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Luis de La Palma - A Paixão Do Senhor
Luis de La Palma - A Paixão Do Senhor
A PAIXAO DO SENHOR
A obra A Paixão do Senhor, escrita no século
XVII, é um dos grandes clássicos da
espiritualidade cristã. Livro de cabeceira de grandes
santos, talvez o maior relato da Paixão de Cristo de
todos os tempos.
Seu autor, Pe. Luis De La Palma, retrata com
maestria e impressionante interioridade os
momentos finais da vida terrena de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Demonstra como o Senhor,
verdadeiro Deus, viveu em sua Humanidade
Santíssima o sacrifício redentor para nossa salvação.
Essa obra é imprescindível para todos aqueles
que desejam meditar na Passio Domini, para aqueles
que queiram viver junto com o Senhor o mistério de
sua entrega redentora por nós.
QUINTA-FEIRA SANTA
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Jesus é preso . . ...... . ... ... . 58
. . .. ... ..... . . . . . ............ . . . .....
SEXTA-FEIRA SANTA
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Jesus diante do Pai . ...... . . . . . ....... . . . .. ........... . .... . . . . 174
Pa i , perdoa-lhes . . . .. . . . . . . . ... . . . . . . ..... . . . . . . . . ..... . .. . .. . . . 175
Hoje estarás comigo n o paraíso . ... . . . . . .. . . . ... . .. . .. . . . 177
As trevas cobriram toda a terra . . . . . . ... . . . . . . . . . .. . . . . . . 1 80
A Virgem Ma ria se a proxima da cruz . . . . .. . . . . .. ........ 181
Eis a í tua mãe .... ... . .... . . . . .. . ... . . .. ... . ..... . . ... .. . .. . . . . . . 1 84
Jesus morreu por cada um de nós 187 .... .......... .. . .. .. . .
SÁBADO SANTO
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t\.f. �·J.?. § �_T..!\_Ç�º-
.................. .......... . ............. ... ............... ............................................. .. .. ..
PASS/0 DOM/N/
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- Passio Dom i n i .
Improvável será estimado leitor, term inar a leitura
d esta magnífica obra, sem reavivar seu amor pelo Santo
Sacrifício da M issa, enfi m , por Nosso Redentor.
JO
PREFÁCIO
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Na quarta-feira, o Senhor ficou em Betânia d u ra nte
o dia todo. À noite preparara m um banquete. Lázaro, teste
munho vivo do milagre, era um dos convidados. Uma grande
multtdão dejudeus veio a saber que Jesus lá estava; e fora m
não somente por causa de Jesus, mas ainda para ver Lázaro
que ele ressuscitara (Jo 1 2 , 9 ) . Marta e M a ri a , irmãs d e
Lázaro, ta m bé m estavam presentes e demonstravam m u i
t o agradeci mento ao Sen hor, cada u m a a s e u modo.
Em bora a residência pertencesse a Simão, o leproso,
Marta servia aos convidados com m u ita a legri a , principal
mente ao Senh or.
M a ri a trouxe u m vaso cheio de perfu m e de n a rdo
puro e valor elevado, uma libra . Para Judas parecia u m des
perdício, porém M a ria achava pouco; mostra ndo toda g ra ti
dão, quebrou o vaso e derramou sobre a cabeça de Jesus,
depois ungiu ospés de Jesus e enxugou-os com seus cabelos.
A casa encheu-se do perfume do bálsamo (Jo 12, 3 ) .
E ra costu m e d o s j u d e u s u n g i re m a s s e p u l t u ra s .
Esta ndo pró x i m o d e s u a morte, Jesus a g radeceu todo o
amor demonstrado por Mari a . Defendendo-a disse :
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J udas m u rmurava por tao g rande e aparente desper
d ício, não percebia nenh u m ato de nobreza de Ma ria para
com seu Mestre . Dizia que o valor gasto poderia aj udar os
pobres, mas na rea lidade Judas não se i m portava com os
necessitados, pois era ladrão, tendo a bolsa furtava o q u e
n e l a la nçava m . Por isso preferia vender o perfu me e ficar
com o dinheiro . Com a teatral preocupação com os pobres,
os apóstolos se deixaram enganar e reclamara m ta mbém.
Nós, ta m bém, mu itas vezes d efendemos o erro por falta
de uma reta intenção.
Parece que o rompimento de Judas começou pela cobi
ça . Furtava o d i n heiro com u m para o próprio uso. Aos pou
cos, começou od iar a pessoa e a d ou trina de Jesus. Com o
coração endurecido, não acreditava em mais n e n h u m ensi
namento ou milagre. Provavelmente foi um dos que reclama
ra m das palavras que Jesus usou q u a n d o prometeu dar o
seu próprio corpo e sangue como ali mento: Isto é mwto duro/
Quem pode admitir? (Jo 6, 60) . N este mesmo d iscurso o
Senhor havia d ito: Mas há alguns entre vós que não creem. . .
Pois desde o princípio .Jesus sabia quais eram os que criam e
quem o havia de trair(Jo 6, 64) . Judas permaneceu no gru po,
d issi m u lando a rea l i ntençã o . Então, Jesus perg u ntou aos
doze: Quereis vós também retirar- vos? (Jo 6, 6 7 ) . S i m ã o
Pedro respondeu p o r todos : Senhor; a quem iríamos nós? Tu
tens as palavras da v1da etema. Enós cremos e sabemos que
tu és o Santo de Deus/ (Jo 6, 68-69 ) . O Senhor tenta ndo
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IH!rsuadir J udas acrescento u : Não vos escolhi eu todos os
doze? Contudo, um de vós é um demônio! . . . (Jo 6, 70) . J esus,
com cari n ho e paciênci a , s uportou em segredo a tra içã o .
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Q!JINTA-FEIRA SANTA
Pela manhã de qui nta-feira, primeiro dia dos pães ázi mos,
esta ndo Jesus em Betânia ou provavelmente a caminho de
Jerusalém, os d iscípulos perg u ntaram onde celebrariam a
Páscoa . O Senhor encarregou Ped ro e João dos p repara
tivos: Ide à cidade, à casa de um tal, e dizei-lhe: O Mestre
manda dizer-te: Meu tempo está próximo. É em tua casa que
celebrarei ,1 Páscoa com meus discípulos ( Mt 26, 18). Ele vos
mostrará no andar superior uma grande sala mobiliada, e ali
Fazei os preparativos ( Lc 2 2 , 1 2 - 1 3 } . Os dois d iscíp u los
o b ed ecera m e a co ntece u tudo co m o Jesus h a v i a d ito ;
assim a ceia foi prepa rada na casa daquele homem bem
aventura d o .
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minha mesa no meu Reino e vos senteis em tronos, parajulgar
as doze tribos de fsraei (Lc 22, 28-30 ) .
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daquele homem por quem o Filho do Homem é traído/O trai
dor pensa que tri u nfa e que g a n h ará a m igos e d i n h e i ro,
mas na realidade ca m inha em di reção ao tormento eterno
q u e seria melhor para esse homem que jamais tivesse
nascido! ( Mt 26, 24).
Desco berto pelo s i n a l d e m o l h a r o pão n o p rato,
J udas sem nenhum em baraço perguntou : Mestre, serei eu?
( Mt 26, 2 5 ) . O Senhor com voz baixa, para q ue os ou tros
não ouvisse m, respondeu : Tu o d i sseste, q u e q u e r dizer
sim, seg u ndo o modo de falar dos h ebreus.
O SENHOR INSTITUI O
SACRAMENTO DA EUCARISTIA
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v i n h o , a fi m d e ser n osso sacrifíci o l i m po e agradável a
Deus.
Jesus Cristo está realmente no Sacramento da Euca
risti a, fornecendo a cada u m , o seu Corpo como verdadeira
comida e o seu Sangue como verdadeira bebida . Por amor,
Jesus deixou o alimento q u e fortalece a nossa esperança,
d esperta a nossa memória, aco m p a n h a a nossa sol idão,
socorre as nossas n ecess i d ades. A E ucaristia é testemu
n h o d e sa lvação e rea lização das pro messas contidas na
Nova Aliança. Preocupado com o futuro da Ig reja e às por
tas da paixão e morte, n ã o fazia outra coisa senão rezar
e ord e n a r tudo de modo q u e n u nca fa ltasse o A l i m e nto
eucarístico até o fi nal dos tempos.
Os a póstolos estava m todos atentos, para ver o que
aconteceria na nova cerimôn i a . O Senhor vestiu a túnica
que tinha tirado, sentou-se outra vez à mesa e, como se
fos s e co m e ç a r u m a n o v a c e i a , m a n d o u os a p ósto l o s
reclinarem com Ele.
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aquele que o enviou. Se compreenderdes bem estas coisas,
sereis felizes se as praticardes ( Jo 13, 1 2 - 1 7 ) .
O S e n h o r n ã o perdia n e n h u m a oca s i ã o p a ra d e
monstrar a Judas a tristeza que causava a traição, q ueria
mostrar que não partiria enganado para a morte, mas por
que queria: Disse- vos que sereis felizes, mas não digo de
todo� porque conheço bem os que escolht: De qualquer forma
há de cumprir-se a Escritura: o que come à minha mesa há
de me trair. Digo isto agora e com tempo, antes que aconteça,
para que, quando o virdes cumprido, acrediteis no que vos
disse que sou (Jo 1 3, 1 8- 1 9 ) .
Todos olhavam su rpreendidos, nota ndo n o seu rosto
e na sua atitude que faria algo g rande e fora do com u m . O
Senhor tomou o pão ázimo, daqueles q ue tin ham sobrado
da primeira ceia , leva ntou os olhos ao céu para seu Pai,
para que vissem q ue d 'Eie vinha o poder d e realizar u m a
obra t ã o grande. D e u graças p o r todos o s benefícios que
tinha recebido e, especi a l m e nte, por a q u i l o q u e n a q u ele
momento realizava por todos. Sagrou o pão com palavras
novas, a fi m d e prepara r os a pósto los para a gra nd iosa
n ov id a d e . Pa rtiu o pão de modo q u e todos p u d essem
comê-lo e consagrou-o com as suas palavras. O Pão conver
teu -se no seu Corpo, contin uava com a p a rênci a e sabor
de pão, mas agora era o seu próprio Corpo que estava pre
sente. As p a l a v ra s com que consag ro u o pão d a v a m a
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entender cla ra m e n te q u a l era a co m i d a q u e l h e s dava :
Tomai e comei, isto que vos dou é meu Corpo, o mesmo que
há de ser entregue na cruzpor vós e pela salvação do mundo.
Deu a cada um o pão consagrado e todos o tomaram e co
mera m . Sabiam o que rea l mente estava acontecendo, por
que o Salvador d isse com palavras bem cla ras.
Havia sobre a mesa u m cálice de vinho misturado com
um pouco de água . Tomou o Senhor o cálice em suas mãos,
deu graças ao Pai , santificou com uma nova benção, consa
g rou-o com suas palavras e a q u ele v i n ho converteu-se no
seu S a n g u e . Aq uele mesmo sangue q u e corria pelas suas
veias, estava rea l mente presente ta mbém naquela taça . As
palavras com que tinha consag rado o vinho fora m tão claras
que os a póstolos entenderam bem o que lhes dava a beber:
Bebei todos deste cálice, porque este é o meu Sangue com o que
confirmo a Nova Aliança_- o mesmo Sangue que derramareipor
vós na cruzpara que vos sejam perdoados ospecados.
O S e n h o r p rete n d i a q u e o Sacrifício perd u rasse n a
Ig reja até o fi nal dos tempos, por isso também d e u o poder
de consagrar o Vinho e o Pão aos a pósto los, e que esse po
der fosse transmitido até sua volta, quando julgará o m u ndo.
O rdenou expressa mente que q u a ntas vezes se celebrasse
o sacrifício, o fizessem em sua memória. Deixava entre os ho
mens u m legado valiosíssi m o : o seu Corpo e o seu Sangue,
e todos os teso uros d a g raça que mereceu com a Paixão.
Deste modo, perpetuava s u a presen ça e ntre nós.
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O Pão e u ca rístico está d esti n a d o a o sustento dos
homens que vão como pereg ri nos pelo mundo. É tão g ran
de e forte o fogo do seu amor, q ue faz os homens santos.
As palavras divinas devem ser recebidas com fé e com todo
o agradecimento, porque foi o próprio Senhor quem d isse :
Tomai e comei, isto é o meu corpo. Bebei todos deste cálice
que é o meu sangue.
Como poderemos retribuir o g rande benefício? Com
todo afeto do coração, di zendo: Veja Senhor, este é o meu
corpo; ofereço na dor, na doença, no cansaço, na fadiga e
n a penitê n ci a ; este é o m e u s a n g u e , ofe reço para s u a
g lória ; esta é m i n h a a lma q u e q uer obed ecer e m t u d o a
sua vonta d e .
O S e n h o r se reu n i u c o m o s d i s c í p u l o s q u e o
esperavam, e aco m pa n hado por eles, s a i u de casa . E ra
noite . Deixou pa ra trás a i n g rata cidade q u e não o ti nha
reconhecido e subiu em direção ao Monte das Oliveiras, do
outro lado da torrente do Cedron, onde costu mava rezar
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de noite. E n q u a nto ca m i n h ava, olh a ndo a todos, disse :
Todos vós vos escandalizareis de mim esta notte, e fugireis,
e me deixareis sozinho quando virdes o que me vai acontecer.
O Senhor fa lava sobre o q u e fazia sofrer o seu coração ;
mostrava anteci pada mente, como verdadeiro Deus, o q u e
havia de acontecer. Para a n imá-los dizia q u e morreria por
sua própria vontade e voltaria para perdoá -los, pois sabia
o q u e iria acon tec� q u e não fica ria surpreendido por se
escandalizarem e fugirem. Há muito tempo o Profeta Zaca
rias profetizou : Ferirei o pastor e as ovelhas do rebanho serão
dispersas. Jesus contava q u e se tornariam fugitivos, porém
duas coisas iriam consolar: Eu ressusCitarei ao terceiro dia,
e depois de ressusCitado, esperarei por vós na Galiléia, e ali
me vereis, e ao ver-me, vos enchereis de alegria.
O Sen hor tin ha repreendido duas vezes Pedro pela
excessiva impetuosidade. Confiava em si m esmo mais do
que devia e alardeava dia nte de todos que n u nca a ba ndo
naria o Mestre, mesmo se fosse necessário ser preso e mor
rer. E agora voltava com a mesma suficiência, a rmado com
uma espada para, se necessário, defender o Senhor. Pedro
não tinha considerado que Jesus se referia a todos quando
disse : Todos vos escandalizareis de mim. Pensava que ele
era uma exceção ; não reparou que J esus sempre dizia a
verdade, nem que ele era fraco. Por isso protestou e disse :
Ainda que todos se escandalizem de ti, eu, porém, nunca! (Me
1 4 , 29). P e d ro d iz i a o q u e senti a . A ele d i reta m e n te o
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Senhor profetizou: Em Verdade te digo: hoje, nesta mesma
noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me terás
negado ( M e 14, 3 0 ) . Ped ro não podia acreditar, parecia que
o s i m ples fato de não m a n ifesta r a sua d eterm inação d e
segu i-lo até o fi m já era uma traição. Por isso insistiu : Mes
mo que seja necessário morrer contigo, jamais te negarefl ( Mt
26, 3 5 ) . Os outros apóstolos diziam o mesmo, com seme
l hante vang lóri a .
Conversa ndo chegara m a o vale profundo e som brio,
chamado Vale do Cedron ( cf. 2Rs 23, 4). Na parte mais pro
funda passava um riacho seco, por Isso era chamado tam bém
de Torrente do Ced ro n ( cf . J r 3 1, 40 ) . D o o u tro l a d o da
torrente, à esq uerda, no declive do Monte das Oliveiras, fica
va o H o rto d o G etsê m a n i . P o r s e r u m l u g a r s o l i t á r i o e
afa stado, o Senhor tinha escolhido m u i tas vezes para orar.
Ao passar pelo vale e pela torrente, os discípulos esforçavam
em parecerem coraj osos, mas é d e su por que estivessem
a n g u stiados e co m medo . O vale e ra escuro e a to rren te
profu nda e as á rvo res fro n d osas, a longavam-se som b ras
n e g ra s p e l o s p e n h a scos e co n ca v i d a d e s do m o n te ; a
solidão e o silêncio era m g randes; a noite estava fechada e
era muito tard e . H á m ulto tempo J u da s t i n ha parti d o .
Ti n h a m fa lado de tra ições, d e desonra, de tortu ras
e de morte . O efeito que tudo i sto pode produzir, no meio
daquela escura solidão, no ânimo de uns homens fracos e
i n defesos e ra notóri o .
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Chegando à en tra d a d o h o rto, Jesus -ordenou q u e
ficassem a l i . Enca rrego u-os de velar e que não adorme
cesse m, porq u e i ria fazer suas o ra ções, e pa ra q u e não
ca (ÍÍem em tentação, que fizessem o mesmo.
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semos ser redi mid os; sofreu a dor no seu corpo e sofreu
tristeza e a ngústia na sua a l m a . Demo nstrou que era u m
verdadeiro h o m e m ao sofrer, ao sentir e ao comove_r-se.
Não foi menos Redentor ao padecer fome, sede, cansaço
e fadiga no seu corpo, como também não foi menos Reden
tor ao padecer tristeza, m e d o e a n g ústia na sua a l m a .
Quando u m homem sofre u m a terrível dor física e tem a o
seu alcance u m remédio eficaz e não o uti liza , dizemos que
este homem sofre porque q uer. Do mesmo modo, o Senhor
podia suprimir imediatamente a dor do seu corpo e d a sua
alma, mas não usou de seu poder divino, portanto, é certo
que sofreu porq ue desejou. E esse foi , talvez, o desamparo
de que se q ueixou na cru z : Meu Deus, meu Deus, por que
me abandonaste? (Mt 27, 46).
Uma das razões pela q ua l Jesus Cristo q u is sofrer a
dor no seu corpo e na sua a l m a foi para demonstra r q u e
era u m verdadeiro homem, com a nossa mesma natureza ,
q ue sentia como n ós a tortura e os i nsultos, que não era
"de bronze e de ped ra" (d. Jó 6, 1 2 ) .
Q u a n d o sentimos a força das ten tações n ã o deve
mos desa n i m a r e pensar q ue perdemos a graça de Deus.
Estes senti m en tos não são pecados, mas man ifestações
da debilidade natural do homem. O Senhor q u is sentir esta
fraq ueza, fa zendo-se igual a nós - exceto no pecado -,
para q ue nós nos fi zéssemos iguais a Ele, na fortaleza e
n a o b e d i ê n c i a à v o n t a d e d e D e u s . C o m o d i z S a n to
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Ambrósio: Não devem ser considerados valentes, os que mais
fendas recebem, mas os que mais sofrem por elas. Quis o
Senhor pa rticipa r como nós das dores do corpo e tam bém
das tristezas da alma, porque qua nto mais partici passe dos
nossos males, mais participantes nos fa ria dos seus bens.
Tomou a minha tristeza - diz Santo Ambrósio - para me
dar a sua alegria_- com meuspassos desceu à morte, para que
com os seus passos eu subisse à vida.
Tomou o Senhor a s n ossas enfermidades para q u e
fossemos curados, castigou a si mesmo pelos nossos peca
dos, para q ue recebêssemos o perdão. Curou a nossa so
berba com as suas h u m i l h ações; a nossa gula, bebendo
fel ; a nossa sensualidade, com a sua dor e a sua tristeza .
Por outros motivos que u ltrapassam o con hecimento
h u ma no, nosso Senhor m i sericordioso e amoroso, q u is ser
a çoitado, esbofeteado, coroado de espinhos, ter os pés e
mãos perfu rados, como ta mbém perm itiu que os enviados
das trevas o a tormentassem e a tristeza se a poderasse
do seu coração .
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igrejas era mais importa nte que seu cansaço e as perse
gu ições que sofria, podemos i maginar como seria o sofri
mento do Senhor, q u e t i n h a u m a caridade infin itamente
maior q ue o a póstolo e desejava sa lva r a todos, mesmo
que fosse com a própria vida; que a mava tanto aos homens
e sabia a grande desgraça que é perder a a m izade de Deus
e fica r privado para sem p re de sua presença e a mor. Só
Ele podia entristecer-se no fu ndo da alma pelas ofensas a
Deus, q u e ocasionariam a condenação etern a .
N osso Senhor ti n h a tomado como s e fossem seus
todos os pecados e estava disposto a pagar pessoalmente
todas as d ívidas pera n te o Pa i ofendido.
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Viu que m u itos não reco nheciam, outros não a preciavam
e que vários não agradeciam seu esforço em nosso favor;
e q u e, m e s m o d e p o i s de d e rra m a r o seu sa n g u e p a ra
limpar nossa i m u ndice, m u itos terminariam na condenação
eterna. Seu coração foi ferido de tal maneira que é i m pos
sível descrever com palavra s . Sentia o novo pecado dos
homens : o desprezo pelo seu amor. A ingratidão d ilacera
m u ito mais quando provêm dos cristãos, pois estes rece
beram as maiores provas de amor.
Jesus sentiu uma m istu ra de dor e consolação, quan
d o seus discípu los l utava m contra as tentações. V i u sua
mortificação e pen itência ; as perseguições, i njúrias e humi
l h a ções que sofreri a ; o tra b a l h o , o cansaço e a d o r, e
m u itas vezes o m a rtíri o . Pre v i u o padeci mento de seus
s e g u i d o res, que seri a m p e rseg u i d os por causa d e seu
nome e de sua doutri n a . O Senhor tom o u tudo para si e
isto dilacerava seu coração.
Quando Saulo perseguia os cristãos, disse : Por que
me persegue? De forma a náloga, viu as pedras que mata
ram o diácono Estevão, o fogo que queimou Lourenço. As
t r i b u lações dos sa ntos fo ra m a s s u m i d a s p o r C ri sto . O
sofrimento de Corpo M ístico, q u e é a Igreja, são os sofri
me ntos do seu p ró p rio corpo . Ele q u e conhecia t u do e
compreendia melhor que ni nguém a dor, em suas orações
ofereceu tudo ao Pa i .
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A ORAÇÃ O NO J-IORTO
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GOTAS DF SA NGUE
jESUS É PR ESO
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com pancadas d e rrubava m-no, e d e pois levantavam-no
brutalmente.
Levaram-no a residência de Ca ifás, sumo sacerdote.
Era ta mbém presidente do conselho que se chamava Si né
d rio, loca l onde se reuniam setenta e dois juízes. Era por vol
ta da meia-noite, porque depois da ceia, quando Judas saiu
"era noite". Jesus t i n ha conversado durante um longo tem
po, su bido ao horto, orado e só depois foi preso; tinha-se pas
sado m uito tempo. Os juízes e anciãos daquele povo, esta
vam tão obcecados que, para não perderem tempo e conde
narem o Senhor, reu n i ram-se mesmo sendo tarde da noite.
E ntrou Jesus em Jerusa l é m , grande Sacerdote da
Nova Aliança, para oferecer a sua vida em sacrifício agra
dável a Deus pela redenção do mundo. O processo come
çou na casa do sumo pontífice, onde estava m reu nidos a
sua espera, os sacerdotes e doutores da lei. Antes, porém,
os soldados leva ra m -no a casa de Anás, sogro de Caifás.
Honrando ass i m , sog ro e genro, e desonrando o Senhor.
Anás enviou-o preso ao sumo sacerdote Caifás (Jo 18, 24 ) , a
quem competia conduzir o processo . Caifás foi quem deu
aos judeus o conselho: Con vém que um só homem morra
em lugar do povo (Jo 18, 14). Ele que tinha dado o conselho,
estava d isposto a executá-lo. Na sua casa a contecera m
todas as coi sas q u e se contam desta noi te .
Em bora , depois da prisão n o horto, todos o s d iscí
p u los ten h a m fu g i do e deixado Jesus. Preocupado p a ra
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onde levariam o seu S e n l1 o r, mesmo com medo, Pedro
seguia-o de longe ( M t 2 6 , 58 ) . Ta m bém o seg u i a ou tro
discípulo, que ti nha certa a m izade com o sumo sacerdote.
C h e g a n d o a casa de C a i fá s , e n trou J es u s e toda
aq uela comitiva que voltava do horto; p rovavelmente ou
tros se i ncorporaram atraídos pelo alvoroço pelas ruas da
cidade.
Entrando, logo dispensariam o tribuno e os soldados
romanos com uma quan tia generosa . Fechariam as portas
para evitar curi osos, com isso ficariam somente os j u ízes
e as pessoas i m porta ntes no processo . Vig i a nd o a porta
estava uma criada, o o u tro d i scípulo, por ser conhecido,
conseg uiu entrar. Ao notar q u e Pedro tinha ficado de fora,
ju nto à porta, o d iscípulo ped i u e a porteira deixou-o en
trar. Naquela noite, a verdade tão perseguida seria negada
por Pedro.
Levaram o Sen h o r na presença do pontífice . Pedro
e o outro d iscípu lo estavam presentes e teste m u n ha ra m
o ocorrido. O pontífice, j unto com os sacerdotes e doutores
da lei , exa m i navam o processo contra J esus. Pela manhã
pretendiam real izar outro conselho, este pleno e legítimo;
o processo noturno seria u m a p reparação para poderem
encontrar provas e condenar o Senhor à morte. Conside
ravam-no um farsante e a g itador, p regador de mentiras
contra a Lei e a tradiçã o . O sumo sacerdote examinou pri
meiro sobre os discíp u los; q uem e quantos era m ; depois
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s o b re a d o u t ri n a q u e e n s i n a v a , p a ra tenta r e n co ntra r
alguma mentira ou erro.
O Sen hor nada d isse sobre os d i scípulos, todos ti
nham fugido escandalizados e envergonhados, e Pedro que
estava presente, atemorizado, não fa laria em sua defesa.
Considerando a razão das perg u ntas, bastari a responder
sobre sua doutrina, que sendo boa e de Deus, não poderia
reu n i r discípulos para uma causa perversa . Assim respon
deu : Faleipublicamente ao mundo. Ensinei na sinagoga e no
templo, onde se reúnem os judeus, e nada falei às ocultas
(Jo 18, 20), vocês poderi a m suspeitar, se a doutrina é noci
va, se eu falasse escondido, mas nada d i sse em seg redo.
Nas vezes q u e fa lei a sós com meus d i scípu los, foi p a ra
explica r as pa rá bolas, nada fa lei de diferente ou pa ra se
ocultar, pelo contrário, era exatamente para que pudessem
entender e assim transmitir a todos. Sendo assi m, por que
me interroga? Pergunta àqueles que ouviram o que lhes disse.
Estes sabem o que ensinei (Jo 18, 2 1 ), nestes acreditareis
mais do q u e a m i m .
U m d o s servos não gostou d a resposta , d ita com
tanta verdade e serenidade, parecia que faltava com res
peito e rebaixava o sumo sacerdote; esbofeteando firme
mente Jesus, disse : É assim que respondes ao sumo sacer
dote? (Jo 18, 22 ) .
O Senhor não perdeu a serenidade, a pesar d a violên
cia feita por u m sim ples servo na presença de todos. Além do
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insu lto e da agressão, dava a entender que a resposta não
era verdadeira, e nem q u e sua doutrina era divi na. Não seria
h u mildade se calar dia nte deste ultraje . Calmamente, Jesus,
mostrou ao ag ressor q u e a vio lência fe ita e a om issão do
pontífice eram i nj ustas, n ã o havia motivo a l g u m p a ra lhe
bater. Se o j u lga mento fosse justo, com petia a penas ouvir
a s teste m u n h a s e d e p o i s dar a s e n te n ç a , mas como o
julgamento nascia do ódio e da i nveja, jamais seria i m parcia l .
Jesus respondeu ao servo : Se falei ma� prova-o, mas
se falei bem, por que me bates? (Jo 1 8 , 2 3 ) . N e n h u m a
resposta podia s e r m a i s a certada, j u sta e oportuna . Por
ter agred ido Cristo, este ca nalha mereceria que a terra se
a b risse e o tragasse. Mas Deus foi paciente, em vez de
castigar, venceu pela bondade.
O Senhor estava disposto a oferecer seu próprio cor
po para ser imolado na cruz. Por isso, não deu a outra face,
como tinha ensinado, além d isso é melhor responder com
a verdade, que oferecer a outra face por orgulho, vaidade
ou aparência. A humildade está no interior, não n u ma ati
tude extern a .
Se o processo fosse justo, a resposta do Senhor teria
sido correta e a ceita . M a s o j u lg a m ento estava viciado na
ra iz, os j u ízes eram i m parciais e d issi mulados. A inveja e o
medo de que os romanos destruíssem o tem plo fez com que
todos estivessem com o veredicto de morte pronto. Os prín
cipes dos sacerdotes e todo o conselho procuravam um falso
68
testemunho contra .Jesu� a fim de o levarem à morte (Mt 26,
59). Seria necessário mentir, porq ue na vida do Senhor não
encontra ri a m nenh u m pretexto p a ra condená-l o . M u i tos
esta va m d ispostos a d a r fa lsos teste m u n hos, a l g u n s por
medo, outros pa ra ficarem bem com os sacerdotes. Todos d i
ziam mentiras e contradições; falavam que Jesus tinha pacto
com o demônio, q u e não respeitava as festas, q ue era g lutão
e beberrão, que era a m igo dos publicanos e pecadores, q u e
incitava o n ã o pagamento do im posto, que blasfemava . Con
tudo disseram u m a verdade : q u e era Fi lho de Deus.
Os fa lsos testem un hos, como não estavam ensaia
dos e se contradizi a m , não foram convincentes para con
denar Cristo . Apresentaram-se mais duas fa lsas testemu
nhas, que declararam : Este homem disse: Posso destruir o
templo de Deus e reedificá-lo em três dias (Mt 26, 6 1 ) . Ouvi
mo-lo dizer: Eu destruirei este templo, feito por mãos de ho
mens, e em três dias edificarei outro, que não será fe1to por
mãos de homens ( M e 1 4 , 5 8 ) . E ra evidentemente fa lso,
Jesus não disse que podia ou destruiria o templo, mas que,
q u ando fosse destru ído, constru iria o utro "não feito por
mãos dos homens", ele falava do templo do seu corpo (Jo 2,
2 1 ) . Isto sign ificava que quando morresse, ressuscitaria
em três dias. Mesmo d i storcendo as pa lavras, ainda não
tinham provas suficientes para o condenarem à morte.
69
O SfNNOR [ CONDENA DO
72
Os servos dos sacerdotes, ao ouvirem a sentença ,
cuspiram-lhe então na face, bateram-lhe com os punhos e
deram-lhe tapas ( M t 26, 6 7 ) . Ta mbém os sacerdotes do
Si nédrio batera m e insu lta ra m Jesus.
Estavam convencidos que o castigo era merecido,
pois Cristo suportava bem. Então, se aproveitaram para
vingar as críticas feitas em público sobre seus vícios e erros.
Levanta ndo-se enfu recidos das cadeiras, em que estavam
indigna mente como j u ízes, começaram a bater-lhe.
Depois, despediram-se e com binaram uma nova reu
nião pela manhã, onde o processo e a execução da senten
ça seri a m validados.
O sumo sacerdote retirou -se ao seu aposento, dei
xando Jesus em poder dos guardas e criados; estes o leva
ram a um comparti mento menor e ficaram a noite toda com
ele. Divertindo-se escarneciam dele e davam-lhe bofetadas
( Lc 22, 63), cuspiram-lhe então na face (Mt 26, 67). Estes
homens vis emporcalhavam aquela face divina que os pró
prios anjos desejavam contemplar ( l Pd 1 , 1 2 ) .
M a ltrata ra m , ferira m , batera m , dera m pontapés e
socos . Depois, cobriam-lhe os olhos ( Lc 22, 64) , taparam
aqueles olhos pa ra qual nenhuma criatura lhe é invisívei ( H b
4, 1 3 ) . Co ntin u a v a m a d a r bofetadas e como tinha fa ma
de p rofeta, escarneci a m - se : advinha, ó Cristo: quem te
bateu? ( Mt 26, 68) . E injuriaram-no ainda de outros modos
(Lc 22, 6 5 ) .
73
Vendaram-lhe a face para se ocultarem ao seu olhar.
Condenara m-se a n u nca mais ver Jesus com os ol hos da
fé . Não devemos estranhar a maldade destes homens . Nós
t a m b é m fa z e m o s o m e s m o : p e c a m o s e c o m n o s s a s
h i pocrisias, logo qu e remos ta par os o l h os d e Deus, para
que não veja a nossa m a ldade.
Há muito tempo uma profecia mencionava o sofrimen
to voluntári o : Aos que me feriam, apresentei as espáduas, e
as faces àqueles que me arrancavam a barba; não desviei o
rosto dos ultrajes e dos escarros (Is 50,6) . Mesmo assim,
causa grande admiração a mansidão, a paciência e a forta
leza com que o Senhor sofreu tudo.
Provavelmente os guardas, durante a jornada de vi
gia daquela noite, se a lternaram nas a g ressões, enquanto
alguns d esca nsava m , o utros chegavam com novas zom
barias. O Senhor não pode dorm i r, sofreu d u ra nte tod a à
noite . Para os cegos da sinagoga, o amanhecer n unca che
gou, pois ficara m na escuridão para sempre .
AS NEGAÇÕES D E PEDRO
79
benefícios q ue ti nha recebido e os privilégios que tinha pe
rante os outros com panheiros. O j u ra mento que proclamou
dia nte de todos, queimava-lhe as entranhas. Foi tanta dor
que, por mu ito tem po, toda manhã quando o galo ca nta va ,
chorava amargamente, lem brando-se deste momento . São
Marcos escreveu "começou a chora r", como se fosse a pe
nas o começo de u m longo pranto, durante m uito tempo.
O olhar d e Jesus toco u - l h e n o fu ndo de sua a l m a .
Como n ã o pode retrata r-se publica mente de s u a covardia,
d esatou a chorar de a rrependi mento. Com a queda, ficou
mais h u m i lde e menos confia nte em s i , não colocou mais
e m risco sua d e b i l i d a d e . Experiente e n s i n o u aos outros
como evitar ocasiões de pecar, e que a forta leza vem de
Deus.
Não pedi u perdão imediata mente. Pensou em lançar
se aos pés do Senhor, suplicando perd ã o . Mas, pareceu
l h e muito atrevimento consegu i r um perdão tão rápido, tal
vez conseguisse com lágrimas e mortificações. Ficou ca lado
e não a p resentou n e n h u m a descu l p a , somente c h o ro u ,
lavando com lágrimas s u a culpa. Foi para fora do palácio,
para chorar em paz, buscando consolação na Virgem Maria,
refúgio dos pecadores. Onde mais poderia buscar conso
lo? Contar sua tristeza e a m a rg u ra? Ela o confortou com
firme espera nça de alcançar o perdão de seu Filho.
O Senhor perm itiu que a pedra fundamental d a Ig reja
pecasse e fra q u ejasse, para e n s i n a r q u e n i ng u ém deve
80
ter a presunção de confiar em si mesmo, pois mesmo u m
apóstolo cheio de privi légio e a mor, ca i u .
Tomemos como aviso o q ue d iz São Paulo: Portanto/
quem pensa estar de pé veja que não caia ( 1Cor 10, 1 2 ) .
Devemos a prender com o q u e aconteceu a Pedro, n unca
duvidar de Deus, mesmo q u a ndo esta mos perdidos, pois
a pesa r do pecado ser e norme, g raças à s suas lágri mas e
a sua pen itência, voltou à a mizade com Cristo. Foi confir
mado como príncipe dos apóstolos, cabeça da Igreja, Pastor
do reb a n h o de C risto e d epositário das ch aves do reino
dos céus.
Comenta Santo Agostin h o : Atrevo-me a dizer que é
proveitoso para os soberbo� cairnum pecado claro e evidente,
pelo qualse vejam como são pecadore� poisjá tinham pecado
com a sua soberba. Pedro se viu mais pecador quando chorou
a sua culpa/ do que quando presumia sua fidelidade.
Outra razão fornece São Gregório : A misericórdia que
o Senhor usou para aquele que seria Pastor da Igreja/
aprendesse por si mesmo como de via compreender as
fraquezas alheias e compadecer-se delas/ foigrande e digna
de ser sempre recordada: O Senhor olha para seu amigo que
o negou para salvá-lo/ e para dar-lhe a mão para que não se
perca. Assim o Senhorfoipiedoso com ele/ para que ele o fosse
com as ovelhas do rebanho que lhe confiaria, para que não
desamparasse ninguém por muito enfermo/ revoltado ou
perdido que possam estar.
81
CR I S TO I'A VI: CL- U POIU \ M OR A OS HOM ENS
87
S E XTA- F E I RA SAN TA
Am a n heceu o d i a seg u i nte, sexta-feira . Para o povo ju
deu, foi um dia extremamente i nfeliz, porque cometeria um
pecado espa ntoso, pelo q u a l mereceria um enorme casti
go. M a s ta mbém foi um d i a próspero : a porta do cé u se
a briria e a h u ma n idade seria remida .
Em bora tenha havido na noite a nterior uma reu nião
na casa de Ca ifás, era necessário dar u m aspecto de leg i
timidade para convencer o povo . Chegando a manhã, todos
os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo reuniram
se em conselho para entregar Jesus à morte ( Mt 27, 1 ) . Po
rém, t�:Jdo já estava definido: sentença de morte, e depois
passar a execução para os romanos. Mesmo sendo a gran
de maioria do conselho de idade avançada e tendo o julga
mento a dentrado a madrugad a , logo pela manhã se reu
niram os sumo sacerdotes, os escribas e com todo o conselho
(Me 1 5 , 1 ) . Nota-se que estavam bem dispostos para faze
rem o mal.
Este enco ntro não foi na casa do sumo sace rdote .
Levara m-no ao Conselho, onde se realizam as reuniões ofi
ciais, con hecido por Sinéd rio . Cada um se sentou em sua
cadeira e os juízes ped i ra m a presença do réu .
91
Retiraram-no da casa do pontífice, onde estava preso,
e levara m -no pelas ruas até o palácio pa ra entreg á - l o ao
Si nédrio . Neste trajeto g u a rdado pelos soldados, como era
pela m a n hã, m u itos a p a reciam nas portas e ja nelas, pa ra
apreciar um preso tão con hecido por sua santidade e admi
rado por suas obras, a plebe g ritava perante sua passagem.
O Senhor ca min h ava com uma corda presa ao pescoço que
atava suas mãos tam bém, ass i m era feito com aqueles q ue
u s a v a m m a l d e s u a l i berd a d e con t ra o seu povo . J e s u s
estava com frio e ca nsado, desfigurado pelos socos e escar
ros; despenteado, com o rosto cheio de equ imoses . Foi assim
que apareceu pelas ruas e as pessoas olhavam espa ntadas.
Todos percebera m clara m ente que seria cond e n a d o pelo
modo como foi tratado e cond u zido.
O ru m o r se este n d e u rapida m e n te p e l a cidade e
chegou ao conheci mento da Virgem Mari a . Contara m-lhe
que tira ra m Jesus d a prisão e levavam-no ao Sinédrio. Ela
s a i u velozmente p a ra encontra r seu Filho . Seg u i ra m - n a
J o ã o , M a ri a M a d a lena e a s o u tras m u l heres. D iferente
mente, os a póstolos estavam dispersos e esco ndidos, mas
também p reocupados com o q u e aco n tecia a o S e n h o r .
M e s m o c o m a cid a d e t o d a a larmada, inexpl icavelmen te
n i ng uém i n comodou a Virgem N ossa Senhora . Toda sua
dor e afl i çã o fo ra m i n teriores, d en tro do cora ção, onde
oferecia seu Filho, e oferecia-se a Deus, co m obed iência e
a mor, mesmo esta ndo a n g ustia d a .
92
O S e n h o r já estava p resente d i a n te d o Si nédrio,
o rd e n a ra m q u e desatassem a s m ã os p a ra que pudesse
responder as acu sações com mais l i be rdade.
Esta ndo solto na p resença d o Consel ho, não bus
ca vam novos testemun hos, conti nuara m no mesmo tema
da noite a nterior, perg untando: Dize-nos se és o Cristo/ ( Lc
22, 66) . Repetiram a mesma perg unta feita, há alguns dias
no Templo: Até quando nos deixarás na incerteza? Se tu és
o Cristo, dize-nos claramente (Jo 1 0 , 24).
O Sen hor que con hecia os corações, respondeu : Se
eu vo-lo disser, não me acreditareis; e se vos fizer qualquer
pergunta, não me respondereis ( Lc 22, 67-68 ) . Mesmo que
provasse através da Lei e dos Proretas, vocês não me liber
tariam. Não merecem resposta, querem saber a verdade para
me condenar. Entretanto, também não quero que pensem
que estou com medo e não direi a verdade. Agora sou réu,
mas em breve estarei sentado a dire1ta do poder de Deus, para
serjuiz de todo o mundo.
Diante daquela resposta que expri m i a toda a verda
de, pla nejaram melhor a acusação : Então, realmente você
é Filho de Deus? Notava-se todo o escá rnio nestas palavras,
pois consideravam Jesus louco e menti roso, não dissimu
lando a i ronia, continuara m : Você é filho de um pobre car
pinteiro, homem de maus costumes, beberrão e glutão, amigo
de publ1canos e pecadores, endemoniado e blasremo, diz que
se sentará a dire1ta de Deus, que o veremos v/r sobre as
93
nu vens. Sim, nos o veremos, não nas nu vens, mas
pendurado no meio de dois ladrões.
O Senhor, percebendo toda a m a l ícia e o q u e pre
te n d i a m , res p o n d e u c o m a m e s m a v e r d a d e da n o i te
anterior: Sim! Eu o sou.
Pera nte a firme resposta q u e o S e n h o r m a n ti n h a ,
dissera m : Que necessidade temos de mais testemunhas?
Nós mesmos escutamos de sua boca a declaração! Tinham
ouvido duas razões suficientes para condená-lo a morte :
que era o Cristo, o Ungido Rei dos judeus e ta m bém Filho
de Deus. A segunda afirmação era para o sumo sacerdote
uma blasfêmia contra Deus e pela qual devia morrer. Pro
clamar-se Rei dos judeus era um cri me contra César, que
mereceria a cruz. Corn estas d u as acusações, decid ira m
levar o réu a Pi latos para que ele executasse a sentença .
94
N o ca m i n h o d o Si n éd ri o a o pretório, voltari a m a
prender seu pescoço j unto com as mãos, como era costume
quando se entreg a um marg i n a l para a execução.
Da casa de Caifás conduziram Jesus ao pretório. Era de
manhã cedo (Jo 8, 28), o rumor estava maior, pois a notícia
ti nha se espa l hado, todos sabiam da condenação, pois a
decisão do Si nédrio fora unâni me. Agora o processo passa
va da j u risd ição ecles iástica para a lçada civi l .
97
contigo ped i r o perdão a Cristo ressuscita d o ; ou mesmo
na cruz poderia ter con seg uido o perdão.
J u d a s , p o r q u e p e rd e u toda e s p e ra n ç a ? P o d i a
esperar que o Senhor na cru z, mesmo sem n i nguém pedir,
intercedesse por todos, inclusive por você! Infelizmente as
ações maldosas e o demônio o deixaram cego . Não olhava
m a i s p a ra o Sen hor espera n d o m i sericórd i a , o peso do
pecado o afu ndou .
Os sacerd otes n ã o q u i s eram receber d e J u d a s o
d i n h e i ro, porq u e se o fi zessem m o ra l m e nte se veri a m
obrigados a soltar Jesu s . S e pa ra J u d a s a venda parecia
um peca d o , para eles parecia um ato piedoso; to m a r o
dinheiro do templo pa ra matar um blasfemo, e assim honrar
e prestar culto a Deu s .
Qua ndo Judas atirou a moedas no templo, o s sacer
dotes as recol h era m para g u a rd a r, e depois deci d i rem o
q ue fazer com elas. Depois da morte de Jesus, e sabendo
do suicídio de J udas, pegara m o dinheiro, mas por ser preço
de sangue não pod i a m colocá-lo de volta no gazofilácio.
Depois de haverem deliberado, compraram com aquela soma
o campo do Oleiro, para que ali se fizesse um cemitério de
estrangeiros (Mt 27, 7 ) . Deste modo, os sábios doutores,
para não perder o d i n heiro, aceitaram como oferenda. Não
pareceu errado tirar o d i nheiro do templo para m ata r um
homem, mas devolvê-lo parecia sacrilégio. Dissimulando a
m a l d a d e , com a p a rente a to d e p i e d a d e , os " s a n tos e
98
d e v o t o s " s a c e rd otes com p r a v a m u m ca m p o p a ra os
peregri nos. Mas Deus castigou -os, pois o povo lhe deu o
nome de ca mpo de sangue, e toda a vez que fosse citado,
se record aria do crime cometido.
1 04
rito. Não é deste m u ndo, porq ue não consiste em bens
mu ndanos, mas em vida e salva ção etern a .
O Sen h o r conti n u o u para te ntar tirar Pi latos e o s
sacerdotes do erro : O seu reino que é deste mundo, e eu
não vou tirá-lo, mas desejo lhe dar o reino etemo. Eu asse
g u ro q ue n e n h u m rei deve te mer o meu reino, porque se
meu reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente
teriam pelejado para que eu não fosse entregue aosjudeus
{Jo 1 8 , 36). Estou tão longe destas coisas, que adverti u m
dos d iscípulos para que guardasse a espa da . N ã o , o meu
reino não é deste mundo .
P ilatos ficou mais calmo, pois embora o Senhor tenha
dito por três vezes que era rei e tin h a reino, deixou claro que
não e ra d a q u i e não estava co n s p i ra n d o contra César.
Perguntou-lhe então Pilatos: És, portanto, rei?RespondeuJesus:
Sim, eu sou rei. E respondendo a seg unda perg u nta, d isse :
Épara dar testemunho da verdade que nasci e vim ao mundo.
Todo o que é da verdade ouve a minha voz ( Jo 18, 37).
C o m esta resposta mostro u a ca u sa d o ódio dos
sacerdote s : t i n h a d i to a verd a d e e eles estav a m m u i to
longe dela .
Pi latos perg u ntou : O que é verdade? Não esperou a
resposta e saiu para e ncontra r os sacerdotes.
Estava convencido d a i n ocênc i a de Jesus. Escutou
pessoalmente que ele não ti nha reino e nem pretendia ter,
viu que não havia nenhum sinal de realeza . Sobre o outro
1 05
mundo, não quis nem comentar com os sacerdotes. O tema
verdade não o atraiu : o Senhor havia falado que somente
d izia a verdade e os que a a m a m , ouvem sua voz. Com
sua a rrogante a utori dade d i sse com menosprezo : Que é
verdade? E i mediata mente saiu sem esperar uma resposta .
Estava sati sfeito com o q u e t i n h a escuta d o e d i sse aos
sacerdotes: Eu exa minei este homem e as acusações feitas
e n ã o en contrei motivo a l g u m para condená-lo . Ass i m ,
teste m u n h a v a a i n ocência d o S e n h o r e a i nj u stiça d a s
a cusações.
Perce bendo que a s i tuação estava se a c a l m a n d o ,
i m a g i n a n d o q u e Jesus tinha fa lado d o rei n o espiritu a l e
convencido Pilatos, co meça ra m a g rita r : Ele diz q u e seu
reino não é deste mu ndo, mas formou discípu los e espa lhou
o seu ensina mento por toda J udéia até a Galiléia, chegando
sua doutrina até aqui em J erusa lém.
T a l v e z d i s s e s s e m s o b re J e ru s a l é m , p o r q u e h á
poucos d ias, n a Festa d e Ra mos tod a a cidade s e t i n h a
alvoroçado perg u n ta n do : Quem é este?
Pilatos percebia que o assunto estava ficando mu ito
confuso, q u erendo se l i v ra r logo de t u d o i sso . Q u a n d o
escutou a palavra Galiléia, logo perguntou se ele era galileu.
E, quando soube que era dajurisdição de Herodes/ enviou-o
a Herodes/ pois justamente naqueles dias se achava em
Jerusalém ( Lc 23, 6-7 ) .
1 06
J ESUS t L f VA DO A 1-f ERODES
6. Quem mandou matar Tiago e prender Pedro fo' Herodes Agripa I , neto
de Herodes, o G rande.
107
Estes eram os monstros que detin h a m o poder, em suas
mãos estava o desti no do Senhor.
Perante a i nocência de Jesus e a revolta dos sacer
dotes, Pilatos deci diu ter uma consideração com Herodes,
e enviou-lhe um preso tão extra o rd i n á rio co mo se fosse
um p resente rea l . Por H erodes ser judeu/ pensava q u e
poderia entender m e l h o r a causa e resolver o processo .
Qualquer q ue fosse o motivo, Pilatos se via livre d e toda a
sftuação, mesmo comportando-se como um péssimo juiz,
pois conhecia a verdade e não a defendeu. Preferi u confiar
o problema a u m homem a mbicioso e desonesto.
Como não t i n h a m conseg u i d o seu i n tento j u nto a
Pilatos, ficaram felizes quando Jesus foi enviado a Herodes,
pois este d esejava a g ra da r- l hes. Poderi a m lem bra r q u e
s e u pai perseg u i u Jesus, q u a ndo este era m e n i n o . Com
Jesus sob s u a custó d i a seri a mais fá cil i ncitar o povo a
pressioná-lo para que fizesse seu dever patriótico .
Com isso todos os tribunais e poderosos con heceram
o processo contra Jesus de N azaré e conseq uentemente
sua i nocência.
Correu a n otícia v i n d a do p retó rio : haviam levado
Jesus para o palácio d e H e rod e s . V e n d o o s sa cerd otes
saírem, voltou a aglomeração do povo pelas ruas para ver
Jesus passar. Pilatos enviou um mensageiro n a frente para
7 . Herodes não era considerado um judeu nato, porque seu pai era Jdumeu.
1 08
avisar Herodes, os sacerdotes ta m bém se adiantaram para
poderem pressionar; depois chegou Jesus amarrado entre
os g ua rd a s .
H erodes a o ver J e s u s encheu -se de a l egria, p o i s
queria há mu ito tempo conhecê-lo, t i n h a ouvido fa lar m uito
a seu respeito e esperava ver a lg u m m i lag re .
Disse q u e estava contente q u e n a sua província,
Galiléia, surgisse um homem tão importante; que fazia tem
po que queria conhecê- lo; que ti nha ouvido fa lar de seus
milagres e ensina mentos; prometia i nterceder em seu favor
em troca de um desejo. Depois perg u ntou se rea l mente
era ele que os magos do oriente tinham vindo adorar e que
trouxe ta nta preocupação a seu pai ; se era João Batista
que ressusCitou (Mt 14, 2 ) ; se os milagres eram verdadeiros,
pois sendo assim seria mais que um homem. E então pedi u
q u e fizesse um milagre na s u a presença, já que fazia mui
tos e g ratu i ta m ente, record a ndo q u e era seu rei , j u i z e
podia livrá-lo ou enviar-lhe a morte .
Jesus não fez n e n h u m m i l a g re e nada responde u .
Pera nte Pilatos tentou explica r a verdade, pois este apa
rentava desejo de conhecê-la, embora depois se deixasse
levar pela cova rdi a . Mas Herodes não buscava a verdade,
pelo contrário, ela o incomodava a ponto de mandar matar
João Batista , que era a voz de J esu s . Como fa l a r d i a nte
daqu ele q u e havia m atado a verdade?
1 09
Além d i sso, era a penas por cu riosi d a d e e d i verti
mento que Herodes desejava um m i lagre . Como se Jesus
fosse um bobo da corte, um palhaço para a legrar e entreter
os cortesões. A Majestade do Senhor não se sujeitou em
ser um bufão nas mãos de Herodes. Não deu aos soberbos
e arrogantes o que distri buía com tanto gosto aos sim ples
e humildes.
E le se oferecia voluntari a m e n te à m o rte e n ã o se
acomodaria para esca par, rea lizando desejos tolos.
"
Com o silêncio ensinou a desprezar a honra e o favor
mal intencionado; a não usar da graça de Deus em cobiças
e a m bições pessoa is; a ser cuidadosos e não fa lar de Deus
i ngenua mente perante pessoas que só têm curiosidade e
q uerem fazer chacota .
Os sacerdotes e escriba s presentes, temendo o fra
casso pela segunda vez, com g rande insistência continua
vam com as acusações. Quando Herodes pediu um mi lagre,
ficaram com medo, pois caso acontecesse, podia ser per
s u a d i d o . Ass i m , p a ra q u e H e ro d e s fi casse c o m ó d i o ,
aumenta ra m o s ataques . Diziam q u e Jesus e João Batista
era m parentes e ju ntos ca l u niavam sobre o a d u ltério de
Herodíades; que tinha louvado e defendido João em pú
blico, quando este estava preso; que o tinha i nsultado de
" ra posa " perante todos; que seu trono não estava segu ro,
como o seu próprio pai não estava, qua ndo Jesus era um
m e n i n o . H e ro d e s d e p o i s d o l o n g o s i l ê n c i o d e J e s u s ,
llO
começou a considerá-lo um louco; os sacerdotes e escribas
temendo q u e fosse posto em li berdade por este motivo,
i nsistiam com novas acu sações; diziam que estava fi ngindo
e faz i a -se de m u do, mas q ua ndo estava diante do povo,
sabia m u i to bem o que fa lar.
O silêncio do Senhor pareceu a Herodes uma ofensa
à sua pessoa e como vinga nça, desprezou-o. Pilatos_ q u e
exami nava a situação como u m j u i z prudente ficou admi
rado perante o silêncio, ao contrário, Herodes que era u m
h o m e m vazio e a mbicioso, que só buscava poder e l uxo,
sentiu a penas desprezo . Como não conseg ui arrancar ne
n h u ma palavra, m uito menos u m agradeci mento por tentar
sa lvá-lo em troca de um m i lagre ; começou achar que era
um demente . Esta é a esperteza do m u ndo, que tem por
loucu ra a sabedoria de Deus.
Os c o rtesões e s o l d a d o s d a g u a rd a c a ço a v a m d e
Jesus e começaram a dar empurrões como s e fosse u m bobo
da corte. Herodes mandou vesti-lo com uma tún ica branca,
para zombar de sua rea leza . E nted iou-se, e o mandou de
volta para Pilatos fazer o que desejasse com ele.
N aq uele dia Pilatos e Herodes fizeram as pazes. Os
dois exi m i ra m -se d a causa, q u a n do por motivo de seu s
cargos, tinham por obrigação, j u lgar e a bsolver Jesus.
JLI
PILATOS NOVA M ENTE JULGA JESUS INOCENTF
119
A coluna em que estava preso era baixa, de modo que
a s costas ficavam a rq u eadas e esticadas, deixando assim
uma área maior para os açoites. O flagelo acertava desta ma
neira o corpo todo. Não sabemos o número de açoites; 1 0 era
costume romano deixar a cargo dos carrascos e a resistência
do condenado. Não podiam ser poucos os açoites, não só pe
la crueldade d o s verd u gos, m a s p o rq u e eram m u itos os
pecados da h u m a n idade que o Senhor tinha q u e saldar.
O profeta havia fa lado do estado depois d a flage
lação. Não tinha graça, nem beleza para atrair nossos olhares,
e seu aspecto não podia seduzir-nos (Is 53, 2). Tudo é uma
Ferida, uma contusão, uma chaga viva (Is 1 , 6). Se tudo isso
sentia o profeta tão longe no tempo, imagine o que sentia
sua Mãe q ue estava próxima do loca l . Todas as mães so
frem pelos filhos; a Vi rgem Maria sofreu mais, porq ue seu
Filho era Deus. Derramou tantas lágrimas, quanto foi derra
mado o sangue de seu Filho.
A Virgem Maria contaria aos a usentes q u e d u ra nte
a Paixão do Filho, sentiu em sua própria carne o primei ro
açoite, recobran do-se viu o corpo de Jesus todo chagado;
q ue os viu rasga ndo a carne até a p a recerem os ossos.
Somente a Vi rgem M a ri a sabia reco n hecer plena
m e nte o a m o r que D e u s t i n h a p e l a h u m a n i d a d e , não
120
poupando o Fi lho único . Ela ta m bé m se unia a entrega com
todo a mor, para que todos os homens fossem salvos, de
seja ndo q u e todos reco n hecessem o i menso benefício d o
Senhor para co m eles.
Ex iste a l g ué m tão cego q u e n ã o o conheça? Q u e
tenha u m coração tão duro q ue n ão fique contrito e renda
se aos seus pés? Q u a lq ue r pessoa teria com paixão por
alguém que para salvar um l a d rão, fosse preso pelo seu
crime e ven desse todos os bens para pagar por um crime
q ue não comete u . Se este beneficiado, em bora ladrão, fos
se um homem de verdade, ficaria envergonhado por outro
esta r preso e na miséria por sua culpa, sem demora confes
saria que era o culpado e o outro i nocente .
Porventura posso restituir o que não roubei? (SI 6B, 5).
Nosso coração é i ngrato se não recon hece os pecados fei
tos contra Deus; nosso coração é de pedra se não chora
i m plora ndo perdão.
Quando o fiador liquida a d ívida, o devedor fica livre.
Assi m é a justiça de Deus, uma vez que Cristo pagou por
nós, não pede n a d a , a penas deseja que a p roveitemos a
g ra ça . A redenção foi a lgo de tão g ra n d ioso e generoso,
que em bora seja uma g raça imensa que Deus perdoe as
ofe n s a s d o s h o m e n s , m a ior a i n d a é o p a g a m e n to q ue
Jesus Cristo realizo u por nossas dívidas.
121
O homem merecia serpreso/ que escarnecessem dele/
lhe batessem/ o castigassem com aço1tes e depois o matas
sem/ mas quem aceitou isso/ foi um homem que ao mesmo
tempo era Deus. u
1 22
verd ugos para q u e castig assem com basta nte violênci a .
Entre a d i ssi m u lação do governador e o ó d i o d o s acusa
dores, os verd ugos se excederam acima do suportável na
punição. Assim que desprendera m JeSlJS da colu na, reco
meçaram os escá rnios e as i njúrias.
Pilatos formou uma ideia particular sobre o reino de
Cristo, misturando o que tinha ouvido dos j udeus e do pró
prio J e s u s . Ti n h a t o m a d o c o n h e c i m e nto q u e u n s d i a s
a ntes, o povo o a c l a m a ra rei , m a s n ã o conseg u i a co m
preender o mistério sobre um reino d e ou tro m u n d o . Sabia
que Jesus atri buía a si mesmo uma d i g n idade rea l e que
os judeus não a aceitavam. Era evidente que não merecia
morrer, talvez a penas uma punição pela confusão causada
na cidade . Soube que Herodes o considerou um louco. Tal
vez por tudo isso tenha deixado os soldados ridicularizarem
o Senhor, assim os j udeus ficariam satisfeitos e não ped i
ria m mais sua morte.
Os soldados fi cara m entusiasmados pela poss i b i l i
d a d e de se divertirem livremente. Cumpria -se o q u e estava
escrito : aumentaram a dordaque/e a quem feristes (SI 68, 27) .
Foram tão criativos na humi lhação, que somente uma
intervenção do demônio pode explicar a tamanha barbárie
que se a podero u dos carrascos. Somente acreditamos em
t a m a n h a crueldade por estar rel a ta d a no Eva ngelho, de
o utra form a , n u n ca podería mos a cred i t a r em ta m a n h o
horror.
123
Para i njuriar e escarnecer de Jesus, não foi suficiente
a penas os carrascos, chamara m todo o pelotão, perto de
cento e vinte cinco soldados; foram todos se diverti r e pas
sar o tempo com aquele louco que se achava rei .
O Senhor havia vestido a tún ica a pós os a çoites, o
sangue coagulado do corpo se prendia na sua vestim enta .
Com força usada, a brira m -se as feridas e voltou a sangrar.
Arrancaram-lhe as vestes e colocaram-lhe um manto escarlate
( Mt 27, 28).
Quem trajava o m a nto vermelho e ra o i m pera d o r
romano, deste modo ficava patente a chacota em cima d e
q u e m pretendia ser rei . O manto era velho, rasgado e sujo;
coloca ram de qua lquer jeito, demonstra ndo que sua pre
tensão era de um louco .
Depois os soldados teceram de espinhos uma coroa e
puseram-lhe sobre a cabeça (Jo 1 9, 2 ) . A coroa tinha a forma
de um capacete e cobria toda a cabeça , alguns espin hos
e ra m longos e pontiagudos, outros cu rtos e e ncurvados.
Não sabemos q ua i s tipos de espin hos fora m usados, pois
e m Jerusalém exi stem m u itas espécies. C ra v a ra m com
toda força , usando pedaços de pau, para não ferirem as
mãos. A dor foi enorme e o sangue começou a escorrer pelo
rosto. O Senhor deixou para nós, j u nto à sua coroa, d uas
preciosidades: a dor e a h u m i l hação.
Conti nuando a i njúria, puseram-lhe na mão uma vara
para fazer de cetro real ( M t 27, 29 ) . Ti n h a m Jesus co mo
1 24
um homem sem valor, a vara representava seu rei no : fraco
e partido.
O Senhor havia d ito aos discípu los sobre o desti no
do Filho do homem : Escarnecerão dele, cuspirão nele ( M e
10 , 3 4 ) .
Ajoelhados diante de Jesus, começaram a saudá-lo :
Salve, rei dosjudeus! E davam-lhe bofetadas (Jo 19, 3 ), zom
bavam e fi ngiam ad orá- lo como rei . Cuspiam-lhe no rosto
e, tomando da vara, davam-lhe golpes na cabeça (Mt 27, 30),
mistura n do aquela saliva asq uerosa com o precioso san
gue e enterrando m a is os espin hos em sua cabeça .
Os soldados conduziram-no ao interior do pátio, isto é,
ao pretório ( M e 1 5 , 1 6 ) . Era g rande e comportava todo o
público espectador. Assentaram Jesus para que todos pu
dessem ver, despira m-no e coloca ra m o manto cu rto e a
coroa de espin hos, e diziam debochados: Este m anto, se
nhor rei, q uem envia é o imperador de Roma. Todos, solda
dos e povo, garga lhavam com a encenação. Colocando em
sua mão a vara : Receba o cetro real, que representa o rei
no: vazio como sua cabeça . Escorriam lágrimas de dor dos
olhos de Jesus, Senhor dos senhores, Rei dos reis.
Ao cra v a rem a coroa d e espin h os com p a u ladas,
diziam : Como é rei, não pode ficar sem uma coroa, espe
ra mos q u e esta seja de seu a g ra d o . Escorrendo sangue
pelos cabelos, testa, rosto e pescoço, o Senhor incl inou a
cabeça para o a lto, para que nós q u e estávamos caídos,
125
pudéssemos nos levanta r. Mas vós sois/ Senha� para mim
- ------ - ---
1 36
Pi latos e ra d esses j u ízes em q u e o poder sobe à
cabeça, não usam mais a j ustiça, apenas a a m bi ção.
13 8
J ESUS É COND fNA DO À M ORTE
140
o pudor e o temor a Deus, respondera m : Não temos outro
rei senão Césa r!
Os sábios deviam perceber que fa ltava um rei natu
ra l, e segu ndo as Escrituras tinha chegado o tempo mes
siânico. Cegos e exaltados, não quisera m receber o Rei que
Deus enviava, condena ndo-se a conti nuarem subjugados
por um rei estra ngeiro, o César roma no.
Pouco a ntes de Pilatos dar a sentença , chegou u m
recado de s u a mu lher: Nada raças a esse justo. Fui ator
mentada por um sonho que lhe diz respeito ( Mt 2 7, 1 9 ) .
Foi u m s o n h o natura l ou p rovidencial? Nada d i z o
Evangelista . Os Santos Padres opi nam que a visão foi para
aj udar a boa vonta de do j u iz . 13 Talvez tivesse visto o trá
gico fim do marido, a destruição de Israel ou revelação d e
que J esus e ra Filho d e Deus. Pedia para que Pilatos não
to m asse parte n a condenação d a q u ele j usto, pois tinha
sofrido muito com a visão.
Não contou d eta lhes, pois não a cred itari a m e os
ju deus achariam u m absurdo. O fato é que teve u m sonho,
que a fez sofrer mu ito e não pÔde ficar indiferente; mesmo
com medo, ma ndou avisar seu m arido, tentando forçá-lo
a com padecer-se daquele justo. Por respeito, Pi latos en
viou uma resposta, e assim todos ficaram sabendo que sua
1 41
esposa ta mbém intercedeu por Jesus de Nazaré . Este foi
outro i m portante teste m u n h o da i nocência do Senhor.
Alguns tem opi nião que fo i o demônio que a moveu
em sonhos, para atrapalhar a Redenção. Não parece lógico
que o maligno i ncitasse os judeus de u m lado para matá
lo, e de ou tro movesse uma mulher para sa lvá-lo. Para que
o poder do reino das trevas contin uasse pelo mundo, seria
mais fácil i mped i r a morte do Senhor, mudando os ânimos
dos sacerdotes e do povo para que pedissem a li berdade
para Jesus. Com os pon tífices desisti ndo das acusações,
t a m bém o governador não t i n h a n e n h u m i n te resse e m
conti n u a r a sentença .
Uma tradição muito antiga asseg u ra q u e a mu lher
de Pilatos se chamava Cla údia Procla , tinha simpatia pelo
j u d a ísmo, e m bora con servasse o s costu mes ro m a no s ;
d e p o i s d a m o rte d e J e s u s , s e t o r n o u c r i stã . A I g rej a
Ortodoxa grega a i nclui entre os seus santos.
Os sacerdotes e o povo cont i n u a v a m obsti n a d os,
Pilatos viu que nada adianta va, mas que, ao contrário, o
tumulto crescia. Fez com que lhe trouxessem água, lavou as
mãos diante do povo e disse: Sou inocente do sangue deste
homem. Isto é lá con vosco! ( Mt 27, 4 ) . Usando d e uma
fórm ula conhecida dos j udeus (cf. Dt 2 1 , 6), deixava claro
que não tomava parte da i nj ustiça : Eu não me consid ero
culpado, nem quero ter na minha consciência a morte deste
homem , que a culpa recaia sobre vocês.
1 42
Pela ú lti ma vez, Pi latos alegava a convicção que tinha
da inocência de Jesus. Norma lmente, o juiz decide de acor
do com o que o processo conclu i u . Desta vez term inou d e
u m a maneira curiosa : solenemente lavou as mãos, o decla
rou i nocente e, em seg uida, o condenou .
Realmen te, Pilatos foi u m j u i z i nj usto, sentenciou
contra a própria consciência . Foi um homem dúbio, quis ficar
bem com o mundo e com Deus. Pouco serve lavar as mãos
por fora e dissimular os erros com belas pa lavras, porque
vamos ser j u lg ados pelo Senhor, que não vê as exterio
ridades e sim as obras.
P i latos pensava que esta v a l i m po d o s a n g u e do
Redentor. Os judeus como a n i mais s a n g u i n á rios pera nte
o discurso do governador, respondera m : Caia sobre nós o
seu sangue e sobre nossos filhos/ (Mt 27, 2 5 ) . Consideravam
se tota l m e nte l i m pos, ta n to q u e co loca ra m os próprios
fi lhos como ca ução .
Depois de ta n ta i nsistê ncia Pilatos consentiu e de
clarou pública e solenemente a sentença de morte; o povo
todo ficou satisfe i to . A sentença ta m bém fo i contra os
j u d e u s , p o i s p e d i ra m q u e ca í s s e s o b re e l e s a q u e l e
sangue; passados alguns anos, o templo e a cidade foram
destruídos por ordem do Imperador.1 4
143
E o espinheiro respondeu: se realmenté' me quereis
escolherpara reinar sobre vós, vinde e abrigai- vos debaixo de
minha sombra; mas, se não o quereis, saia fogo do espinheiro
e devorei os cedros do L/bano! (Jz 9, 1 5 )
144
com vossa luz, para eu não adormecer na morte, para que
meu inimigo não venha a dizer: Venci-o (SI 12, 4-5 ) .
S a be n d o c o m o s e r i a te rrív e l , t i n h a preve n i d o o s
a póstolos na noite anterior, a n i ma ndo-os para que espe
rassem a ressu rreiçã o .
148
O Senhor deixou o pretório aco m pa n hado dos sol
dados e executores, muita gente seguiu o cortejo. Estava
amarrado com uma corda no pescoço e era puxado. A porta
estava lotada de gente, todos olhavam curi osos, comen
tavam o estado lastimável e o aspecto irreconhecível .
A cruz estava um pouco afastada, para q u e a comiti
va que o levaria se preparasse. Como o soldado precisou de
uma lança para levar o vinagre a boca do Senhor, é de supor
que a cruz estivesse cerca de meio metro enterra d a , p a ra
n ão to mbar. Como Cristo m e d i a a proxi madamente q uase
dois metros d e a ltura ; 1 5 portanto é razoável que a cruz esti
vesse uns três metros e meio de altura e a parte transversal
u ns dois metros. Quando viu a cruz, recon heceu como a arma
pa ra a vitória, a chave que a bri ria as portas do céu .
Aproximou-se da cruz, os cruéis ca rrascos ma ndara m
q u e a carregasse sobre os om bros, até o local da execução.
O procedi mento e ra normal, mas não deixa de ser desumano
que o condenado leve o i nstru mento da própria morte . Um
homem em bom estado físico aguentaria pouco tem po todo
aquele peso . Então, podemos i maginar toda fadiga e esgo
tame nto do Senhor, que tinha sido brutalmente flagelado.
Era costume que levassem somente a trave tra ns
versal sobre os om bros, a isso parece referir-se o Senhor
149
quando disse : Se alguém me quer segu/1; renuncie-se a si
mesmo, tome a sua cruz e siga-me ( M e 8, 34 ) . Foi u m a
crueldade que o Senhor, esgotado como estava , ti vesse
que levar a trave da cruz; não se preocuparam com o ca n
saço, a fadiga e a debilidade pela perda de sa ngue. Somen
te q u eriam atravessar as ruas, para que todos v issem a
h u m i l h ação de ca rregar u m fa rdo tão pesa d o . Tomou o
Senhor a cruz, com todas as suas forças, sabia q u e com
ela fa ria m a ra vi l h a s . Colocou sobre os o m b ros todos os
nossos pecados, pois só Ele podia ca rregar.
Levando a cru z, ao lado dos dois lad rões, começou
a caminhar pelas ruas d a cidade, j u nto com a escolta de
soldados; alguns estavam à frente e outros n a retaguarda,
no meio seguiam os verd ugos, com os cravos, o martelo e
as cordas. À frente da com itiva estavam m u itas pessoas,
entre elas : os sacerdotes, os a n ciãos, os doutores da lei,
os fariseus e os escri bas; todos a legres pelo tri u nfo a lca n
çado. Atrás, seguia-o uma grande multidão de povo e de
mulheres, que batiam no peito e o lamentavam ( Lc 23, 2 7 ) .
Era m muitos o s tinham a lcançado graças. Os soldados gri
tavam para deixarem o caminho livre, contudo todos que
riam ver de perto a Jesus de Nazaré, e corria m através das
vielas a companhando o traj eto .
1 50
j fSUS ENCON TRA SUA MÃ E
1 51
sofreu mais do que todas as mães! Por q u e foi às ruas se
m i s t u ra r com a q u e l e povo cruel e a l u c i n a d o ? Por q u e
aume nta r a dor indo a o seu encontro? Por amor ao Filho,
é verdade; queria consolá-lo e acompan há-lo até a morte !
Até a própria morte.
N ã o se i m p o rtou em a rri sca r s e r i n s u lta d a , pois
d esej a va ver a o b ra d e D e u s, p resenci a r o com eço d a
sa lvação d a h u m a n i d a d e , q u e h a v e r i a d e record a r p e l o
resto da vida com amor e admiração. Todos aba ndonavam
Deus, exceto a Mãe; todos o odiava m , menos a Mãe q u e
entendia e - o a mava mais que ning uém .
A Virgem M a ria chorava, a dor era imensa no coração.
Sentimos compa ixão diante das cenas de morte e nos fa lta
força, m uitas vezes, até para olhar; deste modo, podemos
imaginar como seria a dor da Virgem Maria que olhava para
o Filho todo desfi g u rado e ensang uentad o . M a ria e J esus
trocam olhares. Os o l h a res se e ncontra m e cada u m fica
com o coração mais a pertado; ao mesmo tempo, se a legram
e se consolam pela fidelidade compartilhada; não se falam,
porque para os enamorados não são necessárias palavras,
os corações se enten dem. Os olhos de M a ria diziam tudo
e os o l h o s p e n et ra n te s e c h e i o s de l á g r i m a s do Fi l h o
co rres pon d i a m .
Nossa Mãe ficou espantada pela forma i n d i g n a q u e
o Filho de Deus era tratado : Jesus merecedor de todos os
louvores e ra men osprezado e i n s u lt a d o . Mesmo ass i m ,
1 52
a g radeceu o Filho pela m a neira tão custosa que red i m i a
o s homens. O Senhor também viu como a Virgem aceitava
'
todo sofri m ento, contrário a natureza de uma mãe.
O Senhor rodeado de i n i migos, como se fossem tou
ros numerosos e leões fami ntos, sem ninguém para ajudá
lo, consolou-se ao ver sua Mãe, que reconhecia e estimava
o que estava fazendo e agradecia com amor.
A Mãe con hecia o a mor que ardia no peito d e Jesus
por Deus e pelos homens; a vontade que se submetia em
obedecer ao Pai ; o esforço em sacrificar-se pelos homens ;
a alegria em salvá-los e dar- lhes a vida eterna ; renovar o
mundo com sua graça. A Virgem Maria conhecia com toda
clareza a obra do Filho, e sem poder conter-se, correu com
Ele para o Calvário, p a ra esta r presente no sacrifício do
S u mo e Eterno Sacerdote que tra ria n ova mente a m izade
e ntre Deus e os homens.
Cami nhava o Senhor com o corpo i nclinado pelo peso
da cruz, com os o l hos i nchados pelas lágrimas e sa ngue;
os passos e ra m lentos e difíceis por cau sa d a debilidade
física, os joelhos tremiam, q uase se a rrastava ao lado dos
dois companheiros de suplício. Os j udeus riam, os verdugos
e soldados empurravam, mas a lg u mas mulheres choravam
por J esus .
153
O C/'\ LVA IUO
157
O s u p re m o Fazed o r, co m p a d e c i d o d o e n g a n o d o
homem, que n a nociva maçã d e u a mordida d a morte, Ele
mesmo designou o l e n h o , q u e a pagasse o pecado da
á rvore.
Há a i n d a o u t ros q u e i m a g i n a m a cruz de v á r i a s
formas. O m a i s p rovável é q u e a cruz tivesse uma trave
ho rizonta l , q u e foi a q u e o Senhor ca rreg ou pelas ru a s .
Ta m bém h a v i a u m a tábua e m q u e se escrevia o cri m e
cometido.
O Senhor foi pregado na cruz com cravos, isto se nota
pela frase de Tom é : Se não vir nas suas mãos o sinal dos
pregos/ e não puser o meu dedo no lugar dos pregos/ e não
introduzir a minha mão no seu lado/ não acreditarei' (Jo 20,
25). Qua nto ao n ú m e ro de cravos, uns pensam e m três:
u m em cada mão e a penas um nos dois pés; outros dizem
q uatro, sendo um prego pa ra cada pé .
Há um silêncio também dos eva ngelista sobre a co
roa de espinhos. Não dizem se foi tirada e depois colocada
novamente ou se permaneceu d i reto sobre a ca beça .
Sobre o modo de crucifi car : a lguns imaginam que foi
cra vado no solo e depois com cordas leva nta ra m a cruz;
outros que foi a marrado com a cruz já erg uida e o crucifi
cara m no a lto à vista de todos.
A segunda su posição é mais plausível, pois se enca i
xa mais com o costume romano e corresponde a um a pelo
1 58
maior para o diverti mento do povo. Ta mbém a Igreja canta :
Senhor Jesus Cristo, q u e à hora sexta, pela redenção do
mundo subiste ao patíbulo da cruz. Além d isso, "ao descer
o corpo", parece ind icar que a cruz ficou em pé.
Uma outra hi pótese : Todos os conhecidos estavam
afastados a certa distância da cruz ; para que todos pudes
sem prese n c i a r o espetá c u l o , era n ecessário cra v a r os
pregos co m Jesus já leva ntado na cru z .
1 60
Não ped ia mais ao Pai que o livrasse do cálice, mas
que somente perdoasse a h u m a n i d a d e .
Estava repleto de a legria, v i u que a cruz seria adora
da e amada; viu que os mártires, por defender a verdade,
morreriam de modo semelhante ; viu o triunfo que os cris
tãos conqu ista ria m com a cruz; viu os milagres que, pelo
sin a l da cruz, aconteceriam pelo mundo; viu tantos homens
que se tornariam santos, vencendo o pecado. A cruz seria
a lçada como uma bandeira , pela qual os homens conqu is
ta ria m o céu .
São João Damasceno diz q u e a o ser cravado n a cruz,
Jesus ficava de frente para o povo e de costas para J eru
sa lém, porque a cidade não tinha acreditava nele.
O Senhor, do a lto da cruz, viu sua Mãe. Com o olhar
buscou consolo em quem mais o a mava . Trinta a nos de con
vívio faziam que J esus conhecesse profundamente a bon
dade d e sua Mãe e seu sincero amor. A Virgem Maria, Mãe
de Deus, somente ela podia conhecer i ntimamente o Filho .
Se pudéssemos entender o cari nho e amor com que sem
pre se olhavam, sa beríamos que ag ora os o l h a res eram
de dor.
Em bora a dor crescesse a cada instante, o amor não
d i m i n uía . Se Cristo amou tanto a Igreja, que se entregou
por ela, imagine como a mava a Virgem M a ria, Mãe da Igreja ,
q u e t i n h a um valor muito m aior. Ela que a n imaria e suste n
taria a Ig reja q u a nd o ele partisse.
I (J I
O Filho se oferecia ta m bém por sua Mãe. Depois de
sua morte, mais que nin guém, ela estaria em graça e com
a força do Espírito Santo . A Virgem Maria olhava com a mor,
agradecimento e humildade, pois se com a morte Jesus se
torna ri a Rei e Senhor do U n i verso, ela q u e compartilhou
toda a sua dor, seria procla m a d a Ra i n ha e S e n h o ra d a
H u ma n i d a d e .
J e s u s d es ej oso d e co n s eg u i r p a ra o s h o m e n s a
l i be rd a d e e acu m u l a r d e g ra ç a s s u a M ã e , este n d e u o s
braços sobre a cruz. Os executores, com fortes marteladas,
cravara m-no na cruz. Ali estava o Rei dos reis pregado n u m
madeiro e M a ria cravada no s e u coração .
Começou a escorrer sangue da cruz até o solo, eram
como aque les q uatro rios q u e regavam o Para íso e ferti
l i zavam a terra , contudo este s a n g u e era i nfi n it a m e n te
mais precioso.
Jesus na cruz, sendo Deus, conservou a serenidade,
mas n ã o pode evitar q u e o rosto fica sse desfi g u ra d o e
pálido.
O céu de Jerusalém recon hecia o seu Senhor e mos
trava sua dor. A terra estremeceu e as pedras se queb ra
vam, o dia escureceu. A Virgem Maria ficou mais firme que
as pedras e mesmo com tanta dor não se rompeu como a
terra. Sua a lma permaneceu clara, mais bri lha nte que o sol,
o rosto refletia dor e o corpo q uase não aguentava ficar
em pé.
1 62
Ao mesmo tempo foram crucificados com ele dois ladrõe�
um à sua din:.vta e outro à sua esquerda ( Mt 27, 38), e Jesus no
meio (Jo 19, 18). Pilatos redigiu também uma inscrição eafixou
por cima da cruz. Nela estava escrito: Jesus de Nazaré, reidos
judeus. MUitos dosjudeus leram essa inscriÇão, porque Jesus
roi cruciricado perto da cidade e a inscrição era redigida em
hebraico, em latim e em grego (Jo 1 9 , 19-20) .
1 63
OS JUDEUS E OS R OMANOS
ESLilRNECEM DE JESUS
1 64
Santíssi m a . 19 Como era valiosa os soldados resolvera m
tira r a sorte sobre ela.
Rigorosa foi a justiça que caiu sobre Jesus, nem se
q u e r as vestes fica ra m com o recordação para sua M ã e .
Teve q u e ver a s vestes sendo repa rtidas c o m o forma d e
pagamento pela crueldade feita com ele. Cum pria-se a pro
fecia : Repartem entre si minhas vestes, e lançam sorte sobre
minha túnica (SI 2 1 , 1 9 ) .
Os soldados sentaram-se e montaram guarda ( Mt 27,
36), era costume vigiar os condenados enqua nto estives
sem vivos . Provavelmente vigi avam com afi nco, pois os
sa cerdotes e escri bas, com medo que rou bassem o corpo
de Jesus, pagara m u ma boa q u a ntia .
Fora m horas tortuosa s . Como estaria u m homem
fla g e l a d o , p e n d u ra d o n u m a cruz com os b raços e pés
estend i d os e cravados, fazendo uma e norme força para
sustentar o corpo?
A cidade estava cheia d e gente, vindas de todas as
p a rtes para celebra r a Páscoa . Os que passavam o inju
riavam, sacudiam a cabeça e diziam: Tu, que destróis o templo
e o reconstróis em três dias, salva-te a ti mesmo! Se és Filho
165
de Deus/ desce da cruz! (Mt 27, 39-40) . Cumpria-se nova
mente que estava escrito : Todos os que me vêem zombam
de mim. Dizem meneando a cabeça (SI 2 1 , 8 ) . Fizeram-me
objeto de escárnio/ abanam a cabeça ao me ver ( SI 108, 2 5 ) .
O povo acreditou nas mentiras d o s sacerdotes, por
isso repetiam o que ti nham ouvido e o esca rnecia m como
u m mentiroso, ficavam alegres que u m enganador estives
se na cruz, pois se fosse quem realmente dizia ser, facil
mente desceria da cruz. Pobre gente cega que não enxerga
a luz do amor de Cristo. Que prova maior do que morrer
para sa lvar os homens e depois de três d ias ressuscitar?
Esperei em vâo quem tivesse compaixão de mim/ quem
me consolasse/ e não encontrei (SI 68, 2 1 ) . É q uase inacre
d itável que tivessem ta nto ódio e crueldade; q ue pudes
sem zombar de quem a gonizava ; que não a presentassem
nen hum sinal de compaixão. Pelo contrário, pareciam pos
suídos pelo demônio.
Os sacerdotes, os escribas e os a nciãos continuavam
pers u a d i n d o o povo i g n o ra nte e fomentando ódio co ntra
Jesus, e d iziam : Ele salvou a outros e não pode salvar-se a si
mesmo! (Mt 27, 42) É evidente que seu poder era falso e os
milagres um embuste, pois a gora q ue precisa nada rea liza .
Médico/ cura-te a ti mesmo ( Lc 4, 2 3 ) . Desça da cruz e nós
acreditaremos que é o rei de Israel ! Se é realmente o Filho
de Deus, que Ele o salve ! Assim diz a Escritu ra : Esperou no
Senho0 pois que ele o livre/ que salve/ se o ama (SI 2 1 , 9 ) .
1 66
Como eram os sacerdotes e escribas que passavam
as orientações, o povo repetia as i njúrias contra o Senhor.
Do mesmo modo os soldados zombavam dele . Aproxima
vam-se dele, ofereciam vinagre e dizia m : Se és rei dos ju
deus, salva-te a ti mesmo ( Lc 2 3 , 3 6 - 3 7 ) E os ladrões,
crucificados com ele, também o ultrajavam ( Mt 27, 44) . Um
dos malfeitores, ali crucificados, blasfemava contra ele: Se és
o Cristo, salva-te a ti mesmo e salva-nos a nós ( Lc 23, 39) .
Esta geração é uma geração perversa; pede um sinal,
mas não se lhe dará outro sinalsenão o sinaldoprofeta Jonas.
Pois, como Jonas foi um sinalpara os ninivttas, assim o Filho
do homem o será para esta geração ( Lc 1 1 , 29-30 ) .
Nada esca pava ao escrúpulo d o s sacerdotes, repa
ra ra m que a placa d izia "Rei dos j u deus". Segundo eles,
Jesus não era rei, como ta mbém ser Rei dos judeus não é
um cri me; isso ofendia sua lei e sua j ustiça . Pensando que
fora u m a i nadvertência do governador, os sumos sacer
dotes dosjudeus disseram a Pilatos: Não escrevas: Rei dos
judeus, mas sim: Este homem disse ser o rei dos judeus.
Respondeu Pilatos: O que escrevi, escrevi (Jo 19, 22). Os
i nsensatos não reparavam que Deus se servia deles para
que todos fixassem bem o título da cru z : Rei dos j udeus,
escrito em todas as línguas fa ladas do i m pério ro m a n o .
Dizei às nações : O Senhor é rei ( S I 9 5 , 10) .
Tal vez possa trazer s u rpresa q u e em tão p o u co
tem po fosse reso lvida a ca usa d e Jesus de Nazaré, e o
167
levassem para o crucifica re m . Desde que começou o p ro
cesso pela manhã no Sinédrio até o cra varem n a cruz, se
passaram a penas seis h oras. Foi maltratado e resignou-se;
não abriu a boca, como um cordeiro que se conduz ao mata
douro (Is 53, 7). Como não se opôs em nada, foi condenado
contra toda a justiça. Certo seria dizer que desejou morrer
pelos homens e que tinha pressa . Devo ser batizado num
batismo; e quanto anseio até que ele se cumpra ( Lc 1 2, 5 0 ) .
.1 68
Guiou os nossos passos no caminho da paz ( Lc 1 , 79),
mostrou-nos por meio da pobreza, que devemos nos des
pre n d e r d a s coisas m a te ri a i s , de o n d e n ascem ta ntos
ma les. Nós pregamos Jesus crucificado, escândalo para os
judeus e loucura para os pagãos_- mas_ para os eleitos - quer
judeus quer gregos -, força de Deus e sabedoria de Deus
( 1 Cor 1 , 23-24).
Jesus m a n i festou a sua g ra n deza n a cru z . Assim
como é g ra nde em majestade no céu, foi paciente e humilde
na terra. Foi o primeiro a tomar a cruz para que nós o se
g u íssemos. Rejeitou os bens materiais e sofreu mais q ue
n i nguém as dores que o mundo rejeita . 2° Como mestre foi
à frente, a brindo cam i nho para nos mostrar a vida.
A pobreza foi tamanha que nem tinha u m local para
ser sepultado ; faleceu despido ; não p'Õde nem beber u m
último gole d e água. São Pa ulo ensina que : Tendo alimento
e vestuário, contentemo-nos com isto ( 1Tm 6, 8 ) . O Senhor
que sendo rico, se fez pobre por vós (2Cor 8, 9), foi além,
pois ficou sem traje e sem nada para beber; rou baram-lhe
as vestes e dera m-no vinagre para beber.
Morreu desam pa rado. Olho para direita e vejo: não há
ninguém que cuide de mim (SI 1 4 1 , 5 ) . Afastastes de mim
os meus amigos, objeto de horror me tornastes para eles ( S I
20. Rejeitou como fim último, não como meio, pois e lícito usar o s bens
materiais em coisas boas, e m prol da sociedade e da fa mília.
1 69
87, 9 ) . Arrebatas-me, razes-me cavalgar o turão, aniqut!as
me na tempestade. Eu bem set; levas-me à morte, ao lugar
onde se encontram todos os viventes (Jó 30, 22-2 3 ) .
Foi querido como u m santo, foi co nsiderado u m pro
feta, foi honrado por muitos e tinha vá rios seg u id ores; o
te mplo e as s i nagogas ficavam cheias para escuta r suas
palavras, tinha alcançado e m Israel g rande reputação. Fez
i n ú m e ros m i l a g res e todos estavam a g radecidos pelos
benefícios recebidos. De repente tudo mudou, começou a
ser desprezado e insultado. Diz o Evangelho : Odiaram-me
sem motivo (Jo 1 5 , 25). Os sacerdotes foram o péssi mo fer
mento na massa do povo . Como cães ra ivosos, d espeda
çavam a carne d o crucifica d o com c a l ú n i a s e i nj ú ri a s .
Conseguiram q u e fosse enviado para morrer fora d a cida
de, onde são executados os cri minosos; obtiveram a morte
mais humilha nte : a crucificação .
C o m os a m i g o s n ã o e n co n trou lea l d a d e . U m d o s
apóstolos o vendeu; aquele q u e ti nha sido escolhido como
o pri m e i ro entre todos, negou-o três vezes e j u rou não o
c o n h ecer; os o u tros fu g i ra m . Os a fetos h u m a n o s são
i n co n stantes, mas os cristãos devem ser fi rmes na fé e
constantes. O que sentiria o coração de Jesus d i a n te do
a ba n d o n o dos a m igos e rod eado dos q u e se a l eg ravam
com sua morte? Meu coração tomou-se como cera, e derrete
se nas minhas entranhas (SI 2 1 , 1 5 } .
1 70
S o m e n te a Mãe o acom p a n h ou ! O Pai deixou q u e
padecesse . Ao abandono s e referem o s ini migo s : Confiou
em Deus , Deus o livre agora, se o ama, porque ele disse: Eu
sou o Alho de Deus/ ( M t 27, 4 3 ) . E m certo momento, o
Senhor também sentiu isso : Meu Deus, meu Deus, por que
me abandonaste? ( Mt 27, 46).
Ta mbém fo i u m a g ra nd e h u m i l h ação para Jesus à s
acusações feitas : diziam q u e era u m b lasfe mador, q ua n d o
na rea lidade era Filho de D e u s ; q u e i nsurgia o povo contra
César, enquanto na rea lidade ensi nava o amor e ntre os ho
mens; foi chamara m de mentiroso, Ele que é a Verdade; que
sua doutri n a pervertia o povo, q u ando a sua doutri na era a
Boa Nova, a Salvaçã o ; que fazia milagres pelo poder do de
mônio; que era u m vagabundo sem moradia, a migo de peca
dores e publicanos. A última acusação era verdadeira, pois
veio para cu rar os enfermos; q ua nto à moradia, havia dito :
As raposas tem suas tocas, os pássa ros os seus ninhos; mas
o Fi lho do homem, não tem onde reclinar a ca beça .
U m a g ra nd e vergonha foi ta mbém ã forma como o
tratara m : foram a rmados para prendê-lo na ca lada da noite
como se fosse u m ladrão; desfilara m com ele amarrado por
toda a cidade; um sim ples criado se atreveu a esbofeteá
lo; passaram a noite toda de q u i n ta -feira s e divertindo e
zombando com ele; H erodes desprezou-o como um louco;
os soldados ridiculariza m -no e m pú blico; prefe riram um
a s s a s s i n o ao i n vés d e l e ; fo i co n d e n a d o a morte m a i s
171
infa me, j unto com outros dois ladrões . Assi m fo i desonrado,
A q u e l e que m e rece toda a h o n ra e g l ó ria por todos os
séculos dos sécu los.
A dor em seu corpo foi i mensurável. Desde a planta
do pé até o alto da cabeça, não há nele coisa sã (Is 1, 6 ) .
Estava todo chagado que não tinha graça nem beleza para
atrair nossos olhares, e seu aspecto não podia seduzir-nos.
Era desprezado, era a escória da humanidade (Is 53, 2-3). As
costas estavam rasgadas pela flagelação, o ombro esfolado
pela cruz, o corpo todo desco nj u ntado ao ser esticado no
madeiro, a cabeça ensa nguentada pela coroa d e espinhos,
p á l ido pela perd a d e sangue, com olheiras e sed e nto, as
mãos e pés foram perfu rados. Contudo a pior dor era no
coração pela a ngústia que senti a .
Jesus q u i s padecer e padeceu como Deus. Vendo a
forta leza e a majestade de Jesus, percebemos que era mais
que u m homem comu m . Estendeu com decisão os seus bra
ços e manteve a cabeça erg u ida como u m Rei .
Padeceu pela justiça e pela verdade. Preferiu perder
tudo, a d esobedecer a Deus . Foi obediente até a morte e
morte de cruz. Com i m enso a mo r sofreu para s a l v a r os
homens de todos os tempos . Entre g o u -se sem m e d i d a ,
pois bastaria a penas uma gota de seu sangue para redimir
o u n iverso. Amou tanto que nos lavou de nossos pecados
no seu sangue (Ap 1 , 5) . Felizes aqueles que lavam as suas
vestes no sa ngue do cordeiro (Ap 22, 1 4 ) . Assim, pois, como
1 72
Cristo padeceu na carne, armai- vos também vós deste mesmo
pensamento: quem padeceu na carne rompeu com o pecado,
a fim de que, no tempo que lhe resta para o corpo, já não viva
segundo as paixões humanas, mas segundo a vontade de
Deus { l Pd 4, 1 - 2 ) .
Para nós é g rande e consolador o exemplo de Cristo,
porque não temos nele um pontífice incapaz de compadecer
se das nossas fraquezas. Ao contrário, passou pelas mesmas
provações que nós, com exceção do pecado. ( H b 4, 1 5 ) . A
sabedoria de Deus mostra que Jesus passando pelas pro
vações é igual a nós .
Estou imerso num abismo de lodo, no qualnão há onde
firmar o pé. Vim a dar em águas profundas; encobrem-me as
ondas (SI 68, 3 ) . O Senhor foi primeiro, como um coman
dante, adentrou o mar deixando q u e a tempestade caísse
sobre ele e as ondas o afogassem, para que nós o seguís
semos com seg u ra nça . Sobre mim pesa a vossa indignação;
vós me oprimis com o peso das vossas ondas (SI 87, 8 ) . As
ondas enfu recidas caíram sobre ele, mas conseg u i u abrir
u m ca m i n ho no meio do mar para que o povo passasse e
os seus ini migos afundassem como chumbo na vastidão das
águas ( Ex 1 5 , 1 0 ) . Os m u ndanos ficam tristes a nte a po
breza, impacientes com a doença e desesperados perante
um i nfortú n io . Por isso, o Senhor e nsinou aos d iscípu los
que ficavam no mundo a ser ricos na pobreza e a legres na
dor e n a adversidade e ncontra r a fe l i cidade etern a . Por
1 73
meio da morte o Senhor ensinou o caminho da vida (SI 1 5 ,
1 1 ) . Apenas estendestes a mão, e a terra os tragou. Con
duzistes com bondade esse povo, que libertastes; e com vosso
poder guiastes à vossa morada santa (Ex 1 5 , 1 2 - 1 3 ) .
JESUS D IANTE D O PA I
PAI. PERDOA-LHES
1 82
josamente d i a n te dos persegu idores ; o Filho dava a vida
e a Mãe estava disposta a perder a sua. O mundo estava
em trevas e ela i lu m inada. No meio do mar tempestuoso,
a Virgem Maria governada pelo Espírito Santo seg uia o rumo
sem desv i a r da vontade de Deus.
No meio d e tanta força, a Virgem Maria chorava por
a q uele torm ento tão cru e l . N ã o podemos a lcançar o ta
manho da dor, porque a med ida da dor é o amor e a Virgem
amava com um amor maior do que uma mãe ama seu filho.
Ao leva ntar os olhos e ver o fi lho, desejava estar no
lugar dele; n ã o pod ia defendê-lo dos ataq ues, não podia
co brir sua n u d ez, não pod i a saci a r sua sede, não pod i a
limpar o sangue de seu corpo e n ã o podia beijá-lo. Escutava
todos os i nsu ltos e permanecia q uieta ; cumpriu plenamente
com a q u i lo q u e t i n h a concord a d o : aceita r a vontade d e
Deus.
Ning uém pode entender plenamente a profundidade
do mistério, a não ser a Virgem Maria que é a "bem-aven
turada entre todas as m u l heres", a "cheia de graça " .
E uma espada transpassará a tua alma ( Lc 2, 35), o
coração de M a ri a ficou ferido com as m esmas chagas do
corpo d e Jesus. O corpo e o rosto desfigurados, a cabeça
atravessada de esp i n h os e os pés e as mãos perfurados;
o coração de M a ria estava ali presente.
J unto à cruz de J esus estava d e pé sua mãe. Perma
necia fi rme d e pé, d a n d o fo rça com seu a m o r . Pensava
1 83
naq uele menino que tinha dado à luz com tanta a legria; que
havia ensinado, cuidado e visto crescer; lem brava qua ndo
partiu pa ra divulgar a doutri na d a salvação. Recordava que
tinha escutado ta n tas coisas n a q u elas co n versas e agora
presenciava sua morte; não em sua casa ou em seus braços,
mas n u m a cruz, todo castigado co mo um blasfemo.
No meio de tanta g ritaria, com os ca rrascos e o povo
furiosos ofendendo Jesus, Maria venceu pela fé e obediên
cia; seria a consolação para todos que aceitassem a cruz.
1 88
E s t a v a o S e n h o r c o m o corpo c h a g a d o , a a l m a
a m a rg u ra d a , perseg u i d o e a ba n d o n a d o , sentia fa lta d e
tudo, n ã o tinha onde repousar a cabeça, tinha somente a
cruz. Ser a pa re n te m e n te d esa m p a ra d o , j usta mente por
obedecer a seu Pai, escapa a com preensão h u mana . Deve
mos agradecer ao Espírito Santo por iluminar o evangelista
q u e tra ns m i tiu a frase de Jesus, q ueixan do-se de a ba n
dono, assim podemos meditar m u ito n esta passagem .
Foi su rpreendente que o Senhor q uase morto, debi
litado pela perda de sangue e quase sem forças, exclamas
se em alta voz, mostra ndo toda a angustia e solidão: Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste?
É u m segredo da j u stiça e m isericórd ia de Deus. O
J u sto é desa m pa ra d o na sua tristez a , p a ra q u e fossem
protegidos os pecadores. A razão h u ma n a leva a pensar
que a j u stiça, pela morte d e seu Filho, seria a d estru ição
de todas as nações . Mas não foi isso que aconteceu, o Pa i
a ba ndona o Fi lho e faz com que si nta a pena que mereciam
os nossos pecados. Tudo isso, Deus fez para nos consolar,
para que tivéssemos u ma espera n ça na sua m i sericórdia,
uma vez que se cumpri u toda a justiça .
Jesus n u nca t i n h a sentido o desam paro de D e u s .
Estava constantemente na presença d e Deus, face-a-face,
sem pre de uma maneira direta, porque o Pai e o Filho são
um único Deus. Mas o homem pode se separar de Deus, e
189
para nossa salvação, quis Deus Pai que na cruz Jesus sen
tisse a ausência de Deus.
Em nen hum mome nto Jesus perdeu a confia nça no
Pa i . Pouco a n tes, confi a nteme nte h a v i a ped i d o perdão
para a h u m a n idade, depois tam bém com muita confi a nça
entregaria o espírito nas mãos do Pa i . Era im possível que
o Pai aba ndo nasse o Filho tão q uerido e obediente, que
somente buscava a g lória de Deus e em tudo se submeteu
a s u a vonta d e . Já havia declara d o u m a total confi a n ça
d izendo : Aquele que me enviou está comigo; ele não me
deixou sozinho, porque faço sempre o que é do seu agrado
(Jo 8, 29) .
No enta nto, desa mparou-o d u ra nte os ú ltimos mo
mentos d a Paixão, deixando-o sentir toda amargura e toda
solidão . Pod ia ter impedido a flagelação, a coroa de espi
nhos, os cravos, ou aniquilar os que q ueriam crucificá-lo e
calar os que insu ltava m . Porém Deus nada imped i u .
Sa bemos q u e os márti res recebem de Deus u m a g ra
ça especial, para poderem su portar toda tortu ra e aceitar
com a legria uma morte tão cruel por amor de J esus. O Pa i
poderia conceder uma graça maior ainda para proteger seu
Filho, por exem plo, poderia co loca r a sua d isposição u m
exército de a njos .
Como havia dito a Pilatos, não convinha, pois o seu
reino não é deste mundo. Deviam se cum prir as Escrituras,
por isso Deus deixou as trevas a g i rem livremente sobre
1 90
Jesus. O Senhor havia pedido no horto que, se fosse pos
síve l , o cá l ice fosse afasta do, mas e n tendeu comp l eta
mente q ue a vontade divina já estava escrita . Morreria sem
nenhuma defesa, não seria pou pado de nenhum sofrimen
to , e isso se cum priu com tanta d u reza que não p ade repri
mir o grito de angústia : Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?
Podia Deus conced er um consolo interior, na alma.
Mesmo sofrendo a dor física, preservaria a dor em seu cora
ção. É normal Deus conceder a graça aos fiéis, sentem-se
a legres por poderem sofrer por ele; sente m-se tão perto
de Deus, parece-lhes q u e nada os poderá atingir ( Cf. S I
90, 1 0 ) . Não era necessário a l g o novo, basta ria não tira r
a visão face-a-face que t i n h a de Deus.
M u itas vezes Deus atua ass i m : d esa mpara os seus
da consolação e proteção, deixa que sinta m a própria fra
queza . Fez assim com Jesus para podermos aprender com
o exem plo. Se Jesus não tivesse sofrido a solidão, nós tería
m os ficado sem consolo na nossa debi lidade. Por esta ra
zão foi conveniente ocu lta r a g lória e mostrá-lo somente
com a natureza h u mana, deixá-lo sofrendo como se fosse
a penas um home m . O terrível desa mpa ro. Somente os que
receberam uma especia líssima revelação d e Deus con h e
cem o peso e a dor das palavra s : Meu Deus, meu Deus,
por que me abandonaste?
1 91
É a d m i rável que d u ra nte todo o j u lg a mento não se
defendeu e guardou si lêncio, e agora que já estava na cruz,
onde não tinha mais retorno, se lamentasse .
M a s o q u e pa rece tão su rpree n d e n te re vela u m a
lição. Jesus tinha sofrido tudo calado e pacientemente, mas
a lguém poderi a pensar que t i n h a a forta leza das pedras
e a carne de bronze ( Cf. Jó 6, 12), que não sentia rea lmente
dor ou sofrimento. Para que não ficasse dúvida que sofreu
muito, queixou-se co m aquele g rito. 2 2
Bastava olhá-lo para saber q u e seu corpo não era
de bronze : estava com o rosto desfigurado e o corpo todo
e n sa n g u e n ta d o . Bastava o u v i r os g e m i d o s de d o r p a ra
perceber que sua alma não era de pedra . Gritou e mostrou
q u e era de carne e de osso e com senti mentos .
No horto havia mostrado os senti mentos, mas a pe
nas três a póstolos presenciara m o momento .
Quando os i n i m igos fica ra m satisfeitos, e o Senhor
já tinha sofrido tudo que era n ecessá ri o ; m a n i festou os
sentime ntos d e seu coração para que sou béssemos q u e
em bora tenha sofrido muito em seu corpo, maior ainda foi
a dor em sua alma . Aquele grito representava toda sua dor.
192
Não se q u eixou da traição de J u das, não reclamou
d e Pedro, nem dos sacerdotes, n e m das fa lsas teste m u
nhas, n e m dos soldados, nem dos executores e nem d e
Pilatos. Não se lamentou de n i n g u é m . Queixou -se ao Pa i ,
somente e l e poderia responder o m otivo do desam pa ro .
Devemos a p render com Jesus : n o s m o m entos d e
d ificuldade encontraremos mu ito pouco a poio nos homens
e, pelo contrário, muito em Deus. Pois, não se vendem dois
passarinhos por um asse? No entanto, nenhum cai por terra
sem a vontade de vosso Pai ( Mt 10, 29). As contra riedades
são remédio para as doenças espirituais, Jesus é o médico
que receita , ainda que sej a m os homens a dar o medica
mento . 2 3 Para a u mentar o nosso mérito e a glória no céu,
é Ele quem luta por nós e nos dá a coroa da vitóri a . O con
denado não suplica ao carrasco, mas ao juiz; o doente não
se trata com o farmacêutico, mas com o médico; os solda
dos não mostram suas feridas para o utros soldados, mas
a o com a n d a nte. Igua lmente não devemos la nçar a culpa
r', ú ' \,; I . ·, • ·. . .
193
Falam de mim os que se c7Ssentam as portas da cidade,
escarnecem-me os que bebem vinho. Ninha oração, porém,
sobe até vós, Senhor, na hora de vossa misericórdia, ó Deus.
Na vossa imensa bondade, escutai-me, segundo a ftde!tdade
de vosso socorro (SI 68, 1 3-14) .
1 94
deveria vir e a n u nciar o Messias, como achavam que Jesus
era um fa lso messias, a p roveitava m para fazer chacota .
Mas Elias já tinha vi ndo na pessoa de João Batista (Cf. Mt
17, 1 3 ) . Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consu
mado, para se cumprirplenamente a Escritura, disse: Tenho
sede (Jo 19, 2 8 ) .
TENHO SEDE
TUDO ES TÁ CONSUMADO
O S e n h o r foi e n v i a d o p a ra d u a s m i ssõ es : s e r o
Messias e o Redentor. Ele as cumpriu perfeita mente .
Na última ceia o rou ao Pa i : Eu te glorifiquei a terra.
Terminei a obra que me deste para fazer.
24. Aquele que põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o
Reino de Deus ( Lc 9, 6 2 ) .
202
mas suas mãos não o a lca nçava m , caíram seus braços sem
poder a braçar o fi lho; Jesus morria e ela não podia morrer
com ele. O seu corpo desfa lecia, sua alma estava tão unida
à de seu fi lho, que morria na dor com ele.
De repente, viu-o tomar u m ú ltimo fôlego e excla mar
suas ú ltimas palavras. Jesus deu então um grande brado e
disse: Pai_ nas tuas mãos entrego o meu espírito. E dizendo
isso, exptrou ( Lc 23, 46) .
209
todas as coisas para si ; a si nagoga ficou vazia e o templo
u ma casa deserta e sem dono .
O Sa nto dos Sa ntos significava o rei n o dos céus, o
l u g a r e s co n d i d o a o s o l h o s d o s h o m e n s , o n d e D e u s
ha bita va .
210
ó Deus_ quando saíeis à frente de vosso povo, quando
avançáveispelo deserto, a terra tremia (SI 67, 8-9). Ó montes_
por que saltastes como carneiros, e vós, colinas, como
cordeiros? Ante a face de Deus, treme, ó terra (SI 1 1 3, 6-7 ) .
2JJ
poder, q u e até então possuíam sobre o s homens. Caíram
sobre eles o terror e a angústia, o poder do vosso braço os
petrificou ( Ex 1 5 , 1 6 ) .
O re i n o d e Cristo venceu os esp íritos d i a ból icos ; o
poder do pecado e das trevas desa pareceu diante do brilho
luminoso da cruz. Abri #'se nos corações dos homens a fé,
a esperança e a santidade. Começava a florescer u m novo
tempo no mundo.
M uitos gentios deram teste m u n ho. Os soldados q ue
estavam de g uarda foram os pri meiros a man ifestar publi
camente a fé e m Cristo. Graças a Jesus Cristo, vós que antes
estáveis longe, vos tornastes presentes, pelo sangue de Cristo
( Ef 2, 1 3 ) . Aconteceu o mesmo no nasci mento, os gentios
vindo do Oriente viera m a dorá-lo . Agora, enquanto os ju
deus zombava m, os gentios o reconheciam como Deus. O
centurião e seus homens que montavam guarda a Jesus,
diante do estremecimento da terra e de tudo o que se passava,
disseram entre si, possuídos de grande temor: Verda
deiramente, este homem era Filho de Deus/ ( Mt 27, 54).
O mérito d a P a i x ã o d o S e n h o r ta m bé m a l c a n ç o u
alguns j udeus. E toda a multidão dos que assistiam a este
espetáculo e viam o que se passava voltou, batendo no peito
( Lc 23, 48) .
212
A B R I U- L HE O LA DO COM UMA LANÇA
nenhum dos seus ossos será quebrado (Jo 19, 36). Apesar
dos i n i m igos desejarem o contrá rio.
O Senhor morreu quando q u is, a pesar do esforço dos
sacerdotes . Vieram os soldados e quebraram as pernas do
primeiro e do outro, que com ele foram crucificados. Chegando,
porém, a Jesus, como o vissem já morto, não lhe quebraram
as pernas (Jo 1 9 , 32-3 3 ) . Naquela m esma hora o ladrão
a rrependido foi levado ao Pa raíso .
214
Um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança (Jo
19, 34) para ter certeza que estava morto . De igual modo,
os nossos pecados a tra vessam o coração d e Jesus.
Abri ndo-lhe o lado, feriu seu coração, fonte da vida
e da água etern a . A Igreja canta em seus h i nos : doce ma
deiro, doces cravos que sustentara m tão preciosa ca rg a .
No entanto, à la nça é chamada d e "ferro cruel". Ao a brir o
seu lado, foi a berto a porta do amor, e o Senhor nos quer
assim, com o seu Coração ferido .
Sa nto Agostinho comenta que o eva ngelista n ã o diz
feriram seu corpo, mas a briram indicando que se a bria a
porta da vida, de onde jorra m os Sacramentos da Ig reja ,
sem o s q u ais n ã o s e a lcança a v i d a eterna . 2 s
Eva t i n h a n ascido do lado do homem velho, Adão.
Quando foi a berto seu lado, Adão dormia; Eva foi chamada
mãe dos viventes.
O novo Adão, Jesus, ta mbém dormia, mas o sono da
morte ; e de seu lado a berto fez nascer a Ig reja viva, mãe
dos sa ntos, mãe d e todos os v iventes.
Do lado a berto imediatamente saiu sangue e água (Jo
19, 34), da qual foi formada e enriquecida sua Igreja. Este
mistério é grande ( Ef 5, 32).
Este é o consolo dos a batidos, a forta l eza para os
q u e sofrem tentações, o refúgio dos pecadores. A porta
215
por onde o s h o m e n s se sa ntifica m . É a porta q u e Deus
mandou Noé fazer na latera l da arca, para q u e entrassem
todos que haviam de se salvar do dilúvio (Cf. Gn 6, 1 6 ) . É
a porta do templo, chamada Formosa (At 3, 2), refúgio em
que sempre se encontra misericórdia e salvação. Eu sou a
porta. Se alguém entrar por mim será salvo (Jo 10, 9 ) . É a
porta cuja chave só os a migos de Deus possuem. É a porta
q u e desce à adega, onde se e m b riagam com o v i n h o do
seu a mor. Esta é a porta do Senhor: só os justos por ela
podem passar (SI 1 1 7, 2 0 ) .
O nosso coração está todo ele aberto. Não é estreito o
lugar que nele ocupais ( 2Cor 6, 1 1 - 1 2 ) . Se São Pau lo podia
d izer isto, podemos imaginar como é o coração de J esus,
onde ca be tod a h u manidade. Para u ma casa tão grande,
e ra necessária uma porta igua lmente g rande, onde estão
escritos os nomes de todos os homens.
D e p o i s d e ressu scita do, p e r m a n eceu com o l a d o
aberto, troféu de sua vitória. P o r isso, quando Tomé colo
cou os dedos na ferida o entendimento foi iluminado e acre
ditou; inflamado de a mor, pode d izer: Meu Senhor e meu
Deus (Jo 20, 28) .
Como atraí suavemente esta ferida ! O coração ferido
a braça os homens e os torn am seus amigos . Por i sso, o
Senhor a pa receu a os a póstolos depois de ressuscitado e
mostrou as mãos e o lado a berto . Agora, a lém de ferido, o
coração está todo a berto .
216
JORROU SA NGUE E AGUA
221
Senhor vinha do céu . Mesmo com medo foi u m a vez de
noite tirar as dúvidas.
Os dois homens, embora não fossem publicamente
discípu los do Senhor, o defendiam nas assembléias . N ico
demos uma vez fez notar no conselho : Condena acaso a
nos�a lei algvm /Jomem, antes de o ovvir e conhecer o qve
ele raz? (Jo 7, 5 1 ) . Todos os juízes se voltaram contra ele:
Porventvra és também !1.1 ga/1/ev?Jn!órma-te bem e verás que
da Gal!léia não sa/1.1 proreta (Jo 7, 52). Desde então, come
çaram a suspeitar dele.
José de Arimatéia ta mbém não se deixou levar pela
injustiça, não concordava com o processo. São Marcos nar
ra que todos assinaram a sentença de morte contra Jesus,
então, provavelmente não assistiu a condenação no Siné
drio, por medo ou por se achar i ncapacitado em convencer
os outros. Mas, depois da morte do Senhor, roi resolvto à
presença de Pilatos e pedil.l o corpo de Jes1.1s (Me 1 5, 4 3).
Quando o Senhor fazia mi lagres, fa lava publicamente
e era reverenciado como profeta, José e Nicodemos escon
diam a admiração por medo . Agora que Jesus tinha sido
expulso da sinagoga, caluniado e considerado pior que um
ladrão, fla gelado e crucificado, demo nstravam d i a nte de
todos a fé . A cruz forneceu a força necessária . Enquanto
os discípulos estavam com medo e escondidos, José e Nico
demos, honravam o morto publicamente.
222
A tardinha (Mt 27, 57) José se apresentou diante de
Pi latos para pedir o corpo. Era o dia da Preparação e já ia
principiar o sábado (Lc 23, 54). Os judeus começavam a se
guardar ao pôr do sol, depois já não poderiam descer o
corpo e se ocupa r com a sepu ltura . Ve ndo que restava
pouco tempo e se não fossem rá pidos, o corpo teria que
ficar exposto d u rante todo o dia segui nte . José, sozi nho e
corajosamente, correu a Pilatos para pedir o corpo. Mostrou
mu ita coragem, porque com a atitude se declarava a migo
de Jesus, arriscando perder cargo e prestígio no conselho.
José preferiu perder a honra perante os outros, para con
seguir tomar parte da cruz do Senhor. Não teve respeitos
humanos, nem se preocu pou com o que Pilatos pud esse
pensar. Pediu a maior riqueza da terra : o corpo de Jesus,
o Filho de Deus, o Pão da Vida. José, naqu ele momento,
man ifestava o d esejo e a n ecessidade de toda a Igrej a .
Ptlatos admirou-se de que ele tivesse morndo tão
depressa. � chamando o centurião, perguntou se já havia
mwto tempo que Jesus tinha morrido ( Me 15, 44) . Talvez a
notícia da morte, trouxesse a Pilatos um remorso, por isso
a d m i ro u -se . E n q u a n to estivesse vivo, sua consciência
ad iava o pensam ento pela i njustiça cometida .
Agora seus p e n sa m e n tos o rem oía m , faz ia m - n o
lembra r de J e s u s sereno e toda sua om issão perante o
j u lga mento. Atormentava-lhe a ideia de ter condenado
223
uma divindade; ti nha visto a terra tremer e o sol escurecer
durante três horas, sua covardia ficava clara .
Pilatos desejava um milagre : que aq uela morte inj us
ta não acontecesse. Por Isso, admirou-se que já estivesse
morto, sabia por experiência, que muitas vezes os conde
nados ficavam agon izando por dias. Não acreditava numa
morte tão rápida, pois Jesus era forte ; fazia pouco tempo
que os judeus pediram para que se quebrassem as pernas
dos condenados para apressarem suas mortes. Pilatos não
percebia q ue o Senhor tinha passado uma noite e u m a
manhã inteira em tormentos, tinha sido flagelado, perdido
m u ito sangue e carregado uma pesada cruz. Havia uma
dor maior, que Pilatos nu nca poderia con hecer: a agonia
i nterior, a dor que Jesus sofreu por amor, que é infinita .
Por Isso, aquelas três horas fora m u m a etern idad e .
Pilatos ficou t ã o a d m i rado q u e não acreditou em
José . Foi preciso a confirmação do centurião para que acre
ditasse. Talvez o centurião, não só tenha confi rmado a mor
te, como lhe contado q u e aquele homem era rea l mente
F i l h o d e D e u s . Pi latos fi ca ri a a s s i m , m a i s confuso e
pertu rbado.
Obtida a resposta afirmativa do centun'ão/ mandou dar
lhe o corpo (Me 1 5 , 45). José saiu a legre com a a utorização
e p re p a rou o necessá rio p a ra o s e p u ltamento, n ã o se
preocu pava mais em fazer nada escondido, não estava
mais com medo, sentia orgulho de ser amigo de Jesus .
224
Veio Nicodemos, agora à luz do dia, levando umas
cem libras de uma mistura de mirra e aloés (Jo 19, 39). Os
dois descera m o corpo de Jesus e o sepu lta ra m, sem se
preocuparem com gastos ou com a opinião dos sacerdotes,
como também não se importaram com a impureza lega l .
A l e i dizia : se alguém, em pleno c.ampo, tocar em um
homem morto pela espada, em um cadáver; em ossos
llumano� ou em um sepulcro, será Impuro durante sete dias
(Nm 19, 16).
J osé e N i codemos tinham g rave motivo p a ra se
exclu írem d o sepu ltamento, pois fica ri a m i m p u ros para
celebrar a Páscoa . Mas a fé, a compaixão e o amor, estavam
acima da lei. Sabiam que não ficariam impuros, pelo con
trário, seriam limpos pela obra de misericórdia.
A Páscoa não fica i m p u ra q uando é renovava por
meio daquele que é a origem de toda limpeza e santidade,
princípio da vida e da ressurreição.
Com esta co n vicção, sepulta ram Jesus com toda
reverência, apesar do pouco tempo disponível que tinham.
Depois de ter comprado um pano de linho, .José tirou-o
JESUS É SEPULTADO
calou -se .
Quem poderia consolar a Consoladora dos aflitos?
Era ela q u e m sabia consolar, que tinha espera n ça e fé.
H u m i l d e m e n te a V i rgem a g ra d e ce u os a m igos q u e a l i
estava m .
Todos estavam envergonha dos, porque a p ri ncípio
t i n h a m s i d o covardes e se esco n d id o , a s s i m m esmo a
Virgem Maria agradecia-lhes.
Agora ped iam perdão, não com palavras, mas com
atitude de carinho com o corpo de Jesus. Tarde demons
trava m amor, contudo a Virgem os compreendia e ficava
agradeci d a .
Conti nuaram com o trabalho de desprender Jesus da
cruz, a rra ncavam os cravos e o peso do corpo ca i u sobre
eles, a m pa ra m com os b raços e ficaram vermelhos do
sangue do Senhor. Todos permaneci a m em silêncio, n i n
g u é m falava nada . Depois de desceram com pletamente o
corpo, pusera m -no nos braços de sua Mãe.
Como um Rei, que volta vitorioso do campo de bata
lha, foi recebido no melhor trono, os braços de sua Mãe.
Nada podia honrá-lo mais.
227
Ao mesmo tem po em que sentia uma dor terrível,
estava org u lhosa d e Jesus crucifica d o . Pela cruz t i n h a
recebido m a is graças que n e n h u m a outra criatura, era a
bend ita entre todas as m u lheres . Agradeceu tudo isso e
a braçou com toda sua alma o corpo do Filho.
229
dos judeus (Jo 19, 42 ) . Não havia mais tempo, fizeram o
melhor que podiam, começava a anoitecer.
Foi conveniente que tudo fosse novo . O lençol novo
e limpo representava a pureza e a limpeza das almas, que
vão receber seu Corpo. Como o Senhor nasceu de uma vir
gem, agora que morria repousava em um sepulcro novo e
nunca usado, pois desta rocha virgem, renasceria em três
dias.
As mulheres que tinham vindo com Jesus da Galiléia/
acompanharam José. Elas viram o túmulo e o modo como o
corpo de Jesus ali rora depositado ( Lc 23, 55) . Sentadas
derronte do ttímulo ( Mt 27, 6 1 ), María Madalena e María, mãe
deJosfi observavam onde o deposttavam (Mc 15, 47). Depois
da festa tinham a intenção de voltar, para adorar e honrar
o corpo do Senhor, ungi ndo-o com novos aromas.
Não é narrado que a Virgem estivesse presente na
sepultura, provavelmente não a d eixara m ficar, para que
não a u mentasse o sofri mento ; despediu-se do Filho na
entrada do horto e partiu com João. Chegara m à cidade
a ntes que caísse a noite .
A Virgem não presenciou José q u e rolou uma grande
pedra à entrada do sepulcro e l'oi-se embora ( Mt 27, 60) com
N icodemos e os outros.
As m u l heres voltaram para a cidade e prepararam
aromas e bálsamos. No dia de sábado, observaram o preceito
do repouso ( Lc 23, 56) .
230
jESUS DESCE À MA NSÃ O DOS MORTOS
231
O Evangelho relata q ue os j ustos e os condenados
ficavam separados. Na parábola o rico avarento foi levado
para o i nferno e estando no tormento, levantou os olhos
e viu bem longe, Abraão e Lázaro. Pediu a Abraão que Láza
ro viesse aliviar sua sede e, depois, avisasse seus irmãos
que existia o inferno, para que pudessem evitar a conde
nação, mas Abraão d isse que era impossível, pois, há entre
nós e vós um grande abismo, de maneira que, os que querem
passardaquipara vó.s;. não podem, nem os de lápassarpara
cá ( Lc 16, 26) .
Quando Jesus morreu na cruz, desceu para libertar
as almas dos justos que estavam esperando. Rompeu com
as cadeias e resgatou todos os j u stos .
M uitos foram resgatados para a vida etern a . Havia
passado m ilhares de anos e muitos reis, patria rcas, pro
fetas e a nô n i mos estavam esperando o Messias.
O triunfo foi estrondoso e festejado, porque na cruz
foi destruído o império do i nferno. Jesus desceu pessoal
mente, como Senhor e Rei, para buscar os justos. As almas
que pagavam suas d ívidas n o Purg atório a l eg ra ra m -se,
pois agora estavam mais perto da li berdade e da glóri a .
O Inferno estremeceu com o tri u nfo do Redentor,
tremeu de ódio e inveja.
Para que ao nome de Jesus se dobre todojoelho no céu,
na tetra e nos infernos ( FI 2, 1 0 ) .
232
SÁBADO SAN TO
Os prínci pes dos sacerdotes e os fa riseus permaneciam
obsti nados, co nti nuava m cegos. Mesmo com a morte do
Senhor, prosseg u i a m com todos os meios para apagar o
nome de Jesus da memória de todos.
No entanto, mesmo morto, o temiam. Os discípulos
continuavam escondidos por medo. Mas os fariseus e escri
bas temiam que os discípulos d ivulgassem que Jesus havia
ressuscita d o .
Os a m igos ti n h a m esq uecido da p romessa o u não
a cred itavam que Jesus h a v i a a v i sa d o : N o terceiro dia
ressuscitarei. Mas os i n i migos se lembravam bem e temiam.
Não podiam permitir q u e isso acontecesse, porque o povo
fatalmente o procla maria rei. Eles já haviam decidido: Não
queremos que ele reine sobre nós ( Lc 19, 14).
No dia seguinte - isto � o dia seguinte ao da Preparação
-, ospríncipes dos sacerdotes e os rariseus dirigiram-se todos
juntos a casa de Pilatos ( M t 27, 6 2 ) . Ignorara m q ue fosse
sábado e período de Páscoa. O ódio contra Jesus, fez com
que não perdessem tempo. Os maiores zeladores da obser
vância do sábado, que se escandalizaram com uma cura nes
te dia, agora para caluniar um morto não se importavam em
235
quebrar o preceito da lei . A misericórdia de Jesus cura ndo os
enfermos tra nsgredia o sába do, o ódio de les não.
O Eva ngelho conta que fora m até Pilatos. Desta vez
não se preocuparam em ficar impuros, não o fizeram descer
no pátio e entraram no pretório. Com falsidade, chamara m
Pi latos de " s e n h o r", à q u e l e que desprezavam por ser
representante da dominaçã o ro mana, ass i m esperava m
agradá-lo.
E disseram-lhe: Senhor, nós nos lembramos de que
aquele impostor diss� enquanto vivia: depois de três dias
ressusataret: Ordena/ poi� que seu sepulcro seja guardado
até o terceiro dia. Os seus disapulos poderiam vir roubar o
corpo e dizeraopovo: Ressusatou dos mortos. E esta última
impostura seria pior que a primeira ( Mt 2 7, 63-64 ) .
Pilatos escutou e percebeu q u e o ódio con ti nuava o
mesmo, ficou pasmado por perceber q ue nem a morte de
Jesus tinha sido suficiente. Mas por prudência era melhor
não se i ndispor com gente tão ardilosa e concordou com o
ped i d o .
Forneceu o s soldados, assim n ã o poderiam cul par os
romanos por q ua lquer imprevisto.
Respondeu Pilatos : Tendes umaguarda. lde eguardai
o como o entendeis (Mt 27, 65), tam bém enviarei alguns de
meus soldados p a ra g u a rd a r o s e p u l cro . O Procurador
Romano já estava farto deles e de todo aquele assu nto .
Parece que Pilatos i ron izava oculta mente sua crueldade .
236
Foram pois_ e asseguraram o sepulc� selando apedra
e colocando guardas ( Mt 27, 6 6 ) . Para ter certeza, e les
mesmos foram com os soldados. O sepu lcro só tinha uma
entrada, somente por ali poderiam roubar o corpo, e sobre
ela já estava posta u ma pesada pedra . Era relativamente
fácil fechar o sepulcro, bastava empurrar a pedra que era
red onda, por um d eclive. Mas p a ra reti ra r a pedra era
p reciso fazer o processo i nverso, e a pedra era pesa d a .
Como queriam ter absoluta certeza, a briram para v e r s e o
corpo permanecia lá, tendo a confirmação voltaram a fechar
e sela r a ped ra . Por fi m d istri bu íram os soldados, alguns
ficaram na porta , e outros circu lando, pa ra que n i nguém
se a p roximasse.
Não seria necessário tudo isso, os discípulos estavam
dispersos, escondidos e com medo, não tinham a mínima
ideia de rou bar o corpo. Quando o Sen hor ressuscitou teve
que buscá-los e mandar chamá-los.
Os j udeus estava m preocu pados com os discípulos,
mas fora m os próprios guardas que d i sseram que Jesus
havia ressuscitado naquela manhã .
Santo Ata násio d iz : inrelizes e miseráveis judeus!
Aquele que quebrou as cadeias da mort� não podeda quebrar
os selos da sepultura? Guardaram o sepulcro, selaram a pedra
e colocaram soldado� desta maneira engrandeceram a
ressurreição/ os sentinelas roram testemunhas e divulgadores
da Ressurreição do Senhor.
237
A VIRGEM MARIA ESPERA A RESSURREIÇÃO