e
ainda tem de pagar a correspondente taxa de justiça- artigo 519º, nº1 CPP- ou beneficiar do apoio
judiciário na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça, bem como tem de estar
patrocinado por advogado- artigo 70º CPP.

O assistente tem de aceitar o processo no estado em que o encontrar e subordina-se à atuação


do Ministério Público nos crimes de natureza pública e semi- pública pois apenas deduz acusação
subordinada à acusação pública, não podendo acusar por factos que impliquem uma alteração
substancial face aos da acusação pública.

Podem constituir-se assistentes em Processo Penal os ofendidos, definindo-os a lei como os


titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação29, desde que

BELEZA DOS SANTOS, citado por ARMÉNIO SOTTOMAYOR in A Voz da Vítima, idem, página 843. JORGE DE FGUEIREDO DIAS, Direito Processual
25

Penal, 1ª edição, 1974, reimpressão, Coimbra Editora, 2004, páginas 508 a 510.
26
No Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº10/2010 publicado no DR 242, série I, de 16-12-2010, fixou-se jurisprudência neste sentido: “Em
processo por crime de desobediência qualificada, decorrente de violação de providência cautelar, previsto e punido pelos artigos 391º do CPP e 348º,
nº2 do CP, o requerente da providência tem legitimidade para se constituir assistente” Nele pugna-se por um conceito restrito de ofendido, tendo a lei
alargado o âmbito de legitimidade para a constituição de assistente a não ofendidos: “O conceito legal de ofendido é pois restrito ou, mais
rigorosamente, estrito. Não é de somenos importância esta conclusão pois a aceitação de um conceito amplo de ofendido poderia envolver
consequências desastrosas para o processo, pois abriria eventualmente as portas à manipulação ou instrumentalização da figura do assistente, pondo-
a ao serviço de outros interesses que não o da colaboração com o Ministério Público na prossecução da acção penal. A aceitação de um conceito
estrito de ofendido não desprezará, porém, os interesses da “vítima” quando forem efectivamente relevantes, melhor, quando ela for portadora de um
interesse protegido pelo tipo legal”. E se a vítima, lesada com o comportamento criminoso não for portadora de um interesse protegido pelo tipo? De
facto, se nem todo o lesado com a prática do crime é reconhecido pela lei como ofendido, não pode constituir-se assistente a não ser que a lei alargue
por lei especial o âmbito da legitimidade para constituição de assistente quanto àquele crime específico. Ou que se reinterpretem os bens jurídicos
protegidos pela norma incriminadora. Sobre este assunto veja-se PAULO FERREIRA DA CUNHA, “Ultima Ratio em Direito Penal- fundamentos
dogmáticos e político-criminais” in Homenagem ao Prof. Peter Hunerfeld, Coimbra Editora, 2013; PAULO FERREIRA DA CUNHA, A Constituição do
Crime, da substancial constitucionalidade do direito penal, argumentum 10, Coimbra Editora, 1998.
27
O Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2003 publicado no DR nº49, série I-A de 27-2-2003 fixou jurisprudência no seguinte sentido: “Em
processo por crime de falsificação, previsto e punível no artigo 256º, nº1, alínea a) do CP, a pessoa cujo prejuízo seja visado pelo agente tem legitimidade
para se constituir assistente”. E o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 8/2006 publicado no DR nº 229, Série I-A, de 28-11-2006 fixou
jurisprudência no seguinte sentido: “Em processo penal pelo crime de denúncia caluniosa, previsto e punível pelo artigo 365º do CP, reconhece-se
legitimidade para se constituir assistente ao caluniado”.
28
O assistente tem um prazo muito curto em processos por crimes de natureza particular. Veja-se o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2011
de 16-12-2010: “Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado
requerimento para esse efeito, no prazo fixado no nº2 do artigo 68º do Código de Processo Penal”. E o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência
12/2016 de 7-7-2016: “Após a publicação da sentença proferida em 1ª Instância, que absolveu o arguido da prática de um crime semi- público, o
ofendido não pode constituir-se assistente, para efeitos de interpor recurso dessa decisão, tendo em vista o disposto no artigo 68º, nº3 do CPP, na
redação vigente antes da entrada em vigor da Lei 130/2015 de 4-9. Esta lei é a já acima citada Lei que consagrou o Estatuto da Vítima no nosso
ordenamento jurídico.”
Daí a extrema importância da definição rigorosa do bem jurídico protegido com a incriminação dado que este vem a delimitar o âmbito das pessoas
29

que poderão vir a ter legitimidade para se constituírem assistentes nos autos. Pedro Vieira, no seu artigo “A vítima enquanto sujeito processual e à luz
das recentes alterações legislativas”, in Julgar, nº28, ASJP, página 181, chama a atenção para alguma jurisprudência que retirava do conceito restrito

- 27 -
maiores de 16 anos, as pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento -
artigos 113º, nº1 e 117º CP - o representante legal do ofendido que seja menor de 16 anos ou
declarado incapaz de reger a sua pessoa, e, em caso de morte do ofendido, o seu cônjuge ou pessoa
que com o mesmo vivesse em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e adotados, os
ascendentes e adotantes ou, na falta destes, irmãos e descentes de irmãos (sobrinhos)- artigo 68º,
nº1, alíneas a), b), c), e d) do CPP.

Pode ainda constituir-se assistente qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade,
bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário,
denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso
de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção30- artigo 68º, nº1, alínea e) do
CPP.

Existem finalmente leis especiais a alargar a terceiros a titularidade dos interesses que a lei
quis proteger com a incriminação, como o DL n.º 28/84 de 20-1 que no artigo 43º permite a
intervenção das associações de consumidores e associações de profissionais na qualidade de
assistentes, o DL n.º 20-A/90 de 15-1, na redação do DL n.º 394/93 de 24-11, que no artigo 16º
permite à Administração Fiscal constituir-se assistente nos crimes fiscais, e a Lei n.º 83/95 de 31-8
(Lei de Ação Popular) …

de ofendido, uma conceção restritiva de bem jurídico que impedia a constituição de assistente nos crimes contra o Estado e que protegessem apenas
interesses supra individuais. Mas mais recentemente surgem defensores de uma reelaboração do conceito de bem jurídico, “agora entendido já não
como mero valor ideal ínsito na ratio legis da norma, para passar a ser considerado como o substrato do valor, como valor corporizado num suporte
fáctico-real. Este reajustamento do conceito de bem jurídico permitirá o reconhecimento em muitas incriminações de uma pluralidade de bens jurídicos,
públicos, mas também individuais, cabendo naturalmente aos titulares destes últimos o direito a constituírem-se assistentes”. Assim, a reapreciação
do conceito de bem jurídico, mostrando-o fragmentado, potenciador da proteção dos interesses dos mais variados cidadãos, atinge o alargamento do
âmbito objetivo daqueles que têm legitimidade para se constituírem assistentes…A este respeito JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da
Doutrina Penal, sobre os fundamentos da doutrina penal sobre a doutrina geral do crime, Coimbra Editora, 2001, página 184, escrevia: “(…) assume
entre nós particular interesse, perante a figura (com tendências ainda incipientes e relativamente imprecisas de alargamento dos assistentes como
exclusivos titulares do bem jurídico protegido pela incriminação. Discutir a possibilidade de esta figura ter também- em termos ainda a precisar- lugar
relativamente a certos crimes cujo bem jurídico protegido seja de natureza supra-individual ou mesmo colectiva é decerto uma tarefa que os anos
próximos tornarão particularmente instante e mesmo inevitável”.
30
FLÁVIA NOVERSA LOUREIRO, “A indeterminabilidade da vítima e a posição de assistente nos processos-crime de natureza económico-financeira”, in
MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE (coord.) IV Congresso de Processo Penal, Almedina 2016, página 198: “(…) a criminalidade económico-
financeira é, por excelência uma área em que o conceito tradicional de vítima (aquele que traçamos como alicerçado numa ideia de pessoa física,
singular, que sofre diretamente um determinado dano) é muito estreito e com pouca utilidade, dado o processo de profunda despersonalização,
anonimato e coletivização da vítima que se tem vindo a produzir na nossa sociedade e que afeta em particular este tipo de crimes”.

- 28 -
E pode recorrer31 mesmo em procedimento por crime público ou semi-público,
desacompanhado do Ministério Público, da decisão de não pronúncia em instrução requerida pelo
arguido e da sentença absolutória32.

O “lesado”, por sua vez, é a figura processual definida como a pessoa que sofreu danos
ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente
(por não ser titular de um interesse especialmente protegido com a incriminação). Esta pessoa não
tem necessariamente que ser ofendido no Processo Penal pois os seus danos podem ser de índole
meramente patrimonial, e não ter sido sujeito do ato criminoso. Como os familiares diretos da pessoa
sujeita ao ato criminoso. O lesado intervém no processo para sustentar e provar o pedido de
indemnização civil. Para esta intervenção processual, o artigo 74º, nº2 in fine CPP confere-lhe os
direitos que a lei confere aos assistentes mas apenas relativamente aos factos que sustentem o seu
pedido indemnizatório: elaborar pedido cível, oferecer as provas e requerer as diligências necessárias
bem como conhecer os despachos que sobre as mesmas recaírem, e interpor recurso das decisões
que o afetem, mesmo que o MP o não tenha feito.

A lei processual confere ainda o direito a serem informados os eventuais lesados logo que as
autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal tomem conhecimento da sua existência. Essa
informação abrange não apenas o direito a deduzirem pedido de indemnização civil como as
formalidades a observar para o exercer.

Para além do direito à informação, mesmo que o eventual lesado não tenha sido informado
de que pode deduzir pedido de indemnização em Processo Penal, basta considerar-se lesado para
poder manifestar no processo o seu propósito de o fazer, até ao encerramento do inquérito. Após ter
praticado este ato, o lesado terá de ser notificado do despacho de acusação ou, não o havendo, do
despacho de pronúncia, para deduzir o pedido em requerimento articulado, no prazo de 20 dias.
Acompanhado de duplicados para os demandados e para a secretaria.

31
Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2011 de 9-2 publicado no DR, I Série, de 10-2-2011.
32
Para uma perspetiva crítica ver CLÁUDIA SANTOS, idem, página 543: “Desde há muito, prevalece a concepção de que as questões atinentes à
medida da pena fazem parte do núcleo punitivo do Estado, do jus puniendi, cuja defesa não cabe aos particulares mas sim ao Ministério Público. (…)
talvez devamos reconhecer que, se há um interesse da colectividade na resposta encontrada para cada uma daquelas questões (a questão da culpa
e a questão da pena), também existe, paralelamente, um interesse específico na boa administração da justiça penal por parte daquele que foi ofendido
pelo cometimento do crime”.

- 29 -
Se não tiver deduzido pedido de indemnização civil (e,33 se este fosse deduzido em separado
não necessitasse de constituição obrigatória de advogado) o lesado pode requerer, no prazo antes
referido, que lhe seja arbitrada uma indemnização civil.

Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no Processo Penal, ou em separado,
nos termos dos artigos 72º e 77º CPP, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia
a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima34
o imponham. Entendemos que tais razões se manifestam quando, por razões de equidade, for de
uma injustiça gritante que a vítima, lesada com a prática do crime, não seja ressarcida do prejuízo
sofrido.

O tribunal pode ainda, oficiosamente, ou a requerimento, estabelecer uma indemnização


provisória por conta da indemnização a fixar posteriormente, se dispuser de elementos bastantes, e
conferir-lhe o efeito de arbitramento de quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

Os sujeitos processuais, como os intitula Figueiredo Dias35, definindo-os como os participantes


a quem pertencem direitos autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como
um todo, em vista da sua decisão final- impulsionam o processo. Identifica aquele autor como sujeitos
processuais o tribunal, o ministério público, o arguido, o defensor e o assistente.

Já tão insigne processualista havia em 1966, no seu primeiro escrito “Sobre a reparação de
perdas e danos arbitrada no Processo Penal” chamado a atenção de que “para uma autêntica
protecção da vítima, mais decisivo ainda que o auxílio «social», em sentido amplo que lhe possa ser
prestado é o conferir-lhe voz autónoma logo ao nível do Processo Penal, permitindo-lhe uma acção
conformadora do sentido da decisão final e tornando possível que, sem incómodos e despesas que
não possam ser suportados, a vítima possa obter no próprio processo penal a indemnização das
perdas e danos sofridos com o crime”.

33
Artigo 76º, nº1 CPP. O valor do pedido define, nos termos da lei de processo civil, a obrigatoriedade de constituição de advogado.
Ac TRC de 22-1-2014, TRP de 16-10-2013, TRC de 28-5-2014, 2-7-2014, 22-1-2014 e 29-4-2015, in www.dgsi.pt, última consulta a 20-4-2017,em
34

que se presume existirem particulares exigências de proteção da vítima no crime de violência doméstica, por força do artigo 21º, nº1 e 2 da Lei
112/2009 de 16-9.
FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os Sujeitos Processuais no Novo CPP”, in CEJ, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal,
35

Livraria Almedina, Coimbra, 1995, página 6.

- 30 -
Não podemos ignorar, contudo, que a noção de vítima prende -se com a própria noção de
crime, que não são dados adquiridos da experiência sensorial. Como aponta Figueiredo Dias 36: “a
realidade do crime (…) não resulta apenas do seu conceito, ainda que material, mas depende
também da construção social daquela realidade; ele é em parte produto da sua definição social,
operada em último termo pelas instâncias formais (legislador, polícia, ministério público, juiz) e
mesmo informais (família, escolas, igrejas, clubes, vizinho) de controlo social. Numa palavra: a
realidade do crime não deriva exclusivamente da qualidade «ontológica» ou «ôntica» de certos
comportamentos, mas da combinação de determinadas qualidades materiais do comportamento
com o processo de reacção social àquele, conducente à estigmatização dos agentes respectivos
como criminosos ou delinquentes37 38”.

Para perceber a construção social do crime é necessário, então, convocar as demais ciências
sociais que, em confronto, ensaiam a explicação do humano. De igual forma, a vitimologia, a ciência
que estuda a vítima, numa definição quase tautológica, é uma ciência multidisciplinar, já que “não
se pode explicar o fenômeno da vitimização de uma pessoa, grupo ou sociedade apenas pelo viés
do Direito Penal, é necessário compartilhar praticamente de todas as ciências sociais, principalmente
a sociologia e a psicologia39”.

36
FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal- parte geral, tomo I, 2007, página 132.
37
No mesmo sentido HELENA MACHADO, Sociologia do Crime, Edições Afrontamento, 2008, página 29: “Não sendo a definição do crime algo auto-
evidente e unitário, torna-se importante perceber a diversidade de elementos que podem estar associados a este conceito, assim como o relativismo
cultural e histórico que lhe está subjacente”.
38
Para uma noção da evolução da ciência que estuda o comportamento desviante, RITA FARIA, “Um itinerário teórico da Criminologia” in JOSÉ CRUZ,
Infrações Económicas e Financeiras, Coimbra Editora, 2013, páginas 20 a 28.
39
MARQUES RODRIGUES BEZERRA, “Vitimologia: O caráter absoluto dos direitos humanos e o tratamento uniforme das vítimas, Revista Jurídica Justa
Pena, nº 1, (2012), página 76, acessível on-line.

- 31 -
- 32 -
4. A posição de fragilidade processual da vítima

É inegável que os cidadãos que por alguma razão tiveram contacto com o sistema de justiça
nem sempre guardam a melhor memória da forma como foram tratados ao apresentar queixa, e
toda a tramitação subsequente nas instâncias policiais40. Sem considerarmos ainda a remessa dos
autos para inquérito e a posterior tramitação com dedução de acusação e julgamento de causa
penal, com os tempos da justiça mais demorados que o tempo psicológico das vítimas de crime.

De facto, a vítima foi posta de lado pelo Processo Penal, apenas sendo considerada depois da
notícia do crime, seja por o ter denunciado, seja por ter sido convocada para prestar declarações, se
vier ao processo para se constituir assistente41-42.

O CPP de 1987 considera o ofendido (que não é necessariamente a vítima do crime, como
vimos acima) como um simples participante processual, enquanto testemunha. Se não for arrolado
como testemunha nem sequer terá intervenção processual… Isto demonstra o grau de estadualização
da justiça penal.

Na verdade, não tem a possibilidade de deduzir acusação sempre que o Ministério Público
entenda não acusar, não podendo com a sua intervenção contribuir para a decisão final a proferir,
conformando o objeto do processo.

A única prerrogativa do ofendido consiste na possibilidade de desistir da queixa por si


apresentada, relativamente aos crimes semi-públicos, isto é, dependentes de queixa.

40
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, MANUEL DA COSTA ANDRADE, Criminologia, o homem delinquente e a sociedade criminógena, Coimbra Editora
Limitada, 1984, página 393: “É hoje bem conhecido, por exemplo, o desfasamento e distanciação da comunidade em geral- e das vítimas em particular-
em relação ao labor das instâncias, máxime da polícia (…). Como forma de ruptura deste círculo vicioso advoga-se de vários lados, inter alia, a
conveniência do reforço do estatuto processual da vítima.Advoga-se, em conformidade, que o processo penal deixe de obedecer a uma lógica exclusiva
de controlo, moldando-se antes também a uma lógica de conflito, (…)”.
41
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “A Participação dos particulares no exercício da acção penal (alguns aspectos)”, RPCC, 1998, página 593 e ss. Este autor
pergunta-se se as alterações ao estatuto do assistente não traduziam uma compreensão diferenciada do exercício do poder estatal, numa sociedade
cada vez menos consensual, em que a intervenção do assistente só poderá ser vista à luz de uma ideia de conflitualidade e afirmação individual de
valores comunitários, e, nesse sentido, de rutura com a configuração de um poder penal paternalista, mas ainda contido numa ideia de função pública,
e realização de uma determinada política criminal.
42
ANDRÉ LAMAS LEITE, “Alguns Claros e Escuros no tema da mediação penal de adultos ”, RPCC, 24 (2014), página 581: “Vai-se advogando, em
alguns círculos, uma substituição da actual dogmática jurídico-penal poir uma «vitimodogmática» (…) as categorias constitutivas do crime- tipicidade,
ilicitude, culpa e punibilidade- devem ser orientadas em função da vítima, assim como o respectivo processo penal. Tecnicamente diverso do conceito
ora analisado, mas com ele umbilicalmente relacionado, está o «renascimento da vítima», sobretudo a partir dos anos Sessenta/ Setenta da passada
centúria, no sentido de lhe atribuir um papel cada vez mais activo no processo penal”. Mas o autor toma clara posição contra a vitimodogmática: “não
pode existir uma dogmática criminal ou processual penal que promova um sujeito em detrimento de outro. (…) Uma dogmática e política criminais
centradas em absoluto- ou em particular- na vítima faria com que o modelo processual voltasse a ser inquisitório. E está por demonstrar que uma
adequada protecção da vítima importe, necessariamente, uma diminuição de garantias do arguido”.

- 33 -
Podemos sempre entender com Figueiredo Dias43, que “ao tratar o ofendido como mero
participante processual e ao vincular à sua constituição como assistente para assumir a veste de
sujeito do processo, é ainda da formalização necessária a uma realização mais consistente e efectiva
dos direitos da vítima que se trata”.

Assim, se não se constituir assistente (ou, pelo menos ter demonstrado essa intenção), para
o que teria de outorgar procuração a advogado, pagar a taxa de justiça e ter legitimidade processual
para tal, a pessoa sujeita involuntariamente ao ato criminoso não seria mais considerada no
processo, nem sequer para ser notificada do seu andamento.

A questão da legitimidade processual da vítima para se constituir assistente também tem


gerado equívocos processuais uma vez que não é o facto de ser a lesada com a atividade criminosa
que permite à vítima qua tale requerer a constituição de assistente. Apenas lhe é conferida essa
legitimidade pela norma incriminadora, se for a vítima a detentora do(s) interesse(s) 44 que a norma
pretendeu proteger com a incriminação45. E, desde logo, nem sempre são claros quais são tais
interesses, sendo definidos pela política criminal e estando a norma sujeita a interpretação para os
identificar.

Há ainda que considerar que a pessoa vítima, mesmo quando foi considerada ofendida do
crime praticado e se constituiu assistente, está sempre vinculada à atividade processual do dominus
da ação penal, o Ministério Público, de tal forma que mesmo que em sede de inquérito venha a ser
admitida a sua constituição como assistente, tendo o juiz de instrução que efetuar um juízo ex ante
sobre o crime ou crimes que eventualmente esteja(m) em causa nos autos, quer o entendimento do
Ministério Público quer as próprias vicissitudes da investigação podem alterar essa previsão e
chegarmos à acusação com um crime (ou crimes) por que vem acusado o arguido ou arguidos que
não sejam o(s) que se previa ter(em) sido praticado(s). A alteração do tipo legal determina
necessariamente a proteção de um distinto bem jurídico e pode determinar a cessação da
legitimidade do cidadão que se entendia ofendido e se havia constituído assistente. A este respeito

43
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os Sujeitos Processuais no Novo Código de Processo Penal”, in CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS, Jornadas
de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, CEJ, Coimbra, 1988, pág. 10.
O bem jurídico será “(…) a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou
44

bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso” - Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal,
Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p 43.
45
Daí que “os bens jurídicos que cada uma das normas penais visa proteger devem ser procurados no seu confronto com os valores constitucionalmente
protegidos, por forma a justificar a restrição, que o direito penal envolve, de direitos, liberdades, e garantias, como meio de salvaguarda daqueles
interesses” – RICARDO MATOS, “Dos Maus Tratos a Cônjuge à Violência Doméstica”, Revista do Ministério Público, nº107, Jul-Set 2006, ano 27,
página 95.

- 34 -
já pôde pronunciar-se o STJ no Acórdão de 31-1-200246: “O despacho que admitiu a intervenção do
assistente não faz caso julgado formal sobre a legitimidade do mesmo”. Também o Acórdão do TRP
de 9-7-201447: “As decisões genéricas declarando a legitimidade não têm valor de caso julgado
formal, podendo tal questão ser reapreciada até final”. Também o Acórdão do TRL de 25-1-200148:
“Ao pronunciar-se sobre o requerimento de abertura da instrução, o juiz pode não reconhecer
legitimidade ao requerente para se constituir assistente, relativamente aos crimes objecto da
requerida instrução, ainda que, no decurso do inquérito, essa legitimidade já lhe tenha sido
reconhecida”. E Acórdão do TRL de 25-6-200249: “I- O despacho que admita o queixoso a intervir
como assistente não forma caso julgado, pois o respectivo estatuto pauta-se pela reversibilidade. II-
Assim, ainda que o queixoso tenha sido admitido a intervir como assistente, quanto a um pretenso
crime de abuso de poder, o juiz de instrução, posteriormente, pode não lhe reconhecer legitimidade
para requerer a abertura da instrução no respectivo processo”.

Assim, também desta forma a intervenção dos particulares no Processo Penal fica vinculada
às decisões processuais tomadas pela magistratura do Ministério Público.

46
Citado por MAIA GONÇALVES, em Código de Processo Penal, 13ª edição, 2002, página 225.
47
in www.dgsi.pt, última consulta a 20-4-2017.
48
publicado em CJ, XXVI, 2001, I, página 143.
49
publicado em CJ, XXVII, 2002, III, página 143.

- 35 -
- 36 -
5. A Diretiva 2012/29/UE e os direitos, apoio e proteção à vítima na União Europeia

A Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 25-10-2012 insere-se no


objetivo de desenvolvimento do espaço de liberdade, segurança e justiça, que tem como cerne facilitar
o reconhecimento mútuo das decisões judiciais através do estabelecimento de regras mínimas no que
diz respeito aos direitos das vítimas de criminalidade. Dessa forma se atinge uma certa uniformização
mínima da legislação sobre o tema por todos os Estados-Membros da União.
O reforço dos direitos e proteção das vítimas obter-se-ia através da Diretiva 2011/99/UE,
decisão europeia de proteção que estabelece um mecanismo para o reconhecimento mútuo das
medidas de proteção em matéria penal, e da revisão e complementação dos princípios estabelecidos
na Decisão- Quadro 2001/220/JAI, na linha das Resoluções de 10-6-2011 (o Roteiro de Budapeste)
e de 26-11-2009, e de 5-4-2011, sobre a eliminação da violência contra as mulheres através de
medidas de prevenção, assistência e apoio às vítimas.
Também a Diretiva 2011/36/EU de 5-11-2001, relativa à prevenção e luta contra o tráfico de
seres humanos e à proteção das vítimas, e a Diretiva 2011/93/UE de 13-12-2011, relativa à luta
contra o abuso e a exploração sexual das crianças e a pornografia infantil, abordam as necessidades
específicas das categorias particulares de vítimas do tráfico de seres humanos, do abuso sexual de
menores, da exploração sexual e da pornografia infantil.
Tendo um objeto mais abrangente, a Diretiva 2012/29/UE reconhece que a criminalidade
representa um dano para a sociedade (dimensão societária/comunitária do crime), bem como uma
violação dos direitos individuais das vítimas (dimensão individual/subjetiva da atual vítima do crime).
A prestação de um tratamento e apoio individualizado às vítimas passa pela ponderação da
situação pessoal e necessidades imediatas, a idade, o género, eventual deficiência e a maturidade das
vítimas.
Os direitos e proteção das vítimas não põem em questão os direitos de defesa dos suspeitos
ou arguidos, nem prejudicam a sua presunção de inocência.
A Diretiva 2012/29/UE veio alterar e alargar as disposições da Decisão- Quadro
2001/220/JAI, mas só confere direitos às vítimas de crimes extraterritoriais na medida em que
exista(m) processo(s) de natureza penal que decorra(m) na União. Aplica-se, sim, aos crimes
cometidos dentro do território da União.

- 37 -
Na aplicação da Diretiva 2012/29/UE os EMs devem atender ao superior interesse da criança
nos termos da CDFUE e da CNUDC, bem como assegurar que as vítimas com deficiências beneficiem
plenamente dos direitos nela previstos, em condições de igualdade com as demais pessoas,
facilitando-lhes o acesso à informação e ao local onde decorre o Processo Penal.
A violência baseada no género é considerada uma forma de discriminação e uma violação
das liberdades fundamentais da vítima, e inclui a violência nas relações de intimidade, a violência
sexual (nomeadamente violação, agressão e assédio sexual), o tráfico de seres humanos, a escravatura
e diferentes formas de práticas perniciosas, tais como os casamentos forçados, a mutilação genital
feminina e os chamados «crimes de honra». As mulheres vítimas de violência baseada no género, e
os seus filhos, necessitam muitas vezes de apoio e proteção especializados, devido ao elevado risco
de vitimização secundária e repetida, de intimidação e de retaliação ligado a esse tipo de violência.
A violência em relações de intimidade é um problema social grave, e muitas vezes ocultado,
que pode causar traumatismos psicológicos e físicos sistemáticos de graves consequências na medida
em que o autor do crime é uma pessoa em quem a vítima deveria poder confiar. Por conseguinte, as
vítimas de violência em relações de intimidade podem precisar de medidas de proteção especiais. As
mulheres são afetadas por este tipo de violência de modo desproporcionado.
Os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido causada diretamente por um crime são
vítimas indiretas do crime pelo que devem poder beneficiar igualmente da proteção prevista na referida
Diretiva, podendo os EMs limitar o número de familiares que podem beneficiar desses direitos. Uma
pessoa contra a qual foi cometido um crime deve ser reconhecida como vítima independentemente
de o autor do crime ter sido identificado, detido, acusado ou condenado.
Por outro lado, as informações e o aconselhamento à vítima devem ser prestados em lingugem
simples e acessível, tendo-se em linha de conta o conhecimento pela vítima da língua utilizada para
prestar as informações, a sua idade, maturidade, capacidade intelectual e emocional, nível de
alfabetização e limitação física ou mental. O que implica prestar um atendimento personalizado a cada
vítima.
As vítimas devem receber da polícia uma confirmação por escrito da receção da denúncia,
de onde constem os elementos básicos do crime, a fim de poder servir de prova de que o crime foi
denunciado. Devem ser facultados elementos do processo que permitam às vítimas tomar decisões
fundamentadas quanto à sua participação no processo, nomeadamente decidir se devem ou não
requerer o reexame da decisão de não deduzir acusação.

- 38 -
Mas os EMs não devem ser obrigados a prestar informações se a divulgação delas puder afetar
o bom desenrolar do Processo Penal, uma determinada pessoa ou tal seja contrário aos seus interesses
em matéria de segurança (matéria sujeita a segredo de justiça, segredo de Estado, sigilo bancário ou
fiscal).
Outra ideia-força presente na criação da Diretiva 2012/29/UE consiste na necessidade de ser
prestado apoio especializado e proteção jurídica às pessoas mais vulneráveis ou expozstas a riscos
particularmente elevados de dano, nomeadamente, pessoas sujeitas a situações de violência repetida
em relações de intimidade, vítimas de violência baseada no género, ou vítimas de outros crimes num
EM do qual não sejam nacionais nem residentes (por turismo, trabalho esporádico como
conferencistas, empresários, indiferenciados).
Os serviços de apoio especializado devem basear-se numa abordagem integrada e
personalizada, que tenha em conta as necessidades específicas das vítimas, a gravidade dos danos e
as relações entre as vítimas e os autores do crime, podendo incluir o fornecimento de abrigo e
alojamento seguro, a prestação de cuidados de saúde imediatos, a prescrição de exames médicos e
forenses, aconselhamento psicológico, acompanhamento pós-traumático, aconselhamento jurídico,
apoio judiciário e serviços específicos para crianças vítimas diretas ou indiretas.
O direito das vítimas a serem ouvidas deve considerar-se como satisfeito se lhes for dada a
possibilidade de prestar declarações ou de dar explicações por escrito.
Ao atribuir-se um processo aos serviços de justiça restaurativa, bem como durante a respetiva
tramitação, devem ter-se em consideração factores como a natureza e a gravidade do crime, o nível
de traumatismo causado, a violação repetida da integridade física, sexual ou psicológica da vítima, o
desequilíbrio de forças e a idade, maturidade e capacidade intelectual da vítima, suscetíveis de limitar
ou reduzir a sua capacidade de decidir.
Deve presumir-se que as vítimas não incorrerão em despesas para participar em processo
penais, devendo os EMs ser obrigados a reembolsar ss despesas necessárias à participação das
vítimas no Processo Penal, mas não as custas judicias a cargo das vítimas, pois tal significa que a
vítima decaiu na sua pretensão.
No entanto, quando a vítima preste declarações sobre um crime, as despesas só devem ser
pagas se a vítima for solicitada ou obrigada pelas autoridades competentes a estar presente e a
participar ativamente no Processo Penal.
O risco de que a vítima seja objeto de vitimização secundária e repetida, de intimidação e de
retaliação deve ser limitado organizando o processo de forma respeitosa, através da limitação de

- 39 -
contactos desnecessários entre as autoridades e as vítimas, recorrendo a videogravações das
inquirições e autorizando a sua utilização nas audiências, criando zonas de entrada e de estar
separadas reservadas às vítimas, convocando vítima e autor do crime para audiências em momentos
diferentes, tomando medidas de proteção da vida privada e das imagens das vítimas, embora
compatíveis com o direito a um julgamento equitativo e a liberdade de expressão consagrados na
Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Deve partir-se do princípio de que as vítimas de tráfico de seres humanos, terrorismo,
criminalidade organizada, violência em relações de intimidade, violência ou exploração sexuais,
violência baseada no género ou crimes de ódio, as vítimas com deficiência ou as crianças vítima terão
necessidade de medidas de proteção especiais, cuja natureza exata deve ser determinada através de
avaliação individual. O seu âmbito não pode prejudicar os direitos de defesa do arguido e o poder
discricionário dos tribunais.
Para que as vítimas da criminalidade recebam o nível adequado de assistência, apoio e
proteção, os serviços públicos devem trabalhar de forma coordenada e a todos os níveis
adminsitrativos: da União, nacional, regional e local. Para permitir a quebra do ciclo de vitimização
repetida, é essencial aque as vítimas disponham de serviços de apoio fiáveis de forma a reforçar a sua
confiança nos sistemas de justiça penal dos Estados-Membros e reduzir o número de crimes não
denunciados (as cifras negras).

- 40 -
6. A proteção, o apoio e os direitos das vítimas

A Diretiva 2012/29/UE estabeleceu direitos, apoio e proteção em regimes mínimos para todas
as vítimas, sejam ou não parte no Processo Penal, respeitando os sistemas jurídicos dos vários
Estados- Membros. Não pretende proibir ou impedir que estes vão para além do nível de proteção
que consagra, mas apenas estabelecer um mínimo denominador comum de proteção da vítima de
forma mais eficiente que a anterior Decisão- Quadro.

A Lei n.º 130/2015 de 4-9, procedeu à vigésima terceira alteração ao CPP e aprovou o
Estatuto da Vítima transpondo a referida Diretiva, que visa estabelecer normas relativas aos direitos,
apoio e proteção das vítimas de criminalidade, sem prejudicar os direitos e deveres processuais
consagrados no CPP para arguido, assistente e lesado. Nem o regime de proteção de testemunhas
consagrado na Lei nº 93/99 de 14-7, ou os regimes especiais de proteção de vítimas de
determinados crimes, como o crime de violência doméstica, que já beneficiava de regime de
prevenção, proteção e assistência específico com a Lei nº 112/2009 de 16-9, alterado pela Lei nº
129/2015 de 3-9.

O Estatuto da Vítima organiza-se em volta do estabelecimento de princípios e atribuição de


direitos à vítima de criminalidade. São eles, em súmula, os princípios da igualdade de oportunidades
para viver sem violência, do respeito pela dignidade pessoal e autonomia da vontade, da informação
e seu correspetivo direito50. Estes princípios norteiam toda a intervenção junto das vítimas de crime
pelos diversos profissionais que com as mesmas terão de contactar para lhes prestar apoio,
assistência, proteção ou para investigar a prática do crime.

O Estatuto estabelece ainda os direitos das vítimas de crime à informação, à assistência, à


proteção e à confidencialidade, à indemnização e à participação ativa no processo. Estes direitos
não prejudicam os regimes especiais de proteção que as leis avulsas já haviam previamente
estabelecido para algumas vítimas de crimes, como as vítimas de criminalidade violenta ou de
violência doméstica, como já referido.

50
JOSEP M. TAMARIT SUMALLA, “Los Derechos de las Víctimas”, Tirant o Blanch tratados, in JOSEP M. TAMARIT SUMALLA (coord.) El Estatuto de las
víctimas de delitos, Valencia, 2015, página 23: “El aspecto en el que la Directiva es más ambiciosa es en el relativo a los derechos de protección de
las víctimas, que há sido objeto de um mayor desarrollo, mucho más allá de lo previsto en la DM 2001”.

- 41 -
a. Princípio da Igualdade (de Oportunidades)

O princípio da igualdade é o primeiro consagrado no referido Estatuto da Vítima, enquanto


direito fundamental inerente à dignidade da pessoa humana. O texto de consagração deste princípio
no Estatuto encontra-se decalcado do artigo 5º da Lei que estabelece o regime jurídico aplicável à
prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência às suas vítimas, com exceção da última
palavra do artigo que em vez de se reportar à saúde mental da vítima (fazendo alusão a doença
mental) foi alterado para saúde “psíquica”, tornando-se, assim, mais abrangente, por poder abarcar
estados psíquicos de desequilíbrio que não chegam ainda à manifestação de uma doença mental
assim diagnosticada.

Tal estatuição implica o tratamento por parte do sistema de justiça formal e das instâncias
formais de controlo de todas as vítimas sem discriminar as mesmas pela sua ascendência,
nacionalidade, condição social, sexo, etnia, raça, língua, idade, religião, deficiência, convicções
políticas ou ideológicas, orientação sexual, cultura e nível educacional da vítima.

É ainda assegurada pelo Estado às vítimas de crime a igualdade de oportunidades para


viverem sem violência51 52 e preservarem a sua saúde física e psíquica53 54.

Certamente um programa, uma declaração de intenções muito difícil de concretizar por todo
o ser humano viver rodeado de convenções sociais e algum nível de preconceito perante o que lhe é
“estranho” e de alguma forma o afronta.

51
A Lei nº 104/2009 de 14-9 alterada pela Lei nº 121/2015 de 1-9 definiu crimes violentos no artigo 1º, nº 2, al a) da seguinte forma: “os crimes que
se enquadram nas definições legais de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta previstas nas alíneas j) e l) do artigo 1º do
Código de Processo Penal”. Neste Código a criminalidade violenta é considerada como sendo as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida,
a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forme puníveis com pena de prisão de
máximo igual ou superior a 5 anos.
52
O Conselho da Europa definiu o conceito de violência como “qualquer acto ou omissão que constitua atentado contra a vida, a integridade física ou
psíquica ou a liberdade de uma pessoa ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade- “A violência no seio da família”,
Projeto de Recomendação e de exposição de motivos do Comité restrito de Peritos sobre a Violência na Sociedade Moderna aprovado na 33ª Sessão
Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais (Abril de 1984) in Boletim do Ministério da Justiça, nº335, p 5.
53
Entendendo-se como atos de violência psíquica as humilhações, provocações, molestações, ameaças, insultos, injúrias, privações de convívio,
possessividade, destruição de objetos.
“Ao nível da violência familiar (…) há um tipo de violência que (…) por ser menos aparatosa é facilmente esquecida ou mesmo ignorada. (…) Falamos
54

(…) da micro- violência do discurso desqualificador que anula o outro não apenas no seu discurso verbal ou no comportamento manifesto mas, e
sobretudo, na sua própria essência, i é, na sua qualidade de ser existente” – MADALENA ALARCÃO, (Des) Equilíbrios Familiares, Quarteto, Coimbra,
2000, p 304 e 305. E ainda com muito interesse, ANA ALMEIDA, “A Vitimação entre pares em contexto escolar”, in CARLA MACHADO, RUI
ABRUNHOSA (coord.) Quarteto, 3ª edição, revista e aumentada, 2008, páginas 164 e 165.

- 42 -
Mesmo para os profissionais da justiça, a quem se exige tato, sageza e uma mais cuidada
sensibilidade na abordagem destas matérias.

A este respeito o Estatuto da Vítima compromete o Estado, no seu artigo 28º, a fornecer às
autoridades policiais e funcionários judiciais, que são quem em primeira linha entra em contacto
com as vítimas de crimes, formação geral e especializada “de nível adequado”, de forma a aumentar
a sua sensibilização às necessidades da vítima, e permitir que sejam tratadas de forma não
discriminatória (embora de acordo com as suas necessidades individuais concretas, pelo que só será
admissível uma discriminação positiva55 56), com respeito e profissionalismo. Como, aliás, já havia
estipulado a nível de princípios, no artigo 10º do Estatuto da Vítima ao estabelecer que qualquer
intervenção de apoio à vítima deve obedecer a normas e obrigações profissionais da referida Ordem
ou categoria do técnico interventor, e individualizar a intervenção de modo a melhor corresponder
com as regras de conduta às necessidades daquela concreta vítima intervencionada.

Embora o Estatuto da Vítima tenha consagrado este princípio da forma lata e abrangentemente
expressa, para minorar os efeitos da violência57 diária que tem diferentes visibilidades de acordo com
as camadas sociais visadas, e para a qual há menor tolerância social e legal, apenas a montante,
com a adoção de políticas económicas e sociais que promovam a igualdade social e uma espécie
de “social engineering58” tal objetivo poderia vir a ser de alguma forma atingido.

55
A propósito desta noção de discriminação positiva, já tivemos oportunidade de escrever erm comentário ao Acórdão do Tribunal de Justiça C-236/09,
que a igualdade desdobrar-se-ia, assim, em proibição do arbítrio, residente na falta de fundamento ou desproporção, em proibição de discriminação,
que se concretizaria na inexistência de motivo razoável para uma distinção, e uma obrigação de diferenciação que envolve o determinar a semelhança
ou dissemelhança das situações em presença. E que permite criar um tratamento mais favorável aos desprotegidos ou mais fracos, consubstanciado
numa discriminação positiva que não viola a igualdade por se fundar na tendencial igualdade de oportunidades ou igualdade de tratamento de facto.
Para não existir discriminação basta que se verifique uma adequação positiva dos meios adoptados aos fins prosseguidos. A discriminação positiva já
está prevista expressamente no Estatuto ao exigir o cuidado individualizado pelas específicas caraterísticas e vulnerabilidade de cada cidadão
involuntariamente sujeito a um ilícito típico penal. Para a análise do conceito de discriminação, veja-se, BRUNO MESTRE, “Sobre o conceito de
discriminação- uma perspectiva contextual e comparada” in Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, Direito e Justiça,
volume I, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, página 377 e ss. E aprofundando a noção de discriminação, PAULO MOTA PINTO, “Autonomia
Privada e Discriminação, algumas notas”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, II, Coimbra Editora, 2005,
página 314 e ss; MARIA GLÓRIA F.P.D. GARCIA, Estudos sobre o Princípio da Igualdade, Almedina, 2005; JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO,
Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra Editora, Limitada, 1994, página 385 e ss; MARTIM DE ALBUQUERQUE, Da Igualdade,
Introdução à Jurisprudência, Livraria Almedina, Coimbra, 1993, página 335 e ss.
Para uma correlação entre o valor da justiça e o da igualdade no pensamento através dos tempos, ANTÓNIO MARIA M. PINHEIRO TORRES, O valor
56

da Justiça, Coimbra Editora, 2014, onde, a páginas 47, a propósito do conceito de justiça em Aristóteles, afirma: “é sempre um critério de igualdade
que constitui o princípio da justiça”.
57
Para uma abordagem histórico-filosófica da violência, CARLOS ALBERTO POIARES, “Violentamente Sobrevivendo”, Themis, ano IV, nº6, 2003, 19-
27. E JOÃO LUÍS DE MORAES ROCHA, “Perigosidade, Violência: da Reinserção à Incapacitação”, RPCC, ano 12, abril- junho 2002, página 265 ss.
Especificamente sobre a realidade portuguesa veja-se o estudo de NELSON LOURENÇO e MANUEL LISBOA, Representações da Violência, Percepção
social do grau, da frequência, das causas e das medidas para diminuir a violência em Portugal, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1992.
O Plano Nacional contra a Violência Doméstica, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 55/99 de 15 de junho, afirma que “não se
58

pode ignorar que a violência está presente desde os primórdios da vida humana e que é o seu domínio que torna possível as sociedades (…) é neste
momento que a norma jurídica intervém estabelecendo direitos e valorando factos e comportamentos”.

- 43 -
b. Respeito pela dignidade pessoal da vítima e Respeito Integral da sua vontade

Os artigos 4º, 5º e 7º do Estatuto da Vítima constituem uma cópia ispis verbis do teor dos
artigos 6º, nº1 e 7, e 9º, nº1,6 e 7 da Lei da Violência Doméstica acima citada.

O Estatuto assegura à vítima, em todas as fases e instâncias de intervenção, antes, durante e


após a instauração e duração do processo penal (pois o Estatuto não se aplica apenas na fase
processual) tratamento com respeito pela sua dignidade pessoal. Este princípio programático- com
inúmeras aplicações práticas- entronca no princípio basilar de todo o Estado de Direito, o respeito
pela dignidade da pessoa humana- como ensina Castanheira Neves59.

A propósito do respeito pela dignidade da pessoa humana teve o Tribunal Constitucional a


oportunidade de se pronunciar no Acórdão nº 105/90 afirmando não ser “( …) mera proclamação
retórica, de uma simples «fórmula declamatória», despida de qualquer significado jurídico-normativo;
trata-se, sim, de reconhecer esse valor- o valor eminente do homem enquanto «pessoa», como ser
autónomo, livre e (socialmente) responsável, na sua «unidade existencial de sentido»- como um
verdadeiro princípio regulativo primário da ordem jurídica, fundamento e pressuposto de «validade»
das respectivas normas”.

E, acrescenta mais recentemente Patrícia Naré Agostinho, “Recortado como um valor


supremo, a dignidade da pessoa humana atravessa todas as normas constitucionais conferindo-lhes
sentido, em particular, no que respeita aos direitos fundamentais, os quais, por sua vez, se projectam
e actualizam a dignidade da pessoa humana. Existe assim uma relação de mútua
complementaridade entre dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais, os quais dão um
conteúdo concreto ao conceito abstracto de dignidade, mas que são igualmente inspirados por ela60”.

Já Gomes Canotilho e Vital Moreira61 alertavam para o facto de que os “interesses do processo
criminal encontram limites na dignidade humana (artigo 1º) e nos princípios fundamentais do Estado
de direito democrático (artigo 2º), não podendo, portanto, valer-se de actos que ofendam direitos
fundamentais básicos. Daí a nulidade das provas obtidas com ofensa da integridade pessoal, da

59
Curso de introdução ao Direito, policopiado, Universidade de Coimbra, 1972.
60
PATRÍCIA NARÉ AGOSTINHO, Intrusões Corporais em Processo Penal, Coimbra Editora, 2014, página 120.
61
Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, página 206, e 4ª edição revista, 2007, página 524.

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reserva da intimidade da vida privada, da inviolabilidade do domicílio e da correspondência (nº6) (cfr
arts 25º-1 e 34º). A interdição é absoluta no caso do direito à integridade pessoal, e relativa nos
restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos
na lei e sem intervenção judicial (artigo 34º-2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada, ou
quando aniquiladora dos próprios direitos (cfr artigo. 18º-2 e 3).

E acrescentam que “(…) a protecção dos direitos pessoais em processo criminal pode
fundamentar um direito de recusa a ser testemunha, para além dos casos previstos na lei, quando
no caso concreto se verificar que o depoimento constitui uma «agressão desproporcionada» ao
segredo e confiança exigidos no exercício de certas profissões (eficácia de direitos fundamentais com
efeitos externos para além da lei e orientada para o caso concreto)”.

Na decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJUE) datada de 16-6-2005,


que ficou conhecida como o caso Pupino, o tribunal aplicou o princípio da interpretação conforme,
pelo qual o juiz nacional deve interpretar a norma interna de acordo com a norma comunitária,
nomeadamente o artigo 2º da Decisão- Quadro do Conselho de 2001 /220/JAI de 15-3, que obrigava
os Estados- membros a garantir que as vítimas sejam tratadas durante os atos judiciais com o devido
respeito pela sua dignidade pessoal, bem como o artigo 9º que garantia às vítimas mais vulneráveis
proteção perante as consequências decorrentes de ter que depor em Processo Penal62 63.

O respeito da dignidade da pessoa humana64 da vítima, para além do tratamento com


dignidade, implica também o necessário respeito pela vontade desta.

62
Citado por JOSEP M.TAMARIT SUMALLA, que a respeito escreve: “A partir de este precedente se han ido superando las reticencias otrora existentes
en amplios sectores doctrinales y jurisprudenciales a una interpretación progresiva del derecho interno que se fundamenta en la idea de que el
reconocimiento de un ámbito de derechos de la víctima es compatible com el respeto a garantias jurídicas básicas, como el derecho a un juicio
equitativo”, “Los Derechos de las Víctimas”,in JOSEP M.TAMARIT SUMALLA, (coord.), El Estatuto de las Víctimas de Delitos, Tirant o Blanch, Valencia,
2015, página 20.
63
“No Acórdão Maria Pupino de 2005, o TJUE estendeu a obrigação de interpretação conforme às disposições do então terceiro pilar (Cooperação
Policial e Judiciária em Matéria Penal) e decidiu que os participantes tinham o direito de invocar uma decisão- quadro do terceiro pilar com vista a
obter do juiz nacional uma interpretação conforme do seu direito interno.(…) O carácter vinculativo das decisões-quadro (adoptadas no âmbito do
então terceiro pilar) estava formulado em termos idênticos aos do actual art. 288º, 3º§, do TFUE, no que respeita às diretivas.(…)Desta forma- sustentou
o TJUE-, ao aplicar o direito interno, o órgão jurisdicional chamado a proceder à sua interpretação é obrigado a fazê-lo, na medida do possível, à luz
do texto e das finalidades da decisão-quadro, a fim de atingir o objectivo por ela visado. (…) Em suma, o TJUE decidiu que os art.ºs 2º, 3º, e 8º, nº4
da Decisão- Quadro 2001/220 enunciam o objectivo de assegurar às vítimas particularmente vulneráveis um tratamento específico/ adaptado à sua
situação.(…)As condições de depoimento adoptadas devem, contudo, ser compatíveis com os princípios jurídicos fundamentais do Estado-Membro em
causa (conforme prevê o artigo 8º da Decisão- Quadro 2001/220) e não devem privar o suspeito ou arguido do direito a um processo equitativo (
como é enunciado no artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem- e agora também no artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais
da União Europeia)”- ALESSANDRA SILVEIRA, Princípios de Direito da União Europeia, 2ª edição atualizada e ampliada, Quid Juris,2011, p 162.
64
Relativamente a um particular tipo de vítima, a vítima de violência doméstica, já a partir dos anos 70 com os movimentos feministas se processou
um entendimento do problema como uma questão de direitos humanos com origem na própria estrutura da sociedade (Guerrero Caviedes, 2002,
citado a fls 23 de PAULO GUERRA e LUCÍLIA GAGO (coord), Violência Doméstica, implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno,
Manuel pluridisciplinar, caderno especial abril 2016, Centro Estudos Judiciários).

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O respeito integral da vontade da vítima está expressamente previsto no artigo 5º do Estatuto
da Vítima pela limitação da intervenção sobre a vítima ao respeito da vontade daquela, mas
salvaguardando as demais disposições da legislação penal e processual penal pois situações há em
que a vontade da vítima é suplantada pelos interesses comunitários e finalidade do Processo Penal
em ver punidos os agentes do crime. Concretiza-se em toda a sua dimensão na intervenção de apoio
à vítima, pois apenas pode ser iniciada se esta der o seu consentimento, e um consentimento
inteiramente livre, após ter sido devidamente esclarecida das consequências do ato. De igual forma,
pode, em qualquer momento, revogar livremente o seu consentimento.

Trata-se da defesa dos direitos de personalidade constitucionalmente consagrados e cruciais


para os investigadores e instâncias formais de controlo não perderem de vista durante a investigação.
Podem mesmo opor-se aos interesses desta uma vez que haverá que realizar caso a caso uma
concordância prática dos mesmos.

Se a vítima não estiver em condições de prestar o consentimento livre e esclarecido para a


intervenção para sua proteção, esta apenas pode ser realizada em benefício direto da vítima- artigo
7º, nº3 do Estatuto. Mesmo fora do âmbito do Processo Penal- eis aqui outra manifestação de que
a aplicação do Estatuto da Vítima está muito aquém e muito além do processo - crime.

Nos casos de incapacidade temporária ou permanente que impeçam a vítima maior de idade
de dar o consentimento à intervenção, tem de ser tomada a devida autorização ou assistência de
pessoa designada nos termos da lei. E a vítima deve participar no processo de autorização na medida
em que o possa fazer. De igual forma no caso de vítima menor de idade, se não estiver ou não puder
estar65 representada pelos titulares das responsabilidades parentais, deve ser nomeado um
representante ao menor nos termos do disposto no artigo 11º do CPC, por remissão do artigo 4º CPP
e artigo 7º, nº6 do Estatuto da Vítima.

É o próprio Estatuto a salvaguardar os procedimentos de urgência previstos nos artigos 91º e


92º da Lei de Proteção das Crianças e Jovens em Perigo aprovada pela Lei nº147/99 de 1-9, alterada
pela Lei nº 31/2003 de 22-8.

65
Por existir conflito de interesses entre os da vítima menor e os daqueles titulares das responsabilidades parentais.

- 46 -
c. Direito à Proteção (integridade física) respeito pela sua vida privada (sigilo de informações) e
acesso equitativo aos cuidados de saúde.

No artigo 6º do Estatuto é consagrado o princípio da confidencialidade estipulando-se que os


serviços de apoio à vítima asseguram o respeito pela sua vida privada, garantindo o sigilo das
informações que esta prestar. Constitui, ipsis verbis, a cópia do artigo 8º da Lei da Violência
Doméstica.

Entende-se, para densificação do conceito em análise, que integram o núcleo da vida privada
de um cidadão quer os gestos e factos que em absoluto devem ser subtraídos do conhecimento de
outrem, afetando a esfera da sua vida íntima, quer os acontecimentos da vida que cada cidadão
partilha com um número restrito de pessoas, por contraposição aos eventos da vida pública
suscetíveis de serem conhecidos por todos e relativos à participação de cada um na vida da
coletividade- conforme a teoria das três esferas66. Naturalmente que a concretização dos factos que
integram cada um dos níveis referidos depende da vontade67 do portador do bem jurídico,
pretendendo proteger um último reduto do intrinsecamente humano na sociedade técnica e
massificada em que vivemos.

É a própria Constituição Portuguesa (CRP) que o estabelece, reconhecendo a todos os


cidadãos o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar no artigo 26º, nº1 da CRP e
reforçando-o no seu nº2: “A lei estabelecerá garantias efetivas contra a utilização abusiva, ou
contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias” 68. Este reduto pessoal

66
A teoria das três esferas (“Sphärentheorie”) carateriza-se pela distinção entre três domínios da vida de cada cidadão que congregariam níveis de
proteção diferentes: a esfera da vida pública (“der Öffentlichkeitsbereich”), que englobaria os eventos suscetíveis de serem conhecidos por todos, por
respeitarem à participação de cada cidadão na vida da coletividade, a esfera da vida privada, (“der Privatbereicht”), que englobaria os acontecimentos
que cada cidadão partilha com um número restrito de pessoas, e a esfera da vida íntima, (“Intimsphäre”), que compreenderia os gestos e factos que
em absoluto devem ser subtraídos ao conhecimento de outrem. Esta teoria permite aos penalistas distinguir que aspetos da vida de cada um merecem
maior ou menor proteção do direito penal. O segredo de justiça, por exemplo, existe para proteger o decurso da investigação, o princípio da presunção
da inocência do arguido/suspeito e ainda a proteção da privacidade da vítima de crimes.
Para maior desenvolvimento ver DORA GARCÍA FERNANDEZ, “El derecho a la intimidad” in dereito, Revista Xurídica da Universidade de Santiago de
67

Compostela, segunda época, Servizio de Publicacións, 2010: “En el lado contrario a la intimidad há surgido el fenómeno de la extimidad. Los blogs,
las redes sociales como Facebook, MySpace y Twitter en Internet y los llamados “reality shows” en televisión, han generalizado este fenómeno. La
extimidad es una nueva palabra que significa algo así como hacer externa la intimidad, en haver pública la vida privada y es un concepto que los
expertos han tomado del psicoanalista francês Jacques Lacan”.
68
A proteção da vítima também se faz por provas obtidas por particulares na tutela da sua vida privada enquanto direito de participação ativa que lhe
assiste enquanto vítima de oferecer provas para o processo.

- 47 -
e familiar ajuda a perceber a dimensão atual da reserva da intimidade da vida privada, densificada
pela Lei de proteção de dados pessoais69 e incriminações dos artigos 190º a 198º do Código Penal70.

O Estado consagra, assim, o direito de o cidadão estar só em alguns momentos da sua vida
de relação. Em termos histórico-temporais surgiu primeiro o direito à honra e, a partir dele, o direito
à privacidade como bem jurídico autónomo.

O Estatuto consagra nos artigos 15º a 25º e 27º medidas concretas para proteção física das
vítimas de crime, como a garantia da sua segurança em caso de ameaça séria de represálias e
situações de revitimização ou indícios fortes de que a sua privacidade possa ser perturbada. Tal
proteção física também é assegurada aos seus familiares –artigo 67º- A, 1, c) do CPP.

É determinado o evitamento de contactos entre a vítima e seus familiares e, por outro lado,
os suspeitos ou arguidos, em todos os locais onde sejam convocados para realização de diligências
processuais. Esta norma, presente no artigo 15º do Estatuto, também é uma cópia do artigo 20º da
Lei da Violência Doméstica, embora o legislador tenha aproveitado para alargar o âmbito da proteção
aos familiares da vítima elencados no artigo 67º-A, nº1, alínea c) do CPP, o que se saúda, desde que
relativamente àqueles também existam fortes indícios de que a sua privacidade possa ser perturbada
ou de que existe ameaça séria de represálias ou de situações de revitimização. Sem embargo da
proteção que o regime especial de testemunhas já confere aos familiares das vítimas!

O juiz, ou o Ministério Público em fase de inquérito, como dominus do inquérito, pode


determinar que seja prestado apoio psicossocial à vítima desde que seja respeitada a autonomia da
sua vontade.

De forma a evitar que seja novamente vitimizada, o Estatuto da Vítima prevê expressamente
que a vítima tem o direito a ser ouvida em ambiente informal e reservado, e evitar-se que sofra
pressões. Também a sua inquirição e eventual sujeição a exame médico devem ter lugar logo após
a aquisição da notícia do crime por qualquer meio, e apenas se estritamente necessária para as
finalidades do inquérito. De igual forma, e com a mesma finalidade, deve ser evitada a todo o custo
a sua repetição! Estas medidas consagradas no Estatuto da Vítima, visam diretamente a prevenção

69
Lei nº 67/98 de 26-10.
70
Artigo 33º da Constituição da República Portuguesa: “1- A todos é reconhecido o direito (…) à reserva da intimidade da vida privada e familiar. 2- A
lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias”. E
no Código Penal a incriminação do artigo 192º, nº1: “Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas,
designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual: a) interceptar, gravar registar, utilizar, transmitir ou divulgar (…)”.

- 48 -
da vitimização secundária, isto é, a segunda vez que a vítima de delito vê a sua privacidade e
liberdade postas em causa por causa do crime, mas agora pelas próprias instâncias de controlo, ao
lidarem com a investigação e precisarem de evocar todo o teor dos acontecimentos que tiveram
lugar, revivendo os sentimentos de humilhação, dor e culpa que o crime lhes causou. Até à entrada
em vigor do Estatuto da Vítima apenas as vítimas de violência doméstica beneficiavam destas ações
de proteção.

Os gabinetes de atendimento à vítima, em qualquer serviço dos órgãos de polícia criminal têm
de ser dotados de condições de privacidade para proteção da vítima, transmitindo-lhe todas as
informações necessárias.

Os cidadãos residentes noutro Estado- Membro e vítimas de crimes praticados em Portugal


têm o direito à recolha imediata do seu depoimento após apresentação da denúncia à autoridade
competente, e, na medida do possível, à audição por videoconferência e teleconferência para
prestação de depoimento. No entanto, este direito tem de se conjugar com as normas de cooperação
internacional penal pelo que não podia o Estatuto prevê-lo senão da forma vaga e lacunosa em que
o fez. Na verdade, o exercício desse direito da vítima fica dependente da existência de condições
técnicas para recolha do respetivo depoimento no país da sua residência e da boa vontade das
entidades judiciárias desse mesmo país já que o Estado português não tem ius imperium fora das
suas fronteiras, não podendo de per se impor qualquer medida processual penal aos outros Estados
-Membros da União Europeia71.

Pelo contrário, aos cidadãos residentes em Portugal, e vítimas de crimes noutros Estados-
Membros, o Estatuto da Vítima assegura-lhes a possibilidade de apresentarem denúncia junto das
autoridades nacionais portuguesas sempre que não tenham tido a possibilidade de o fazer no Estado-
Membro onde foi cometido o crime. Posteriormente, as autoridades nacionais devem transmiti-la de
forma célere às autoridades do local da prática do crime de acordo com as normas de cooperação
internacional penal.

O Estatuto da Vítima prevê no seu artigo 15º um nível adequado de proteção à mesma e aos
seus familiares (se o necessitarem), entendendo-se por estes o cônjuge da vítima, ou pessoa que
com a mesma convivesse em condições análogas às dos cônjuges, os seus parentes em linha reta

71
Artigo 2º nº2 da Lei nº 144/99 de 31-8, designada de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal: “O presente diploma não confere o
direito de exigir qualquer forma de cooperação internacional em matéria penal”.

- 49 -
(filhos e pais) os irmãos e as pessoas economicamente dependentes da vítima, todos elencados no
artigo 67º-A, nº1, alínea c) do CPP, aditado aquando da criação do Estatuto da Vítima.

Alguns destes familiares também são considerados pela lei vítimas72, para os efeitos que
adiante abordaremos, beneficiando desde logo do referido Estatuto: são eles o cônjuge sobrevivo não
separado judicialmente de pessoas e bens, ou pessoa que com a mesma convivesse em condições
análogas às dos cônjuges, ou os descendentes e os ascendentes, mas qualquer deles apenas se
preencherem o requisito de terem sofrido um dano com a morte- e excetuando o autor dos factos
que provocaram a mesma.

Esta proteção passará pela garantia da segurança e salvaguarda da sua vida privada, sempre
que as autoridades competentes- policiais ou judiciária- considerem que existe uma ameaça séria de
represálias e situações de revitimização ou fortes indícios de que essa privacidade possa ser
perturbada.

De igual forma, o contacto entre as vítimas e seus familiares e os suspeitos ou arguidos deve
ser evitado em todos os locais que impliquem a presença de uns e outros, nomeadamente, nos
edifícios dos tribunais, no âmbito da realização de diligências processuais. O CPP refere-se-lhe no
artigo 139º nº1 quando dispõe que têm aplicação em Processo Penal todas as imunidades e
prerrogativas estabelecidas na lei quanto ao dever de testemunhar e ao modo de prestar o
depoimento. Bem como no nº2 do referido artigo se faz referência à proteção de testemunhas e
outros intervenientes processuais contra formas de ameaça, pressão ou intimidação, sendo tal
regulada em lei especial. Esta é uma clara remissão para a Lei de Proteção de Testemunhas de
1999, a Lei de Violência Doméstica e agora, para o Estatuto da Vítima.

No artigo 352º do CPP já se encontrava previsto o afastamento do arguido da sala de


audiência durante a prestação de declarações, mas apenas para situações muito específicas,
nomeadamente no caso de haver razão para crer que a presença do arguido inibiria o declarante de
depor com verdade, o declarante for menor de 16 anos, uma criança, e houver razões para crer que
prestar declarações na presença do arguido o pudessem prejudicar gravemente, e no caso de ser
ouvido perito e houver razão para crer que tal pudesse prejudicar gravemente a integridade física ou
psíquica do arguido. Nesta última circunstância, o arguido não é inteirado do que se passou na sua

72
Ver sub-capítulos referentes ao direito à indemnização e ao direito à informação.

- 50 -
ausência ao regressar à sala, como acontece nas restantes situações, sob pena de nulidade
processual- artigo 352º, nº2 e 332º, nº7 do CPP.

No entanto, este direito consagrado no Estatuto da Vítima é de muito difícil concretização


prática dado que a própria estrutura da maior parte dos tribunais portugueses não está preparada
para permitir a entrada e estadia de diferentes interessados sem que cheguem a ver-se. E a prática
habitual é a do aproveitamento do espaço até ao milímetro, não podendo ser desaproveitadas salas
de testemunhas ou outros pequenos espaços que poderiam ser utilizados para permitir o isolamento
de pessoas cujo contacto fosse de evitar. Pelo que nem o pouco espaço disponível nem as
mentalidades da prática judiciária com a sobrecarga de trabalho a que o fator humano está sujeito
permitem augurar uma boa instituição no terreno deste direito de proteção.

É ainda consagrado o direito da vítima a que lhe seja assegurado apoio psicossocial, se o juiz,
ou o MP na fase de inquérito, o julgar imprescindível à sua proteção, dado o grande abalo emocional
a que as formas violentas de crime sujeitam aquela, e se esta der o seu consentimento.
Naturalmente, não é este um direito que se consiga concretizar ao arrepio da vontade da própria
vítima.

O Estatuto da Vítima prevê que este regime de proteção genérica aplicável a todas as vítimas
de crime não prejudica a aplicação do regime especial de proteção de testemunhas,73 74 com particular
incidência para a proteção dos familiares da vítima, conforme estipula o artigo 15º do Estatuto.

A este respeito foi ainda publicada a Lei nº 71/2015 de 20-7, que estabelece o Regime Jurídico
de Emissão e Transmissão entre Portugal e outros Estados- Membros da União Europeia de decisões
que apliquem medidas de proteção de uma pessoa contra um ato criminoso de outra pessoa que
possa colocar em perigo a sua vida, integridade física e psicológica, dignidade, liberdade pessoal ou

73
JOSÉ BRAZ, Investigação Criminal: a organização, o método e a prova: os desafios da nova criminalidade . Almedina, 2009: “(…) a protecção de
testemunhas e de intervenientes processuais afirma-se nos modernos ordenamentos processuais de forma cada vez mais nítida, quer como requisito
de eficácia, quer como dever ético do Estado. Como requisito de eficácia, na medida em que visa, desde logo, assegurar a autenticidade e a
inalterabilidade dos contributos probatórios prestados pelos diversos intervenientes processuais, ao longo da investigação, instrução e julgamento das
estruturas criminosas altamente violentas e organizadas, (…) é possível harmonizar a protecção de testemunhas com a estrutura acusatória do processo
penal, permitindo valorar a prova produzida por testemunhas protegidas, uma vez cumpridas algumas formalidades legais.
No plano jurisprudencial, é esta última a posição perfilhada pelo TEDH, que emitiu jurisprudência no sentido de considerar que a protecção de
testemunhas, em determinadas circunstâncias, designadamente, a garantia do anonimato, não colide com os direitos fundamentais de defesa do
arguido, considerando mesmo que o direito deste conhecer toda a prova produzida não é um direito absoluto”.
A propósito da testemunha anónima, JOSÉ LUÍS LOPES DA MOTA, “Protecção de Testemunhas em Processo Penal”, in Estudos em Homenagem a
74

Cunha Rodrigues, vol I, Coimbra Editora, 2001, Coimbra, página…: “o direito à confrontação não é um direito absoluto e poderá sofrer compressões
em função de dois tipos de interesses: o interesse individual da testemunha a ser protegida (…) e o interesse público na perseguição do crime e na
condenação dos criminosos (…)”.

- 51 -
integridade sexual, permitindo dar continuidade à proteção no espaço da União Europeia, na
sequência de uma conduta criminosa. Foi assim transposta para o nosso ordenamento jurídico a
Diretiva nº 2011/99/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa
à decisão europeia de proteção.

No entanto, é a própria lei que exclui do seu âmbito as medidas de proteção adotadas em
matéria civil e a proteção de testemunhas em Processo Penal. Já o Sindicato dos Magistrados do
Ministério Público advogava no seu parecer à proposta de lei de transposição da Diretiva
2011/99/EU do Parlamento e do Conselho, de 13-12-2011 relativa à decisão europeia de proteção,
que esta devia alargar-se aos familiares da vítima e não apenas à pessoa singular visada pelo
suspeito.

Na verdade, dispõe no seu artigo 4º que só pode ser emitida uma decisão europeia de
proteção quando tiver sido previamente adotada no Estado de emissão uma medida de proteção que
imponha à pessoa causadora de perigo uma ou mais das seguintes proibições: proibição de entrar
em certas localidades, lugares ou zonas definidas, proibição ou restrição de contacto sob qualquer
forma com a pessoa protegida ou proibição ou regulação da aproximação à pessoa protegida a
menos de uma distância prescrita.

O Estatuto da Vítima prevê ainda para as vítimas que em avaliação75 individual venham a ser
consideradas especialmente vulneráveis76 por necessitarem de medidas especiais de proteção, uma
proteção reforçada, sendo-lhes entregue no ato documento comprovativo da atribuição do estatuto
de vítima especialmente vulnerável, onde constam os seus direitos e deveres, nomeadamente: o seu
direito a alojamento temporário em estruturas de acolhimento apoiadas pelo Estado se no âmbito da

75
Com interesse veja-se CARLA MACHADO,” Psicologia Forense: desenvolvimentos, cientificidade e limitações”, RMP, nº 106, abril/junho 2006, páginas
8 e 9: “Uma dificuldade, essa um pouco mais complexa, reside na possibilidade de estabelecer um nexo de causalidade entre o estado mental
identificado na vítima e a situação de vitimação de que aquela foi alvo, de modo a poder afirmar, com razoável grau de certeza, perante o Tribunal,
que o dano psíquico observável foi, efectivamente, causado pela agressão criminal sofrida. Ainda que vários instrumentos de avaliação psicológica
possam contribuir para que esta causalidade seja, com razoável certeza, estabelecida em muitos casos, poderá haver alguns em que é mais difícil
traçar tal relação, sobretudo se a avaliação forense for pedida sem ter sido ainda concludentemente provada a existência do crime e se a avaliação
tiver que ser realizada com excessiva celeridade, impedindo um conhecimento aprofundado da vítima”.
76
A própria lei processual penal passou a estabelecer no artigo 67º-A, nº3 CPP a presunção legal de que as vítimas de criminalidade violenta e de
criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis. Esta presunção iure et de iure apenas pode ser
ilidida mediante prova em contrário. Assim, temos de conjugar esta norma com as definições legais de criminalidade violenta e especialmente violenta
plasmadas no artigo 1º do CPP, alíneas j) e l): as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a
liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos, para a
primeira, e de máximo igual ou superior a 8 anos para a segunda. Consagrando o Estatuto a exigência de uma avaliação individual para apurar se a
vítima deve ou não beneficiar do estatuto de vítima especialmente vulnerável, pode resultar da avaliação individual dessas vítimas a elisão da presunção
legal se na avaliação individual se apurar que a vítima não tem especial fragilidade apesar de ter sofrido crime violento ou especialmente violento, da
sua idade, do seu estado de saúde ou deficiência, ou de apesar do grau e duração da vitimização não terem resultado lesões com consequências
graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social. Pois o pior que poderia acontecer seria a banalização da atribuição
deste estatuto de especial vulnerabilidade.

- 52 -
avaliação individual das necessidades da vítima tal se impuser; assistência pelos serviços de saúde
integrados no SNS na área da estrutura de acolhimento onde forem inseridas, em vez dos serviços
de saúde da sua área de residência, por comodidade e para melhor preservar a sua privacidade;
isenção do pagamento das taxas moderadoras no âmbito do SNS nos termos a regulamentar por
Portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde; proibição dos órgãos de
comunicação social identificarem ou transmitirem elementos, sons ou imagens que permitam a
identificação de vítimas crianças ou jovens, ou ainda outras pessoas especialmente vulneráveis. Sob
pena de os agentes dos referidos órgãos de comunicação social incorrerem na prática do crime de
desobediência.

Este crime encontra-se previsto no artigo 348º nº1, alínea a) do CP nos seguintes termos:
“Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimo regularmente comunicados e
emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou
com pena de multa até 120 dias se uma disposição legal cominar, no caso, a punição da
desobediência simples.

A vítima especialmente vulnerável tem ainda o direito a prestar os seus depoimentos e


declarações através de videoconferência ou teleconferência quando se verifiquem os seguintes dois
requisitos: impliquem a presença do arguido, e se tal se revelar necessário para garantir a prestação
de declarações ou de depoimento sem constrangimentos.

É ainda acompanhada na prestação dos depoimentos e declarações por técnico


especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado pelo Ministério
Público ou pelo tribunal. O Estatuto não prevê consequências para a omissão de tal formalidade,
pelo que teremos de as pensar no âmbito das previstas no artigo 119º e ss do CPP; ou seja, como
uma mera irregularidade a ser arguida no próprio ato já que não se encontra prevista e consagrada
expressamente como nulidade- artigo 120º do CPP.

A vítima especialmente vulnerável tem ainda a prerrogativa de requerer ao juiz a sua inquirição
para memória futura no inquérito de forma a que o seu depoimento possa ser tomado em conta no

- 53 -
julgamento. Também o Ministério Público o pode requerer ao juiz de instrução. Os requisitos de
deferimento são os previstos no artigo 271º CPP 77 78.

A tomada de declarações tem de ser efetuada através de registo áudio ou audiovisual só


podendo ser utilizados outros meios quando aqueles não estiverem disponíveis, o que deverá ficar a
constar expressamente do auto.

De resto, para além das normas previstas no artigo 271º CPP, aplicáveis, só é prestado novo
depoimento em audiência de julgamento se este, para além de indispensável à descoberta da
verdade, não puser em causa a saúde física ou psíquica da pessoa que o deva prestar. O que
representa uma proteção reforçada a estas vítimas já de si particularmente fragilizadas, para serem
desde logo sinalizadas na avaliação individual no início do processo crime, com o estatuto de
especialmente vulneráveis. E vem alargar a proteção a vítimas de outros crimes para além dos
menores vítimas de crimes sexuais ou das vítimas de tráfico de pessoas que se encontravam previstas
no artigo 271º, nº1 CPP.

O Estatuto da Vítima destaca no grupo das vítimas especialmente vulneráveis as crianças


vítimas79 no seu artigo 22º dado o estatuto de menoridade destas vítimas permitir muitas vezes
atropelos aos seus direitos. Estatui-se o direito de serem ouvidas, tomando-se para o efeito em
consideração a sua idade e maturidade. Embora estes critérios sejam essenciais para aferir da
credibilidade dos relatos das crianças vítimas, os estudos demonstram que a tendência das crianças

As declarações para memória futura gozam de formalismos muito diferentes da audiência de julgamento: ausência total de publicidade, só o Ministério
77

Público e o juiz conhecem a totalidade dos atos de inquérito que estejam em segredo de justiça, a inquirição é sempre realizada pelo juiz, limitado
quanto ao seu poder investigatório pois não é o juiz do julgamento.
78
Acórdão do TRL de 11-1-2012 in www.dgsi.pt, última consulta a 20-4-2017: “(…) as declarações para memória futura passaram a poder ter igualmente
lugar para protecção de vítimas de determinados crimes. A partir de 1998 dos crimes sexuais e, a partir de 2007, dos crimes de tráfico de pessoas ou
contra a liberdade e autodeterminação sexual (…) o artigo 28º, nº2 da Lei de Protecção de Testemunhas em Processo Penal, ao estabelecer que
«sempre que possível, deverá ser evitada a repetição da audição da testemunha especialmente vulnerável durante o inquérito, podendo ainda ser
requerido o registo nos termos do artigo 271º do Código de Processo Penal», veio alargar ainda mais o âmbito de aplicação deste preceito. (…)
Admitindo o artigo 33º da Lei nº 112/2009 de 16-9, que a vítima de violência doméstica possa prestar declarações para memória futura e não se
estabelecendo a obrigatoriedade da prática desse acto, importa procurar na lei um critério que permita determinar os casos em que ele deve ter lugar.
XII-Esse critério há-de resultar de uma ponderação entre o interesse da vítima de não ser inquirida senão na medida do estritamente indispensável à
consecução das finalidades do processo e o interesse da comunidade na descoberta da verdade e na realização da justiça”.
79
Acórdão TJUE (grande secção) de 16 de junho de 2005, C-105/03 (Maria Pupino) relatado pelo juiz português Dr Cunha Rodrigues onde se decidiu
que “Os artigos 2º, 3º e 8º, nº4 da Decisão- Quadro nº 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em
processo penal, devem ser interpretados no sentido de que o órgão jurisdicional nacional deve ter a possibilidade de autorizar que crianças de tenra
idade que, como no processo principal, aleguem ter sido vítimas de maus tratos, prestem o seu depoimento segundo modalidades especiais que
permitam assegurar a estas crianças um nível adequado de protecção, por exemplo sem ser na audiência pública e antes da sua realização”. E
relativamente à atribuição do estatuto de vítimas particularmente vulneráveis: “A decisão- quadro não define quais as vítimas que são particularmente
vulneráveis na acepção dos artigos 2º, nº2, e 8º, nº4. Porém, independentemente da questão de saber se a circunstância de a vítima de uma infracção
penal ser menor é suficiente, em geral, para a qualificar como particularmente vulnerável na acepção da decisão-quadro, é incontestável que quando,
como no processo principal, crianças de tenra idade aleguem ter sido vítimas de maus tratos, para cúmulo por parte de uma educadora de infância,
essas crianças devem ser qualificadas como tal, considerando, nomeadamente a sua idade, bem como a natureza e as consequências das infracções
de que alegam ter sido vítimas, com vista a beneficiar da protecção específica exigida pelas referidas disposições da decisão-quadro”.

- 54 -
para a efabulação consiste mais num mito do que em verificações reais e efetivas em processos
concretos80.

O acompanhamento das crianças vítimas durante a prestação dos depoimentos por pais,
representantes legais ou guardiões de facto é admitido quando se verifique não existir conflito de
interesses entre a criança e aqueles. Para impedir a intimidação das crianças e fomentar a prestação
de um depoimento completo, sincero e espontâneo.

A nomeação de patrono à criança vítima, realizada nos termos da Lei de Apoio Judiciário (Lei
nº 34/2004 de 29-7, alterada pela Lei nº 47/2007 de 28-8), é obrigatório quando exista o conflito
de interesses entre os da criança e os dos pais, representantes legais ou guardiões de facto. De igual
forma, é obrigatória a nomeação de patrono se a própria criança o solicitar ao tribunal, sendo certo
que se exige a “maturidade adequada”, com o que se pretende obviar a excessos interpretativos,
como a nomeação de patrono a pedido de crianças que não têm ainda capacidade de apreender as
implicações do pedido.

O Estatuto da Vítima cria ainda a presunção de que a vítima é uma criança para lhe ser
aplicado o presente regime de proteção especial quando a sua idade seja incerta e existam motivos
mais ou menos óbvios para acreditar que estamos em presença de uma criança.

Finalmente, o Estatuto repete a cominação com crime de desobediência para os agentes da


divulgação ao público de informações que possam levar à identificação de uma criança vítima,
repetindo a cominação que abarca a identificação ou a transmissão de elementos, sons ou imagens
que permitam a identificação de vítimas especialmente vulneráveis!

Todas estas medidas pretendem evitar que o próprio sistema vitimize novamente os menores
que foram sujeitos a um ato ilícito típico. A propósito, Rui do Carmo afirmava 81: “No processo penal
não se tem conseguido alcançar a concordância prática entre as garantias de defesa do arguido e o
superior interesse da criança e do jovem, e o regime das declarações para memória futura, tal como

80
MARCELINE GABEL (coord.) Crianças Vítimas de Abuso Sexual, 2ª edição, summus editorial, MANUEL FERREIRA ANTUNES, Psicologia Judiciária,
Petrony Editora, 2013, página 153 e ss. BOLIEIRO; Helena, “A criança vítima: necessidades de proteção e articulação entre intervenções”, Julgar, nº
12 especial- 2010, página 147; RUI DO CARMO, ISABEL ALBERTO e PAULO GUERRA, O Abuso Sexual de Menores, uma conversa sobre justiça entre
o direito e a psicologia, Almedina, 2002, página 79; RUI ABRUNHOSA GONÇALVES, CARLA MACHADO, “Abuso sexual de menores: intervenção nas
vítimas e nos agressores”, RMP, nº106, abril/junho 2006, página 26.
81
Revista do Ministério Público (RMP) nº 120, Out/Dez 2009, ano 30, a fls 277.

- 55 -
se encontra hoje regulamentado, continua a ser uma fonte de vitimação secundária, mas também
insuficiente do ponto de vista das garantias de defesa do arguido”.

À repetição do depoimento da criança no julgamento não é estranho o pré-conceito de que a


criança tem menor capacidade para depor e uma maior porosidade às influências externas e à
fantasia. Mas Catarina Ribeiro, docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade
Católica do Porto e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, esclarece: “A qualidade da
participação da criança no processo depende muito mais da abordagem dos adultos, do acolhimento
que é prestado, das dinâmicas da vitimização e da instabilidade emocional decorrente da alteração
da estrutura familiar, do que da simples dificuldade de distinguir verdade e mentira82”.

d. Indemnização e restituição de bens

Gomes Canotilho e Vital Moreira notavam que a CRP originária de 1976 era “manifestamente
omissa sobre a figura da vítima dos crimes”83. Não existia, assim, o direito ou sequer interesse da
vítima, reconhecido pela lei fundamental, a ver punido o criminoso nem o direito a intervir no
processo ou o direito a ser ressarcida84 pelos danos sofridos. Mas chamavam a atenção para o direito
ao ressarcimento dos danos resultar diretamente do princípio do Estado de direito democrático.
Apenas com a revisão constitucional de 1997 foi aditado o nº7 ao artigo 32º sobre as garantias do
Processo Penal de onde passou a constar: “O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos
termos da lei”85. A lei constitucional optou pela noção de ofendido definida no artigo 68º, nº1, alínea
a) CPP em detrimento da noção de vítima.

82
CATARINA RIBEIRO, A Criança na Justiça, Edição Almedina, Coleção Psicologia, 2009, página 119; MARIA CLARA CALHEIROS, Para uma teoria da
prova, Coleção Estudos, Cejur, Coimbra Editora, 2015, página 164. ANA SACAU, “A Prova por declarações da vítima menor de idade: as especiais
exigências de proteção da vítima e a desacoberta da verdade” in Revista do CEJ. 1º semestre, 2011, número 15, página 317 e ss.
83
GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, CRP anotada, Coimbra Editora, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, página 208, em anotação ao artigo
32º CRP: “Dos sujeitos do processo penal a Constituição é manifestamente omissa sobre a figura da vítima dos crimes. Não existe, assim,
reconhecimento constitucional de um direito ou interesse legítimo da vítima a ver punido o criminoso, nem o direito a intervir no processo nem o direito
ao ressarcimento dos danos. Por isso ela mantém-se com estatuto simplesmente legal.Todavia, o direito ao ressarcimento dos danos resulta
directamente do princípio do Estado de direito democrático(…)”.
84
Embora devesse ser considerada para a apreciação da reabilitação do condenado- ver JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português- as
consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, página 657.
85
Idem, página 523: “(…) a lei constitucional não especifica as dimensões fundamentais do direito do ofendido intervir no processo, remetendo para a
lei («nos termos da lei») essa tarefa”.

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O Estatuto da Vítima reconhece finalmente no artigo 16º a toda a vítima de crime o direito a
uma decisão relativa a indemnização em processo penal por parte do responsável pelo crime, dentro
de um prazo razoável, bem como o imediato exame e restituição dos bens pertencentes à vítima que
sejam apreendidos em processo penal. A não ser que tenham que ser mantidos no processo para
prova do crime ou possam ser declarados perdidos a favor do Estado- artigo 109º CP. Este artigo
16º é uma cópia do artigo 21º da Lei da Violência Doméstica que estabelecia tal direito apenas para
as vítimas de violência doméstica.

O CPP sofreu a introdução pela Lei nº 59/98 de 15-8, da disposição do artigo 82º-A sob a
epígrafe “Reparação da Vítima em Casos Especiais”, em que o legislador retoma a faculdade do
tribunal arbitrar oficiosamente uma reparação à vítima86 em processo penal se verificados os
seguintes pressupostos: não tenha sido deduzido pedido de indemnização civil, no processo ou em
separado, e as condições da vítima sejam de tal forma precárias que revelem dificuldades muito
graves em consequência dos danos sofridos com a prática do crime. Esta norma aplica-se mesmo
em caso de processo sumaríssimo- artigo 393º do CPP. Em caso de exceção ao princípio da adesão,
o arbitramento oficioso não preclude o direito de propor ação de indemnização. Mas a quantia
arbitrada é tida em conta na decisão que venha a conhecer do pedido de indemnização, para evitar
uma dupla fixação pelos mesmos danos.

Ora, o Estatuto da Vítima vem reforçar e densificar estas particulares exigências de proteção
da vítima ao dispor que há sempre lugar ao arbitramento oficioso previsto no artigo 82º-A do CPP
sempre que as vítimas em questão sejam especialmente vulneráveis. Exceto se a vítima
expressamente se opuser ao arbitramento oficioso de indemnização, num assomo do princípio do
respeito integral da autonomia da vontade da vítima.

De igual forma resulta consagrada no Estatuto a possibilidade de as despesas da vítima


resultantes da sua intervenção no processo penal serem reembolsadas87 nos termos estabelecidos
na lei e em função da posição processual que ocupe no caso concreto.

86
Note-se que a reparação não é para o ofendido ou para o lesado, mas a própria lei especifica a vítima do crime como a beneficiária da indemnização.
JOSEP M. TAMARIT SUMALLA, “La Reparación y el apoyo a las víctimas”, in JOSEP M. TAMARIT SUMALLA (coord.) El Estatuto de las Víctimas de
87

Delitos, Tirant o Blanch tratados, página 305 e ss.

- 57 -
Como acima já foi explicitado, é conferido o estatuto de vítima antes, durante e após o
processo penal, aos familiares88 da pessoa cuja morte tenha sido diretamente causada por um crime
quando estes familiares tenham sofrido um dano em consequência dessa morte- patrimonial ou não
patrimonial. Trata-se do cônjuge sobrevivo não separado judicialmente, ou a pessoa que convivesse
com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, ascendentes e descentes da vítima, com
exceção do autor dos factos que provocaram a morte. Estes familiares podem, se lhes for conferido
esse estatuto, deduzir pedido de indemnização civil para serem ressarcidos pelo autor dos factos,
dos seus danos sofridos enquanto vítimas, a par com os restantes direitos conferidos pelo Estatuto
da Vítima e pelo próprio artigo 67º-A do CPP e legislação avulsa.

Existe ainda um regime específico em legislação avulsa, a Lei nº 104/2009 de 14-9, que
aprova o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência
doméstica. Este regime confere às vítimas de atos de violência que tenham sofrido danos graves
para a sua saúde física ou mental o direito à concessão de um adiantamento da indemnização pelo
Estado – ainda que não se tenham constituído assistentes ou não possam vir a fazê-lo. E mesmo
que a identidade do autor dos atos de violência não seja conhecida ou ele não possa ser acusado
ou condenado.

Mas têm que se verificar ainda tês requisitos cumulativos: que a lesão tenha provocado uma
incapacidade permanente, uma incapacidade temporária e absoluta para o trabalho de, pelo menos,
trinta dias, ou a morte; o facto tenha provocado uma perturbação considerável ao nível da qualidade
de vida da vítima ou, no caso de morte, do requerente; e não tenha sido obtida efetiva reparação do
dano em execução de sentença condenatória relativa a pedido deduzido nos termos dos artigos 71º
a 84º do CPP, ou, se for razoavelmente de prever que o delinquente e responsáveis civis não venham
a reparar o dano, sem que seja possível obter de outra fonte uma reparação efetiva e suficiente.

Importa notar que as pessoas que auxiliaram voluntariamente a vítima ou colaboraram com
as autoridades na prevenção da infração, na perseguição ou detenção do delinquente, também são
titulares deste direito ao adiantamento da indemnização, desde que se verifiquem os requisitos
elencados no parágrafo anterior: a lesão tenha provocado incapacidade, o facto tenha provocado
uma perturbação considerável da qualidade de vida do requerente e não tenha sido obtida reparação

A propósito da indemnização de familiares por morte de sujeito imputada a ato ilícito e culposo ou à esfera de risco de um terceiro, veja-se GUILHERME
88

CASCAREJO, Danos Não Patrimoniais dos Familiares da Vítima de Lesão Corporal Grave, Almedina, 2016, página 17 e ss.

- 58 -
efetiva do dano ou seja de prever que o dano não venha a ser reparado. Este adiantamento da
indemnização às pessoas que auxiliaram a vítima ou as autoridades não depende da concessão de
indemnização à própria vítima, se esta não reunir as condições para tal.

A lei apenas prescinde do requisito da incapacidade provocada pela lesão consequência da


conduta criminosa em caso de ato de violência que configure um crime contra a liberdade e
autodeterminação sexual ou contra menor, se existirem circunstâncias excecionais e devidamente
fundamentadas que o aconselhem.

O adiantamento da indemnização fica excluído quando o dano tenha sido causado por um
veículo terrestre a motor ou sejam aplicáveis as regras de acidentes de trabalho ou em serviço.

De igual forma o adiantamento da indemnização pode ser reduzido ou excluído tendo em


conta a conduta da vítima, ou do requerente da indemnização, mesmo que antes ou após os factos,
ou tendo em conta as suas relações com o autor, o seu meio, ou quando aquela se mostre contrária
ao sentimento de justiça ou à ordem pública. Por aqui se comprova a intenção de com este diploma
introduzir um princípio de justiça material, indemnizando a vítima ou o mero lesado com a conduta
criminosa quando tal se afigura ao sentimento da comunidade como um imperativo de justiça!

A indemnização é fixada em termos de equidade, sendo levada em consideração para a sua


fixação os limites máximos legalmente fixados por lesado e por facto criminoso, bem como toda e
qualquer quantia recebida de outra fonte, nomeadamente do próprio delinquente ou da Segurança
Social.

A indemnização por lucros cessantes tem como referência as declarações fiscais de


rendimentos da vítima relativas aos três anos anteriores à prática dos factos ou, na sua falta,
tomando-se por base um rendimento não superior à retribuição mínima mensal garantida.

Não tendo sido conferida indemnização no processo penal por facto imputável em exclusivo
ao requerente, o adiantamento da indemnização a conceder pelo Estado é reduzido a metade.

Podem ainda ser conferidas às vítimas medidas de apoio social e educativo, bem como
terapêuticas adequadas à recuperação física, psicológica e profissional, em cumprimento das demais
disposições legais aplicáveis, e no quadro de protocolos a celebrar entre a Comissão de Proteção às
Vítimas de Crimes (CPVC) e entidades públicas e privadas pertinentes em razão da matéria.

- 59 -
Prevê-se neste diploma uma norma excecional para as vítimas de violência doméstica a quem
se confere o direito à concessão do adiantamento da indemnização pelo Estado apenas com os
seguintes requisitos: estar em causa um crime de violência doméstica praticado em território
nacional, previsto no artigo 152º, nº1 CP; e a vítima incorrer em situação de grave carência
económica em consequência do mesmo.

Esta norma tem de ser conjugada com o disposto no artigo 21º da Lei nº 112/2009 de 16-9,
que obriga ao arbitramento de uma indemnização à vítima em caso de condenação pelo crime de
violência doméstica, ou porque a vítima a pediu ou porque não se opôs ao seu arbitramento. A
jurisprudência tem-se manifestado no sentido da nulidade da decisão condenatória que não se
pronuncia sobre tal questão89 parecendo-nos que não se exime a decisão à irregularidade do seu
conhecimento oficioso sem o cumprimento prévio do contraditório.

O montante do adiantamento é determinado segundo um juízo de equidade e concedido com


a séria probabilidade de verificação dos pressupostos da indemnização. Excecionalmente, em casos
de especial carência de meios de subsistência, pode o montante do adiantamento ser concedido
numa única prestação.

Para receber o adiantamento da indemnização por parte do Estado, a vítima ou o terceiro que
a auxiliou ou colaborou com as autoridades, ou ainda o familiar com direito a alimentos, tem de
apresentar requerimento à Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes (CPVC) no prazo de um ano
a contar da data do facto, sob pena de caducidade do direito. Ou um ano após atingir a maioridade
ou ser emancipado, se se tratar de requerente menor à data da prática dos factos.

Mas, como todo o diploma se mostra imbuído de um princípio de justiça material, também
esta norma é caldeada pela possibilidade de o Presidente da Comissão prorrogar os prazos expirando
estes um ano após a decisão que lhe põe termo. Ou até de relevar o efeito da caducidade- o que se
revela assaz surpreendente! - quando o requerente alegue razões que justifiquem e tenham obstado
à apresentação do pedido em tempo útil.

O comprovativo do adiantamento da indemnização tem força executiva própria e serve de


suporte à execução instaurada, sendo que a decisão de concessão da indemnização e fixação do

89
Acórdãos TRC de 28-5-2014, e de 2-7-2014 in www.dgsi.pt, última consulta a 20-4-2017: “1-Praticado o crime de violência doméstica, a lei impõe o
arbitramento de indemnização à vítima, presumindo a existência de particulares exigências da sua proteção, só assim não sendo quando a ele se
oponha a vítima expressamente; 2- Não o fazendo, verifica-se a omissão de pronúncia, que gera a nulidade da sentença”.

- 60 -
respetivo montante tem que ser instruída no prazo máximo de um mês para ser deliberada pela
Comissão referida.

Esta Lei é aplicável aos factos ilícitos considerados crimes violentos para a mesma, ou crime
de violência doméstica, praticados fora do território português contra portugueses ou cidadãos de
Estados- Membros da União Europeia com residência habitual em Portugal, desde que não tenham
direito a indemnização no território da produção do dano. Também se aplica aos factos praticados
no território de um outro Estado- Membro na medida em que o pedido de concessão de indemnização
a pagar por aquele Estado pode ser apresentado à Comissão, que informará e auxiliará o requerente,
providenciando a sua audição ou de outra pessoa se houver necessidade, e colaborará com a
autoridade competente do EM em cujo território foi praticado o crime.

e. Princípio e direito à Informação

O Estado da Vítima assegura a esta a prestação de informação90 adequada à tutela dos seus
direitos nos termos dos artigos 11º e 12º do referido Estatuto, que correspondem aos artigos 15º e
17º da Lei das Vítimas de Violência Doméstica, mas agora mais ampliados e precisos.

A vítima de lesões corporais graves resultantes de atos intencionais tem de ser informada de
que pode requerer à Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes a concessão de adiantamento de
uma indemnização nos termos da Lei nº 104/2009 de 14-9, se verificados os requisitos aí constantes
no artigo 2º, nº1, als a a c).

Desde o primeiro contacto com as autoridades, ainda sem proceder a qualquer denúncia, a
vítima tem o direito a ser informada do tipo de serviços e organizações a que pode dirigir-se para
obter apoio, o tipo de apoio disponível, onde e como apresentar a denúncia, os procedimentos
subsequentes e o seu papel nos mesmos, como e em que termos pode receber proteção, as
condições de acesso a consulta jurídica, apoio judiciário e outras formas de aconselhamento, os
requisitos do seu direito a indemnização (CPP) condições do direito a interpretação e tradução,

90
MERCEDES SERRANO MASIP, “Los Derechos de Información”, in JOSEP M: TAMARIT SUMALLA (coord.) El Estatuto de las Víctimas de Delitos, Tirant
o Blanch tratados, página 69: “Los derechos de información de las víctimas tienen, como se há explicado en el Capítulo I de esta obra, un fundamento
que entronca com la dignidade humana (…)”.

- 61 -
procedimentos para denúncia se os seus direitos não forem respeitados no contexto do processo
penal, mecanismos especiais para defesa dos seus direitos se residente em outro Estado, como e
em que condições pode ser reembolsada das despesas de participação no processo penal, e as
condições para ter direito à notificação das decisões proferidas no mesmo.

Este princípio e direito já estava consagrado na Lei de Proteção às Vítimas de Violência


Doméstica, nos mesmos moldes.

Naturalmente que há que conjugar este princípio com o direito à proteção e adequação às
reais especificidades de cada vítima. Assim, a informação variará consoante as circunstâncias
pessoais da vítima em extensão e grau de detalhe. E consoante as específicas necessidades da
situação em que cada vítima se encontre.

A natureza do crime também pode implicar alterações na prestação de informação e seus


conteúdos, atendendo às circunstâncias da investigação e à gravidade das suas consequências. A
própria forma e doseamento da informação prestada, adequada a cada fase processual, deve ser
ponderada e encontra-se genericamente prevista no Estatuto da Vítima em análise.

O que não impede a vítima de pedir a consulta do processo e obter cópia de peças
processuais91, mesmo que não possa obter o estatuto processual de ofendido no processo (o titular
do interesse especialmente protegido pelo bem jurídico).

Se pretender ter um papel mais ativo, a lei prevê ainda o seu direito a solicitar e obter
informação sobre o seguimento dado à denúncia, com decisões de arquivamento, não pronúncia ou
suspensão provisória do processo, e decisões de acusação e/ou de pronúncia; local e data do
julgamento, a situação processual do arguido, a sentença com, pelo menos, o resumo da
fundamentação92, sempre por factos que lhe digam respeito, pois não pode perder-se de vista que
assim se define o interesse em agir da vítima e se limita o seu direito a ser informada. Sem embargo

91
Só assim não será se o processo se encontrar em segredo de justiça e o Ministério Público a isso se opuser por considerar que pode prejudicar a
investigação ou os direitos dos participantes processuais- artigo 89º, nº1 CPP. A propósito, MARGARIDA SANTOS, A relação entre o Ministério Público
e o Juiz de Instrução Criminal no quadro da estrutura constitucionalmente definida para o processo penal, em especial, na determinação do segredo
de justiça, dissertação de Mestrado defendida na Universidade do Minho, julho 2010. E ANA MEXIA, “Ainda o Segredo de Justiça- uma outra
perspectiva”, in RPCC, 24, 2014, página 394 e ss.
92
Não se compreende inteiramente o sentido deste segmento da lei pois a fundamentação faz parte integrante obrigatoriamente da sentença, não se
compreendendo que a notificação da sentença possa ser realizada apenas com um resumo da sua fundamentação, a menos que não se dê
conhecimento de todo o teor da sentença.

- 62 -
de outras limitações processuais previamente consagradas como o decretamento do segredo de
justiça do processo quando em fase de inquérito.

Nos casos de reconhecida perigosidade do arguido, a lei sublinha a necessidade de fornecer


à vítima informações sobre as decisões que afetem o estatuto do arguido, especialmente a aplicação
de medidas de coação. E em caso de evasão ou libertação do detido, de imediato se tem de dar
conhecimento à vítima para proteção desta.

Em contraponto com a declaração genérica que a vítima pode fazer desde o seu primeiro
contacto com as autoridades, de que deseja ser notificada de todas as decisões proferidas no
processo, também pode fazer declaração contrária, optando pelo seu direito a não ser informada de
nenhum destes itens, desde que o CPP não obrigue expressamente a tal93.

Logo no momento de apresentação da denúncia, é assegurada à vítima o direito a assistência


gratuita (consulta jurídica e apoio judiciário nos termos da Lei nº 34/2004 de 29-7, alterada pela Lei
nº 47/07 de 28-8) e ainda à tradução da confirmação por escrito da denúncia que obrigatoriamente
lhe tem de ser entregue, em língua que compreenda.

O Estatuto preocupa-se fundamentalmente com o facto de a vítima que não compreende o


português possa compreender e ser compreendida ao efetuar a denúncia desde o primeiro contacto
com as autoridades no âmbito do Processo Penal e nos trâmites posteriores do Processo Penal.
Mesmo que para tal haja que nomear intérprete ou proceder à tradução de algum documento.

E reafirma a importância de considerar o grau de alfabetização, a maturidade da vítima e


limitações específicas das funções mentais que afetem as suas capacidades de compreensão ou
físicas, ou que afetem a sua capacidade de ser compreendida. Prevê mesmo a possibilidade de ser
acompanhada de pessoa da sua escolha no primeiro contacto com as autoridades para minorar o
impacto do crime nas suas capacidades.

A Decisão- Quadro de 2001, relativa ao Estatuto da Vítima de Processo Penal já previa que
cada Estado-Membro devia tomar as medidas necessárias para minimizar problemas de
comunicação, em condições comparáveis às aplicadas ao arguido. Fazia assim uma equiparação de
estatutos, embora de forma muito genérica.

93
Como consagrado no artigo 277º, nº3 do CPP.

- 63 -
A Diretiva 2012/29/UE, por sua vez, prevê no artigo 5º a prerrogativa de, quando a vítima
não compreende a língua da autoridade competente, poder efetuar a denúncia numa língua que a
vítima compreenda ou receber a assistência linguística necessária para o fazer. Bem como receber
gratuitamente uma tradução da confirmação escrita da denúncia numa língua que compreenda. Este
encargo económico para os Estados-Membros constitui uma medida importante para uniformizar
procedimentos garantísticos para todas as vítimas em território europeu, de modo

facilitar o livre trânsito de pessoas no mercado único-fundamento último, agora e sempre, da


União.

A confirmação escrita da denúncia tem de descrever os elementos básicos do crime em


questão.

A Diretiva 2012/29/EU prevê o direito de receber informações sobre o processo a que a sua
denúncia deu lugar, nomeadamente a decisão de não prosseguir ou encerrar a investigação ou de
não deduzir acusação e a sentença, com um resumo da fundamentação dessas decisões, a natureza
da acusação (e não o seu teor literal), data e local do julgamento, e informação genérica sobre o
andamento do processo.

É sublinhado o direito da vítima de receber ou não informações e a possibilidade de alterar a


sua pretensão a qualquer momento.

É também salvaguardada a notificação das vítimas quando a pessoa detida, acusada ou


condenada, for libertada ou se tiver evadido bem como das medidas relevantes tomadas para a
proteger. Sem olvidar a possibilidade de risco para o autor do crime com a notificação à vítima.

Também no artigo 11º, nº3 da Diretiva 2012/29/EU se prevê a notificação sem atrasos
desnecessários, do direito de receber informações suficientes para decidir solicitar ou não reexame
da decisão de não deduzir acusação- se a vítima tiver solicitado que deseja ser notificada.

O benefício de interpretação ou tradução gratuita para as vítimas que não falem nem
compreendam a língua do processo, encontra-se previsto no artigo 7º da Diretiva, pelo menos nas
inquirições e interrogatórios realizados pelas autoridades de investigação e pelas autoridades
judiciais, e nas audiências. Nem que seja mediante o uso de meios das tecnologias de informação

- 64 -
como o telefone, internet ou videoconferência. Salvo se a presença física do intérprete seja necessária
para o pleno exercício dos direitos da vítima.

Bem como traduções gratuitas das informações indispensáveis ao exercício dos seus direitos,
já acima referidas e previstas no artigo 6º da Diretiva 2012/29/EU.

As autoridades competentes têm de verificar se as vítimas precisam de interpretação ou


tradução e, se a decisão for de sentido negativo, a vítima pode contestar tal decisão.

De igual forma, a vítima pode apresentar um pedido fundamentado para que um documento
seja considerado essencial.

A propósito deste direito à interpretação e tradução já se teve que pronunciar o TJUE no Ac C-


216/14, conhecido como o Acórdão Covaci, que tratou das garantias processuais em processos
penais previstas nas Diretivas 2010/64/EU (relativa ao direito à interpretação e tradução em
Processo Penal) e 2012/13/EU (relativa ao direito à informação no Processo Penal).

No referido acórdão o Tribunal de Justiça, por força de duas questões prejudiciais que lhe
foram submetidas pelo tribunal de reenvio, teve de se pronunciar sobre a conformidade da legislação
alemã quanto à língua dos processos judiciais e a sua incompatibilidade com os direitos de
interpretação e tradução constantes da Diretiva 2010/64/EU. Decidiu não haver desconformidade
da legislação alemã com o teor das Diretivas para o que considerou que tais Diretivas, referidas
acima, visaram aumentar a confiança mútua entre EMs na justiça criminal com base na criação de
regras mínimas para um exercício mais eficaz dos direitos de defesa em toda a UE, nomeadamente
no âmbito da interpretação e tradução em Processo Penal. Segundo jurisprudência constante do
Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União devem ter-se em conta não
só os termos da disposição, mas o seu contexto e os objetivos que a regulamentação em que se
integra visa atingir (Acórdão Rosselle, C-65/14 EU, nº43).

De acordo com o artigo 2º, nº1 e 3 da Diretiva 2010/64/EU apenas podem beneficiar do
direito à interpretação os suspeitos ou acusados que não estão em condições de se expressarem por
si próprios na língua do processo, seja por a não falarem ou compreenderem, seja por apresentarem
deficiência auditiva ou da fala. Esta disposição assegura, assim, o direito a que essa pessoa preste
declarações orais em Processo Penal na sua própria língua. Mas entende o Tribunal de Justiça que
exigir aos EMs que não apenas permitam às pessoas em causa serem informadas na sua própria

- 65 -
língua, dos factos que lhes são imputados, e apresentarem a sua versão, mas que assumam
sistematicamente a tradução de qualquer recurso contra uma decisão que lhes é dirigida, extrapola
os objetivos da própria Diretiva (considerando 38 do Ac Covaci).

O artigo 3º, nº2 da Diretiva 2010/64/EU apresenta uma lista de documentos que considera
essenciais e para os quais a tradução é, assim, necessária. Essa lista enumera as medidas de
privação da liberdade, a acusação ou a pronúncia e as sentenças. E o nº3 do referido artigo 3º da
Diretiva atribui o poder às autoridades competentes, de decidir caso a caso se um determinado
documento, diferente dos previstos, é essencial. Pelo que o Tribunal de Justiça entendeu no caso
concreto caber ao tribunal de reenvio determinar se a oposição deduzida por escrito contra um
despacho de condenação devia ser considerada um documento essencial cuja tradução seria
necessária. Pelo que o TJUE interpretou os artigos 1º a 3º da Diretiva 2010/64/EU no sentido de
que não se opõem a uma legislação nacional que, no âmbito do Processo Penal, não autoriza a
pessoa que é objeto de um despacho de condenação, a deduzir oposição por escrito contra esse
despacho numa língua diferente da língua do processo, mesmo quando essa pessoa não domina
esta última língua, desde que as autoridades competentes não considerem, de acordo com o artigo
3º, nº3 dessa Diretiva, que essa oposição constitui um documento essencial.

Esta interpretação do TJUE das garantias processuais mínimas em Processo Penal em todos
os EMs, importa para o Estatuto da Vítima de crimes apesar de ter sido proferida a propósito da
situação de um arguido, dado que o estatuto deste último é o contraponto daquela, como se de um
negativo fotográfico se tratasse.

Na verdade, não podemos ter interpretações mais rigorosas ou estritas quanto a um e não
quanto ao outro sob pena de introduzirmos um princípio de injustiça no Processo Penal.

f. Direito de Assistência específica à vítima

O Estado assegura assistência gratuita nos casos das vítimas que preencham os requisitos da
Lei nº 34/2004 de 29-7, alterado pela Lei nº47/2007 de 28-8, para beneficiar de apoio judiciário,
para terem acesso a consulta jurídica e o subsequente apoio judiciário. Esta medida encontra-se

- 66 -
prevista no artigo 13º do Estatuto e constitui um aprimoramento do disposto no artigo 18º da Lei de
Proteção às Vítimas de Violência Doméstica.

De igual forma, no artigo 14º do Estatuto da Vítima prevê-se o reembolso das despesas
efetuadas pela vítima em resultado da sua intervenção no Processo Penal, pelo arguido condenado,
em função da posição processual que ocupe no processo. Por outro lado, na Lei de Proteção às
Vítimas da Violência Doméstica apenas se previa no artigo 19º o reembolso das despesas efetuadas
em resultado da “legítima participação no processo penal” à vítima que intervenha na qualidade de
sujeito processual, isto é, que se houvesse constituído assistente ou tivesse deduzido pedido de
indemnização civil.

Pelo que se consagrou um sensível alargamento dos beneficiários das despesas reembolsáveis
que beneficiará também as vítimas de violência doméstica já que esta norma lhes é mais favorável
do que a do seu próprio estatuto protetor.

g. Direito de Participação Ativa no Processo

Dispõe o artigo 67º-A, nº4 do CPP que assiste à vítima o direito de participação ativa no
Processo Penal previsto no Código e no Estatuto da Vítima. Concretiza-o desde logo no número
seguinte do artigo, onde confere à vítima o direito de colaboração com as autoridades policiais e
judiciárias competentes, prestando as informações e facultando provas de que disponha.

No entanto, esta prerrogativa a vítima já a tinha, bem como qualquer cidadão enquanto
obrigação de colaboração com as autoridades para a realização da justiça! Não vislumbramos aqui
qualquer nova prerrogativa para o estatuto processual e extra processual da vítima que foi criado.

A sua consagração expressa no CPP apenas tem a vantagem de reforçar a ideia de que a
vítima, enquanto especialmente envolvida no ato criminoso detém uma posição extremamente
vantajosa para fornecer à autoridade pública os dados de facto que permitirão desenhar com clareza
o facto jurídico-criminal e concluir pela identificação do seu autor ou autores e correta
responsabilização do(s) mesmo(s).

- 67 -
Muitas vezes, as provas necessárias à descoberta da verdade apenas podem ser fornecidas
pela própria vítima, quer descrevendo com minúcia os factos que vivenciou quer entregando os
objetos de que disponha que possam conferir foros de veracidade ao seu relato e versão dos
acontecimentos. Tal é tão mais verdade quanto nos debruçarmos sobre os crimes contra a
intimidade da vida privada e todos os que têm normalmente lugar dentro do domínio da esfera
privada dos cidadãos, como normalmente acontece com o crime de violência doméstica, tantas
vezes sem testemunhas, perpetrado na intimidade do quarto de casal94.

Na verdade, o direito agora consagrado da vítima apresentar provas vem reforçar a ideia de
que a tutela da vítima também se faz através de prova obtida por particulares na sua vida privada.
Veja-se, a propósito o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-1-2016, relativamente a uma
gravação particular junta a um processo por crime de injúria como prova da prática do referido
crime95: “I- Não existe regulamentação processual penal relativa às provas obtidas por particulares
em relação à tutela da vida privada, pelo que a validade da prova fica dependente da sua não ilicitude
à face da legislação penal. II- Pode ser considerada válida a gravação de palavras efectuada por
particulares sem o consentimento do visado bem como julgada válida a prova recolhida por esse
meio. III- Se a gravação documenta a comunicação telefónica do autor daqueles ilícitos da iniciativa
do arguido e que teve como destinatário o assistente, na qual se materializou a conduta ilícita do
arguido (crimes de ameaça e injúria) é justificada a gravação das palavras dirigidas ao assistente
sem o consentimento do autor daqueles ilícitos”.

Na verdade, se as regras de proibição de prova obtida por intromissão na vida privada


consagradas no artigo 126º, nº3 do CPP se dirigem às instâncias formais de controlo, visando
disciplinar a investigação e o procedimento criminal, as provas obtidas por particulares no âmbito da
vida privada teriam a sua validade dependente da inexistência de atividade criminosa na sua
obtenção. No concernente a gravações ilícitas, a norma incriminadora corresponderia ao artigo 199º
CP. No entanto, o referido acórdão considerou que o preenchimento do tipo estaria afastado pela
verificação de uma causa de justificação excludente da ilicitude: “No caso sub judice, a gravação em
causa documenta a comunicação telefónica, iniciativa do arguido e que teve como destinatário o
assistente, na qual se materializou a conduta ilícita do arguido, subsumível aos crimes de ameaça e
de injúria. Perante tais circunstâncias surge justificada a gravação das palavras dirigidas ao

94
MARIA TERESA COUCEIRO PIZARRO BELEZA, Mulheres, Direito, Crime ou A Perplexidade de Cassandra, Lisboa, Faculdade de Direito, 1990.
95
in www.dgsi.pt, última consulta a 20-4-2017.

- 68 -
assistente, sem o consentimento do autor daqueles ilícitos criminais, pois que, como considerou o
STJ96, «a proteção da palavra que consubstancia práticas criminosas (…) tem de ceder perante o
interesse da proteção da vítima e a eficiência da justiça penal: a proteção acaba quando aquilo que
se protege constitui crime», sendo ainda de considerar, quando por meio da gravação é cometido o
crime de ameaça, como sucede no caso dos autos, a verificação de legítima defesa como excludente
da ilicitude da gravação”. No mesmo sentido Ac do STJ de 28-9-2011 e Ac TRP de 23-10-201397.

96
Ac STJ de 28-9-2011: “Não se vislumbra qual a razão pela qual a protecção da vítima e a eficiência da justiça penal tenham de ser postergadas
pela protecção da palavra e da imagem que consubstanciam práticas criminosas ou da imagem que as retrata. A protecção acaba quando aquilo
que se protege consubstancia a prática de um crime”.
97
in www.dgsi.pt, última consulta a 20-4-2017.

- 69 -
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7. Perspetiva Crítica: implicações do Estatuto da Vítima para o direito processual penal português
e seu cotejo com a Diretiva

Da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 343/XII, que deu lugar à Lei do Estatuto da
Vítima, constava já que “A definição de um estatuto homogéneo para as vítimas de crimes tem
enfrentado a dificuldade assente na existência de vários enquadramentos legais, pois as vítimas
podem ser sujeitos processuais se assumirem as vestes de assistentes ou demandantes civis, em
ordem a sustentar uma acusação ou formular um pedido de indemnização civil, respetivamente, ou
podem ter apenas intervenção no processo, neste caso como denunciantes e testemunhas”.

Esta homogeneização do Estatuto da Vítima de crimes, visando a participação ativa de todas


as vítimas no Processo Penal, prestando informações e facultando provas, assumidamente
decalcada do regime específico da proteção das vítimas de violência doméstica plasmado na Lei nº
112/2009 de 16-9, e alterado pelas Leis nº 19/2013 de 21-2 e nº 82-B/2014 de 31-12, cria um
conjunto de direitos que não têm um enquadramento estritamente processual, mas extrapolam para
o momento antes da apresentação formal da queixa e para o momento posterior à decisão final
condenatória do(s) arguido(s), de forma a efetivar uma proteção integral da vítima.

O tratamento homogéneo de todas as vítimas de crimes, e a consagração de direitos da vítima


em momento anterior e posterior ao enquadramento processual penal que o caso mereça, decorrem
diretamente do texto da Diretiva.

O reforço de proteção da vítima pretendido com o Estatuto da Vítima realizou-se mantendo as


figuras do assistente, do ofendido e do demandante civil, todos eles incluídos no novo conceito legal
criado pela Lei nº132 de “vítima”, e alterando o regime processual da figura do assistente com a
possibilidade de a vítima requerer a atribuição desse estatuto no prazo de interposição de recurso da
sentença. Mas tal forma de proteção da vítima apenas interessa às vítimas que tenham legitimidade
processual para requerer essa constituição, como vimos acima no capítulo 3.

De facto, como vimos, a figura do assistente tem sido alargada ao admitir-se para crimes onde
se protegiam bens de natureza pública, a existência de interesses particulares que também são
protegidos pela incriminação.

- 71 -
Finalmente, concordamos com André Lamas Leite98quando afirma: “um reforço do papel das
vítimas no processo criminal pode ser demonstrativo de um descentrar do indivíduo, arguido no
processo, para uma perspectiva mais comunitarista de protecção societária em que esta maior
participação seja, afinal, uma outra forma de controlo social. Donde, não são incompatíveis os dois
movimentos que, normalmente, são encarados como dissonâncias, quando, em grande parte, são
constituintes de uma mesma orientação punitiva. Com ganhos das vítimas, que vêem «a justiça a
ser feita», reforçando a vertente geral-punitiva e de ressarcimento da pena”.

Para a apreciação da censura penal importa a consideração de respeito e conformidade com


a representação e valoração coletiva da norma penal incriminadora.

Parece-nos que seria criar um tratamento mais homogéneo das vítimas e mais justo fundir a
figura do assistente nos crimes de natureza particular, com o Estatuto da Vítima de crimes, muito
embora se mantivesse a figura do demandante civil.

Na verdade, manter a possibilidade de requerer a constituição de assistente vinculada à


detenção do interesse legalmente protegido pela incriminação, ao pagamento de taxa de justiça, e
ao cumprimento de um prazo muito curto - 10 dias -, nos crimes de natureza particular, quando o
cidadão já manifestou a sua intenção de se constituir assistente, é limitar a figura do assistente de
forma hoje intolerável porque arredaria a grande maioria das vítimas de crimes de tal estatuto, sendo
que o consagrado Estatuto da Vítima não lhes confere o poder de conformação processual,
nomeadamente a possibilidade de recorrer das decisões desfavoráveis.

O novo Estatuto da Vítima vem trazer poucas alterações ao direito processual penal português
na medida em que a noção de vítima que apresenta, embora alargada aos familiares da pessoa
singular objeto da atividade criminosa, não lhe confere mais direitos de conformação processual dos
que os que conferia já ao ofendido: o direito de colaboração com as autoridades policiais e judiciárias
competentes, prestando as informações e facultando as provas que disponha, previsto agora
expressamente no artigo 67º-A, nº4 inserido no CPP com a lei que criou o Estatuto da Vítima. Mas
qualquer testemunha tem estas prerrogativas, decorrentes do dever de qualquer cidadão colaborar

“Nova penologia, punitive turn e direito criminal: Quo vadimus? Pelos caminhos da incerteza (pós) moderna”, in Direito Penal- fundamentos dogmáticos
98

e político-criminais, Coimbra Editora, 2013, página 402.

- 72 -
com as autoridades policiais e judiciárias para a realização da justiça. A tanto se resume este direito
de participação ativa no processo…

Por outro lado, o direito de a vítima ser ouvida em qualquer fase processual, o respeito integral
pela sua vontade a montante de qualquer intervenção protetiva, e a preocupação de evitar a repetição
da sua inquirição e eventual sujeição a exame(s) médico(s) já trazem franco incremento à proteção
da vítima com a sua consagração legal, pretendendo evitar o efeito de vitimização secundária.

Parece-nos que a opção de colocar o Estatuto da Vítima em diploma autónomo, ao invés da


sua inserção sistemática no CPP, nada traz de vantajoso já que existiam regimes especiais de
proteção de vítimas de crimes específicos como o de violência doméstica e a grande vantagem deste
Estatuto consistiu grandemente em alargar a proteção, o apoio e os direitos a todas as vítimas de
crime, independentemente do crime que as vitimizou…

Beneficiaria, assim, da inserção sistemática no CPP, em paralelo com o “estatuto” do arguido,


que lá se encontra consagrado com os seus direitos e deveres- artigo 61º do CPP.

O facto de ter sido conferida especial proteção às vítimas especialmente vulneráveis, mais
desfavorecidas ou fragilizadas, constitui também uma nota positiva, consagrando o princípio da
igualdade na sua vertente de discriminação positiva, e afigura-se-nos que trará um apport
francamente positivo na qualidade da prestação do serviço a essas vítimas, melhorando igualmente
a imagem de todo o sistema judicial.

Importa agora perguntar se a transposição da Diretiva foi realizada de forma adequada.


Julgamos que sim, na medida em que as regras mínimas que estipulava estavam muitas delas já
cumpridas pela nossa legislação processual penal, que nunca desconsiderou totalmente a posição
da vítima de crimes.

O regime das declarações para memória futura previsto no artigo 271º CPP foi grandemente
alargado com a consagração do Estatuto da Vítima, o que se saúda, especialmente, no caso de
vítimas avaliadas como especialmente vulneráveis.

O direito da vítima ser ouvida em qualquer fase do processo, embora triado pela prudente
ponderação do juiz, uma vez que terá de ser indeferido se não trouxer para o processo nenhuma
vantagem em termos de clarificação dos factos que são seu objeto nem da matéria de prova,

- 73 -
decorrente de anterior audição da vítima e de não ter sido requerida a existência de qualquer omissão
ou falha no seu depoimento, foi em boa hora consagrado e constitui pedra angular de colocação da
vítima no centro da tríade Estado- vítima arguido-, em que assenta o Processo Penal hodierno.

Na verdade, embora o juiz pudesse sempre ouvir a vítima em audiência de julgamento quando
se apercebesse que os factos essenciais ou os seus contornos não estavam devidamente
esclarecidos, ou a prova se encontrava “manca”, a consagração do direito de audição reforça esse
“poder” com um “dever”, que não pode agora ser ignorado (podendo fundamentar por que considera
benéfico para a própria ou desnecessário para o processo) sem a prática de uma irregularidade
processual. Neste âmbito, o nosso direito interno ultrapassou o âmbito da Diretiva que, recorde-se,
estabelece apenas normas mínimas.

Considere-se, ainda que, independentemente dos poderes oficiosos do juiz do julgamento, a


audição da vítima deve ser requerida pela parte interessada na produção de tal prova, indicando a
razão da necessidade de repetir o depoimento, devidamente concretizada99. E em audiência de
julgamento a defesa pode, após audição do registo áudio das declarações para memória futura,
requerer que seja submetido a contraditório tal depoimento. A este respeito debruçou-se o Acórdão
STJ de 16-6-2004:100 “(…) se o arguido tiver oportunidade, adequada e suficiente, de contraditar tais
declarações posteriormente, a sua utilização não afecta, apenas por si mesma o contraditório, cujo
respeito não exige, em termos absolutos, o interrogatório directo em cross-examination”. Quer a
doutrina101, quer a corrente maioritária da jurisprudência entendem, contudo, que não pode passar-
se sem a sua produção em audiência de julgamento mediante a leitura das declarações transcritas
para auto, sua audição ou reprodução vídeo (desde a revisão processual penal de 2007- artigos 346º
e 356º, nº8 CPP), quando tenha sido assim obtida.

Mas a audição da vítima poderá não se realizar por a própria vítima não estar em condições
de prestar depoimento por tal poder colocar em causa a sua saúde física ou psíquica. Nesse caso,
alguma jurisprudência entende ser de realizar prova pericial que ateste da incapacidade da

Ac Relação Guimarães de 9-11-2009 proc nº 37107.8TAFAFG1, últiam consulta a 20-4-2017: “só caso a caso pode ser aferida a presença de razões
99

ponderosas que o justifiquem. Podem, por exemplo, as declarações prestadas ser omissas relativamente a parte do objecto do processo ou surgirem
em julgamento elementos novos que a tanto aconselhem”.
100
in www.dgsi.pt, última consulta a 20-4-2017.
GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, vol III, 2ª ed, Verbo, páginas 236 e 256, PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do
101

Código de Processo Penal, Editora Universidade Católica, 2014, página 874, SANDRA OLIVEIRA E SILVA, A Proteção de Testemunhas no Processo
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RL de 22-3-2011 disponíveis em www.dgsi.pt.

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testemunha para prestar depoimento.102 Em casos em que tenham sido tomadas declarações para
memória futura, a lei, após a reforma de 2007, passou a restringir fortemente a reinquirição apondo-
lhe a cláusula da não colocação em causa da saúde física ou psíquica do depoente - artigo 271º,
nº8 do CPP.

As declarações para memória futura, enquanto antecipação da prova a produzir em audiência


de julgamento, depois de lida ou ouvida e visualizada em audiência de julgamento, e sujeita ao
debate contraditório103, tem o mesmo valor que a que foi produzida diretamente no julgamento.

Ac Relação do Porto de 1-7-2009 proc. nº 084 807 2, in www.dgsi.pt, última consulta a 20-4-2017. E Cruz Bucho, Declarações para Memória Futura,
102

elementos de estudo- 2-4-2012, disponíveis em www.trg.pt.


103
Acórdão Tribunal Relação do Porto de 13-7-2005, última consulta a 20-4-2017: “(…) possibilitando-se aos sujeitos processuais (…) quer através de
outros depoimentos, ou mesmo outros meios de prova, influir, pôr em causa, “contraditar”, infirmar, descredibilizar, reforçar, confirmar, etc- conforme
o interesse da acusação e da defesa - os diversos depoimentos recolhidos em inquérito para memória futura. Se, em último caso, o princípio do
contraditório pretende garantir a transparência e a igualdade de poderes de actuação processual entre acusação e defesa no julgamento, é esse
princípio que dá respaldo à pretensão, normalmente do arguido, de pôr em causa, “contraditar”, infirmar, descredibilizar o depoimento que foi recolhido
no inquérito para memória futura”. E Ac TRP de 1-2-2006: “em caso algum, esses depoimentos para memória futura podem ser excluídos, na fase do
julgamento, dessa apreciação contraditória; cada um dos sujeitos processuais pode, e o tribunal deve, através de outros meios de prova produzidos
na audiência, procurar obter confirmação/infirmação dessas provas antecipadas, por confronto, análise crítica, descredibilização, corroboração, etc.
Deste jogo dialético entre os diversos agentes processuais com os plúrimos meios de prova produzida (pessoal, pericial, documental, de exame, etc)
se há-de, em termos de conclusão do silogismo, atribuir ou retirar valor probatório à prova pessoal antecipadamente produzida”.

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Conclusões

É chegada a hora de sumariar as conclusões do presente trabalho recordando o nosso ponto


de partida, o roteiro, e o nosso ponto de chegada.

Começamos por salientar que a ordem jurídica não pode ignorar as necessidades subjetivas
em prol do interesse coletivo da realização da justiça.

Pelo que as necessidades da concreta vítima de crimes têm de ser atendidas sob pena de a
confiança desta no sistema de justiça ser minada, não realizando este último o fito para que foi
destinado: efetivar a justiça.

A vítima de crime passou a assumir um papel de relevo na comunidade científica a partir da


segunda metade do século XX, após a segunda guerra mundial, e desde aí tem-se assistido a uma
maior consciencialização do seu papel em todo o processo.

Independentemente dos diversos sistemas de justiça em cada Estado- Membro da União,


uma vez que nalguns a vítima pode desempenhar o papel de sujeito processual penal e noutros não
pode adquirir esse estatuto, por força das instâncias internacionais e supra nacionais, a intervenção
da vítima passou a ser mais valorizada, conferindo-se-lhe direitos, proteção e apoio que não era antes
equacionável.

O Estatuto da vítima de crimes criado com a Lei nº 130/2015 de 4-9, tentou efetuar a
homogeneização do estatuto da referida vítima, ampliando direitos que lei especial já conferia às
vítimas de crimes específicos.

Mas com a vantagem de criar direitos sem enquadramento estritamente processual já que
são conferidos logo que o cidadão denuncia um crime ou as autoridades tomam conhecimento da
prática de um crime.

E distinguindo as vítimas pelas suas caraterísticas e necessidades específicas, advogando uma


avaliação individual e personalizada das suas necessidades em termos de proteção, apoio e
efetivação de direitos.

Por outro lado, a noção legal de vítima agora introduzida no direito processual penal português
não vem trazer aos particulares novos direitos no âmbito da tramitação processual penal

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relativamente à figura processual penal do ofendido. Mas vem enfatizar os que já existiam, dando-
lhes novo fôlego, nomeadamente, no que respeita ao direito de ser ouvida em momentos- charneira
do processo crime e de prestar declarações para memória futura.

Assim, a consagração legal da proteção da vítima de crimes veio alargar o regime das vítimas
de violência doméstica a todas as vítimas de crimes, trazendo um franco incremento e densificação
processual dos direitos de ser ouvida em qualquer fase do processo, do respeito integral da sua
vontade (embora com as limitações processuais decorrentes das finalidades públicas do processo já
apontadas) a montante de qualquer intervenção que a vise proteger, restrição da reinquirição e da
repetição da sujeição a exames, alargamento do regime das declarações para memória futura e
discriminação positiva das vítimas especialmente vulneráveis.

Também o novo direito de requerer a constituição de assistente no prazo de interposição de


recurso da sentença, permite à vítima de crimes de natureza pública e semi-pública efetuar a defesa
dos seus interesses numa fase processual em que já nada poderia fazer se não tivesse tomado a
prévia decisão de intervir requerendo aquele estatuto de assistente. Mas este é um direito que apenas
atinge as vítimas de crimes de natureza pública e semi-pública, que reúnam os demais requisitos
para se constituírem assistentes.

No entanto, o Estatuto da Vítima desenhado pelo legislador português na transposição da


Diretiva 2012/29/EU desconsiderou a muitas vezes dupla, dinâmica e intercambiante104 posição da
vítima e do seu ofensor (a vítima que obteve a posição processual de assistente pode perder esse
estatuto no decurso da tramitação processual se deixar de reunir os requisitos que detinha com o
decurso da investigação e as provas que vão sendo obtidas, a vítima que havia apresentada queixa
por vezes também detém o estatuto de arguida por outro ou o mesmo crime, nos casos de queixa
contra queixa).

Assim, a sua estatuição tem que ser interpretada pelo aplicador da lei considerando estas
cambiantes da realidade processual se, realmente, quer atingir o nobre objetivo de proteger o cidadão

104
HERMANN MANNHEIM, Criminologia Comparada, Fundação Calouste Gulbenkian, volume II, 1985, página 63: “os papéis das vítimas e agressores
não são estáticos, fixos ou atribuídos. Eles são dinâmicos, complementares e intercambiáveis (…). Tudo isto sugere que a agressão e a vitimação não
são dois fenómenos opostos, mas são as duas faces da mesma moeda. Eles são eventos conjuntos e paralelos nas experiências de vida de muitas
pessoas (Fattah, 1994).” De facto, esta ideia é fundamental para perceber que a dicotomia popular entre o agressor ativo e o sofredor passivo, o
criminoso culpado e a vítima inocente é uma falácia instilada na nossa génese cultural, mas desconforme com a realidade social.

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que foi vitimizado com o crime, e não o que primeiro se queixou, o que quis instrumentalizar o
Processo Penal para os seus fins pessoais…

Por outro lado, o reforço da proteção da vítima visado com o Estatuto, ao mesmo tempo que
são mantidas todas as pré-existentes figuras processuais, é passível de gerar confusão e de ficar
pouco clara a posição processual do cidadão vítima de crimes, especialmente quanto aos crimes em
que se protegem bens jurídicos de natureza particular.

Por essa razão, bem como para gerar mais transparência e confiança da vítima no sistema de
justiça, conseguindo uma maior proteção da mesma, parece-nos curial, de iure condendo, tendo em
conta a unidade do sistema jurídico, efetuar a fusão da figura do assistente, nos crimes de natureza
particular, com a figura da vítima de crimes, cujo Estatuto foi agora gizada, permitindo-lhe, desde
logo, beneficiar do estatuto de assistente de forma “automática” ao apresentar queixa, sendo
ofendida.

Julgamos que, de futuro, com o sentido que a legislação comunitária referente à vítima aponta,
e tendo em conta o sistema processual penal português, esta medida se alinharia com a evolução
anunciada e a pressentida, permitindo ao sistema acompanhar a evolução social e servir os fins para
que foi criado.

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