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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS


DEPARTAMENTO DE FITOTECNIA

FIT 5806 - BIOTECNOLOGIA

APOSTILA (v.5)

Rubens Onofre Nodari

Doutor em Genética (UCDavis-CA), Prof. Titular do Dep. de Fitotecnia, Centro de


Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, C. Postal 476, Florianópolis,
SC, 88040-900, e-mail: nodari@mbox1.ufsc.br

Miguel Pedro Guerra

Doutor em Ciências (USP), Prof. Titular do Dep. de Fitotecnia, Centro de Ciências


Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, C. Postal 476, Florianópolis, SC,
88040-900, e-mail:guerra@cca.ufsc.br

Florianópolis, maio de 2000


Tópicos Página
PARTE 1
Apresentação 3
I-Introdução às macromoléculas: proteínas e ácidos nucleicos 4
1.1-Proteínas 4
1.2-Ácidos nucleicos 5
II-Replicação 11
III-Transcrição 12
IV-Tradução 14
V-Mutação e reparo 15
VI-Metilação 16
VII-Regulação gênica 16
PARTE 2
-Marcadores genéticos 21
1-Marcadores morfológicos 21
2-Marcadores proteínas de sementes 21
3-Isoenzimas 21
4-RFLPs 25
5-RAPDs 27
6-Minissatélites 28
7-Microssatélites 29
8-AFLPs 29
9-SCAR 31
10-Análise comparativa 32
11-Aplicações dos marcadores moleculares 32
12-Bibliografia 36
PARTE 3
1-Introdução 41
2-Transformação de plantas 41
3-Diferenças entre os métodos de melhoramento convencionais e 42
biotecnológicos
4-Oportunidades 44
5-Evolução do cultivo de plantas transgênicas 45
6-Limitações 46
7-Biossegurança- Regulamentação 47
8-Determinação de risco 49
9-O caso da soja transgênica resistente ao herbicida glifosate 50
10-Implicações econômicas 52
11-Percepção pública 53
PARTE 4
1-Direitos de proteção e patentes
2-Lei de proteção das cultivares
3-Lei dos acessos
4- Biodiversidade, Biotecnologia e Agricultura
PARTE 5
Bioética
Bibliografia
APRESENTAÇÃO

Esta apostila reúne conteúdos básicos de biologia celular e molecular e suas decorrentes
aplicações biotecnológicas e outras técnicas de uso frequente como marcadores moleculares e
plantas transgênicas visando conhecer, conservar e melhorar a diversidade genética existente. O
objetivo desta apostila é proporcionar ao estudante um conjunto de informações básicas e as
aplicações de algumas biotecnologias. Este conjunto de informações se constitui no ponto de
partida para estudos mais aprofundados.
A biotecnologia em seu sentido mais amplo compreende a manipulação de
microorganismos, plantas e animais, objetivando a obtenção de processos e produtos de
interesse. Desta maneira, toda atividade que envolva a aplicação dos conhecimentos de
fisiologia, bioquímica e genética, é considerada como técnica biotecnológica. Em seu senso mais
restrito a biotecnologia compreende a associação de técnicas mais sofisticadas de biologia
molecular e celular, engenharia genética e manipulações celulares in vitro. Para o CNPq,
biotecnologia pode ser conceituada como a utilização de sistemas celulares para a obtenção de
produtos e desenvolvimento de processos. A FAO (1989) conceitua biotecnologia como a
aplicação dos princípios científicos e de engenharia para o processamento de materiais por
agentes biológicos proporcionando produtos ou serviços. Fernandes (1987) conceitua como o
uso das técnicas de regeneração in vitro e do DNA recombinante.
As primeiras atitudes do governo brasileiro em relação às biotecnologias tiveram inicio em
meados da década de 1980, quando tanto o CNPq quanto o MCT iniciaram o apoio à formação
de recursos humanos. Atualmente, o volume de recursos, o número de bolsas e o número de
pesquisadores que trabalham com as biotecnologias na área agrícola e florestal atingem valores
inferiores a 10% em relação às demais áreas de C&T no pais. Contudo, é cada vez maior o
número de pessoas envolvidas com as biotecnologias, as quais passam a ser utilizadas nas
diversas disciplinas da área biológica. No estado de São Paulo, a FAPESP, a agência de
fomento a pesquisa do estado de São Paulo, financiou um projeto para o sequenciamento da
bactéria Xyllela fastidiosa, o agente causador da doença denominada de amarelinho em citrus.
Outros programas de pesquisa em biotecnologia de plantas estão em progresso em café, cacau,
soja, milho, trigo e outras espécies de importância econômica.
A clonagem de mamíferos, obtidas em 1997, desencadeou uma discussão não só no seio
da comunidade científica, mas também em toda a sociedade sobre as implicações do poder das
biotecnologias. Em 1998, um grupo de4 pesquisadores da Coréia do Sul advoga o feito de ter
clonado um embrião humano. Toma corpo então a Bioética, que discute o modo de ser (ética) da
vida. A bioética pergunta-se sobre a legitimidade dos projetos de efeitos biotecnológicos.
Vários agrônomos já estão desenvolvendo atividades na geração de processos e
produtos, utilizando estas técnicas biotecnológias. O mercado tende a uma expansão nos
próximos anos. Além dos conhecimentos técnicos necessários ao desempenho profissional, o
Engenheiro Agrônomo tem um importante papel na discussão das questões relacionadas com as
biotecnologias com a sociedade. A liberação da soja transgênica em setembro de 1998,
resistente ao herbicida glifosate, constitui-se num marco da agricultura e exige que os
profissionais formados tenham o conhecimento técnico e científico não só para o correto
manuseio destes organismos como também para participar das decisões a respeito das
mesmas.

Miguel Pedro Guerra e Rubens Onofre Nodari


PARTE 1

I-INTRODUÇÃO ÀS MACROMOLÉCULAS: PROTEÍNAS E ÁCIDOS NUCLEICOS

1.1-PROTEÍNAS
Ligações peptídicas entre as pequenas moléculas formam moléculas grandes, as
proteínas. Proteínas são cadeias de aminoácidos (aa). A estrutura básica é composta de um
esqueleto e de grupos laterais. Uma série repetida de ligações peptídicas entre o carbono de um
aa e o nitrogênio de outro aa formam o esqueleto, enquanto as ramificações deste esqueleto são
os aa. Devido a natureza da ligação peptídica, uma das extremidades da proteína é H2N,
denominada de N-terminal, e na outra extremidade encontra-se COOH, que é chamada de
carboxi-terminal. Existem cerca de 20 aa, cada um com sua forma e constituição química
característica. Dependendo da composição, as proteínas podem ter carga positiva, neutra ou
negativa. Os aa lisina, arginina e histidina contribuem com carga positiva (denominados de
básicos) enquanto que o ácido aspártico e o ácido glutâmico são carregados negativamente
(denominados de ácidos). Os demais 15 aa são neutros com relação a carga elétrica. Destes, os
polares são: serina, treonina, tirosina, triptofano, asparigina, glutamina e cisteína. Os demais
apresentam propriedades hidrofóbicas (não polar): alanina, fenilalanina, glicina, isoleucina,
leucina, metionina, prolina e valina. Tais propriedades (polaridade e a hidrofobia) também são
incorporadas às proteínas.
Os tipos de aa incluídos e principalmente a sua sequência determinam a conformação
tridimensional e portanto, as propriedades de todas as proteínas. O tamanho de uma proteína
pode variar de alguns poucos até 30.000 aa. Trinta ou 40 aa são suficientes para proporcionar
uma conformação terciária.
A estabilidade das proteínas representa um equilíbrio entre a sua síntese e a sua
degradação. Existe um processo contínuo de reposição (turnover) que pode ser caracterizado
quando se conhece a meia-vida das proteínas, ou seja o tempo necessário para a renovação da
metade da sua concentração. A meia-vida das proteínas pode variar de minutos a mais de 20
horas e sua degradação é catalisada por enzimas proteolíticas. Exemplos: proteínas com N-
terminal arginina - 2 min; lisina, leucina e fenilalanina - 3 min; prolina - 7 min; tirosina e glutamina
- 10 min.
Na maioria das vezes as proteínas para exercerem suas funções devem sofrer
modificações, como fosforilação, glicosilação ou metilação. No processo de fosforilação é
adicionado à proteína um grupo fosfato pelas kinases, tonando-se fosfoproteínas. A metilação ou
acetilação consiste na incorporação de um metil ou acetil à proteína pelas metilases ou
acetilases, respectivamente. A incorporação de carboidratos numa cadeia protéica denomina-se
glicosilação, origina as moléculas denominadas de glicoproteínas.
Enzima é a denominação de uma proteína quanto esta apresenta a habilidade de
acelerar uma reação fazendo ou quebrando uma ligação (covalente) específica. Para o exercício
desta função, as proteínas devem apresentar a conformação terciária ou quaternária. A
conformação quaternária é na realidade a agregação de duas ou mais sub-unidades, que nesta
condição proporcionam a função catalisadora à uma proteína enzima. Exemplo: Rubisco ou
ribulose-1,5-bifosfato carboxilase/oxigenase se torna uma enzima quando oito sub-unidades se
agrupam, quatro delas codificadas por genes nucleares e as outras quatro por genes do
cloroplasto. A Rubisco é responsável pela inclusão de CO2 numa cadeia de carbono (1ª etapa
no ciclo de Calvin). Tratando-se de enzimas, nem todos os aa participam da reação catalítica.
Existe um sítio ativo responsável pela catálise. Este sítio ativo é então um conjunto de aa
denominado de motivo ou domain. A domain pode ser entendida como a unidade funcional de
uma proteína, um região relativamente independente da proteína. Nas interações com outras
proteínas ou ácidos nucleicos apenas uma parte da proteína, o motivo (ou domain), é
responsável pela função.
Quando diferentes proteínas desempenham funções semelhantes, constituem uma
família de proteínas. A mesma seqüência formadora de uma determinada domain pode se
encontrada em várias proteínas de espécies diferentes. Aparentemente, durante a evolução a
domain se moveu dentro da sequência linear de aminoácidos sem perder sua função e
especificidade de ligação. Estas domains variam quanto ao número de aa: 18 no Colágeno, mais
de 250 aa Fibrinogênio. Freqüentemente, as domains podem se repetir (até mais de 30) numa
mesma proteína, neste caso denominadas de motivo (motif) sendo que nem todas as repetições
são exatamente idênticas. Estas duplicações provavelmente são devido a existência de
elementos móveis ou transformação. As duplicações têm provocado a elongação de muitas
proteínas. Estimativas admitem a existência de mais de 50 mil tipos de proteínas numa espécie
eucariota.
As primeiras técnicas de separação de macromoléculas, foram desenvolvidas na década
de 40. Nesta época foi desenvolvido os sistemas de cromatografia que permitem a separação
das frações polares das não polares com base na solubilidade das diferentes moléculas. De
acordo com este princípio, um solvente não polar move-se carregando solutos com ele. As
substâncias migram a diferentes distâncias de acordo com a sua solubilidade no solvente.
Atualmente existem uma dezena de diferentes técnicas de cromatografia, que possibilitam
inclusive a identificação de moléculas presentes numa mistura.
Nos anos 80 foi descoberto que algumas doenças (desordens degenerativas) poderiam
ser causadas por agentes infecciosos formados apenas por proteínas. Estas proteínas foram
denominados de príons ('proteinaceous infections particles'). O príon é uma forma alterada da
proteína PrP que normalmente está presente no cérebro de vertebrados. Estas desordens
degenerativas ocorrem com freqüência em animais e muito raro na espécie humana.
O sequenciamento de proteínas é uma técnica, desenvolvida por (Sanger, 1950), com a
finalidade de conhecer a seqüência dos aa numa proteína. As implicações desta descoberta são
inúmeras. A mais importante se relaciona com a saúde humana, pois a técnica permitiu a
identificação de inúmeras doenças. Mutações a nível de DNA podem provocar a substituição de
um aa por outro numa determinada posição da seqüência de uma proteína e dependendo da
posição a proteína perde sua função, causando então uma doença. Outra conseqüência foi a
possibilidade de inferência da seqüência de bases a nível de DNA que codifica para as proteínas
sequenciadas. Isto permitiu o isolamento e a clonagem dos primeiros genes. Mais tarde, o
próprio Sanger desenvolveu um método de sequenciamento de DNA. Por esta contribuição à
ciência, Sanger foi agraciado com um segundo prêmio Nobel.

1.2-ÁCIDOS NUCLEICOS
1.2.1-Ácido desoxirribonucleico - DNA
As moléculas de DNA têm estrutura em forma de dupla hélice, semelhante a de uma
escada retorcida. Cada fita é formada por uma seqüência de nucleotídeos (dNTP). Cada dNTP
é composto de uma base nitrogenada ligadas a uma molécula de açúcar (desoxirribose) e um
grupo fosfato. As bases nitrogenadas ligadas a desoxirribose são quatro: adenina (A), citosina
(C), guanina (G) e timina (T). Uma ligação fosfodiéster unindo o grupo fosfato de um dNTP e o
açúcar desoxirribose de outro dNTP forma o esqueleto da fita (strand), como se fosse uma das
laterais da escada. A outra fita (ou a outra lateral da escada) é formada da mesma maneira, mas
com orientação da ligação fosfodiéster contrária, o que impõe a característica de
antiparalelismo as duas fitas. Cada fita tem uma orientação (5'-3') em função da natureza da
ligação fosfodiéster entre o carbono 3' e o 5' da desoxirribose, sendo que um nucleotídeo só
pode ser incluído na cadeia através da ligação do fosfato com o carbono 3'OH da desorribose.
Por isto, a orientação da cadeia é 5'-3', pois haverá sempre o carbono 3' numa das extremidade
da fita.
Mais do que isto, estas duas fitas são complementares já que quando existir adenina de
um lado, somente timina é encontrada na mesma posição na outra fita. O mesmo acontece com
citosina e guanina. São estes os dois únicos tipos complementação de bases nitrogenadas
possíveis no DNA. Como conseqüência o número de adeninas será igual ao número de timinas
num organismo. O mesmo vale para C e G. Entretanto a quantidade de purinas (A e G) é
característica de cada espécie. Assim a proporção entre A e G é de 0,7 em Bacillus, 1,56 no
homem e 1,7 em Saccharomyces cereviseae. Isto é conhecido como regra de Chargaff.
Entre as bases nitrogenadas existem pontes de hidrogênio, duas entre A e T e três
entre C e G. Tais pontes juntamente com outras forças, mantêm as duas fitas unidas. Cada par
de base é análogo a um degrau desta escada. O DNA funciona como um modelo para a síntese
de novas fitas de DNA. O DNA é a molécula responsável pelo armazenamento e perpetuação do
código genético. Apesar da ocorrência de 3 tipos de DNAs ('A', 'Z', 'B'), aparentemente
desempenham a mesma função.
A prova definitiva de que o DNA é a molécula repositório do código genético foi obtida em
1952 por Hershey e Chase. Experimentalmente adicionou-se 32P numa colônia de bactérias
infectadas por vírus, neste caso o fósforo radioativo foi incorporado no DNA, já que pouco ou
quase nenhum fósforo é encontrado nas proteínas. Num experimento paralelo, foi feita a adição
do isótopo 35S, que pode marcar radioativamente as proteínas, já que estas têm enxofre, mas
não marca o DNA, pois este não contém enxofre. Como só o 32P foi detectado nas progênies dos
vírus, conclui-se que o DNA passava de geração a geração. Na realidade, oito anos antes,
outros três cientistas (Avery, MacLead e McCarty) haviam postulado que o agente transformador
(possivelmente o DNA) era destruído pela desorribonuclease pancreática que por sua vez não
afetava as proteínas.
A quantidade de DNA pode variar de 103 a 1013 nucleotídeos. Esta quantidade de DNA
por célula haplóide é denominada de valor C. São aproximadamente 3 bilhões de pares de
bases no núcleo de cada célula humana. Entretanto podem ser apenas 5387 no vírus φx174. A
maioria das plantas tem uma quantidade de DNA que varia entre 109 a 1011. Nos mamíferos
existem de 109 a 1010 pares de bases; já alguns peixes ou anfíbios podem ter até 1013 pares de
bases. É muito DNA para pouca função (paradoxo do valor C). Enquanto nos procariotos
praticamente quase todo o DNA carrega informações necessárias para a síntese de proteínas e
RNAs, a maior parte da seqüência de bases dos eucariotos não codifica para produto algum.
Assim apenas 3% (aproximadamente) do genoma humano é formado por genes (estimados em
mais de 50 mil) sendo que a função do restante ainda não está suficientemente compreendida. A
maior parte deste DNA sem função conhecida é composto por seqüências repetidas, de onde se
originou o nome de DNA repetitivo (selfish, nos anos 80).
Quando esticado uma molécula de DNA de qualquer célula humana mediria 1,80 m e
teria a espessura de um trilionésimo de um centímetro (1 micrômetro = 1 milésimo de milímetro).
Uma célula humana não comportaria tal estrutura. Dentro de uma célula as moléculas de DNA
estão ligadas a proteínas e são retorcidas ou enroladas (supercoil). Quando completamente
compactadas são possíveis de serem visualizadas no microscópio ótico e recebem a
denominação de cromossomos. A compactação pode alcançar um fator de 7000 vezes. Vírus e
bactérias contém apenas um cromossomo. Já os eucariotos (fungos, plantas, animais) têm dois
ou mais cromossomos que em geral, variam de tamanho.

Genoma e gene
A seqüência de pares de bases que formam o DNA pode ser chamado de genoma. A
forma do genoma pode ser circular como nos vírus, bactérias, mitocôndria, cloroplasto e
plasmídeos ou linear como nos cromossomos dos organismos eucariotos e alguns procariotos. O
genoma da maioria absoluta dos organismos é de DNA. Poucos vírus são de RNA, como
Influenza, HIV, TMV, poliomielite. A grande maioria também apresenta fita dupla. Exceção a
alguns vírus como (φx174, M13 e f1, cujos genomas são constituídos de apenas uma fita de
DNA. As características de um indivíduo como a cor dos olhos ou da pele são determinadas por
um conjunto limitado de pares de bases contidas no DNA (ou no RNA, como já mencionado,
trecho este, denominado de gene.
O conceito de gene evoluiu tanto quanto a biologia. Uma das primeiras observações
sobre o tema foi feita por Leonardo da Vinci. Observando a cor dos filhos de mulheres brancas
com homens pretos, ele sugeriu que a semente da mãe tinha o mesmo vigor que a do pai
(Wallace, 1992). Mas foi Mendel em 1865 quem utilizou pela primeira vez a expressão fator para
os componentes hereditários parentais responsáveis pelas características nas progênies. Só
mais tarde (1908), Johannsen sugeriu o termo gene para designar os fatores hereditários.
Por gene entende-se a unidade de herança. Contudo, os diferentes textos de genética
apresentam diferentes conceitos para gene. Segundo a maioria dos autores, o principal atributo
do gene é sua relação com a proteína que codifica. Neste caso, define-se gene como sendo um
segmento de DNA, que através da intermediação de uma molécula mensageira de RNA, é
responsável pela especificação de uma cadeia peptídica (Wallace, 1992). Entretanto, outros
geneticistas incluem, além das proteínas, os RNAs como produtos gênicos. Neste caso, a
definição de gene é um segmento de DNA responsável pela produção de um produto difusível
(Lewin, 1994). Como um significativo grupo de RNAs exerce funções outras que a de
mensageiro, como por exemplo a regulação gênica, o segundo conceito de gene é mais realista.
Por se tratar de uma sequência de DNA, um gene pode ocorrer sob mais que uma
alternativa ou alelo. Desta forma, basta uma alteração na sequência de bases que cause uma
mudança no produto, para que se configure uma alternativa (alelo) diferente. Para simplicidade,
normalmente utiliza-se um modelo básico de um gene com dois possíveis alelos, já que a
maioria dos seres vivos são diplóides, portanto, carregam dois alelos (um em cada cromossomo
homólogo) para o mesmo gene. Mas na realidade, um gene pode ter muitas alternativas.
Evidentemente que num indivíduo diplóide só ocorrem uma ou duas formas no máximo. Mas
diferentes indivíduos podem apresentar formas alélicas diferentes uns dos outros. Um dos
exemplo mais conhecido trata-se do tipo sanguíneo, sendo que numa população de indivíduos
podem ser encontrados quatro diferentes alelos.

Sequenciamento de ácidos nucleicos


O sequenciamento consiste na identificação ordenada dos nucleotídeos que compõem
um fragmento de DNA ou RNA. Existem duas técnicas que são utilizadas normalmente em
laboratórios. Por outro lado, nos últimos anos foram desenvolvidos equipamentos
sequenciadores de alta velocidade e que estão sendo utilizados no sequenciamento de espécies
procariotas (bactérias) e eucariotas (fungos, vegetais e animais, incluindo Homo sapiens.
Conhecer a sequência de bases dos genomas das espécies tem sido um dos objetivos
dos biólogos. A sequência completa de vários vírus já é conhecida há bastante tempo, devido ao
fato do pequeno número de nucleotídeos participantes de seus genomas. Em 1995 foi finalizado
o sequenciamento do genoma das duas primeiras bactérias pelo 'The Institute for Genomic
Research' (TIGR – http://www.tigr.org/tdb/): Haemophilus influenzae e Mycoplasma genitalium. A
primeira delas, que causa a inflamação no ouvido, tem aproximadamente 1,8 milhão de pares de
bases e aproximadamente 1700 genes. A segunda que apenas 570 genes, está associada às
infeções reprodutivas. O sequenciamento do organismo deve contribuir para o desenvolvimento
de vacinas ou outras estratégias de combate a doença causada por aquela bactéria. Além disso,
o sequenciamento do Saccharomyces cerevisae, iniciado em 1989, foi concluído em junho de
1996, resultante de um projeto feito em parceria por um grupo de pesquisadores de vários países
europeus. Esta levedura, além de ser utilizada como modelo genético para estudos em espécies
eucariotas, é utilizada na produção de bebidas fermentadas. O sequenciamento desta levedura é
um marco histórico, pois foi o primeiro organismo eucarioto a ter seus genes totalmente
inventariados. Brevemente, serão conhecidas a maioria das sequências de nucleotídeos de
várias espécies vegetais e animais de importância econômica e científica.

Tabela 1. Número de genes e tamanho do genoma de espécies parcial ou totalmente


sequenciadas.
Espécie Em milhões de pares de Número de genes
bases
Eubacteria
Mycoplasma genitalium 0,580 482*
Borrelia burgdorferi 0,910 853*
Chlamydia trachomatis 1,042 894*
Treponema pallidum 1,138 1.041*
Rickettsia prowazekii 1,111 834*
Aquifex aeolicus 1,551 1.512*
Helicobacter pylori 1,677 1.590*
Campylobacter jejuni 1,641 1654*
Haemophilus influenzae 1,830 1.740*
Xylella fastidiosa 2,679 2.656*
Neisseria meningitidis Z2491 2,184 2.121
Neisseria meningitidis A MC58 2,272 2.158
Deinococcus radiodurans 3,284 3.187*
Bacillus subtilis 4,214 4.100*
Escherichia coli 4,639 4.307*
Archaea
Archaeoglobus fulgidus 2,178 2.436*
Eukarya
Saccharomyces cerevisae 12,5 6.034*
Caenorhabditis elegans 97 19.099*
Arabidopsis thaliana 120 21.000**
Drosofhila melonogaster 180 13.600**
Oryza sativa 430 30.000**
Sorghum bicolor 760 30.000
Zea mays 2.000 30.000**
Homo sapiens 3.000 100.000**
Triticum aestivum 16.000 30.000
Plamodium falciparum 30.000 ? **
*Já sequenciados (Science 270, 276, 277, 281, 282, 286, 287; Nature 387, 390,391, 392, 396,397, 400,
403, 404); ** Sequenciados parcialmente.

O principal projeto no Brasil nesta área é o sequenciamento da bactéria Xyllela fastidiosa


que causa uma doença no citrus chamada de amarelinho. O referido projeto foi iniciado em 1997
e tem um orçamento de 14 milhões de dólares, financiado pela FAPESP, que é a Fundação de
Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo.
O número de espécies já totalmente sequenciadas cresce ano a ano e várias espécies
vegetais e animais estão sendo sequenciadas, entre elas, arroz, milho, soja, boi e porco.
Enquanto nos procariotos, a densidade média de genes é de 1 gene a cada 1000 pb
aproximadamente, nos eucariotos é de 1 gene a cada 2000 pb nas leveduras, 1 gene em 5000
pb nos nematóides e 1 gene a cada 4800 pb em Arabidopsis. A maior quantidade de DNA pode
ser parcialmente explicada pelo fato de que, nos eucariotos a parte regulatória dos genes é muito
maior que nos procariotos. Além disso, nos eucariotos existem sequências repetidas, que são
ausentes nos procariotos. Embora se saiba o número de genes dos organismos sequenciados,
ainda não se conhece as funções de 40 a 60% dos genes, dependendo da espécie. O
conhecimento da sequência de bases de um genoma permite aos biólogos o entendimento do
funcionamento dos organismos, as funções dos genes, que tipo, tamanho, quantidade e
características das proteínas formadas.
A maior parte das espécies de bactérias já sequenciadas causam doenças à espécie
humana. A razão principal para se conhecer sua sequência relaciona-se com a possibilidade do
seu controle, via desenvolvimento de vacinas ou outros medicamentos.
As plantas são a base da vida na terra. Contudo, pouco se conhece de seu genoma. O
genoma das angiospermas é altamente variável, mas ainda praticamente desconhecido.
Desconhecemos também o número de espécies e o número de genes em cada espécie. Na
verdade, ainda não é conhecido o número de cromossomos de mais de 70% das espécies
vegetais. O valor C de DNA só é conhecido em 1% das espécies. Desta forma, o projeto genoma
é de fundamental importância para o aprofundamento do conhecimento das plantas,
domesticadas ou não.
O sequenciamento completo do genoma humano (estimado em 3 bilhões de pares de
bases) deverá revolucionar a medicina e poderá auxiliar na cura para as mais de 3000 doenças
hereditárias que atingem a raça humana. Iniciado em 1985, o sequenciamento do genoma
humano que reúne cientistas e laboratórios dos Estados Unidos, Canadá, Japão, Inglaterra,
França, Rússia, Itália, Austrália e Brasil entre outros, deverá ser completado bem antes da data
prevista (2005). Em fins de 1999, já havia sido sequenciado, aproximadamente 10% do genoma.
Quando ficar pronto, o arquivo necessário ao armazenamento das informações deverá ser
equivalente a 200 listas telefônicas com mil páginas cada uma. O GenBank (USA) e o DNA
Database (Japão) já dispõem de informações de mapeamento e sequenciamento de mais de
2500 diferentes organismos. Mapas físico e de ligação têm sido divulgados a cada ano com
maior resolução. Tais mapas facilitarão a clonagem de genes humanos, como aqueles
envolvidos com as doenças, a obesidade, etc.

Introns e exons
Foi descoberto nos anos 70 a presença de seqüências presentes no DNA mas não no
RNA mensageiro, produto da transcrição do DNA. Tais seqüências foram denominadas de
introns (intervening sequences) e estão intercaladas com os exons (expressed sequences), que
são as regiões codificadoras dos genes. A remoção dos introns é feita por enzimas e faz parte do
processamento que sofre o pré-mRNA antes de sair do núcleo. A presença de introns ou
sequências intervenientes sugere uma maior oportunidade para recombinações e maior acúmulo
de mutações. Introns são comuns nos eucariotos e raramente encontrado nos procariotos.
Quando é o intron que faz o processamento, ele se regenera no final do processo. Neste caso, o
intron seria uma enzima, proporcionando ao RNA a função de catálise. Nas bactérias ainda não
foram detectados introns. Uma das hipótese é de que as bactérias perderam os introns durante a
evolução. Neste caso os introns teriam se originado no início da vida. Outra hipótese admite que
os introns surgiram com os eucariotos. Na realidade, ainda não se sabe exatamente como os
introns surgiram, nem tampouco se apareceram logo no início da vida ou surgiram mais
recentemente.
Embora tenham características similares, os introns são muito diversos quanto ao
tamanho, processamento e funções. Certos introns, em especial os do chamado grupo I, comuns
em genomas de organelas celulares (como a mitocôndria) e em alguns genes do núcleo (como o
rRNA), apresentam características especiais. Eles próprios realizam sua remoção do pré-mRNA
(autocatálise) e ligam os exons, fenômeno denominado self-splicing.
Alguns introns desse grupo são elementos móveis (transposons), capazes de se transferir
em cruzamentos genéticos para alelos que não os continham, pelo processo denominado
homing, iniciado com o corte do DNA por uma endonuclease, enzima codificada pelo próprio
intron. Outros introns do grupo I codificam cofatores protéicos, como as maturases. São poucos
os casos conhecidos em que um mesmo produto desse tipo de intron realiza ambas as funções -
- de endonuclease e de maturase.
Já são conhecidos casos de transferência de introns do grupo I entre indivíduos da mesma
espécie (transferência vertical). Nesse caso, um intron passa de um alelo para outro que não o
continha. Também já foi constatado que introns desse grupo presentes no genoma das
mitocôndrias podem passar de uma espécie para outra (transferência horizontal, ou lateral),
mas dentro do mesmo filo.
A transferência lateral, entre organismos que não se acasalam sexualmente, foi objeto de
profundo estudo de Yangrae Cho e colaboradores, publicado em novembro de 1998. O estudo
envolveu um intron do grupo I do genoma mitocondrial de plantas vasculares, bastante
conhecido e localizado no gene cox1 da erva Peperomia polybotrya, que teria sido adquirido de
um fungo, por transferência lateral. Analisando o DNA de 335 plantas de diferentes gêneros, os
autores verificaram que esse intron está amplamente disseminado nos genes cox1 das
angiospermas.
O intron estudado está presente em 48 gêneros diferentes, a partir de 32 eventos
independentes de transferência lateral. A conclusão sobre as transferências baseia-se em três
pontos principais: a presença constante do gene cox1 e esporádica do intron, a incongruência
entre as filogenias (histórias evolucionárias) das espécies e dos introns e a co-conversão (Co-
conversão é quando parte das extremidades de um segmento de DNA – 3 a 18 pb -, após o
processo de recombinação/reparo, é convertida à sequência do DNA doador ou invasor. Assim,
o DNA da espécie recipiente é parcialmente degradado e uma nova sequência é sintetizada com
base no molde do DNA da espécie doadora. Desta forma, a conversão deixa um rastro, pois a
sequência original é alterada.) das seqüências próximas do local de inserção do intron. O
primeiro ponto indica que o gene cox1 se disseminou com alta freqüência e manteve-se nas
espécies que o receberam, enquanto o intron foi perdido na maioria dos casos. O segundo
demonstra que a transferência independe do grau de parentesco entre as diferentes plantas. E o
último -- a divergência genética das regiões que flanqueiam a inserção do intron -- revela que a
transferência se dá via recombinação/reparo e é catalisada por uma endonuclease. Esse
processo, conhecido como homing, é exatamente o que esse tipo de intron promove.
Os resultados geram várias preocupações. Entre as dúvidas principais estão a causa da
extraordinária invasão desse intron, os passos do processo de transferência em nível celular e o
caminho evolutivo da dispersão do intron do grupo I do gene cox1 entre as angiospermas. Entre
as implicações, a mais importante está ligada à freqüência com que o DNA é transferido de uma
espécie a outra. A transmissão planta a planta requer acasalamento sexual ou a ajuda de
vetores (vírus, bactérias, insetos e outros). A questão é bastante atual, já que muitas plantas
transgênicas estão sendo liberadas para cultivo.
O trabalho de Cho e colegas demonstra claramente que a transferência horizontal ocorre e
é mais freqüente do que se imagina. Isso torna imperativo estudar o fluxo gênico entre plantas
transgênicas e espécies afins, antes de sua liberação para cultivo, para testar a possibilidade de
uma irradiação de genes, que podem ser desejáveis em uma espécie mas completamente
indesejáveis em outras. A probabilidade desta irradiação aumenta com o aumento do cultivo
destas plantas, principalmente no sistema de monocultura. Num dado momento, um mesmo
gene poderá estar presente em milhões de plantas, aumentando o risco da transferência
horizontal.

1.2.2-Ácido ribonucleico - RNA


Apesar de ser também um ácido nucleíco, o RNA têm muitas diferenças em relação ao
DNA. Em primeiro lugar, todos os RNAs são formados por apenas uma fita. Entretanto, pode
apresentar uma configuração denominada de secundária, quando ocorre o pareamento entre
bases complementares. Ao invés de desoxirribose como no DNA, o açúcar do RNA é uma ribose
(uma oxidrila a mais em relação a desoxirribose do DNA). A terceira principal diferença é a
presença de uracil (U) ao invés de timina (T). Podem ocorrer pelo menos quatro tipos de RNA:
mRNA (1-3%), rRNA (>90%), tRNA (1-2%) e sRNA (?%), denominados de mensageiro,
ribossomal, transportador e small RNAs, respectivamente. Cada um deles desempenha funções
específicas. Dentro do último grupo, são incluídos um grande grupo de RNAs, muitos dos quais
ainda sem função conhecida. Outros estão envolvidos na regulação gênica.
Além das funções de mensageiro entre o DNA e os ribossomos, formador dos
ribossomos, e transportador de aminoácidos, os RNAs podem ainda desempenhar a função de
catálise e de regulação gênica. A função de catálise (até então exclusividade das proteínas) foi
descoberta na década passada e os RNAs que têm esta habilidade, as ribozimas, realizam a
separação do RNA transcrito em várias partes, fenômeno que se chama de splicing. O
autoprocessamento do RNA não é idêntico à catálise enzimática executada pelas proteínas.
Numa reação enzimática, a proteína se envolve mas é liberada intacta ao final do processo. No
caso do autoprocessamento, o pré-RNA se processa a si próprio, sem a presença de enzimas,
mas não se regenera no fim do processo. Portanto, o pré-RNA não é uma enzima, mas tem a
propriedade de catálise. Além disso, foi verificado experimentalmente que o RNA tem a
capacidade de retirar bases de um segmento de RNA e adicioná-las em outro, demonstrando a
capacidade de sintetizar algo semelhante a si próprio.

mRNA
Resultam da transcrição de um gene. São os RNA mensageiros (mRNA), aqueles que
serão decodificados pelos ribossomos e contém informações para a produção de uma proteína.
O tamanho dos mRNAs é variável, dependendo do número de bases contidas no gene transcrito.
Como contém uma mensagem, diz-se que existe uma colinearidade entre as bases do mRNA e
a sequência de aminoácidos da proteína resultante de sua decodificação. O tempo de vida de
um mRNA é muito pequeno. Na maioria dos procariotos a meia vida de um mRNA não
ultrapassa 2 minutos. Já nos eucariotos, alguns mRNAs duram algumas horas.

rRNA
O RNA ribossomal (rRNA) também é resultante da transcrição de genes de uma região
do DNA, neste caso denominada de rDNA. O produto da transcrição não é decodificada, pois os
próprios RNAs produzidos juntamente com proteínas vão formar os ribossomos e executar a
função específica, que é a produção de proteínas. Participam da formação do ribossomo de um
procarioto três rRNAs: o 5S rRNA com 120 nucleotídeos, o 16S rRNA com 1542 nucleotídeos e o
23S rRNA com 2904 nucleotídeos. Nos eucariotos, estes rRNAs são um pouco maiores e
designados de o 5S rRNA, o 18S rRNA e o 28S rRNA. Entretanto, nem todos os eucariotos têm
os rRNAs do mesmo tamanho.

tRNA
Denominada de adaptadores por Francis Crick, o tRNA (RNA transportador) é um RNA
que tem a função específica de transportar os aminoácidos até o ribossomo durante a síntese de
uma proteína. São moléculas relativamente pequenas, contendo de 73 a 93 nucleotídeos. Dos
ácidos nucleicos conhecidos, o tRNA é o único que apresenta algumas bases que não A, C, G e
T. Numa célula existem pelo menos tantos tRNAs quanto são os aminoácidos, e estes estão
ligados ao tRNA na extremidade 3'OH. A estrutura tridimensional de um tRNA assemelha-se a
uma folha de trevo, contendo numa das alças (loop ou hairpin) o anticodon, que é uma
seqüência de três bases.

Outros RNAs
Existem outros RNAs, muitos deles transcritos e que permanecem no núcleo da célula
sem função aparente (hnRNA). Outros RNAs, de cadeia curta, chamados de snRNA, estão
envolvidos na regulação gênica. Mais recentemente, descobriu-se que alguns RNAs podem se
deslocar de suas células e desempenhar uma atividade em outra célula, provavelmente
regulatória.

1.2.3-Ácido peptídeo nucleico (PNA)


Esta nova molécula, criada em 1991 em laboratório, têm as quatro bases nitrogenadas do
DNA ou RNA ligadas ao esqueleto de uma proteína. Este novo composto sintético além de ser
mais estável nas células que o DNA e o RNA, se liga naturalmente a estes com uma intensidade
50 a 100 vezes mais forte que os próprios ácidos nucleicos naturais o fazem entre si. Quando se
liga ao DNA, forma uma estrutura de três fitas. Isto permite o uso destas moléculas na terapia
gênica, pois pode provocar a indisponibilidade daquela região genômica ser acessada por
enzimas e proteínas. Neste caso, poderia ser utilizado um PNA para se ligar a um gene
defeituoso que, então, deixaria de expressar uma proteína defeituosa. Os PNAs podem procurar
e se ligar a outra fita com seqüência complementar de bases, estratégia similar ao antisenso.
O PNA é construído ligando-se cada base nitrogenada a um peptídeo ao invés de um
açúcar e um grupo fosfato. Como a cadeia de peptídeos têm carga elétrica neutra, os PNAs
apresentam uma grande capacidade de ligação, eliminando a repulsão criada pela carga elétrica
negativa devido a presença dos grupos fosfatos presentes no DNA e RNA. Além disso, os PNAs
podem atacar genes invadindo a dupla hélice, algo que DNA e RNA não conseguem. Mais ainda,
a química de peptídeos é simples e mais barata que sintetizar ácidos nucleicos.
Este produto da biotecnologia poderá ser aplicado na saúde humana. O principal
argumento da utilização dos PNAs em diagnóstico, decorre do fato da grande afinidade com o
alvo; quanto maior a afinidade, maior é a possibilidade de ligação com seqüências específicas e
consequentemente, a sua marcação. Mas como a molécula é artificial, ainda não se conhece
ainda a sua toxicidade.

1.2.4-Ácidos nucleicos e a origem da vida


Como é capaz de armazenar o código genético em alguns vírus, tem a função catalítica e
de regulação gênica, o RNA passou a ser admitido (hipótese) como a provável molécula que
poderia ter originado a vida a partir do 'caldo primitivo'. Esta teoria tem recebido contribuições
científicas por uma grande quantidade de cientistas do mundo inteiro. Duplicando RNAs
semelhantes como os RNAs ribossomais e participando da produção das proteínas, o RNA é um
forte candidato a ser a estrutura do primeiro ser vivo na face da Terra. A função catalítica,
entendida aqui como sendo a capacidade de quebrar e ligar outros RNAs, já foi comprovada. Há
também resultados de pesquisa que atribuem ao RNA a capacidade de editoração, um sistema
simplificado do sistema de reparo do DNA. Os vírus que possuem RNA como material genético
necessitam da enzima transcriptase reversa para produzir DNA e então se replicarem. Quando
se provar que o RNA tem ou teve capacidade de autoduplicação, será dado um passo importante
favorável a hipótese do 'Mundo do RNA'. Nenhuma outra molécula teria a capacidade e a
versatilidade de desempenhar tantas funções como o RNA no 'caldo primitivo'. Outra hipótese
considera uma molécula mais simples, precursora do RNA, composta de um ácido nucleico
ligado a peptídeos (denominada de PNA).
Alguns cientistas não concordam com estas hipóteses por considerarem que as
moléculas de RNA são muito complexas para ter tido origem no ambiente primitivo terrestre,
onde só havia água, gás carbônico, nitrogênio e radiação ultravioleta. Além disso, no 'caldo
primitivo' deveriam existir substâncias muitos tóxicas. Em contrapartida, admitem que sob as
condições primitivas, a estrutura cristalográfica dos minerais seria capaz de reduzir dióxido de
carbono para formar aldeídos e a partir destes se formariam açúcares e moléculas orgânicas
essenciais. A transferência de elétrons de uma molécula outra poderia ter contribuído para as
transformações metabólicas. Recentemente, cientistas obtiveram moléculas de RNA mais
complexas quando utilizaram uma mistura de pequenas moléculas de RNA sob condições de
altas temperaturas, situação que deve ter ocorrido na época do surgimento da vida.
Outra possibilidade da origem da vida seria via metabólitos secundários. Tais metabólitos,
no atual estágio evolutivo considerados secundários, teriam sido relevantes no período pré-
biótico como integrantes do metabolismo primário responsável pela síntese dos ácidos núcleicos
e tradução e replicação.
De qualquer forma, a hipótese de maior consenso é a de que o RNA teria sido o primeiro
material genético sobre o qual a evolução agiu, resultando numa quantidade enorme de formas
de vida que se conhecem atualmente.

II-REPLICAÇÃO (Replication)
O DNA funciona como um modelo para a síntese de novas fitas de DNA de maneira
semiconservativa, ou seja, cada uma das duas moléculas filhas tem uma fita da molécula mãe
e outra recém sintetizada. A replicação ocorre bidirecionalmente a partir de uma (procariotos) ou
várias (eucariotos) origens. A replicação é precisa (alta fidelidade), ou seja, a maioria dos erros
são corrigidos. Cabe a replicação o desafio maior de perpetuar, com alta fidelidade, um genoma
e ao mesmo tempo permitir erros que originam a variabilidade necessária para a evolução.
A origem de replicação é uma região do DNA que contém uma seqüência de bases
específica. Nas bactérias só existe uma destas seqüências. A rigor, a replicação completa do
cromossomo de uma bactéria depende da iniciação nesta seqüência. Neste caso, é dito que as
bactérias tem apenas um replicon. Replicon é a unidade de DNA no qual a replicação ocorre a
partir de uma origem. Já os eucariotos, por terem genomas bem maiores que as bactérias e mais
de um cromossomo, têm várias origens de replicação. Nas leveduras (ex: Saccharomyces
cerevisiae) existem pelo menos umas 500 origens de replicação, denominadas de ARS
(Autonomously Replicating Sequences); ou seja, 500 replicons. Na Drosophila melanogaster
existem cerca de 3.500 replicons. Já na Vicia faba estima-se a presença de pelo menos 35.000
replicons. As origens de replicação dos eucariotos são ativados em diferentes tempos durante o
período de replicação do ciclo celular (fase S da mitose). Estas origens de replicação estão
espaçadas em média de 50 a 100 kb. A velocidade de replicação em Escherichia coli, a bactéria
residente no intestino de todas as pessoas, chega alcançar 50.000 bases por minuto. Nos
eucariotos, o movimento do garfo de replicação é pelo menos 10 vezes mais lento.
Os vírus apresentam um modo de replicação específico denominado de círculo rolando
(rolling circle). Um vez iniciada a replicação, o genoma circular vai sendo replicado
indefinidamente. Posteriormente uma enzima produzida pelo próprio genoma viral, corta a longa
cadeia produzida em partes iguais, cada uma contendo uma cópia do genoma do vírus, a ser
subseqüentemente encapsulada.
Mais de 20 enzimas atuam diretamente no processo de replicação das bactérias. As
principais proteínas envolvidas e sua função na replicação são apresentadas abaixo:
toposisomerases - desenovelam o DNA
helicases - separam as duas fitas
Single strand binding proteins (SSB) - protegem o DNA na forma de fita simples
Primase - adiciona os primers ou iniciadores
DNA polimerase III - polimeriza, i.é., adiciona os dNTP no sentido 5'-3'
DNA polimerase I - substitui os iniciadores de RNA por bases do DNA; também tem a
função de reparo
ligase - une os dNTP de dois fragmentos.

Nos procariotos, além destas duas polimerases, existe uma terceira, a DNA polimerase II,
cuja função ainda é desconhecida. Das três, somente a DNA Pol I apresenta a função de edição
ou seja, de correção dos possíveis erros de replicação. A DNA Pol I é formada por várias sub-
unidades. O agrupamento de algumas delas forma o que se conhece por fragmento Klenow,
utilizado para replicação do DNA in vitro. Este fragmento não tem a habilidade de edição como a
enzima completa, pode ser comprado de vários fornecedores e é usado em laboratórios. A DNA
Pol III é formada por sete sub-unidades ou polipetídeos.
Nos eucariotos também existem três polimerases. Duas delas atuam no núcleo, sendo
que a DNA Pol α teria a mesma função que a DNA pol III dos procariotos. A DNA Pol ß teria a
função de reparo. A terceira polimerase (DNA Pol γ ) é específica para a replicação do genoma
das mitocôndrias.
A replicação dos genomas dos retrovírus, que são codificados por RNA, é feita pela
transcritpase reversa (RT), o que pode produzir inúmeros variantes. O conhecimento da natureza
molecular destes vírus permite a criação de estratégias para combatê-los. Moléculas ribozimas
de RNA, foram engenheiradas e podem ser introduzidas nos hospedeiros para procurar e
destruir o genoma do HIV, cortando-os em dois.
O avanço no conhecimento científico sobre a replicação foi de fundamental importância
no desenvolvimento da reação da polimerização em cadeia (PCR), uma das técnicas
moleculares mais utilizadas no momento.

III-TRANSCRIÇÃO (Transcription)
Transcrição é o processo pelo qual uma região do DNA é transcrita resultando num RNA.
Existem dois grandes grupos de RNAs: (i) os RNA mensageiros (mRNA), aqueles que serão
decodificados pelos ribossomos e contém informações para a produção de uma proteína e (ii) o
outro grupo de RNAs, formado pela transcrição de determinadas regiões genômicas e que
permanecem como RNA para executar uma função específica. Entre eles estão o transportador
(tRNA), o ribossomal (rRNA) que juntamente com proteínas forma os ribossomos e outros RNAs
(snRNA, hnRNA, etc.) com função na regulação gênica ou desconhecida. A região (segmento)
do DNA transcrita é a parte estrutural do gene.
A transcrição nos procariotos é feita pela RNA polimerase. Numa E. coli podem existir até
3.000 cópias dela. Esta enzima usa o DNA como molde e sintetiza uma cadeia de nucleotídeos
de RNA complementar ao molde. Aparentemente não há conferência do produto transcrito. Se
no DNA estão A, C, G e T, vai aparecer no mRNA U, G, C e A, respectivamente. A exemplo da
replicação, a transcrição ocorre na direção 5'-3'.
Seis peptídeos ou sub-unidades fazem parte da RNA pol (ß'ßα2ωσ). A rigor o fator σ tem
a habilidade de reconhecer o promotor, que é a região 5', situada imediatamente anterior ao
início da parte codificadora (ou estrutural) do gene. Posteriormente, juntam-se ao fator s os
demais peptídeos quando então a RNA Pol inicia o processo de transcrição. Vários fatores de
transcrição (pequenos polipeptídeos), os TFs, atuam no início, durante a elongação e no término
da transcrição.
O fator σ é de fundamental importância. Quando um vírus entra numa célula hospedeira,
um fator σ do vírus é transcrito e agora os outros cinco peptídeos da RNA Pol ficam a disposição
do fator σ do vírus, que reconhece tão somente os genes do vírus. Desta forma, em pouco tempo
os vírus conseguem expressar seus genes no hospedeiro e se replicando a uma velocidade
impressionante, atingem milhões de cópias. Afetam drasticamente o organismo hospedeiro
porque também reprimem a produção de proteínas deste.
O promotor das bactérias é formado por duas seqüências localizadas nas posições -10 e
-35 (região 5') da base codificante +1 do gene. Nestas regiões, normalmente são encontradas as
seqüências (consenso) TATAAT (denominada de TATA box ou Pribnow box) e TTGACA
(CAAT box), respectivamente. Nos eucariotos, a região regulatória dos genes é bem mais
complexa. Em alguns casos, podem ser encontrados vários elementos que controlam ou afetam
a transcrição. Entre eles estão o promotor, o enhancer e elementos como o GLE, o MRE, etc.
Os enhancers são seqüências de DNA que estão muito distantes dos genes e são compostas de
seqüências muitas vezes repetidas. Os elementos, são sequências de DNA, que são alvos de
ligação para proteínas especificas, que constituem o que se chama de fatores de transcrição
(TF). Os fatores de transcrição podem aumentar dramaticamente a taxa de transcrição de um
gene nos organismos eucariotos. Além do promotor outras regiões podem acelerar a taxa de
transcrição como os enhancers e os terminadores. Os terminadores são seqüências que a RNA
Pol identifica como o fim da região de DNA codificadora ou de um gene.
Existem algumas diferenças entre eucariotos e procariotos com relação a transcrição. Em
primeiro lugar existem três RNA polimerases ao invés de uma. A RNA Pol I só transcreve o
rDNA (sequência de DNA que codifica o rRNA). A RNA pol II transcreve os genes que codificam
para proteínas, produzindo então mRNAs. Os demais RNAs (tRNA, snRNA e a 5 S rRNA) são
transcritos pelo RNA pol III. Nos procariotos, os ribossomos identificam os mRNAs porque estes
apresentam uma seqüência denominada de Shine-Dalgarno que é incluída antes das bases
codificadoras, complementar a uma região do componente 16 S rRNA. Por sua vez os mRNAs
dos eucariotos apresentam uma estrutura denominada de quepe (Cap) resultante de uma
ligação 5'-5' entre duas guaninas ou entre G e A. Após a transcrição, ao mRNA é adicionado
uma longa cauda de adeninas, o que se convencionou denominar de poli-A. Esta característica
dos eucariotos permite a separação dos mRNAs dos demais RNAs, o que normalmente pode ser
feito em laboratório. Nos procariotos, a cauda de adenina é bem reduzida. Uma quarta diferença
entre procariotos e eucariotos relaciona-se com o processamento do pré-mRNA nas células
eucariotas. Nestas, após a transcrição, são removidos os introns do pré-mRNA. Só então, este
RNA se desloca para o citoplasma e recebe a denominação de mRNA.

IV-TRADUÇÃO (Translation)
Tradução é o processo de decodificação do mRNA nos ribossomos resultando na
formação de um peptídeo. Na maioria dos casos as proteínas são formadas por apenas um
peptídeo. Para a produção de um peptídeo in vitro são necessários o mRNA, os ribossomos, os
tRNAs, os amino ácidos, fatores da tradução e energia.
Os ribossomos dos procariotos são formados por duas sub-unidades: a grande, chamada
de 50 S, é constituída por dois rRNAs, o 23 S rRNA e o 5 S rRNA, e por 34 proteínas; a
pequena, chamada de 30 S, é constituída pela unidade 16 S rRNA e por 21 proteínas.
Dependendo da fase, uma bactéria pode ter aproximadamente 5.000 ribossomos, o que
representa 25% da massa celular.
Os tRNAs são os RNAs transportadores, também chamados de adaptadores, que
transportam os amino ácidos do meio até os ribossomos para serem incorporados à cadeia
peptídica. Uma enzima, é encarregada de carregar o amino ácido específico na extremidade
3'OH do tRNA, com base no seu anticodon. Existem mais de 20 tRNAs, pois na maioria dos
casos, mais de um codon codifica para um mesmo amino ácido.
O processo de tradução (5'-3') inicia quando a sub-unidade pequena do ribossomo
reconhece a seqüência líder do mRNA. Em seguida o primeiro codon (um conjunto de 3 bases) é
lido e geralmente codifica para metionina. Um tRNA traz o amino ácido correspondente ao codon
lido. Sucessivamente os codons vão sendo lidos e os amino ácidos correspondentes
incorporados ao peptídeo nascente pela enzima peptidil transferase. A velocidade da tradução
chega a 40 amino ácidos por segundo. Qualquer um dos codons de terminação UAG, UAA ou
UGA, significa o fim do peptídeo, cuja interpretação é feita pelos ribossomos. Nos procariotos,
algumas mensagens são policistrônicas.
Nos procariotos a tradução é simultânea à transcrição. Mais ainda, um mesmo mRNA
pode ser traduzido por dezenas de ribossomos enfileirados, o que resulta num número elevado
de cópias repetidas de uma proteína a partir de uma única molécula mensageira.
O código genético está estruturado em codons (trincas), cada um com três bases. A
probabilidade de associar três bases independentemente da ordem e natureza é de 64. Três
codons são de terminação. Os outros 61 codificam os 20 amino ácidos. Consequentemente, um
mesmo amino ácido pode ser codificado por mais de um codon.
As principais características do código genético são:
- estruturado em trinca de bases
- não há sobreposição (uma base pertence a um e somente um codon)
- universal (reforça a teoria da origem única da vida); somente poucas diferenças com o código
genético das mitocôndrias
- degenerativo (mais de um codon codificam para um mesmo amino ácido)
- o primeiro codon (das proteínas) é AUG ou GUG
- há diferença ou preferência de uso de diferentes codons de um mesmo amino ácido
- a hipótese de Wobble permite a não ocorrência dos 61 tRNAs.

Tabela 2. Código genético do RNA mensageiro.


Primeira Segunda Terceira
base base base
U C A G
U UUU - Phe UCU - Ser UAU - Tyr UGU – Cys U
UUC - Phe UCC - Ser UAC - Tyr UGC – Cys C
UUA - Leu UCA - Ser UAA – Stop UGA – Stop A
UUG - Leu UCG - Ser UAG - Stop UGG – Trp G
C CUU - Leu CCU - Pro CAU - His CGU - Arg U
CUC - Leu CCC - Pro CAC - His CGC - Arg C
CUA - Leu CCA - Pro CAA – Gln CGA - Arg A
CUG - Leu CCG - Pro CAG – Gln CGG - Arg G
A AUU - Ile ACU - Thr AAU – Asn AGU - Ser U
AUC - Ile ACC - Thr AAC – Asn AGC - Ser C
AUA - Ile ACA - Thr AAA – Lys AGA - Arg A
AUG - Met ACG - Thr AAG – Lys AGG - Arg G
G GUU - Val GCU - Ala GAU – Asp GGU - Gly U
GUC - Val GCC - Ala GAC - Asp GGC - Gly C
GUA - Val GCA - Ala GAA – Glu GGA - Gly A
GUG - Val GCG - Ala GAG – Glu GGG - Gly G

O conhecimento do funcionamento desta fábrica permitiu a compreensão da ação dos


antibióticos e o desenvolvimento de remédios para várias doenças. Geralmente os antibióticos se
ligam ao rRNA ou às proteínas dos ribossomos, impedindo ou a leitura do mRNA, ou o
emparelhamento do tRNA com o ribossomo ou impedindo outra atividade nos ribossomos. Como
os ribossomos dos procariotos são diferentes dos eucariotos, um antibiótico pode afetar o
funcionamento da sub-unidade pequena (30 S) de uma bactéria, sem contudo interferir no
ribossomo da célula eucariota hospedeira, cujas sub-unidades tem rRNAs de diferentes
tamanhos e seqüência.

V-MUTAÇÃO E REPARO
Mutação é uma modificação no DNA. Mutante é o fenótipo resultante da mutação. As
mutações são causadas por erros de replicação do DNA e alterações do DNA por deleção,
duplicação ou rearranjamentos causados por vírus, transposons, ação enzimática ou processos
físicos e químicos. A taxa média de mutação que ocorre naturalmente atinge 1x10-7. Agentes
químicos e físicos (radiações) são utilizados em laboratório para aumentar esta taxa.
Uma mutação é dita silenciosa quando o codon é alterado, mas não muda o amino ácido
codificado e consequentemente, a cadeia peptídica. Ela é neutra quando, mesmo alterando o
amino ácido, a proteína permanece com a mesma função. Aqui surge o conceito de polimorfismo
a nível molecular: diferentes genótipos com o mesmo ou diferentes fenótipos. A mutação com o
efeito mais crítico é aquela que provoca a inserção ou remoção de uma base (frameship). Como
conseqüência, todos os codons localizados após a mutação ficam alterados, ou seja, a cadeia se
torna diferente do padrão anterior. Mutações ocorrem naturalmente. As mutações mais comuns
são aquelas de ponto, onde apenas uma base é alterada. Outras mutações com profundas
implicações no fenótipo são aquelas decorrentes de deleções, adições, inversões e
transposições.
É preciso salientar que o próprio DNA tem mecanismos de produzir mutações em si
mesmo, independentemente do ambiente. Um deles é através dos elementos móveis existentes
no genoma: os transposons. Transposons são seqüências de DNA que se movem (pulam) de
um lugar para outro no genoma. A transposição deixa duplicadas as bases imediatamente
próximas desta seqüência (entre 5 e 9), além de causar interrupções de outros genes quando
neles se inserirem. Outras vezes, o transposon se duplica e a nova cópia se insere num outro
ponto do genoma. Apesar de não serem ainda bem conhecidos, sabe-se que em alguns casos
os transposons carregam genes de resistência a antibióticos. Como eles afetam a evolução,
devem ter outras funções celulares ainda não descobertas. Uma deles poderia ser o controle do
estresse celular. No entanto, eles tem sido tratados como 'genes egoístas' porque eles só
conseguem se replicar quando dentro do cromossomo, garantindo a sua própria permanência no
genoma. Nos procariotos, os vírus podem se integrar ao genoma do hospedeiro, podendo causar
duplicações ou deleções. Ou seja, existem causas naturais de produção de mutações,
responsáveis pela propulsão da evolução.
O número de mutações que ocorre num organismo é relativamente muito grande.
Entretanto, os seres vivos dispõem de vários sistemas de reparo, que corrigem a maioria dos
erros ocorridos. Outros erros, quando não corrigidos, podem causar enormes problemas tanto na
sobrevivência como na reprodução do organismo. Neste caso atua a seleção natural, ou
eliminado este indivíduo ou fazendo com que ele deixe um menor número de descendentes. O
acúmulo de mutações em diferentes populações pode provocar, a longo prazo (prazo em termos
de evolução), a diminuição da freqüência de cruzamentos com o conseqüente início da
especiação, processo que pode culminar com a origem de uma nova espécie.
A nível de laboratório, os agentes químicos mais utilizados para induzir mutações são: etil
metil sulfanato (EMS), ácido nitroso, etil metano e alguns agrotóxicos ou defensivos. A ação dos
agentes químicos normalmente produz alteração de uma base qualquer. Exemplo: substituição
de A por T. Muitos vegetais contém substâncias que causam mutações na espécie humana. Ex:
nas frutas e legumes são encontradas as psoraleínas (o limão contém quantidades elevadas),
que também dimerizam duas timinas, se ocorrem lado a lado. Entre os agentes físicos, os mais
usados são as radiações (UV, gama, etc.). Os agentes físicos geralmente causam quebras e
rearranjos de cromossomos. Especificamente a radiação UV causa a dimerização de duas
timinas se estiverem lado a lado. Durante a replicação, a DNA Pol não consegue ler este dímero,
o que provoca a inserção de duas bases quaisquer no lugar das timinas, se não houver reparo.
Muitos problemas de pele são causados pela radiação UV. É por isto que existe tanta
preocupação com a diminuição da camada de ozônio, pois este atua como uma barreira aos
raios UV.
A mutagênese direcionada permite a alteração de uma ou mais bases de uma
seqüência de DNA qualquer. Inicialmente a seqüência de interesse é inserida num vetor, como o
vírus M13 que é de fita simples. Posteriormente é feito um primer (iniciador) num sintetizador de
oligonucleotídeos. Este primer é complementar a um certo segmento da seqüência de interesse,
mas contendo uma base diferente. Posteriormente, o restante da molécula é duplicado.
Resultado: a nova seqüência difere da original por uma base apenas. Esta seqüência pode ser
avaliada in vitro ou in vivo. Pela técnica da recombinação homóloga, esta seqüência mutante
pode substituir a seqüência normal de um organismo. Desta forma, é avaliado o efeito de uma
mutação in vivo.
Foi desenvolvido por Ames, um teste para avaliar a capacidade mutagênica dos produtos
químicos utilizados, com base no tipo de mutação que os produtos provocam. Tais produtos
químicos são classificados quanto ao potencial de causar danos nas pessoas, dependendo do
tipo de mutação e a freqüência que são causadas. Este teste associa a capacidade de ação
mutagênica com a capacidade de causar câncer, pois estas duas estão estreitamente
relacionadas. Outros tipos de testes também são utilizados para confirmar a periculosidade do
produto. Com base nestes testes, a fabricação e a comercialização de muitos produtos químicos
já foram proibidas.

VI-METILAÇÃO
Uma fração das citosinas no DNA de muitos organismos torna-se metilada (5mC) após a
replicação. Esta metilação não tem distribuição ao acaso. Algumas seqüências como as
denominadas ilhas de CpG em animais, são raramente ou não metiladas. Enquanto algumas
seqüências são metiladas em certas condições, como aquelas herdadas da mãe e não do pai,
outras são sempre metiladas em todos os tecidos.
Nas plantas e fungos as ilhas CpG são freqüentemente metiladas pelas metilases,
embora há evidência de uma substancial quantidade delas não metiladas. Em fungos, a
metilação atinge 1,5% das Citosinas e não ocorre somente de forma simétrica.
Tanto o controle da metilação quanto sua função nos eucariotos, ainda não são
suficientemente compreendidos. A metilação tem sido correlacionada com redução na atividade
gênica, havendo evidências de inibição da expressão de vários genes. Em ratos, a redução da
metilação do DNA em 70%, resultante da mutação no gene metiltransferase do DNA, leva a
morte os indivíduos na embriogênese. A hipótese levantada admite que as regiões com bases
metiladas dificilmente são transcritas. Neste caso, a morte dos ratos poderia ter sido provocada
pela falta de proteínas e/ou RNAs. A metilação também é requerida para o comportamento
normal dos cromossomos em Neurospora crassa. Sua necessidade foi comprovada, mas sua
função ainda não está totalmente esclarecida.

VII-REGULAÇÃO GÊNICA
Na definição de Jacob e Monod (1961), gene é uma seqüência de DNA que codifica para
um produto difusível. A região regulatória do gene é uma seqüência de DNA que não é
convertida em outra forma (como a região codificadora) e que só funciona in situ. Além disso,
existem genes estruturais e genes reguladores de outros genes.
O princípio básico da regulação gênica é a interação entre proteínas regulatórias e certas
regiões (seqüências) do DNA. Assim, nos procariotos a regulação gênica é chamada de
negativa se um gene não se expressa caso o repressor, que é uma proteína, liga-se ao DNA na
região do promotor do gene. Para que o gene possa ser transcrito, há a necessidade de remover
a proteína repressora. Isto é possível, pela presença do indutor, para o qual a proteína
repressora tem muito mais afinidade que pela região do DNA responsável pela regulação do
gene. O indutor então, tem um efeito inativador sobre o repressor. Este tipo de regulação gênica
é o mais comum nos genes de organismos procariotos. No controle dito positivo, o mais
frequente nos eucariotos, o gene é ativado pela presença de um ativador. Em outras palavras,
no controle negativo, a interação proteína-DNA desliga o gene, enquanto no controle positivo, a
interação liga o gene.
O controle negativo é bastante comum nas bactérias, onde a maioria dos genes estariam
ligados (on) até que os repressores os desligariam (off). Já o sistema positivo é mais comum nos
eucariotos, onde os genes estariam desligados até que os ativadores os ligariam.
A rigor, existem cinco pontos de controle na regulação de um gene eucarioto: 1) na
ativação de gene estrutural, 2) no início da transcrição, 3) no processamento da transcrição, 4)
no transporte para o citoplasma e 5) na tradução do mRNA. Na ativação de um gene estrutural,
um gene é regulado por uma seqüência no promotor e/ou no enhancer, as quais são
reconhecidas por proteínas específicas. Esta proteína funciona como um fator de transcrição
necessário para o início da transcrição através da RNA Pol. Proteína ativa só é disponível sob
condições quando o gene é para ser expresso. In vitro é possível modular a regulação nos
diversos pontos de controle. In vivo, a adição de determinados genes permitem o controle de um
ou mais pontos de controle.
Nos eucariotos ainda não se conhece profundamente a regulação gênica. Entretanto,
vários mecanismos já foram amplamente estudados. Em primeiro lugar, um grande número de
genes são ativados em determinados tecidos e órgãos e não em outros. Os genes denominados
de Homeobox são os responsáveis por este controle. Já nas primeiras divisões celulares do
zigoto formado, os genes Homeobox se encarregam de marcar quais os genes que poderão e
quais os genes que não poderão ser expressos num determinado tecido ou órgão. Outros genes
dependem de um complexo sistema de eventos: sinal ambiental (temperatura, umidade, etc.)
faz com que uma substância seja produzida e/ou movida para as células. Este sinal químico
seria recebido por um receptor na célula, cujo complexo tem habilidade para penetrar no núcleo
da célula e ativar um conjunto de genes de forma coordenada.

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