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forma, mas não com o nome da letra ou antigo norueguês rúnico futhark.

Assim,
os gráficos de runas são discretos na linha vertical de baixo do lado esquerdo da
página, assim como na impressão do poema em inglês antigo do Hickes. O AM
461 12 ° não tem o mesmo lay-out, por isso não inclui os gráficos, em vez disso;
cada verso começa com o nome da runa. O texto não está definido formalmente
em linhas individuais, cada um tratando de uma única runa, embora haja
alguma sugestão que já foi organizada, como poderíamos ver. Provavelmente o
AM 687d 4 ° tem o formato original, mas há a necessidade de explicações. Tais
deficiências como estas nas primeiras edições, justificam esta nova tentativa de
apresentar o poema rúnico islandês.

Texto de Raymond Ian Page, tradução de Lucas Fernandes.

Fonte: PAGE, Raymond. The icelandic rune-poem. London: Viking Society


for Northern Research, 1999.

CAVALOS E MALDIÇÕES: ASPECTOS DA FEITIÇARIA


RÚNICA

Dentre os tipos de práticas mágicas existentes na Europa desde a


Antiguidade algumas das mais peculiares sãos as maldições. Essa tradição
milenar, influenciada pelo Oriente antigo, também existiu na Escandinávia da
Era Viking. Diversas fontes literárias nórdicas preservam referências sobre
maldições (em específico, as envolvendo runas), sendo as mais famosas:
Skírnismál 36 (poema éddico, século X); Egils saga skalla-Grímssonar 57 (saga de
família, século XIII); Bósa saga ok Herrauðs 5 (saga lendária, século XIV). As três
possuem alguns elementos em comum, especialmente a intenção malévola da
magia: no primeiro, Skirnir tenta forçar Gerd em casar com o deus Freyr por
meio da gravação em um bastão da runa þurs; no segundo, Egil ergue um
bastão da infâmia com runas contra os reis da Noruega; e no terceiro, a feiticeira
Busla ameaça um rei com maldições e runas. Até que ponto estas referências

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literárias podem apontar indícios de práticas que realmente ocorreram nos
tempos nórdicos pré-cristãos? Ao lado de alguns acadêmicos pós-modernistas
que percebem os temas mágicos na literatura nórdica como totalmente
fantasiosas, a epigrafista Mindy Macleod (2000; 2006) defende uma radical
posição que as runas nestas três narrativas citadas são totalmente artificiais,
anacrônicas, falsas e romanticamente interpoladas para o prestígio do herói na
literatura, o que para nós é um grande exagero.

O poema Skírnismál vem sendo muito estudado recentemente e vários


pesquisadores alegam que sua narrativa foi utilizada ainda na Escandinávia da
Era Viking como recurso dramático ritualizado (Terry Gunnell, 1995) ou como
elemento de legitimação política para a elite governante (Gro Steinsland, 2012).
No específico detalhe da maldição, Skirnir lança a declaração associando a runa
þurs (“gigante”) com a difamação ergi (Þurs ríst ec þer oc þria stafi: ergi oc eþi),
uma tradição também preservada nos tempos após a cristianização, como
podemos perceber na inscrição de Bergen de 1335. Nos poemas rúnicos
norueguês e islandês (século XIII e XV), a runa þurs causa flagelos e tormentos
às mulheres. Em muitos amuletos e inscrições da Era Viking, ela está associada
com poderes negativos e como causadora de dor e coisas desagradáveis. O
estudo da poesia éddica (e em consequência, da mitologia) como fonte direta
para a reconstituição da religiosidade pré-cristã é algo muito discutido, mas
preferimos seguir a tendência de Schjødt (2008: 86) em pensar que tanto o mito
quanto o ritual obtinham seu simbolismo da ideologia religiosa, portanto, é
legítimo interpretar a maldição rúnica de Skírnismál como conectada à mesma
estrutura e semântica ritual que originou as inscrições preservadas do período
pré-cristão.

Como produtos mais tardios do que os poemas éddicos, as sagas


islandesas ocupam um debate mais intenso com relação a seu conteúdo mágico
de origem pagã. Tradicionalmente, a narrativa de Egil erigindo um bastão da
infâmia (niðstang) contra os reis da Noruega foi interpretada como um reflexo
direto de práticas pré-cristãs, de Dumézil (2000, original de 1985), Boyer (1986)

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a Marez (2007). Quanto ao encantamento de Busla, as posições são mais
divididas. Rudolf Simek e Macleod acreditam que a Buslubæn não foi mais
antiga que a saga datada do século XIV, mas Gallo (2004) e Langer (2009)
defendem uma antiguidade maior ao poema, derivado indiretamente de
tradições pré-cristãs. Analisando algumas inscrições datadas da Era Viking,
percebemos mais alguns elementos que confirmam essa nossa posição.

Figura 1: Reprodução da pedra rúnica de Roes (G 40), ilha de Grötlingbo, Suécia, circa 800
d. C. (atualmente no Museu Nacional de Estocolmo). Ao lado, detalhe ampliado das
inscrições. Fonte: Marez, 2007, p. 192.

Tanto na Egils saga quanto no Buslubæn, a figura do cavalo é um elemento


chave. No primeiro caso, a cabeça de um equino é inserida ao alto de um bastão
com runas, enquanto que no segundo ela é intrínseca à maldição (hestar streði
þik, “cavalos te estuprem”). Na inscrição de Roes (figura 1) percebemos ao lado
de uma pequena frase, o desenho esculpido de um garanhão em posição
excitada. A inscrição em antigo gotlandês Iu þin Uddr rak (“Uddr lançou este
cavalo”) possui um sentido mágico segundo a interpretação de Alain Marez
(2007, p. 191): “Esta é a maldição que Urd lançou”. Aqui o cavalo possui uma
relação de depravação, possivelmente projetada para uma figura masculina. Em
outra inscrição, Eggjum (figura 2), também percebemos a figura de um cavalo
com runas, mas associada a outro contexto: alu missyrki (“proteção contra o
violador” – última frase da inscrição). Neste caso, o simbolismo do cavalo como
agressão fálica serve para proteger o monumento contra vândalos, uma
estratégia típica também em outras runestones (ao evocarem maldições de
proteção).

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Desta maneira, a maldição rúnica essencialmente era vinculada a uma
agressão relacionada a um contexto de sexualidade, tanto masculina quanto
feminina. Seja utilizando o ritual do niðstang, ou maldizendo um rei para ser
estuprado por cavalos, seja ao esculpir a runa þurs para um ser feminino ou ao
desenhar a imagem de um garanhão em uma inscrição, o praticante de magia
estava requisitando o fundamental conceito de ergi – a palavra nórdica que
provocava a reação mais violenta e pejorativa, significando a covardia, a
efeminação, a ninfomania, a perversão, a perda da honra. Em última palavra, o
fim da identidade sócio-sexual normal (o status sexual) e o recebimento de uma
conotação marginalizada ou uma natureza não humana. Transmutado no
terrível insulto Níð (com pena de proscrição em leis nórdica aos seus
executantes).

Figura 2: Reprodução da inscrição rúnica de Eggjum (N KJ101), Sogndal, Noruega, circa


650-700 d. C. (Museu de Bergen). Fonte: Marez, 2007, p. 196.

Mas voltando à problemática inicial, as citações de maldições rúnicas na


literatura não poderiam ser apenas clichês literários, sem vínculo com práticas
reais, antigas ou contemporâneas em relação às fontes? Somos partidários de
que o corpus literário não pode ser interpretado simplesmente como fonte direta
das ações sociais. Ele é uma reinterpretação, mas não podemos cair no erro em
considerá-lo apenas produto de sua época ou pura fantasia. Ele também
preservou informações do passado distante, no caso, de tradições religiosas
antigas. A maldição rúnica do poema Skírnismál, por exemplo, pode ser
interpretada na perspectiva de Catharina Raudvere (2012) como um ritual
fictício, ou seja, produto de um texto mito-poético que não pode ser pensado
literalmente, mas que também foi baseado na estreita relação entre discurso e

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ação social e com isso, ele serve como fonte para os estudos dos rituais pré-
cristãos, desde que se saiba interpretá-lo corretamente enquanto formulação
poética.

Quanto as narrativas das sagas, pensamos como Bernt Thorvaldsen (2010)


de que as maldições poéticas circulavam em continuum entre a oralidade e as
formas escritas. As maldições da literatura não são necessariamente descrições
literais das práticas, mas estão associadas com a magia na mente dos redatores e
refletem certo grau de adaptação semântica. É tarefa do pesquisador tentar
descobrir quais foram os níveis de adaptação e quais os elementos que
formavam parte do continuum em cada fonte específica. Se a magia fosse apenas
um simples clichê literário nas sagas islandesas (como defende Mindy Macleod
ou Clive Tooley no caso de Völsi), ela não seria uma prática proibida nas leis
nórdicas em plena Idade Média Central. Já para Thomas DuBois (2006), as sagas
contém material etnográfico sobre os rituais pagãos, mas também diversas
idealizações e morais cristãs, todas atreladas a tradições submersas no cotidiano
contemporâneo das sagas. Mas é preciso cuidado na filtragem e leitura das
fontes. A Buslubæn lança o amaldiçoado para Hel (í hel gnaga), mas em nenhuma
inscrição rúnica pré-cristã existe qualquer tipo de associação de uma maldição
com seres do submundo (ou a situações escatológicas, no pós-vida ou em outros
mundos), como era comum na tradição clássica. Com certeza, trata-se de uma
adição já nos tempos cristãos (a própria concepção de Hel é variável das fontes
mais antigas até as sagas tardias). Concordamos totalmente com Gallo (2004),
de que Skírnismál e Buslubæn contém maldições ficcionais, mas que ao mesmo
tempo são inestimáveis para o estudo do paganismo nórdico.

Para concluir, podemos afirmar até o presente momento que as tradições


de maldições rúnicas na Escandinávia pré-cristã não eram tão complexas,
corriqueiras e instrumentalizadas quanto as maldições do mundo clássico
pagão. Não existem indícios de invocações a poderes do submundo. Enquanto
na Antiguidade Greco-romana os malefícios existiam praticamente em todos os
campos sociais (incluindo esferas jurídicas, comerciais e privadas), no mundo

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nórdico eles estiveram mais relacionados a alguns aspectos dos conflitos de
membros das comunidades e como elementos de proteção aos mortos e
monumentos funerários. O simbolismo mais destacado nestes dois contextos é o
relacionado ao cavalo, não somente por ser um animal intermediário entre os
mundos na cosmovisão (e importante símbolo religioso e de status), mas
também por ser a principal figuração da agressão fálica (o Níð) e a principal
personificação do conceito de ergi. Quanto aos rituais mais complexos
envolvendo maldição rúnica nas sagas islandesas (as níðstangs mencionadas em
Egils saga 57 e Vatnsdæla saga 34, além da peculiar maldição rúnica da Grettis
saga 79), elas ainda são motivo para debates entre os acadêmicos e em futuras
análises mais detalhadas de nossa parte.

Autor: Prof. Dr.


Johnni Langer
(UFPB/NEVE)

johnnilanger@yahoo.com.
br

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