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Orientadora:
Profª. Drª. Cecília Maria Goulart
Niterói 2003
Dissertação de Mestrado
Niterói / UFF
Patricia Bastos de Azevedo
BANCA EXAMINADORA
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Profª. Drª. Cecília Maria Goulart
Universidade Federal Fluminense
Agradecimentos
Ao meu colega, professor André, que muito gentilmente abriu sua sala de aula para
observação. Aos alunos da turma 801 e à direção da Escola Municipal José de Anchieta,
que me acolheram de braços abertos. A Fundação Municipal de Educação de Niterói que
permitiu a realização desta pesquisa.
A Célia Linhares, Márcia Motta, Edwirges Zaccur, Helena Fontoura, Cláudia Alves,
Sandra Selles e Osmar Fávero, professores do curso de Mestrado, que me auxiliaram a
construir o caminho que trilhei durante a produção desta pesquisa.
A minha mãe, Agilda Bastos de Azevedo, que me deu minha maior herança o gosto
pela leitura e o amor ao estudo.
A minha irmã, Carla Andréa, que sempre esteve perto, me apoiando e torcendo por
minhas conquistas, e ao meu muito amado sobrinho Yuri José.
A grande amiga Gabriela, que ouviu por telefone as leituras incansáveis dos textos
que eu escrevia e me ajudou a perceber o objeto de minha pesquisa em seu estágio mais
embrionário. A seu marido Tarcisio, que me socorria quando eu e meu computador
brigávamos.
A minha cunhada Maithé que torceu muito e que lá do céu deve ainda estar
torcendo.
E por último e de grande importância, meu marido e grande amor Admarco, que
esteve ao meu lado todos os dias e noites aturando as minhas loucuras e sendo mesmo que
de forma passiva co-autor desta dissertação.
E a todos os professores e alunos que passaram pela minha vida e me ajudaram a ser
a professora que sou hoje.
Sumário
Introdução 3
I. Capítulo
6
Os caminhos que trilhamos para a história-ensinada
II. Capítulo
2. Dialogando com a teoria da ação comunicativa
As contribuições da teoria habermasiana para a construção teórica da pesquisa
25
2.1. Nossa escolha teórica 25
2.2. Quem é Habermas 26
2.3. Uma outra via para sair da filosofia do sujeito 27
2.3.1. Mundo da vida 28
2.3.2. Razão situada 31
2.3.3. Pretensão de validez 34
2.3.4. Argumentação 36
2.4. Nossa matriz teórica e o ensino de história 39
III. Capítulo
3. Ensino de história e a produção de uma memória
A memória social como elemento constitutivo da História e do ensino de
história 43
IV. Capítulo
4. Metodologia 55
V. Capítulo
5. Análise dos episódios selecionados 72
VI Capítulo
128
6. Conclusões
Bibliografia 140
Anexo I
Anexo II
Resumo
This research aims to identify how aspects of History and social memory within the
classroom produce a teaching history. Habermann Theory of Comunicative Action is the
theoretical background of the research. Thus, the study has focused not only in the
relationship between social memory construction and this theory, but also how it plays a
role in the pedagogical action in history lessons. Data collection was undertaken using both
video recording and a 7th grade classroom observation in a school in Niteroi. The class was
chosen considering the teacher dialogic teaching approach. Discursive interactions between
teachers and pupils in nine lessons were analysed. In these interactions the relationship
among history, memory and dialogue to build a teaching history were searched. The
possibility of the theory of comunicative action to back the pedagogical process is
highlighted as central to the dinamics of dialogue in classroom.
Introdução
Os anos de 1999 e 2000 foram tempos ricos para a reflexão sobre o ensino de
história. Vários ambientes escolares pararam para pensar a história nacional e local
embalados pelos 500 anos de “descoberta” do Brasil. Revistas especializadas em educação
sagraram o ensino de história como temática de grande relevância. Nunca – O que somos
nós? – foi divulgado e tão alardeado na história, nos espaços escolares e na grande mídia.
Estas queixas nos remetem a algumas questões que são relevantes na construção do
processo pedagógico do ensino de história: Como é construída ao longo da vida de cada
indivíduo sua identidade histórica? Que importância esta identidade, que existe e está em
formação nos estudantes, tem ou poderia ter no processo do ensino de história? Como a
memória social dialoga com os processos históricos existentes no ensino de história?
Todas estas questões e o momento histórico em que vivíamos formam o contexto para esta
presente dissertação.
A busca por possíveis caminhos nos evoca a imagem de um peregrino com seu
cajado, uma bolsa com farnel e o constante caminhar. O peregrino não caminha alheio ao
ambiente que o cerca, ele interage com as pessoas e com a paisagem. Conversa, indaga e
olha para quem ele encontra no seu caminhar. Ao final de sua jornada o peregrino retorna
para sua casa e conta o que viu e descobriu. O peregrino é diferente do andarilho, que vaga
sem destino ou objetivo. O peregrino é um viajante, aquele que faz uma romaria, uma
viagem para lugares distante, buscando conhecer novas culturas, ou caminha por trilhas
conhecidas. O que marca o peregrino é o fato de caminhar, retornar a casa e contar as suas
descobertas.
Nossa pesquisa foi um peregrinar por velhos caminhos em busca do novo, o que não
percebemos no caótico dia-a-dia da casa-escola escola-casa, aulas sucessivas, diários de
classes a preencher, conselhos de classes a ir, avaliações a aplicar e mais aulas a serem
dadas. Nessa pesquisa fomos um pouco peregrino, saímos do espaço escolar como
professora, voltamos a ele como pesquisadora – peregrina escolar – olhamos o ato de
ensinar com os olhos de quem quer descobrir o novo no velho. Escutamos as pessoas –
professor e alunos – e agora estamos voltando para casa contando o que nós vimos nessa
longa peregrinação.
A peregrinação nos fez ver o ensino de história por outro foco e desta forma
enxergarmos para além dos conteúdos programáticos e pensarmos sobre a perspectiva da
memória. Sob esta nova perspectiva buscamos conjugar História-memória-ensino de
história. Como relacionar estas três questões nos levou à teoria habermasiana – a Teoria da
Ação Comunicativa – que norteia toda esta dissertação.
O cajado é o apoio do peregrino que ele usa para subir as escarpas, evitar a queda na
solidão do caminhar. O cajado muitas vezes é o companheiro de todas as horas. A teoria
habermasiana em muitos momentos foi o nosso cajado, nos auxiliando a compreender a
sala de aula que analisamos e a escolher entre tantas informações a qual dirigir a nossa
atenção. Argumentamos com os dados e buscamos estabelecer pretensões de validez
consensuais, em que a voz dita não fosse apenas e somente a da pesquisadora que investiga
a sala de aula de história, mas a nossa voz. A voz da professora, a voz da aluna, voz da
mestranda, a voz do professor, que gentilmente abriu as portas de sua sala de aula e nos
deixou entrar, e a voz dos alunos.
As vozes dos alunos muitas vezes são caladas e colocadas em segundo plano. Esta
voz recebeu uma atenção especial, pois buscamos nela a memória social que o ensino de
história, em sua face mais tradicional, cala, promovendo assim a amnésia social. Buscamos
ouvir o som do murmúrio que não se cala, mas é ignorado. Como o peregrino, ouvimos os
diálogos estabelecidos em sala de aula com especial atenção. O diálogo foi o nosso farnel,
o alimento na jornada. No diálogo buscamos os detalhes infinitesimais, as pequenas
mudanças e os padrões contínuos nas as interações discursivas. Os diálogos alimentaram as
nossas indagações e nos mostravam o caminho que trilhávamos, o ato de ensinar história.
A pesquisa teve com principal critério de busca uma sala de aula em que o principal
instrumento pedagógico fosse o diálogo. A partir deste critério pedagógico centrado no ato
de fala, desenvolvemos uma compreensão e análise do ato de ensinar e buscar, à luz da
teoria da ação comunicativa habermasiana, encontros e desencontros desta teoria com o
espaço real de uma sala de aula no ato da história-ensinada1. O ensino de história em geral
é marcado por uma vertente de cunho nacionalista e burguês; na presente pesquisa
buscamos rupturas com essa tradição e saídas para um novo caminhar.
1
História-ensinada é uma expressão utilizada nesta pesquisa de modo próprio, conforme está explicado
adiante, neste mesmo capítulo que será mais adiante explicitada.
2
“Com a escola positivista, o documento triunfa. O seu triunfo como bem exprimiu Fustel de Coulanges,
coincide com o do texto. A partir de então, todo o historiador que trate de historiografia ou do mister de
historiador recordará que é indispensável o recurso do documento.” (Le Goff, 1996, p. 539) , buscando nos
documentos a fonte da pesquisa que está sendo desenvolvida. O possitivismo evolucionista de Spencer que
propõe o conceito de progresso a todos os ramos das ciências, tem grande influência na historiografia e na
busca da modernidade de ruptura com o passado medievo e clerical.
A origem da disciplina escolar História marca sua trajetória pedagógica de forma
relevante. Podemos encontrar sinais de uma historiografia evolucionista positivista até a
atualidade nos livros didáticos e nos currículos e conteúdos definidos pelas várias
secretarias de educação. A linha histórica – idade antiga, idade média, idade moderna e
idade contemporânea – tem sua origem na modernidade e na perspectiva que ela produz de
novos tempos, os tempos modernos (Habermas, 2000, p. 9). Esta divisão impregna de tal
forma o ensino que serve como divisora dos conteúdos nos ciclos e séries3 que compõem o
ensino fundamental. A História, baseada na lógica da burguesia européia ocidental, está
pautada em uma concepção evolucionista e progressista, marcadamente linear, nos
“princípios sobre os quais continua se apoiando essa velha senhora européia que
chamamos de história”. (Gruzinsk, 2000, p. 387). Princípios que fundamentam
fundamentaram e ainda fundamentam o ensino de história praticado nas salas de aula,
valorizando uma memória em detrimento de outra.
Os pilares que servem como sustentação para a História4 direcionam o foco do olhar
e destacam uma faceta da memória (Ver capítulo III). Ou melhor, constroem uma memória
específica, que tem uma função ideológica muitas vezes escondida ou camuflada. “O
mundo da pseudoconcreticidade é um claro escuro de verdade e engano. O seu elemento
próprio é o duplo sentido (Kosik, 1995, p. 15). Nessa perspectiva, o olhar histórico é
desfocado e obscurecido para uma outra memória específica, tornando pessoas comuns não
presentes na historiografia, que, quando presentes, são colocadas em uma perspectiva
marginal, desbotada, produzindo uma amnésia, naturalizando a memória oficial e elevando-
a à categoria de dogma — imutável, perene, eterno – focando a história nos dignos de
memória, um culto a personalidades e vultos.
Até que ponto é eficiente a produção desta amnésia? Na sala de aula de história, a
memória valorizada e apresentada, que remete à História dos dignos de memória, muitas
3
Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância
regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base a idade, na competência e em outros critérios,
ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o
recomendar. (Saviani, 1999, p. 170)
4
História com H maiúsculo nos remeterá neste texto a história oficial, produzida pela instituições
historiográficas e aceita pelo poder estabelecido.
vezes, entra em conflito com uma outra memória — a memória subterrânea – que é
construída em outros espaços da vida dos estudantes, negada nos espaços escolares e
direcionada para o porão do saber. A “memória subterrânea que, como parte integrante
das culturas minoritárias e dominadas, se opõe à memória oficial”. (Pollak. 1989, p. 5,
grifo do autor)
A memória subterrânea é aquela que não está posta como História. Desta forma, é
destituída de seu status e ignorada no ensino de história, em que poderia ser resgatada,
produzindo no espaço escolar um diálogo entre os saberes que estão presentes em duas
perspectivas: da História ciência e da história memória de vida.
No sentido dos parágrafos anteriores, um novo fazer pedagógico pode ser concebido
na condução do ensino de história. Este fazer pedagógico estabelecido deve ser alvo de
análise e crítica no espaço da sala de aula. O ato de fala pode ser o fio condutor para uma
nova prática e uma nova perspectiva paradigmática de encontro entre os dois saberes,
muitas vezes em disputa na sala de aula de história. Nessa opção pelo ato de fala, as
pretensões de validez existentes nas memórias travarão a batalha do argumento e o que está
subterrâneo tornar-se-á dito e se fará presente, e o ensino de história será refletido e
produzido.
O silêncio sobre o passado pode produzir uma amnésia, mas também pode ser um
alicerce para outras discussões: o que foi apagado, quando trazido à tona, poderá conduzir à
construção de um novo caminhar da memória. Observamos o modo como datas, símbolos
de uma História dominante e européia, muitas vezes são revertidas e transformadas em
novos símbolos e marcos históricos. O calendário do Sindicato Estadual dos Profissionais
da Educação — Estado do Rio de Janeiro (SEPE-RJ), publicado em 2002, por exemplo, já
apresenta datas comemorativas alternativas e novas leituras para datas já existentes. O dia
19 de abril, tradicionalmente o dia do índio, é apresentado como Dia de Luta dos Povos
Indígenas, salientando a existência desses povos e sua permanente luta, até a atualidade, por
melhores condições de vida. O 13 de maio, dia de libertação dos escravos, é apresentado
como Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, trazendo o foco do nosso olhar para o
racismo existente na sociedade brasileira e no mundo. A História que valorizava a Princesa
Isabel e conduzia à amnésia a luta dos escravos contra o processo de escravidão é
denunciada. A memória da luta é valorizada e reconduzida aos espaços de diálogo. É a
história subterrânea ganhando espaços e se tornando História, visível e marcada nos
espaços dos movimentos sociais, políticos e da coletividade. “Uma vez rompido o tabu,
uma vez que as memórias subterrâneas conseguem invadir o espaço público,
reivindicações múltiplas e dificilmente previsíveis se acoplam a essa disputa da memória”.
(Pollak. 1989, p. 05)
O diálogo no espaço da sala de aula pode promover uma ação reflexiva entre
memória e história – elementos tão complementares e de profunda diferença que co-
habitam o ensino de história. Não estamos negando a existência dos conflitos entre a
história e a memória, tampouco as categorizando como sinônimas: a pretensão desta
pesquisa é salientar a necessidade de uma articulação entre esses dois saberes presentes na
sala de aula de história, que muitas vezes são negados pelo ensino de história e pelas
práticas pedagógicas consagradas nos espaços escolares. Tentamos trazer para a memória
uma questão que é muitas vezes esquecida nas salas de aula de história — a História produz
uma pretensão de validez, esta possui uma postura ideológica e função social. Quando o
ensino de história torna-se cativo da História e não avalia o papel deste ensino na Escola, se
faz instrumento de reprodução de uma memória específica e produtora de uma amnésia
desejada. Quem deseja essa memória/amnésia? Quem sabe, quando o ensino de história
transpuser a barreira da repetição da História estabelecida — geralmente apresentada em
livros didáticos que têm um papel ideológico camuflado em seu corpo, muito vinculado ao
ideário nacional a que já nos referimos anteriormente. A opção por uma conduta
pedagógica que transporte para a sala de aula de história o fazer-se produtor da história e,
não, aprendiz do passado, repetindo o posto pela historiografia e ignorando como essa
argumentação foi conduzida e transformada em História, descortina-se como uma nova
trajetória e possível caminhada.
O surgimento de uma história que produziria uma origem e um destino para o povo
de um determinado território – a nação – serviria para unir os vários setores de uma
sociedade em uma fronteira emocional e física que estava sendo erguida. A produção do
sentimento de pertença que estabelece um nós e um eles torna-se fundamental, tanto para as
questões políticas como para as econômicas. O conceito de nação é naturalizado, tornando-
se um elemento definidor da identidade social dos vários setores sociais das nações que
estão sendo construídas ou definidas. O ensino de história torna-se um espaço de
propagação do ideal nacional: a história formando a memória social, produzindo uma
lembrança artificial, trazendo o foco do olhar para o ser nacional. A nação torna-se um
espaço mítico; a terra e o povo que ocupam espaço físico determinado para o Estado/Nação
têm uma memória que justifica sua estada ali e seu papel para manutenção ou expansão
deste espaço.
5
O “novo” é emblemático na modernidade, por isso usamos repetidamente no decorrer do texto. A
modernidade se define como novo tempo e assim o que virá a partir dela é adjetivado como tal.
A historiografia brasileira tem seu início com a fundação do Instituto Histórico e
Geográfico do Brasil – IHGB, em 1838. Com um concurso no qual os participantes
definiriam como a História brasileira deveria ser escrita. O vencedor do concurso foi o
alemão Karl Friedrich von Martius – naturalista, botânico – que foi viajante no Brasil,
durante o século XIX. Desenvolveu a teoria de miscigenação racial, de base botânica,
apontando a formação do Brasil a partir do hibridismo racial – brancos, negros e índios. O
naturalista alemão priorizou a contribuição do branco português na construção da nação
brasileira, desprezando a participação do negro – nesse período é importante destacar, o
Brasil utilizava a mão-de-obra escrava e idealizava a figura indígena, apresentando-o de
forma romantizada. Podemos observar esta forma de olhar os nativos em vários romances
escritos no século XIX, como os escritos por José de Alencar.
Caio Prado Júnior, na década de 30 do século XX, apresenta uma visão econômica
de cunho marxista, denominada pela historiografia como “Sentido da Colonização”. Marco
importante e fundamental para a historiografia brasileira, e de profunda influência para o
caminhar do ensino de história no Brasil. Em seu livro Formação do Brasil
Contemporâneo, o mesmo autor analisa o caminho colonial e o efeito sobre a formação da
identidade brasileira.
6
A palavra fatos tem o caráter histórico nesta frase, pois uma História que tem como elemento a construção
do mundo da pseudoconcreticidade lança holofotes em elementos históricos ou fatos e esconde ou obscurece
outros salientando uma memória em detrimento de outra.
enxergar o fenômeno. (Kosik,1976, p.15) O ensino de história teve seu papel de
fundamental importância na construção de uma História que visava salientar uma memória
oficial, única e estável, que estabelecesse uma totalidade acabada e solidificada, perene, que
afastava a existência ativa do sujeito histórico. A historiografia utilizada salientava uma
vertente ufanista focada nos vultos históricos e na personificação da história. Este aspecto
esteve profundamente incutido no ensino de história.
O breve levantamento histórico feito nesta fase do presente estudo tem o objetivo de
resgatar na memória, durante a leitura desta pesquisa, o quanto o ensino de história esteve
vinculado à produção de uma memória naturalizada, conduzindo à construção de uma
compreensão determinada da realidade. O ensino de história esteve, por mais de um
século, a serviço do poder estabelecido, servindo para operacionalizar o que diz o texto em
epígrafe nesta seção, de José Bonifácio de Andrade e da Silva, promovendo uma memória
que formasse uma unidade e, assim, estabelecesse um poder.
Assim acreditamos que existe uma diferença clara entre ensino de história, história
ensinada e história-ensinada. Salientar esta diferença é definir, clarear e mostrar a matriz
ideológica e conceitual que norteia esta pesquisa. A não utilização de história ensinada,
como Selva Guimarães Fonseca, utiliza não é uma negação da abordagem conceitual
referente a esta expressão apresentada por ela. Buscamos salientar a indissociabilidade
entre estas duas palavras, definindo sua existência e a diferença central entre o fazer
pedagógico – história-ensinada – e a historiografia. Não estamos propondo uma
independência entre ambas e, sim, uma diferença que inclui a valorização da prática
pedagógica, valorizando o potencial democrático que a história-ensinada possui.
Habermas escreve em seu livro “O passado como futuro” que a emancipação está
centrada em uma visão de valorização do sujeito, própria da razão positivista kantiana,
centrada na filosofia do sujeito. Diante desta questão, ele propõe uma razão centrada na
linguagem, que represente os coletivos sociais.
O aluno se constitui como um sujeito do seu tempo e de sua sociedade. Desta forma
as tradições culturais estão presentes na construção de sua individuação, isto é, o entorno
nos influencia e nos forma. Ao crescermos no ambiente social, podemos construir uma
autonomia capaz de analisar as tradições que nos cercam e estabelecer critérios para
aceitação das mesmas; estabelecendo critérios para nossas ações, ou até opondo-nos as
tradições estabelecidas. O EU pós-convencional, autônomo. Não estamos propondo um
individualismo capaz de fugir do meio social. Habermas não propõe esse individualismo,
ele aponta que o mundo da vida nos forma, mas que somos capazes de ir além do que está
estabelecido.
Na revisão bibliográfica por nós realizada, nos deparamos com uma realidade pouco
animadora ligada à pequena produção disponível sobre o tema ensino de história. Quando
o ensino de história entra em foco, surgem dois caminhos que tendem a rivalizar – entre
uma análise de cunho historiográfico e uma análise educacional – sendo a articulação
desses dois elementos o ponto nevrálgico para a prática pedagógica da sala de aula. O
ensino de história tornou-se cativo da História produzida nos centros de investigação
oficiais e que determinaram por muito tempo o que deveria ser ensinado nas salas de aulas.
Nessa perspectiva o que é aplicado na sala de aula conduz a uma historiografia determinada
que ignora, na maioria das vezes, o fato de que os estudantes que compõem a sala de aula,
em geral, não são partes integrantes dessa História, e como tal não são valorizados como
sujeitos históricos. Nessa direção, a pesquisa nesta área é muito importante.
Nossa pesquisa tem como eixo norteador e principal a questão de indagação sobre a
história-ensinada, o ato de fala em sala de aula e a memória social. Nessa perspectiva,
a pesquisa desenvolvida caminhará por espaços pouco visitados. A articulação entre
memória e História tem sido um ponto de profundo conflito nos debates historiográficos e,
podemos afirmar, ignorado quando encaminhado para o ensino de história. A existência de
uma memória presente na sala de aula, trazida pelo estudante, é geralmente descartada nas
práticas pedagógicas, já que estas centram sua ação em fatos e conseqüências propostos por
uma historiografia que define o processo histórico em um caráter linearizado por uma
conduta factual e cronológica. Escapar desta prática é o grande desafio. E conduzir uma
investigação que saliente a importância de uma articulação entre memória e História na
prática da história-ensinada via diálogo, é uma caminhada, com poucos recursos externos
que ajudem nos passos a serem trilhados.
II Capítulo
7
“Positivismo. Este termo foi empregado pela primeira vez por Saint-Simon, para designar o método exato
das ciências e sua extensão para a filosofia. Foi adotado por Augusto Comte para a sua filosofia e, graças a
ele, passou a designar a grande corrente filosófica que, na segunda metade do séc. XIX, teve numerosíssimas
e variadas manifestações em todo o países do mundo ocidental.
(...)
“O método da ciência é pura descrição, no sentido de descrever os fatos e mostrar as relações constantes entre
os fatos expressos pela lei, que permitem a previsão dos próprios fatos (Comte)” (Abbagnano, 2000, 776-777)
8
Kant chamou de pura, absolutamente pura, o conhecimento “no qual, em geral, não se mistura nenhuma
experiência ou sensação, sendo por isso possível completamente a priori”. Neste sentido, razão pura “é a que
contém os princípios para conhecer algo absolutamente a priori”. (Abbagmano, 2000, p. 813)
Conjugamos a teoria habermasiana com o interesse central desta dissertação que é o
ensino de história e buscamos, à luz do paradigma da linguagem proposto por Habermas,
uma compreensão do processo que se realiza em sala de aula, na escola, a que chamamos
de história-ensinada.
A opção por Habermas está calcada na construção conceitual que conduz todos os
atores sociais que pensam e falam ao processo da racionalidade, o que nos possibilita
valorizar assim duas pessoas fundamentais no caso desta pesquisa, o professor e o aluno.
O ato de fala coloca-se no centro da pesquisa; é a partir deste ato que compreendemos as
ações que se desenvolvem.
9
Os dados bibliográficos foram retirados de Aragão, 2002
como um local de reflexão da racionalidade. Desta forma existem critérios para efetivação
da razão comunicativa que trataremos a seguir (ver argumentação).
Os elementos culturais que compõem o pano de fundo também fornecem uma outra
característica fundante do mundo da vida, o seu aspecto empírico contextual, isto é, quando
uma pretensão de validez proferida entra em confronto com as tradições culturais aceitas e
valorizadas, estabelece-se um espaço de questionamento, tendo-se a sua validade analisada.
Nessa perspectiva o mundo da vida deixa o seu status a priori e é colocado como um espaço
operacionalizante, isto é, ele – o mundo da vida – existe e está posto. Com o nascimento
tomamos contato com suas estruturas, valores e verdades, tudo isso nos constitui enquanto
sujeitos e nos municia na nossa trajetória pelo mudo da vida; porém durante a caminhada
pela vida nos confrontamos com as “verdades” e estabelecemos um questionamento quanto
sua validez no que está posto. O ato de questionarmos o posto e travarmos com ele uma
argumentação que pode possibilitar uma nova forma de ser, desconstrói o apriorismo do
mundo da vida e o traz para o espaço da construção e da argumentação. As normas e regras
sociais tornam-se pretensões de validezes e como tais, passíveis de julgamento.
O mundo da vida se constitui, nesse sentido, como lugar em que nos movimentamos
e somos co-autores de sua existência e ele co-autor de nossa subjetividade na coletividade
social que nos forma e é por nós formada. É no mundo da vida que nos tornamos atores e
produtores do ato de fala. A fala constitui o mundo da vida assim como é constituída por
ele. É uma ação de reciprocidade e de revelação, pois se é na fala que o mundo da vida se
materializa é no mundo da vida que a fala torna-se encarnada.
“Do mundo inteligível temos apenas uma ‘idéia’, diz Kant, nenhum
‘conhecimento’. Depois que a idéia cosmológica foi ultrapassada, na suposição de um
mundo objetivo comum, a orientação para as exigências de validez incondicionadas
põe os recursos do mundo eternamente inteligível em liberdade para a aquisição do
conhecimento empírico.”(Habermas, 2002, p. 45)
10
“O conceito puro contém somente a forma do pensamento de um objeto em geral. Tão-somente as
intuições ou os conceitos puros são possíveis a priori. Os empíricos só a posteriori.’ (Kant, 2002, p. 89)
O conhecimento empírico se forma a posteriori, é na relação com o objeto e o
entorno que ele – o conhecimento – é construído. Em Habermas, este entorno e a nossa
relação com ele criam o processo racional. Uma razão situada é condicional, produzida no
mundo da vida e efetivada processualmente na linguagem. Ao nos depararmos com o
novo, travamos com ele uma relação de conhecimento e estabelecemos uma análise
balisada nas pretensões de validez por nós construídas ao longo da vida.
O mundo da vida, segundo Habermas, só pode ser conhecido pelas costas, somente
na fala tem sua materialidade e se revela aos falantes. Porém, ele é conhecido e
experimentado pelos atores desde seu nascimento – mediado pelos atos de fala, esta
experiência é intersubjetiva dando aos atores poder de formar-se nesse mundo e formá-lo
deixando suas marcas. Como Habermas nos fala:
A razão para Habermas está situada em uma estrutura chamada mundo da vida. É
este mundo da vida que dá validez ou não para a argumentação. Por isso a validez é
pretensão e como tal é julgável pelos atores no ato de fala. A argumentação constitui a
forma reflexiva da ação comunicativa.
Como está categorizada como pretensão de validez e não como conceito existente a
priori ou dogma estável e perene, cabe a possibilidade do julgamento. Quando é
dimensionada como verdade, ela muda de posição e torna-se o juiz, logo não cabendo nessa
perspectiva o espaço para a argumentação, pois seu valor e seu papel já estão definidos a
priori. Nessa forma de olhar e qualificar uma afirmativa – pretensão de validez –, quando
apresentamos uma informação material ou ideológica, estaremos submetendo-a um
julgamento e a um reconhecimento. Como nos apresenta Habermas:
“Essa suposição diz que um sujeito agindo intencionalmente está em
condição, sob circunstâncias apropriadas, de dar fundamento mais ou menos plausível,
pelo qual ele (ou ela) se conduziu ou expressou (ou se deixou reagir) assim e não de
outra forma. Afirmações incompreensíveis e estranhas, bizarras e enigmáticas
provocam interesse, porque elas implicitamente contrariam uma suposição inevitável
no agir comunicativo e, por isso, provocam irritação.”(Habermas, 2002, p. 47)
“Essa diferença de status dos saberes da ação não se esclarece sozinha a partir
da destrancentalização do sujeito agente, que foi transferido do reino dos seres
inteligíveis para o mundo da vida articulado lingüisticamente dos sujeitos
socializados.”(Habermas, 2002, p. 52)
O paradigma centrado na linguagem rompe com o paradigma do sujeito, desta
forma o saber que norteava a validez passa a ser um saber julgável, isto é, um “conceito ou
uma verdade” na racionalidade comunicativa deve ser reconhecido socialmente para assim
ser considerado legítimo. Somente o reconhecimento coletivizado de um saber o torna
legítimo e a legitimidade é construída no espaço da argumentação, logo o saber é
conduzido à arena dos argumentos e sendo assim é julgado. A colocação do saber em
Habermas é oposta ao saber em Kant. Na concepção kantiana o saber tem o papel e o
poder de juiz, pois existe a priori e sendo assim estabelece as regras de aceitação. Na
perspectiva habermasiana, o saber se constitui no mundo da vida e como tal é formado por
este mundo e também é agente formador dele – o mundo da vida, podendo assim ser
construído.
2.3.4. Argumentação
A pretensão de validez que for considerada legítima, a melhor, não tem sua validade
aceita pelo subterfúgio dos acordos. A pretensão de validez é legitimada por meio de um
acordo coletivo e racionalmente situado, uma valoração coletiva em que os argumentos e
contra argumentos fundamentaram a pretensão de validez decorrente desta ação
argumentativa. Uma produção coletiva dos atores da fala, em uma ação comunicativa
basilada na democracia argumentativa.
O ensino de história na maioria das vezes está dimensionado nos dignos de memória
e fundamentando uma memória vinculada ao Estado/Nação funcionando como um mito
(Dosse, 2002, p.401), causando estranheza ao aluno e provocando um desinteresse.
Muitas vezes a memória invade os espaços da sala de aula destituindo o que foi
apresentado pelo professor como válido, pois traz em si o pano de fundo cultural que forma
os alunos e se diferencia profundamente do ensino de história. O mundo da vida se fazendo
presente nos espaços escolares e nas relações pedagógicas e a cultura social historicamente
constituída que questiona as verdades apresentadas pela História.
Pensar o mundo de amanhã pode e deve ser o papel do ensino de história, desta
forma sua função social e cultural continua viva e vicejando. Nesta pesquisa buscamos os
elementos que constroem uma prática pedagógica para a construção do amanhã.
III. Capítulo
Nesta dissertação, buscamos então uma articulação entre memória e história. Essa
articulação torna-se fundamental quando transposta para o espaço da sala de aula, pois a
sala de aula de história é um local em que memória e história tornam-se elementos em geral
promotores de conflito e mal estar pedagógico. O ensino de história tradicionalmente é
produtor ou melhor propagador de uma memória social específica, muito vinculada ao
nacionalismo e ao poder vigente (ver cap. I). O ensino de história nesta vertente
nacionalista e elitista exclui personagens semelhantes aos alunos e calam a memória
relacionadas a estes personagens, porém essa memória calada continua presente no mundo
da vida, logo os alunos se relacionam com esta memória e a trazem para a sala de aula. Ao
trazer uma memória diferente da história que está sendo ensinada promovem muitas vezes
conflitos ou mal estar pedagógico.
Embora alicerçada por bases teóricas diferentes das que trazemos para o presente
estudo, Smolka (2000) contribui para a reflexão sobre a relação
linguagem/memória/história, quando nos diz:
A linguagem traz para o espaço físico o que existe no mundo da vida como pano de
fundo, a memória em sua face individual e social. Ou melhor, no seu aspecto intersubjetivo,
a memória ganha corpo pelo ato de fala, torna-se materialidade, quando é transposta para o
espaço da linguagem. Nessa materialidade, compõe os espaços sociais em seu todo,
compondo deste modo também o espaço escolar, contexto de nosso estudo. Esse aspecto é
fundamental na construção argumentativa desta pesquisa, pois acreditamos que a memória
é constitutiva dos atores e é elemento operacionalizante do processo argumentativo no qual
são avaliadas as pretensões de validez. Como a memória é remissiva, isto é, sua estrutura
está ancorada no passado, recente ou remoto, reconhecemos seu papel fundamental para o
ensino de história. De acordo com Russo (2001):
O pano de fundo cultural nos dá elementos que servem como orientadores para
nossa comunicação cotidiana, desta forma a memória está inserida nesse espaço – o mundo
da vida – trazendo elementos culturalmente construídos e que aceitamos como “verdades” e
“valores”. Essas verdades e valores são elementos que instrumentalizarão nossa ação de
comunicação diária e também quando estabelecemos um processo argumentativo.
A memória não é a reprodução de um passado com fidedignidade e, sim, uma
representação do mesmo, isto é, quando lembramos o passado estabelecemos critérios de
importância e/ou grandeza. Nossa memória é seletiva, escolhemos alguns elementos que a
compõem e a eles privilegiamos, seja por fatores emocionais ou sociais. A memória é
fugidia, flexível e socialmente composta. Alguns elementos são individuais ou também
presentes na memória de uma sociedade e/ou valorizados por ela; isso faz com que
determinado acontecimento tenha mais importância e por isso seja mais lembrado que
outro, fazendo com que fique mais presente nas memórias. Conforme ilustra Bosi (2001):
A memória partilhada ganha contornos e cores novas, frutos da partilha. Não é mais
memória própria – propriedade individual – é memória nossa, com elementos construídos
na coletividade. Essa relação com a memória dinâmica da memória se operacionaliza na
linguagem, no ato de fala; corporificando a memória pela fala, estamos re-visitando e
construindo uma nova representação do passado, ou aprimorando a já existente com fatos,
cores, sons, cheiros e tantos elementos que fazem do lembrado algo vivo e dinâmico. A
memória é dinâmica e em construção, pois quando a compartilhamos estamos relembrando
e refazendo o caminho de visita a sua origem. Todo caminhar novo traz novos
conhecimentos, novos achados e promove também alguns apagamentos, próprios do
dinamismo da memória. Cada passo refeito traz consigo elementos do presente,
modificando o olhar e proporcionando novas impressões.
(...)
“A história opera sempre com o que está dito, com o que é colocado para e
pela sociedade, em algum momento, em algum lugar. Desses elementos, o
historiador constrói sua narrativa, sua versão, seu mosaico. Esse fato evidente se
apresenta bastante distinto do que foi vivido; no entanto, ele se ancora nos
11
Fonte ...
12
Quando a História está baseada metodologicamente na história oral, os relatos dos fatos e acontecimentos
substituem o que tradicionalmente chamamos de fonte.
elementos resgatados da realidade, em outras histórias já produzidas”.
(Montenegro, 2001, p.19)
A memória tem sua base referencial no passado, porém se relaciona com o presente
e com sua perspectiva de futuro, são as reações que o indivíduo e a sociedade têm em
relação a uma lembrança que a constituem e a definem. Uma memória coletivizada ganha
contornos diferentes a cada rememoração, isto é, cada vez que a memória é visitada pelos
atores que a possuem, é reorganizada e reage ao presente de sua leitura e à perspectiva de
futuro embutida nela.
Santos (1998) nos apresenta uma possibilidade de união entre memória e História,
salientando que não precisamos necessariamente trabalhar a distinção, como podemos ler
no trecho que a seguir:
“Acredito que não precisamos operar com esta distinção entre história e
memória, uma vez que tanto o estudo de memórias coletivas pode ser
compreendido como histórico, pois sempre há um grau de arbitrariedade na
abordagem das redes de sociabilidade, como abordagens históricas podem ser
legitimadas apesar do caráter arbitrário e impessoal de suas interpretações, uma
vez que qualquer atividade interpretativa reflete não penas o presente, mas
também as heranças do passado que convivem e determinam o presente. (...) Se
indivíduos sempre constroem seu passado de acordo com preocupações e
situações estabelecidas no presente, isto não quer dizer que este presente não
contenha experiências ou traços do passado incapazes de serem percebidas em
sua totalidade”.(Santos, 1998, p.10)
A sala de aula, no caso de nossa pesquisa a sala de aula de história, tem em si vários
monumentos à memória. A própria ralação aluno/professor decorre de uma tradição
historicamente construída e repleta de elementos ritualísticos. O ato de ensinar traz em si
uma memória social que transpassa os muros do prédio escola. A existência de uma
memória social que estabelece o horizonte de cultura que alicerça o ato de ensinar faz da
história-ensinada mais do que o ensino da historiografia determina, faz da sala de aula de
história um lugar de resgate de memória, de transformação e produção de novas memórias.
O ato de falar, impregnado de memória, materializa-a, quando colocamos nossa prática
baseada em uma ação comunicativa em uma tentativa de não coação, mas de
democratização da fala, percebemos que elementos da memória, muitas vezes descartados,
se fazem presentes na dinâmica argumentativa estabelecida por esta prática. As vozes,
muitas vezes caladas, são expressas e trazem para a materialidade as memórias silenciadas
e colocadas no porão do esquecimento. Santos(1998) nos diz:
IV. Capítulo
4. Metodologia
I. Educação infantil;
II. Ensino Fundamental Regular;
III. Ensino Fundamental Supletivo.
13
Fui professora de história no 3º e 4º ciclo desta unidade escolar no período de 1999 a 2000, me afastando-
me da mesma no início do mestrado, em 2001.
14
A Fundação Municipal de Educação de Niterói promovia reuniões mensais com todos os professores,
divididas por disciplinas, desta forma havia um prévio conhecimento dos profissionais que compõem a rede e
seus procedimentos pedagógicos. Desta forma acreditamos que o professor André preenchia as características
básicas que buscávamos para a realização desta pesquisa.
se reproduz em seu todo e, para se reproduzir, deve ultrapassar a perspectiva do ator, isto é,
no prosseguimento das tradições culturais que são passadas de gerações em gerações. O
reconhecimento e a integração das normas e valores que constituem uma determinada
sociedade e a socialização entre as diversas gerações compõem o todo social (Habermas,
2000, p. 418).
Encontrar um ponto de interseção entre memória e ensino de história eanalisar como
este ponto se efetiva no espaço da sala de aula, é a questão central de nossa pesquisa.
Sendo assim, retomamos a teoria que nos alicerça e nos embasa e a partir dela construímos
o viés metodológico que permeia a nossa compreensão dos dados coletados.
Nas palavras de Habermas podemos vislumbrar elementos que direcionariam a
operacionalização da coleta dos dados na pesquisa de campo;
Compreendemos o ato de fala em sala de aula como uma ação orientada para um
fim, isto é, os diálogos tecidos no espaço de sala de aula têm uma finalidade, a de ensinar,
no nosso caso ensinar história. Assim sendo, acreditamos que a ação comunicativa
constitui por excelência o fazer em sala de aula. O ato de fala no espaço da sala de aula
visa buscar um objetivo orientando as atividades discursivas a uma finalidade.
Os eixos são identificados durante a análise nos episódios. No final da análise dos
dados estruturamos sua função e papel nos procedimentos pedagógicos do professor André.
4.5. O espaço físico da sala de aula
4.6. A vídeo-gravação
Nos outros dias, não utilizamos o tripé. Posicionamos-nos a frente da turma, com a
tela da filmadora aberta, desta forma podemos acompanhar o movimento do professor e dos
alunos, ajustando o foco. Este posicionamento mostrou-se mais adequado e garantiu uma
filmagem mais abrangente.
4.7. A transcrição
4.7.1. A transcrição
Os episódios foram sendo delineados com a análise dos detalhes que definiam
continuidades e rupturas; como nos trechos explicativos em que uma pergunta sinaliza o
término do episódio, ou temas que definem trechos compostos de diálogos e argumentos.
O residual ou singular, aquilo que escapa ao primeiro olhar, o que nos parece periférico,
como marcadores que solicitam assentimento, como “certo?” “tá bom?”, esses detalhes
fugidios formam o todo do diálogo e, em geral, nos passam despercebidos. Na construção
da análise os detalhes foram saltando aos olhos e formaram os sinais que indicaram a
trajetória que percorreríamos em nossa análise e construíram nossa compreensão acerca do
todo que são as aulas de história ministradas pelo professor André para a turma 801.
Os dados marginais, que são encontrados nas pequenas expressões e nas escolhas de
determinadas palavras em detrimento de outras, são marcadores do fazer do professor, uma
ação individual que não revela somente a tradição cultural, mas uma intencionalidade
reflexiva própria do fazer daquele professor. Indica uma opção que diferencia a sua prática
das práticas normalmente difundidas. Estes detalhes infinitesimais que escapam ao olhar
mais generalizador. Quando nos aproximamos e procuramos exatamente o que o diferencia
e muitas vezes é desprezado, identificamos o que marca o perfil da história-ensinada na sala
de aula deste professor. O olhar mais atento também salienta os traços comuns e cotidianos
que são demarcados pela tradição cultural que impregna o espaço escolar. O diferente que
causa estranheza muitas vezes é negado. A simples mudança de direção ou a tomada da
palavra sem permissão prévia são consideradas como dados e sinais que fornecem
elementos para a compreensão das questões de nossa pesquisa.
“Não se deve perguntar como as coisas se passam, mas sim como elas se
distinguem de tudo que aconteceu até agora.” (Amorim, 1991, p.129) Os procedimentos
efetivados no espaço da sala de aula provocaram várias rupturas, se distinguindo e
sinalizando a mudança de trajetória efetivada nesse espaço. Os três episódios finais do
capitulo V caracterizam esta mudança nas estruturas estabelecidas e indicam uma nova
trajetória que estava se efetivando no espaço da sala de aula.
Os sinais e indícios foram olhados à luz da teoria que fundamenta esta pesquisa e
com isso fomos construindo gradativamente compreensões acerca de cada indício
encontrado. Os indícios compreendemos como atos de fala, ações que em sua maioria
buscam entendimento, por isso chamamos de ação e, segundo a teoria habermasiana as
ações são intencionais (Habermas, 1997). Construímos compreensão, pois buscamos o
sentido que compõe as ações em seu contexto social e cultural.
Episódio I
Professor:
116 A matéria que eu estou trazendo no primeiro bimestre, o que é isso, uma
2 coisa chamada posse e uma coisa chamada propriedade.
3 Para definir posse e propriedade, devemos partir de uma coisa anterior,
4 partir da sociedade em que a gente vive.
5 A gente vive numa sociedade onde tudo se compra e tudo se vende. Tudo na
6 sociedade em que a gente vive pode ser comprado e pode ser vendido. Entre
7 aspa! Tudo em linhas gerais pode ser comprado pode ser vendido.
8 Como se chama esse tipo de sociedade?
15
Durante o período em que acompanhei as aulas da turma, o livro didático não foi utilizado. Entretento, o
professor indicou a sua leitura em casa, fazendo ressalvas sobre partes com que ele não concordava.
Aparentemente por divergências de interpretação.
16
As linhas das fala foram numeradas para facilitar a referência ao analisá-las.
Este episódio marca o início das aulas do dia 17 de fevereiro. Nestas aulas, o
professor apresenta o conteúdo a ser ensinado no bimestre, POSSE E PROPRIEDADE
(L. 1 e 2). A frase inicial do episódio terá um valor fundamental durante as aulas que foram
vídeo-gravadas, pois ao apresentar o tema gerador do conteúdo que será ensinado o
professor apresenta um dos critérios aceitos por ele para conduzir o ato de fala durante as
suas aulas de história. Analisaremos mais adiante como são formados os critérios de
condução dos atos fala.
Tendo o presente como referência para olhar o passado, o professor inicia sua
explicação do conteúdo. Nas linhas (L. 5, 6 e 7) podemos encontrar elementos que
caracterizam a definição de sociedade utilizada pelo professor, materializando em sua fala a
percepção que ele possui do mundo que o cerca. Também podemos perceber que ele
presume que sua percepção se iguala à que os alunos possuem em relação ao mundo. A
escolha da expressão “A gente vive” traz em si uma expectativa de equivalência de visão de
mundo. Quando o professor solicita que os alunos nomeiem a sociedade em que vivem,
acredita que eles partilhem a mesma vida, na mesma sociedade, o mesmo pano de fundo
que ele identifica e compreende que segundo sua percepção é equivalente ao dos alunos,
logo nomearão o mundo da vida de forma semelhante ou talvez igual.
Neste primeiro episódio podemos observar um eixo pedagógico recorrente nas aulas
deste professor, que é a generalização. A generalização do mundo da vida é um eixo
pedagógico importante no procedimento deste professor; ele parte do pressuposto de que o
mundo em que ele vive é igual ao dos alunos. Os referenciais sociais, o pano de fundo, que
constituem suas referências culturais e os valores impressos no ato de fala, são também
partilhados pelos alunos. A generalização do mundo da vida utilizada pelo professor nos
aponta um dado importante na compreensão dos procedimentos utilizados por ele; sua visão
de partilha do mundo com os alunos, isto é, quando pressupõe uma igualdade entre sua
percepção do mundo e a dos alunos está embutido nesta visão a certeza da partilha do
mundo da vida, logo os seus acervos das tradições culturais construídas pela sociedade são
semelhantes.
Na frase final (L. 8) deste episódio destacamos um indicativo do principal
instrumento pedagógico utilizado pelo professor a “palavra”, isto é, pela sua palavra e pela
palavra dos alunos operacionaliza suas aulas. A pergunta “Como se chama esse tipo de
sociedade?” introduz o ato de fala como fio condutor de suas aulas e transmissor dos
conteúdos. Nesta frase (L. 8) encontramos também um dos eixos pedagógicos recorrentes
no procedimento deste professor – as perguntas para construir o discurso pedagógico,
buscando nas respostas dos alunos o fornecimento de elementos para a construção da sua
fala e do discurso que utilizará nas salas de aula de história.
Ao fazer a pergunta referente ao tipo desta sociedade, o professor permite que
vislumbremos a interseção dos três eixos já citados – a generalização temporal, pois parte
do presente para o passado; a generalização do mundo da vida, pois pressupõe que as
percepções sobre o mundo que ele possui são idênticas às dos alunos, e a pergunta para
construir o discurso pedagógico, que tem como objetivo encaminhar o ato de fala para uma
verdade referente ao conteúdo apresentada pelo professor. O ensino de história traz em sua
estrutura múltiplas pretensões de validez que são ditas pelo professor no ato de ensinar,
materializando em sua fala todo o arcabouço histórico e do mundo da vida que o cerca.
A fala do professor nesse episódio dos indica um traço tradicional do procedimento
pedagógico estabelecido nos espaços escolares – pergunta, resposta, avaliação – porem
podemos observar no vídeo uma fala estabelecida no gestual e na organização do próprio
discursos que visa trazer o aluno para o espaço de construção do argumento que o professor
está estabelecendo na construção do conteúdo que irá ensinar.
Episódio II
Aluno A
Sociedade de compra.
1
Aluno B
2 Sociedade de consumo.
Professor
3 Isso, sociedade de consumo, tudo pode ser consumido nessa sociedade
4 em que a gente vive. Pois bem, é dentro dessa sociedade de consumo
5 que a gente vai ter posse e propriedade, depois a gente vai ver essas
6 coisas ao longo da história. Vai ver que a propriedade e a posse
7 tiveram sempre o mesmo caráter, valor que tem hoje na sociedade em
8 que a gente vive.
9 Vocês concordam comigo que nas sociedades de consumo tudo pode ser
10 comprado, tudo pode ser vendido?
Alunos
11 Concordo (EM CORO)
A palavra é o principal meio pelo qual o professor André organiza sua forma de dar
aula. A palavra dita ganha destaque no seu procedimento pedagógico e é por meio da fala
que o professor apresenta sua percepção da história e do mundo da vida.
São as primeiras respostas dos alunos, as primeiras perguntas feitas pelo professor e
representam o início do uso da palavra pelos alunos (L. 1 e 2); é um processo importante na
condução das aulas, criando a possibilidade do uso da palavra por todos os atores que
compõem este espaço de sala de aula. Nas respostas deste episódio podemos, perceber o
intuito dos alunos em acertar a pergunta feita pelo professor.
A resposta dada pelo aluno A (L. 1) tem um caráter mais imediato, próximo ao
cotidiano, isto é, ao ato de comprar e vender presente na vida, nessa perspectiva constrói
uma definição para a sociedade em que vive “sociedade de compra”. A resposta dada pelo
aluno B (L. 2) demonstra uma interferência da cultura escolar que se materializa na escolha
que ele faz quando prefere a palavra consumo, definindo a sociedade em que vive como
“sociedade de consumo”. Sociedade de consumo é uma adjetivação mais próxima ao
discurso utilizado pelo professor. A resposta do aluno B é mais valorizada pelo professor,
pois esta apresenta elementos próprios da fala utilizada pela historiografia, revelando
aparentemente conhecimento de alguns conceitos históricos apreendidos no espaço escolar
e o uso de um vocabulário que pertencente também a História. Consumo é um conceito
filosófico muito presente nas teorias historiográficas aplicadas no ensino de história,
remissivo à concepção marxista de grande influência no trabalho com os conteúdos de
história (ver cap I).
Quando o professor concorda (L. 3) com a resposta dada pelo aluno B, ele repete a
frase falada por este aluno, confirmando a validez presente na resposta do aluno. Após a
confirmação, a fala do professor é seguida por uma generalização que chamamos de
pedagógica e de uma generalização do mundo da vida – “sociedade de consumo, tudo pode
ser consumido nessa sociedade em que a gente vive.”. A generalização pedagógica tem o
caráter de apresentar semelhanças ou igualdades entre elementos ou tempos diferentes, mas
que se assemelham ou produzem uma continuidade no presente. Compreendemos esta
generalização pedagógica como um procedimento utilizado pelo professor para construir os
conteúdos do ensino de história. A generalização pedagógica une vários elementos, tais
como tempo, espaço e fatos; tornando-os equivalentes.
A memória que muitas minorias buscam pode estar novamente sendo enviadas para
o porão do esquecimento. Ao negar as sociedades pré-históricas coletivas e os próprios
índios brasileiros que tinham e tem até hoje uma relação com a propriedade e a posse,
diferente da visão branca ocidental, centrada na terra e na exploração da força, humana para
determinarem e estabelecerem seu poder diante de uma coletividade. Destacar posse e
propriedade como conceitos perenes que vêm sendo transpassandos por vários séculos, sem
mudanças, nos parece um procedimento pedagógico de aproximação dos conteúdos de
história para o presente e o do cotidiano dos alunos. Salientamos porém que as
generalizações podem causar enganos, quando não são lembrados os processos culturais
que diversos conceitos históricos, entre eles propriedade e posse, sofreram ao longo do
tempo, tanto na sociedade em que vivemos, como nas próprias produções historiográficas.
Quando damos voz aos alunos, as diferenças dos mundos da vida podem surgir no
espaço da sala de aula para se confrontarem as generalizações que são tão comuns nas
práticas pedagógicas. Os alunos podem perceber alguns conceitos de forma diferente da
apresentada pelo professor, desta forma, quando confrontam com seu cotidiano os
conceitos ensinados e, pela palavra, expressam essa percepção diferenciada, trazendo as
diferenças de seu olhar para sala de aula, materializando esta diferença pela palavra, as
generalizações perdem sua função de produzir a equivalência. As generalizações têm seu
papel na prática pedagógica, porém seu uso deve ser seguido de alguns cuidados.
Observamos que ao longo de suas aulas o professor André tem esses cuidados ao utilizar-se
das generalizações.
A pergunta (L. 9 e 10) formulada busca identificar nos alunos dois elementos
fundamentais para a continuidade do procedimento pedagógico utilizado pelo professor: 1)
a busca pela aceitação da pretensão de validez apresentada na pergunta quando utiliza a
expressão “Vocês concordam comigo...”; e 2) a confirmação de que os alunos estão
participado da aula quando busca uma resposta coletiva e utiliza “Vocês” para apresentar
uma pergunta coletiva, esperando também uma resposta coletiva. A resposta em coro (L.
11) serve para indicar que grande parte dos alunos está ativamente participando da aula.
Podemos observar na vídeo-gravação que quase a totalidade da turma responde
coletivamente a pergunta. A resposta em coro atende à expectativa de uma resposta
coletiva solicitada pelo professor e assegura, mesmo que superficialmente, que os alunos
estão integrados à dinâmica da aula.
Perguntar sobre as afirmativas proferidas categoriza esta frase (L. 9 e 10) como uma
pergunta para avaliar a aceitação do argumento que o professor está apresentando em sua
explicação, isto é, pretende verificar o grau de aceitação de uma pretensão de validez.
Quando o professor questiona a aceitabilidade do seu proferimento e busca a confirmação
da aceitação nos alunos, via uma resposta afirmativa, está estabelecendo pela primeira vez
no seu discurso a possibilidade da argumentação como um fio condutor para a fala na sala
de aula, pois viabiliza a possibilidade dos alunos fazerem intervenções em suas explicações.
A viabilização dessas intervenções, que apontamos como indicativo da possibilidade de
efetivar uma ação comunicativa reflexiva, nos faz destacar este trecho no episódio II.
Episódio III
Professor
1 Vocês vão concordar comigo, ou não; que nem sempre tudo que a gente
2 consome, que nem sempre tudo que a gente compra, nem sempre é
3 necessário para vida. Vocês concordam comigo?
Aluno C
Eu concordo também.
4
Aluno A
5 Eu concordo
Professor.
6 Por que?
Aluno C
7 O senhor está falando, é mais inteligente é esperto, é o professor, eu
8 concordo.
Alunos
9 (RISOS)
Professor
10 (O PROFESSOR RI) Queria saber por que nem tudo que a gente compra é
11 uma necessidade nossa?
12 O que você compra e não é uma necessidade sua?
Alunos
13 **** (VÁRIOS FALAM AO MESMO TEMPO. SOLICITAM ATENÇÃO DO
14 PROFESSOR, FALAM JUNTOS.)
Alguns alunos usam a palavra para concordar com o professor (L. 4, 5 e 6). O
professor continua buscando a aceitação e pergunta “Por quê?”. Esta pergunta gera uma
resposta profundamente interessante para compreendermos a mudança significativa que
ocorrerá gradualmente no processo pedagógico desta sala de aula. O aluno C responde “O
senhor está falando, é mais inteligente é esperto, é o professor, eu concordo”, alguns
elementos que ao nosso ver, são reveladores da tradição cultural que permeia o fazer
pedagógico. Estas tradições são partilhadas pelos atores da fala, socializando normas e
valores pelas várias gerações que partilham o mundo da vida. Desta forma as tradições
culturais e os objetos simbólicos escolares fornecem elementos que compõem o ato de fala
na sala de aula. Quando o aluno C diz – “O senhor está falando...” – podemos identificar
um traço cultural muito importante na fala do aluno; a palavra do professor tem valor e é
aceita como uma “verdade”. Durante muito tempo, na tradição escolar, cabia ao professor
falar e ao aluno receber. A palavra do professor tinha status de verdade e não cabia
questionamento. Quando o aluno C afirma que “o senhor está falando” compreendemos
que ele está utilizando este arcabouço formado pela tradição para embasar sua fala. A
continuação da fala re-afirma as palavras iniciais e termina literalmente corporificando esta
tradição “é o professor, eu concordo”.
17
No discurso do professor está contida uma série de conceitos e verdades defendidas por ele, porém, quando
ele busca confirmação no aluno, reconhecemos que estes conceitos e verdades tornam-se validez, pois podem
ser avaliados no processo argumentativo. Sendo assim utilizamos validez nos aproximando da teoria
habermasiana da ação comunicativa reflexiva.
Como utilizamos a video-gravação para registrar esta aula, podemos analisar outros
elementos que estão além da palavra oral, os gestuais que compõem a palavra corporal. Ao
proferir esta fala (L. 7 e 8) o aluno C imprime em seu rosto um sorriso e um olhar
brincalhão, próprio de quem também está fazendo uma galhofa. Compreendemos que este
ato tem implícito um questionamento em relação a esse poder dado ao professor
estabelecido pela tradição escolar. A fala corporal, a nosso ver, não está contradizendo o
dito. Apresenta uma outra possibilidade não materializada na oralidade, mas presente no
gestual que compõe o ato de fala. Este gestual também apresenta uma mudança de
valoração que o professor vem sofrendo ao longo dos anos, é a mudança gradativa das
relações entre professor e alunos. Não abordaremos esta temática na presente dissertação,
porém destacamos que o mundo da vida está em constante re-significação e as tramas das
tradições culturais são tecidas cotidianamente, transformando o pano de fundo cultural e o
acervo que ele compõe.
O riso (L. 9) compartilhado por todos indica o quanto de validade tem o ato de fala
do aluno C. Quando o professor também partilha este riso (L.10) ,ele confirma ambas as
pretensões apresentadas por este aluno. Abre-se nesse momento um novo olhar sobre a
aula que está acontecendo naquele espaço, e a turma que mantinha um relativo silêncio
explode em falas. É a descoberta de que suas vozes podem ser ouvidas e vários
experimentam falar (L. 13 e 14).
Professor
1 Ei, ei, um de cada vez!
2 Fala você.
3 Vamos organizar, quem quiser falar fala, mas um de cada vez!
4 Por que nem tudo que a gente consome, que a gente compra, é uma
5 necessidade nossa?
6 O que vocês compram, que não é uma necessidade nossa?
Aluno D
7 Ei professor, professor. (COM O DEDO LEVANTADO – FALANDO JUNTO COM
8 OS OUTROS)
Aluno E
9 Biscoito. (FALA JUNTO COM ALUNO D)
Professor
10 Por que você acha que biscoito não é uma necessidade su?.
11 Pera ai... pera ai... O Wiliam**** (TODOS FALAM AO MESMO TEMPO,
12 VÁRIOS PRODUTOS E OUTROS DISCORDAM DO QUE SE FALOU)
13 Um de cada vez... O Wiliam, agora.
Aluno W
14 Por que tem comida em casa.
Professor
15 Você acha que biscoito não alimenta?
16 (VÁRIOS FALAM AO MESMO TEMPO IMPEDINDO O REGISTRO DO ÁUDIO)
17 Um de cada vez, vamos organizar.
Aluno D
18 Ei, professor, vai dizer que tá lá em casa, as compra do mercado acabou,
19 tá lá aquele pacote de Traquinas olhando pra você, tá com fome, não vai
20 comer, porque não é comida. Ta bom...
Professor
21 Olha só... olha só... vamos pensar uma outra coisa.
22 Biscoito é uma comida (APLAUSOS)
23 Pera ai, biscoito é o que?
24 (VÁRIOS FALAM AO MESMO TEMPO, CONCORDANDO, DISCORDANDO,
25 AFIRMANDO QUE BISCOITO É COMIDA, MAS NÃO É IMPORTANTE... UNS 2 MIN.
26 DE FALATÓRIO, E VOZES ELEVADAS, UNS FALANDO ALTO E OUTROS PEDINDO
27 SILÊNCIO).****
18
Podemos observar na vídeo-gravação alguns alunos em constante silêncio. Não aprofundaremos está
questão pois não é o silêncio o ponto central da presente dissertação e, sim, a fala, mas destacamos a
existência deste dado e a relevância do mesmo.
biscoito não é comida, é desnecessário e tem o papel de dar prazer e, não, alimentar. O
professor pergunta se ele está afirmando que “biscoito não é alimento”. A pergunta do
professor tem um caráter pedagógico organizador, visando fazer com que os alunos
construam mais suas respostas. Nessa fala surge um novo elemento que é gerador de um
outro momento.
Episódio V
Professor
1 **** Olha, pera ai... O que a gente vai consumir por necessidade, o
2 que a gente vai consumir por desejo?
3 Eu quero ter, vamos por aí, um iate. É uma necessidade minha ou é um
4 desejo?
5 Eu vou comprar uma ...
Aluno F
6 Um celular.
Professor
7 Um celular, pera ai, pera aí (ALGUNS ALUNOS TÊM CELULAR E USAM DE
8 FORMA QUE SEJAM VISTOS.)
Aluno G
9 Celular é uma necessidade. (ELA ESTÁ COM CELULAR SOBRE A MESA)
Professor
10 Celular desejo nosso ou necessidade?
11 Sem celular algum de vocês é capaz de viver?
Alunos
12 Eu sou...(Em coro)
Alunos
13 Eu não...(Em coro) ****
Aluno E
14 Eu vou dizer uma coisa do celular, qualquer hora que a gente quer ligar
15 liga.
Professor
16 Posso falar?
Aluno E
17 Pode falar.
Professor
18 Tô perguntando o que é um celular. É um desejo seu ou uma
19 necessidade sua?
Aluna E
20 Acho que é os dois.
Professor
21 A única forma que você tem de falar com uma pessoa é pelo celular?
Aluno E
22 Não tem o outro... é... é...pode ser do outro telefone, o
convencional.****
Aluno E
23 O lugar que não tem um orelhão. Mas essas pessoas que moram no
24 mato, não tem nenhum telefone. Se eu estiver em perigo, vou usar o
25 celular.
Professor
26 Aí você ta falando que sua vida ... você vai viver em constante ... que a
27 sua vida vai correr perigo a toda hora e a todo lugar... ****
Quando o aluno propõe que o celular seja o objeto para ser avaliado como
necessidade ou desejo, podemos compreender dois movimentos nesse diálogo: 1º) o
argumento presente no discurso do professor, o “iate”, não tem eco nos alunos e o aluno F
indica que o “celular” pode promover um debate mais interessante e inclusivo para a
maioria dos alunos; e 2º) que desejos e necessidades se modificam ou são diferentes de
acordo com o pano de fundo que temos. Desta forma um argumento pode nos parecer
comum e até corriqueiro, pois faz parte de um pano de fundo cultural que nos forma, mas
pode não ser compreendido ou causar estranheza em outros atores, pois os mundos da vida
que são compartilhados no ato de fala trazem em si elementos das tradições culturais que se
movimentam no processo da racionalidade que permeia os argumentos utilizados. A busca
pelo entendimento faz com que se percebam as diferenças culturais e se processe o
encontro de um consenso.
O professor aceita sem questionamento a proposta do celular como o objeto que será
analisado (L. 7) quanto a seu valor social, isto é, se é uma necessidade ou um desejo. A
aluna G logo se pronuncia quanto ao valor social do celular, afirmando “Celular é uma
necessidade”, o professor faz em seguida um questionamento explícito sobre a pretensão
de validez contida nesta afirmação (L. 10 e 11), perguntando se a aluna seria capaz de viver
sem esse objeto. A turma em coro responde simultaneamente “sim” e “não” formando dois
grupos com opiniões discordantes. Inicia-se um debate entre os vários atores da sala. A
aluna E se coloca (L. 14 e 15), defendendo a importância do celular e a sua praticidade
quando há necessidade de comunicação. O professor retoma argumentando (L. 18 e 19) se
é uma necessidade ou desejo. A aluna E (L. 20) argumenta que são as duas coisas e o
professor continua (L. 21) perguntando se ela somente pode se comunicar à distância
usando o celular. A aluna E responde (L. 22) que existem outros tipos de telefone. A turma
concorda e discorda coletivamente causando um grande ruído no áudio, impossibilitando a
transcrição das várias falas simultâneas. A aluna E continua seu argumento (L. 23 e 24),
relacionando o celular a uma forma de preservar sua vida quando estiver em perigo. O
professor argumenta (L. 25 e 26) que ela pressupõe que sua vida vai estar em constante
perigo. Nesse momento a turma fica muito agitada e vários alunos falam ao mesmo tempo.
O debate sobre o celular aponta alguns elementos que são importantes para o
aparecimento do questionamento explícito em relação ao desejo ou à necessidade do
celular:
a) O celular parece ser um objeto de desejo para a maioria dos adolescentes desta
turma;
b) O episódio sugere que o celular seja um objeto que projeta socialmente o aluno
que o possui, de forma tão explícita que alguns alunos o colocam sobre a mesa,
mostrando que o possuem;
c) Em uma comunidade em que a violência é tão constante o celular é muito mais
que um objeto de status é um instrumento de defesa;
d) A percepção que o professor possui do objeto diferencia-se muito da aluna E,
salientando a diferença do pano de fundo que os cerca;
e) Os argumentos revelam as tradições culturais que os cercam e a percepção que
temos dos mundos da vida. Quando o professor aparentemente não compreende
o argumento da aluna, ele está olhando o “celular” de seu lugar de vida, com as
lentes que o formam;
f) A argumentação promove um movimento de saída do lugar em que o ator está e
o impulsiona a mudar o foco de olhar.
A não coação pode ser observada claramente neste episódio. A aluna utiliza-se da
palavra para apresentar uma validez que se sustenta em bases diferentes das apresentadas
pelo professor. O questionamento lança para o espaço pedagógico a argumentação,
promovendo uma comunicação reflexiva em que a busca do entendimento é a finalidade do
processo argumentativo. A racionalidade posta é processual e o embate dos argumentos
corporifica os mundos da vida dos atores da fala e a necessidade de construção da
alteridade no processo argumentativo.
Episódio VI
Professor
1 Casa, escola ....
2 Temos idéias que essas necessidades básicas são iguais para todo
3 mundo.
4 Vamos ver que vai variar muito pouco as necessidades das pessoas. Tá
5 certo?...
6 Tem determinadas coisas sem elas as pessoas não vivem...
7 A gente deseja coisas diferentes e precisamos de coisa semelhantes...
8 Diga um desejo seu ...
Aluno E
9 Namorar.
Professor
10 Diga um desejo seu ...
Aluno H
11 Um micro computador.
Professor
12 Diga um desejo seu, Natália.
Aluno J
13 Honda Biz.
Professor
14 Comprar uma Honda Biz.
Aluno E
15 Sexo, sexo...
Professor
16 Vamos falar de desejos materiais...
A fala da aluna E (L. 9) apenas compõe o exercício oral que o professor está
fazendo com os alunos, não é destacada nem negada, apenas é ouvida e o professor
continua a perguntar a outras alunas. Na continuação do exercício ela toma a palavra sem
ser solicitada (L. 15) e o professor não aceita a resposta e a desconsidera (L. 16),
solicitando que fossem falados desejos materiais. A fala da aluna E fugiu ao tema e aos
sub-temas da aula e o professor a desconsiderou como incorreta em relação ao exercício
que estava sendo executado com a turma. Dois elementos, ao nosso ver, devem ser
destacados neste episódio:
1º) a existência implícita de uma regra para as falas, isto é, os discursos estão
centrados nos tema e sub-temas;
2º) o professor tem autoridade para desconsiderar uma fala quando ela estiver fora
da regra implícita.
Este exercício aponta como a palavra pode ser um elemento de conflito e embate.
Nos espaços da sala de aula este embate torna-se constante e às vezes gera beligerância,
causando uma improdutividade pedagógica, transformando a sala de aula em um campo de
guerra minado, gerando muitos feridos, entre eles o professor.
O episódio VI não se caracteriza por um espaço de beligerância, mas podemos
observar elementos geradores deste tipo de acontecimento. O uso da palavra como
procedimento pedagógico básico abre espaço para a materialização de elementos
contraditórios e talvez conflituosos no espaço da sala de aula. Quando a aluna E apresenta
“namorar e sexo” como desejos o professor opta por não considerá-los como elementos de
desejo e consumo. Entendemos que esses dois elementos são muito vinculados aos sub-
temas propostos pelo professor e poderiam gerar um debate muito produtivo. Poderemos
perceber como os dois desejos expressos pela aluna serão recorrentes e invadiram o espaço
da sala de aula de forma que não se consegue que eles sejam calados nas próximas aulas.
Destacaremos esse processo invasivo e verbalizado em outros episódios próximos.
Episódio VII
Professor
1 Numa sociedade de consumo a gente compra muito mais do que
2 precisa.
3 Vocês concordam?... Vocês concordam com que eu disse ou não?
4 Outra idéia?....
5 A gente é estimulado a comprar sempre...**** Nessa sociedade
6 comprar é muito importante...
7 A Jéssica falou uma coisa super importante.
8 Fala ai. (JÉSSICA FALA, MAS O ÁUDIO NÃO REGISTRA)
9 Nessa sociedade de consumo tem gente que tem necessidade e não tem
10 como comprar, não tem dinheiro pra comprar para sua sobrevivência...
11 **** Tem gente que precisa morar e não tem dinheiro para morar..
12 Tem gente que come, que mora e ainda compra suas necessidades...
13 Tem gente que satisfaz todos os seus desejos e necessidades.
14 Nessa sociedade de consumo tem gente que compra todos os seus
15 desejos, tem gente que não consegue compra, nem aquilo para as suas
16 necessidades.
17 Fala Tatiane... (O AUDIO NÃO REGISTRA A FALA DE OUTRA ALUNA E NEM
18 DA ALUNA TATIANE)
19 É... a parir disso vamos discutir o que é propriedade o que é posse... ok!
20 Vamos escrever isso.
21 O que é sociedade de consumo.
22 O que eu quero mostrar é que nessa sociedade, há um grupo que tem
23 para consumir e existe um grupo que não tem... nada...
O episódio VII é o trecho final da aula. Após a última fala do professor, o sinal de
saída tocou e a turma foi dispensada.
O episódio VII nos faz vislumbrar o papel do ato de fala na escola e a cultura
documental que forma o pano de fundo escolar.
Episódio VIII
Prof.
1 Atenção****
2 Atenção esse pessoal aí perto da porta...
3 Vamos relembrar?...
4 Chegamos a uma conclusão, é que... na nossa sociedade é... tudo pode ser
5 comprado, não é isso gente?
6 Tudo pode ser consumido?
7 Que na nossa sociedade existem pessoas... que têm o suficiente pra
8 satisfazer... é ... os seus desejos e as suas necessidades. Tem outras que não
9 tem é... esse direito ... vamos dizer assim direito... de satisfazer nem suas
10 próprias necessidades básicas.
11 Há uma diferença grande entre pessoas que podem consumir seus desejos e
12 suas necessidades e há pessoas que não podem consumir nem o suficiente para
13 as suas necessidades básicas...
14 Ai a gente chegou na noção.. de que?...
15 De propriedade, ta é. A propriedade é tudo aquilo que alguém pode comprar,
16 que alguém pode dispor, tá...
17 Então a nossa sociedade esta sociedade de consumo,** ela é baseada na ... ela
18 é baseada na propriedade, certo?
19 Como essa sociedade? Ela é baseada na compra da terra, na nossa sociedade
20 certo?
21 Ai a gente começou a ver .... sempre foi assim? Né? ...
22 As pessoas sempre consumiram dessa forma, assim?... As pessoas sempre
23 foram proprietárias por que compravam alguma coisa? Ou vendiam alguma
24 coisa?
25 Qual era a sociedade que elas conheciam? É isso que a gente vai começar a
26 pensar a partir de agora! Certo?...
27 Essa sociedade que todo mundo é proprietário de alguma coisa ... tá certo?
28 Por menor... por menor que seja seu poder aquisitivo, seu poder de consumo
29 ... essa pessoa é proprietária de alguma coisa. Todo bem material é ** é
30 alguma coisa, mesmo que seja o seu próprio corpo a sua própria consciência, a
31 sua própria vontade... bom tá? ...
32 Bem existe a propriedade material, que é comprada e que é vendida e existe
33 uma outra propriedade que diz respeito ao nosso corpo e a nossa mente... que
34 diz respeito ao nosso... intelecto.
35 Na sociedade de consumo há pessoas que acabam vendendo o seu próprio
36 corpo... a sua própria alma. Alguém poderia dar um exemplo de alguém...
A terceira frase (L. 3) do episódio VIII apresenta uma pergunta que não necessita de
uma resposta oral. O professor utiliza a interrogação apenas para chamar a atenção dos
alunos que estão falando, distraídos, e não se organizam para o início da aula. Este tipo de
pergunta aparece do mesmo modo em outros episódios. Nelas o professor solicita a
atenção da turma por meio de uma pergunta que possui uma resposta física e não oral, isto
é, os alunos devem sentar-se e colocar-se em uma atitude de escuta, esta é a resposta
esperada. Os alunos em geral correspondem à intenção do professor. No episódio acima
após a pergunta do professor, os alunos fizeram um aparente silêncio, arrumaram-se nas
cadeiras e a aula é iniciada.
19
Usamos a expressão relativo pois podemos perceber na vídeo-gravação que alguns alunos falam, mas não
interferem no andamento da explicação dada pelo professor e nem no registro do áudio.
sociedade teria um perfil único e vinculado ao binômio capitalismo/consumo. Esta
abordagem fortalece o apagamento de diversos grupos que têm o pano de fundo cultural
diferente da sociedade de consumo. A generalização é um elemento constante no
procedimento pedagógico desenvolvido pelo professor André em suas estruturas
discursivas.
Esse longo trecho que compõe o episódio VIII apresenta características importantes
no procedimento pedagógico utilizado pelo professor. Ele está recorrendo a outro tipo de
generalização, a generalização temporal (L. 19, 20 e 21) em que ele afirma que sempre foi
assim, trazendo o elemento “terra” do passado remoto para a contemporaneidade definindo-
o com o mesmo perfil. A ‘terra” e a “propriedade” nem sempre foram como na atualidade.
A terra durante um longo período da humanidade foi coletiva e não caracterizava uma
propriedade individual ou limitada, logo a terra de hoje não é a terra da pré-história, da
antiguidade, do mundo medievo e da modernidade. A terra da contemporaneidade tem
características de seu tempo. Como cada época tem elementos específicos de sua
temporalidade. Muitos elementos ecoam até o tempo atual construindo uma identidade e
um valor subjetivo e monetário ao substantivo “terra” e uma valoração para quem possui
uma “propriedade”. Ao adjetivar a “terra” de forma semelhante ao passado, tenta provocar
no aluno uma sensação de semelhança e de identificação com o tempo já vivido. Ao
aproximar o passado do presente o professor indica a pretensão de promover uma
identificação histórica, salientado que o construído e percebido no hoje têm sua formação
no passado e vários elementos e objetos culturais, que em nossa sociedade atual possuem
valor, trazem em sua constituição social dados e valores de um tempo remoto que são
continuamente re-significados e se constituem em uma tradição social rememorada no
presente através do ato de fala.
A memória que o professor utiliza para encarnar a sua afirmação envolve o olhar
sobre a terra de forma subjetiva que se caracteriza pelo valor supersignificado que ela
possui. Isto é, está além do tempo presente e do seu valor do agora, transformando esta
afirmativa em um elemento aceitável e correto que tem seu processo de racionalidade
baseado nos elementos contidos na tradição, que tem uma continuidade e relevância.
Chamamos de generalização temporal a estruturação do discurso feito com base na
aproximação temporal que pode provocar no aluno uma compreensão de igualdade,
fortalecendo o sentimento de identificação com o passado. Rompe a estranheza causada
pelo distanciamento temporal e destaca a igualdade, favorecendo a possibilidade de diálogo
entre o passado e o presente. Também ao aproximar o passado, a memória social tem um
papel fundamental, pois se torna dita e se faz presente no espaço escolar e garante de certa
forma o prosseguimento das tradições culturais de diversos, grupos muitas vezes calados na
tradição escolar.
A frase “Ai a gente começou a ver .... sempre foi assim? Né? ...” veicula novamente
uma generalização temporal e termina com uma pergunta que não requer uma resposta
verbal necessariamente e sim serve como um instrumento para avaliar se a afirmativa
proferida foi aceita pelos atores da fala. Podemos observar que as frases que se seguem em
geral terminam com expressões semelhantes. São elas: Certo? (L. 22) Tá certo? (L. 23)
Bom tá? (L. 26) e servem como elementos de avaliação da aceitação da afirmativa proposta
pelo professor. O episódio VIII tem uma característica essencialmente explicativa, isto é, o
professor inicia a aula com uma apresentação dos elementos considerados por ele como
válidos para a construção dos atos de falas que comporão o discurso que será tecido durante
todas as aulas do dia 10 de março. As perguntas que têm como finalidade avaliar as
validades e a aceitação das afirmativas são elementos constates na fala do professor e sua
utilização aparece com freqüência em trechos explicativos do conteúdo programático do
bimestre. Compreendemos que estas perguntas, mais que avaliar se estão sendo aceitas
como validez, têm o objetivo de avaliar o grau de compreensão das explicações dadas.
Fazemos esta análise pois este tipo de pergunta é muito recorrente em trechos compostos
por explicações da matéria ensinada e, em geral, não necessitam de confirmação verbal,
mas observamos a confirmação da turma com gestos afirmativos, balançando a cabeça,
sinal de aceitabilidade do que foi falado pelo professor.
Este episódio não se caracteriza como uma ação dialógica, porém podemos observar
um elemento que a nosso ver é de suma importância na construção do processo
argumentativo o espaço do silêncio, o ouvir o outro e a possibilidade de ser ouvido pelo
mesmo. Esse contrato implícito direciona um viés de construção de uma estrutura
argumentativa.
A frase (L. 35 e 36) fecha o episódio VIII, que se caracteriza por ser um episódio de
caráter explicativo e sem interferência dos alunos, abrindo do início ao episódio IX. O
trecho final do episódio é interrompido por um aluno; o episódio a seguir terá seu início
exatamente na interrupção efetivada por esse aluno.
Episódio IX
Aluno J
1 A prostituta...
Professor
2
A prostituta vende o quê?
Alunos
3 O corpo...( RESPONDEM EM CORO, COMO O PROFESOR FALOU MUITO NA
4 INTRODUÇÃO OS ALUNOS JÁ ESTAVAM SE SACUDINDO NAS CADEIRAS,
5 ASSOBIANDO, OLHANDO PARA O LADO.
Professor 6
7 O corpo ... agora me dá um exemplo de alguém que vendeu a alma?...
8 O que seria vender a alma?****
Vender a mente... vender uma idéia ... vender um pensamento...
Aluno C
9 O demônio ... o demônio .... o demônio... ( O ALUNO FALAVA MAIS ALTO,
10 DESTACANDO SUA VOZ NO MEIO DAS DIVERSAS FALAS SIMULTÂNEAS, MAS NÃO
11 CONSEGUIMOS IDENTIFICAR QUEM FALAVA..)
Aluno C
12 Igual a isso aqui...( A GRAVAÇÃO NÃO REGISTROU O QUE ELE APONTAVA.)
Professor
13 Vender uma idéia ... vender a mente ... vender sei lá o quê... não
14 necessariamente é vender uma coisa ruim*
15 Pode ... não pode... ser uma coisa boa?
16 Sei lá uma idéia... aqui ...alguém que venda ...
Alunos
(VÁRIOS ALUNOS FALAM, IMPOSSIBLITANDO A TRANSCRIÇÃO DO AUDIO.)
17
Aluno H
18 Jornal...
Professor
19 Jornal...
Alunos
J E W 20 É mesmo...(OS DOIS ALUNOS RESPONDEM JUNTOS.)
Aluno J
21 É mesmo professor...****
Professor
22 Pera ai... pera ai...Como é que é ... pera ai ...
Aluno J
23 Uma pintura, um quadro... uma coisa que eu pinto...
Professor
24 Uma obra de arte... uma pintura* Mas o que eu queria dizer...
Alunos
25 Quadros.(APROXIMADAMENTE 5 ALUNOS RESPONDEM JUNTOS.)
Professor
26 Mais eu posso me vender quadro...?
Alunos
27 Não (EM CORO)
Professor
28 Olha só... pera aí...
Aluno L
29 No carnaval...
Aluno M
30 Meu corpo é pintado...****
Professor
32 Pera ai... olha gente ...
33 Vamos falar de alguma coisa que você não quer fazer... não faz parte de sua
34 personalidade fazer...; mas para sobreviver você tem que fazer? Por
35 dinheiro fazer?
O corpo como mercadoria que podendo ser vendido é tão condenável pela sociedade
e o favorecimento é crime perante a lei21, porém é um fato posto em diversas sociedades e
de profunda relevância no sustento em comunidades periféricas e de grande pobreza.
Quando os alunos falam da prostituição – vender o corpo – reconhecem o corpo na
perspectiva de produto comercializável, distinguindo com uma clareza aparente da venda
da força de trabalho. Quando o professor pergunta “A prostituta vende o quê?”, a resposta
é em coro, apresentando uma compreensão coletiva do significado deste signo. A memória
social22 referente à prostituição se materializa na fala dos alunos (L 3). Não é apenas uma
resposta simples, a venda do corpo é uma fala coletiva e instantânea, podemos observar na
vídeo-gravação que todos os alunos respondem simultaneamente a pergunta feita pelo
professor, isto é, a palavra materializa vários elementos presentes no pano de fundo social e
nos faz compreender que “vender o corpo” é uma atitude que os alunos compreendem
diferentemente da questão “vender a alma”.
20
Podemos observar na comunidade a existência de algumas igrejas evangélicas de diferentes denominações.
Não fizemos levantamento sobre a vinculação religiosa dos alunos da turma 801.
21
“Prostituição é o comércio habitual do próprio corpo, para a satisfação sexual de indiscriminado número de
pessoas. Embora, antigamente, só houvesse a prostituição feminina, hoje também existe a masculina, que se
inclui no mesmo conceito. São três as condutas previstas pelo art. 228: a. Induzir (...) ou atrair (...) alguém a
prostituição. b. Facilitar (...). c. Impedir que alguém abandone a prostituição.” (Delmanto ... et al, 2002, p.
490)
22
Não estamos indicando ou denunciando a existência da prostituição infantil na comunidade do Morro do
Céu, estamos somente analisando as falas dos alunos e a partir dessa falas identificamos elementos que
revelam um conhecimento da existência da prostituição.
considerada pelo professor como correta. Na construção cultural que envolve a
comunidade do Morro do Céu a “venda da alma” tem uma perspectiva diferente da do
professor, está mais vinculada ao satanismo e à religiosidade, como podemos identificar na
fala do aluno E (L. 6). A vinculação se faz a um aspecto ideológico ou de submissão a uma
vontade superior ou mais forte imposta por um outro ser humano por meio de pressão o
poder armado. Revela-nos que há uma diferença cultural e de percepção do mundo da vida
entre o professor e os alunos, relativa à questão “vender a alma”.
A compreensão de que existem produtos imateriais que podem ser vendidos por seu
possuidor surge como um elemento destoante do cotidiano que forma esta coletividade.
Vender algo que não seja um objeto está muito vinculado à força de trabalho e ao seu
corpo. Identificamos um elemento da memória social construída historicamente no seio da
população mais pobre em que sua força de que trabalho e de seu corpo provem o seu
sustento, remetendo-nos ao passado do Brasil e a como o trabalho é pensado e executado
nesta sociedade. Cabe a camada mais rica “pensar” e vender sua capacidade de fazê-lo e
aos pobres, a tarefa de trabalhar. O corpo e a força de trabalho são compreendidos como
moedas ou elementos de troca na sociedade de consumo, mas a alma – a idéia ou a
fidelidade a um princípio – causa estranheza quando ganha o papel de mercadoria vendável.
Professor
1 Pera ai... olha gente**
2 Vamos falar de alguma coisa que você não quer fazer... não faz parte de
3 sua personalidade fazer...; mas para sobreviver você tem que fazer?
Por dinheiro fazer?
Aluno C
4 Pular no circo...(RISOS)
****
Professor
5. Exemplo de alguma coisa com idéia... ****
Alunos
6 Corpo...
7 A fé...
8 Música...
9 Modelo... (VÁRIOS ALUNOS FALAM DIVERSOS EXEMPLOS SIMULTANEA
10 MENTE IMPOSSIBILITANDO A IDENTIFICAÇÃO.).
11 Tem muita gente falando junto...
12 Pêra ai calma...****
Professor
13 Na política alguém que troca de partido...
Aluno M
14 Caraca... todo dia... a gente vê...****
Aluno J
15 Nicolau ... Lalau
Professor
16 Nicolau é um caso de corrupção
Aluno N
17 E os políticos?...
Professor
18 O Nicolau se corrompeu... é diferente...
Aluno
19 N Não é nada... tudo corrupto# Muda de partido por causa de dinheiro...
Professor
20 O Nicolau deveria defender a justiça... fazer a justiça... ai ele se
21 corrompeu...
22 É diferente.
23 Alguém pode me dar outro exemplo...
Aluno O
24 Fernandinho Beiramar...
Professor
25 Ai já tá mais para (PELO VÍDEO, OBSERVAMOS O MOVIMENTO DOS LÁBIOS
26 E, PODEMOS PRESUMIR QUE ELE FALOU NARCOTRÁFICO) ****
Aluno J
27 Vender uma idéia de samba...
Aluna E
28 Pagar alguém para matar uma outra pessoa...
Professor
29 Um assassino profissional... é isso?
Aluno E
30 É ... é.
Aluno
31 A pessoa mata... (VÁRIOS FALAM AO MESMO TEMPO, NÃO IDENTIFICAMOS
32 QUEM FALOU.)****
Prof.
33 Eu não estou ouvindo... quero ouvir...
34 Fala ai...
Alunos
35 Uma pessoa faz uma coisa... errada* mata..
36 Paga alguém para assumir a culpa...
Professor
36 Se vendeu para a justiça... É...
37 Então olha só... olha só...
38 Então a gente viu... mesmo, mesmo... aquilo que é propriedade sua ... é
39 imaterial, que não é matéria, sentimentos, a nossa personalidade,
40 daquilo que é a nossa imagem... nosso próprio corpo. Tudo isso pode
41 ser também comprado e vendido nessa nossa sociedade... numa
42 sociedade, certo, numa sociedade de consumo.
43 Isso significa que... na nossa sociedade... nessa sociedade de consumo,
44 a propriedade pode ser qualquer coisa que possa ser comprada ou
45 possa ser vendida...
46 Existe a propriedade material, os bens, móveis * e imóveis e existem os
47 bens que são imateriais... que são de uma forma abstrata, certo? Que
48 de qualquer forma também podem ser comprados e vendidos, certo?
49 Nossa primeira diferenciação entre propriedades. Tá...
50 Agora ... uma propriedade também pode ser diferenciada quanto ao
51 número de dono que essa propriedade possui, certo?...
Alunos
52 Certo...(EM CORO)
O professor tenta exemplificar o que seria “vender a alma” (L. 5) construindo uma
relação com a palavra “idéia”. Os alunos começam a responder uma seqüência de palavras
“ Corpo..”, “ A fé...”, “Música...”, ‘Modelo...”, apresentando uma série de variáveis para a
questão proposta pelo professor e buscando um exemplo para o que ele está chamando de
23
Observamos um discurso constante de valoração do conflito: não estamos nos contrapondo a esta vertente,
porém destacamos que muitas vezes e em sua maioria o conflito em sala de aula é um espaço de guerra, com
frontes definidas e erguidas. Esta guerra, que muitas vezes é analisada como conflito, que nos posicionamos
contra. O espaço da sala de aula deve ser um espaço de construção e criação, a guerra historicamente é uma
ação permeada pela destruição e morte, elementos estes que não são em nossa visão compatíveis com o ato de
ensinar.
“idéia” e que se relaciona com “vender a alma”. As falas simultâneas e os marcadores de
organização utilizados pelo professor são constantes nesse episódio; a falta de clareza que
o tema produz continua causando estranheza e uma certa irritabilidade nos alunos. Neste
episódio podemos observar que as interferências do professor para promover uma
organização nas falas é um elemento constante (L.10,11, 32 e 33). Entendemos que isto se
dê pela incompreensão que o tema gera nos alunos, já que eles ainda não conseguem
traduzir em um exemplo que seria “vender a alma” ou uma “idéia”, segundo a visão do
professor.
O professor argumenta que “O Nicolau deveria defender a justiça ... fazer a justiça
... ai ele se corrompeu...” “É diferente...” nega a afirmação apresentada pelo aluno que
iguala os políticos corruptos ao caso do juiz Nicolau. A fala do professor apresenta uma
contestação a fala proferida pelo aluno N. A seguir o professor introduz uma outra
pergunta que não chega ser concluída “Alguém pode me dar outro exemplo...”. O aluno O
toma a palavra respondendo a pergunta que ainda não foi formulada e revela em sua
resposta uma outra vertente para a questão “vender a alma”, vinculando a uma outra forma
de desobedecer a lei e promover o mal a coletividade. Quando o aluno O responde
“Fernandinho Beiramar...” e o professor discorda falando “Ai já ta mais para
NARCOTRÁFICO” a presença do ruído é muito forte, reconhecemos nesses ruídos elementos
próprios de temas polêmicos que suscitam diferentes compreensões sobre a mesma questão.
As conversas paralelas que no áudio aparecem como ruídos, pois não conseguimos
transcrever o seu conteúdo, no vídeo podemos identificar em alguns grupos de alunos que
estão falando uma busca por uma resposta que seja considerada pelo professor como
correta.
O relação existente entre a expressão “vender a alma’ e “vender uma idéia” para o
professor e para os alunos são tão diferentes que quase impossibilita o processo
argumentativo que está sendo instalado. Em alguns momentos nos parece que professor e
alunos falam, mas não se ouvem. Identificamos em nossa análise muitas semelhanças entre
o que o professor aponta como “vender a alma” e “vender uma idéia” com os exemplos que
os alunos estão apresentaram. O prosseguimento de um ato de fala voltado à reflexão
poderia ter produzido um consenso e a construção coletiva de uma validez referente a
“vender a alma” e a “vender uma idéia” e os dois grupos – professor e alunos –
identificariam a semelhança e argumentariam sobre a diferença. Porém a sensação que
temos é a escuta não está se efetivando, logo o consenso fica inviabilizado.
O professor termina este episódio com um trecho explicativo. Neste trecho ele tenta
construir uma relação entre o que os alunos falaram e o que ele considera como “vender a
alma” e como esta questão se relaciona com o conteúdo que está sendo ensinado –
propriedade e posse. O professor opta por uma explicação relativa à questão “vender a
alma” que não garante a compreensão dos alunos em relação ao tema. Ao definir bens em
materiais e imateriais, ele não exemplifica o que seriam e, desta forma, a questão que gerou
uma grande polêmica continua sem resposta para os alunos e de alguma forma também para
o professor. Destacamos nesse episódio a dificuldade que existe ao definirmos alguns
conteúdos que nos parecem óbvios e claros e que muitas vezes são compreendidos pelos
alunos de forma diferente, e até contrária, ao que pretendíamos ensinar. Acreditamos que o
ponto nevrálgico desta questão seja o pré-conceito que temos que o pano de fundo que nos
constitui – professores – é idêntico ou semelhante ao dos nossos alunos.
Episódio XI
Professor
1 Existem pessoas... melhor...
2 Existem propriedades que tem só um dono e existem propriedades que
3 tem vários donos...certo? E existem propriedade que todo mundo é
4 dono... correto?...
5 A propriedade privada, a propriedade coletiva e existe a propriedade
6 pública... certo?...
7 Existem três tipos de propriedades...
8 Então uma propriedade... uma propriedade privada, é uma propriedade
9 particular, certo?... Ela tem um número limitado de dono... ela tem 1, 2,
10 3, 4 ...donos, nessa sociedade mas ela tem um número limitado de dono,...
11 uma propriedade coletiva ela tem um número maior de dono, certo?...
12 Uma propriedade pública ela pertence a todo mundo... uma propriedade
13 pública ela pertence a uma sociedade qualquer.
14 Vamos dar um exemplo de propriedade coletiva?
Aluno
15 Colégio ...
Professor
16 O colégio não é uma sociedade coletiva...**
17 Não é uma sociedade coletiva.(UM ALUNO APRESENTA UMA RESPOSTA QUE
O ÁUDIO NÃO REGISTRA)
Aluno Q
18 Minha casa!
Professor
19 Não é uma sociedade coletiva.... (VÁRIOS ALUNOS FALAM AO MESMO
20 TEMPO IPOSSIBILITANDO A TRANSCRIÇÃO)
Professor
21 Gente por favor...****
22 Não é uma propriedade coletiva(UM ALUNO RESPONDE MAS O ÁUDIO
REGISTRA)
Aluno Q
19 A praia...
Professor
20 Não é uma propriedade coletiva...
Aluna E
21 Minha roupa... minha roupa
A fala revela o mundo da vida dos atores. Quando os alunos se expressam pela
palavra, eles revelam sua compreensão acerca do conteúdo ensinado e dos elementos
culturais que formam seu pano de fundo e fornecem elementos que serão utilizados para a
construção desta compreensão. Desta forma, as generalizações podem ser destituídas de
seu valor no debate, pois as diferenças de compreensão acerca de um tema refutam as
igualdades que são a principal premissa na construção de uma generalização. Ao pressupor
que os três tipos de propriedades fazem parte do cotidiano dos alunos, o professor produziu
uma generalização do mundo da vida e as respostas dos alunos revelam como essa
generalização não atende o seu objetivo que é salientar a diferença existente entre os três
tipos de propriedades.
Episódio XII
Professor
1 Uma empresa de ônibus tem um ou mais dono, essa empresa de ônibus
2 é uma propriedade particular...
3 Claro ...** coletiva é quando todos os membros dessa coletividade são
4 donos.
5 Uma propriedade particular pode ter muitos donos... mas não serão
6 todos os membros da coletividade que serão donos dela. Certo?... Uma
7 casa por mais donos que essa casa tenha não serão todos os vizinhos
8 donos dela. Certo?... Ta bom?...
24
Uma das poucas áreas de lazer da comunidade é um pequeno campo de futebol na entrada do bairro
próximo a uma pequenina praça que não possuí nenhum brinquedo.
9 Presta atenção nisso aqui, tá aqui a diferença uma propriedade coletiva
10 pertence a todos os membros da coletividade ...
11 Aqui no Morro do Céu se tiver uma propriedade que pertença a todos
12 os moradores do bairro essa propriedade é coletiva...
13 Tiver aqui no Caramujo, um mercado, uma padaria que tiver dez donos,
14 essa propriedade é PRIVADA...
15 Então olha.só... (OLHA PARA A TURMA ESPERANDO SILÊNCIO)
16 Uma propriedade coletiva deve pertencer a todos o membros de uma
17 comunidade...
18 Só aos membros daquela comunidade...
19 Uma propriedade que seja só aos moradores do Caramujo **(OUTRA
20 PESSOA) não pode vir pra cá ** não pode vir pra cá...
21 Então essa propriedade será uma sociedade coletiva... Propriedade
22 particular tem um ou mais donos... agora será sempre uma sociedade
23 particular....
24 Por que? Porque ela não pertence a todos os membros de uma
25 coletividade...
26 Exercício para casa... ****
Os episódios que se seguem são relativos ao grupo de três aulas do dia vinte e
quatro de março.
Episódio XIII
Professor
1 As terras eram coletivas. Quando os portugueses chegam aqui eles
2 modificam esse sistema... Por quê?
Aluno J
3 Eles queriam privacidade...
Professor
4 Como assim privacidade?... Como... como?...
Aluno J
5 Eles queriam que dividissem...queriam tudo para eles...
Professor
6 Certo... O que eles fazem?...
Aluno J
7 Cada um tinha sua casa, cada um tinha seu pedaço de terra para plantar...
Professor
8 Cada um quem?
Aluno H
9 Cada um dos portugueses.
Aluno J
10 Cada um dos índios.
A aula do dia vinte e quatro de março caracteriza-se por possuir conteúdos mais
específicos do ensino de história, porém podemos observar o encadeamento da fala do
professor e a relação de aproximação do conteúdo com as experiências vividas pelos
alunos.
O episódio XIII é o início das aulas do dia vinte e quatro. Podemos observar que a
frase inicial (L. 1 e 2) diferencia-se das outras contidas no episódio I (L. 1 e 2) e no
episódio VII (L. 1, 2 e 3). Nesses episódios o marcador de organização é uma constante, as
falas iniciais têm basicamente esta função nesses episódios – organizar a sala de aula e
promover o silêncio – no episódio XIII a fala inicial organiza-se de forma diferente. O
elemento que define a sua estrutura é o conteúdo de história e a proposta de iniciar a aula
com um diálogo. As aulas têm seu início com uma pergunta marcando a organização
pedagógica que estava sendo aplicada e reconhecida pelos alunos.
Na pergunta inicial “As terras eram coletivas. Quando os portugueses chegam aqui
eles modificam esse sistema... por quê?’. Como já afirmamos, a fala inicial tem um caráter
organizacional; essa forma diferente de iniciar a aula salienta a evolução das relações
existentes entre professor e alunos. O ato de fala como um procedimento pedagógico já
está se estabelecendo na turma de tal forma que os alunos esperam o professor sentados e
em relativo silêncio, desta forma a possibilidade de iniciar a aula com o conteúdo d
disciplina é prontamente utilizada pelo professor. Outro elemento nos chamou muita
atenção. O professor não utiliza a abertura das aulas com um longo trecho explicativo e
aparentemente monológico, como podemos observar nos episódios I e VIII. No episódio
XIII a aula tem início com um diálogo em que o professor solicita de um aluno uma
organização maior e precisa de sua fala.
Professor
1 Tem outra forma de poder além do dinheiro?
Aluna L
2 Poder político.
Professor
3 Também, mais ligado a idéia,mais ligado à forma como os portugueses
4 eram?...
5 Por exemplo...Um capitão donatário podia implantar em sua capitania a
6 religião dos negros?
Alunos
7 Não (EM CORO)
Professor
8 Ou chegar e implantar a religião dos índios?
Alunos
9 Não (EM CORO)
Professor
10 Hein? Que religião?
Alunos
11 Católica (EM CORO)
Episódio XV
Aluno J
1 Professor? (LEVANTA A MÃO SOLICITANDO A PALAVRA)
Professor
2 Fala?
Aluno J
3 Capitania tem a ver com capital?...
4 Ou com capitão?
Professor
5 Capitania tem a ver com capitão e não com capital...
6 Mas com capitão...
7 Capitania significa em linhas gerais um lugar, um espaço de poder que
8 tinha um capitão, quem domina é um capitão. Um delegado **, ta? ...
Episódio XVI
Aluno P
1 Como eles dividiam tudo isso? ... Como eles sabiam o início?
Professor
2 Como eles dividiam essas terras?
Aluno P
3 Existiam mapas assim?
Professor
3 Existiam! * existiam!
Aluno Q
4 Eles sabiam? (FAZ UM DESENHO COMO SE ESTIVESSE DESENHANDO).
Professor
5 Não mapas como a gente tem hoje... Existiam a visão já cartográfica do
6 mundo ... Tinha uma imaginação ... de como seriam essas terras e eles
7 representavam essa terra através de mapas .. tá? Ta?...
Episódio XVII
Aluno J
1 O que é sesmaria? ...
Professor
2 O nome sesmaria? ...
Aluno J
3 É ...
Professor
4 É uma medida, que eu não vou saber te explicar exatamente agora ...
5 É uma medida de terra ...
6 Que eu não vou saber te explicar agora ...
7 Depois posso ver e fazer isso ...
8 Sei que é ligado a uma medida...
25
Sesmaria, s.f. Terreno inculto ou abandonado era doado; antiga medida agrária que corresponde a 3.000
braças ou 6.600 m.
Um outro elemento diferencia o grupo de aulas do dia vinte e quatro de março dos
grupos de aulas anteriores e a condução temporal, isto é, o presente era o condutor do
conteúdo que estava sendo ensinado, conduzindo o aluno a pensar sobre a sua sociedade e a
relação com o tema do bimestre. O grupo de aulas do dia vinte e quatro de março é
marcado pela análise e reflexão sobre o passado e a origem do Brasil e de sua
colonização26. O passado é o foco das aulas, porém podemos destacar que essa relação
presente/passado estabelecida pelo professor como procedimento pedagógico apresenta
uma relevância muito grande na construção do bloco de aulas do dia 24 de março. Os
alunos comportam-se de forma a compreender o passado e o passado não é apresentado
como exótico ou distante, ele se relaciona com o presente e o compõe. A pergunta (L. 1),
feita pelo aluno P no episódio XVI, aponta este trânsito presente/passado/presente, pois ele
questiona o passado partindo de uma referencia do presente que são os mapas que
estabelecem as divisões de propriedades territórios e países.
26
Não faremos nenhuma reflexão sobre a polêmica que existe sobre a palavra colonização; apenas
destacamos que esse tema é gerador de várias reflexões tanto na historiografia como no ensino de história.
Diálogo cooperativo
Podemos observar que no último grupo de aulas a palavra é usada quase que
equivalentemente pelo professor e pelos alunos e as perguntas, antes uma prerrogativa do
professor, passam ser proferidas pelo aluno também. O diálogo torna-se um elemento
constante e dinamizador das aulas. As longas explicações monológicas vão sendo
substituídas pelo diálogo cooperativo, o professor continua tendo a função de ensinar, mas
o ato de falar é partilhado com os alunos, isto é, ele canaliza as informações e o
conhecimento que os alunos possuem, traçando uma trajetória para o conteúdo que está
sendo ensinado.
Silêncio cooperativo
No último bloco de aulas podemos observar que a quase totalidade da turma
encontra-se em uma atitude de participação. A existência de alunos estabelecendo
conversas paralelas é mínima. Podemos ver no vídeo os alunos posicionando o corpo para
acompanhar o professor com o olhar. Esta conduta corporal de buscar visualmente o
professor, nós identificamos como uma maior ação participativa na aula.
Os ruídos constantes no primeiro bloco de aula vão diminuindo e quase não existem
no terceiro bloco de aulas. O quase término dos ruídos no áudio apontam para o
estabelecimento de uma organização das falas em sala de aula e a aceitação de uma
dinâmica implantada pelo professor; o silêncio cooperativo é um acordo coletivo. O que
chamamos de silêncio cooperativo? É o estabelecimento de uma dinâmica no uso da
palavra. Com isso os diversos atores da fala são ouvidos pelo grupo em que estão
inseridos. O professor André consegue estabelecer uma dinâmica de diálogo em que os
alunos ouvem seus colegas e ouvem o professor, promovendo um silêncio para a palavra do
outro ser ouvida. Desta forma o silêncio é uma atitude de escuta, possibilitando a
construção da ação comunicativa reflexiva.
Como já salientamos anteriormente esta pesquisa tem o foco no ato de fala, porém
destacamos o silêncio cooperativo como um elemento essencial para o estabelecimento da
ação comunicativa. Com base na teoria habermasiana, podemos afirmar que o direito
comunicativo deve ser democrático, pressupondo que todos os falantes devem ser ouvintes
atentos, de forma cooperativa, para poder assim estabelecer-se um processo argumentativo.
O silêncio não aparece a nosso ver como um estado de inércia ou paralisação; o silêncio
cooperativo é uma ação coletiva que faz do ato de fala um exercício que solicita a
participação conjunta de todos os atores.
Encontramos critérios implícitos para o ato de fala nas aulas de história da turma
801. O ato de fala como principal procedimento pedagógico pode parecer uma total
flexibilidade e fluidez no uso da palavra. Podemos identificar claramente nos dezessete
episódios que o ato de fala é direcionado constantemente para o conteúdo que está sendo
ensinado, construindo um critério claro para o uso individual e coletivo da palavra.
Retomamos o episódio I, na fala inicial “A matéria que estou trazendo no primeiro
bimestre, o que é isso, uma coisa chamada posse e uma coisa chamada propriedade.”. A
partir desta primeira frase podemos ver uma trajetória em que o conteúdo vai sendo
ensinado e poucas falas diferentes do tema, fora da temática geradora do bimestre, são
incorporadas ao ato de fala.
Identificamos o conteúdo como critério para o ato de fala porque podemos também
destacar a existência de falas descontextualizadas, ou que fogem a esse critério, porém a
existência dessas falas é mínima e na maioria das vezes são ignoradas ou mesmo negadas
no ato de fala. O critério em momento algum é explicitado, porém existe de forma tácita e
se estabelece ao longo das aulas, sendo executado no espaço da sala de aula.
As generalizações
Nossa pesquisa buscou uma sala de aula em que o ato de fala fosse o principal
instrumento pedagógico utilizado pelo professor no ato de ensinar. Nosso olhar estava
vestido principalmente da teoria da ação comunicativa. Encontramos nesse mergulho no
campo vários elementos que nos aproximaram mais ainda deste referencial teórico. No
capítulo a seguir apresentaremos as conclusões que construímos durante o processo de
pesquisa e escrita desta dissertação.
VI Capítulo
6. Conclusões
Desde o início de nossa pesquisa uma premissa se fez presente em nossa busca – a
memória é um elemento constante no processo pedagógico do ensino de história. Seja na
propagação de uma memória específica e oficial, ou de uma memória invasiva que se
constitui geralmente via voz dos alunos e nas reflexões dos professores acerca da matéria
ensinada, revelando desta forma o pano de fundo cultural do mundo da vida. A premissa de
que a memória tem um papel e efeito concreto na história-ensinada nos proporcionou as
questões iniciais desta dissertação: Como esta materialização da memória se faz? De que
forma esses elementos muitas vezes invasivos e provocadores de mal-estar pedagógico, se
constituem no espaço da sala de aula de história? E como a memória social pode dialogar
com o ensino de história?
Ao nascermos nos deparamos com um mundo que existe há muito tempo e que para
garantirmos nosso bem estar devemos ser capazes de viver neste mundo e compreendermos
suas regras existentes e estruturas culturais. A linguagem é o meio pelo qual este mundo
nos é apresentado e nós nos relacionamos com ele e com os atores que o compõem. As
práticas culturais são partilhadas pelos atores no ato da fala e, pela fala, vai se
descortinando o pano fundo cultural do mundo da vida. Para Habermas (1993), os
indivíduos não têm como evitar o emprego da linguagem voltada ao entendimento, pois
somente nessa ação cooperativa se estabelece a socialização no dia-a-dia. Nesse processo
de comunicação se estabelece uma racionalidade comunicativa processual; é no espaço da
ação comunicativa que os diversos atores da fala buscam o entendimento via argumentação
e se estabelece ou se busca estabelecer o entendimento mútuo. A razão comunicativa,
segundo Habermas, está sempre presente na possibilidade de comunicação através do ato
de fala, mas nem sempre se concretiza no processo.
A busca pelo entendimento mútuo pode ser um marcador pedagógico diferencial nas
práticas escolares. A ação comunicativa pode viabilizar uma prática mais democrática, pois
preconiza via argumentação o estabelecimento do consenso. Reconhecemos que a teoria da
ação comunicativa apresenta um ideal de comunicação pouco existente nos espaços
escolares. Os espaços escolares em geral são cheios de elementos limitadores que
funcionam como coações sociais e subjetivas condicionando o ato da fala. Porém quando
nos propomos a pautar nossas ações por uma conduta de cunho democrático e nos
nutrirmos do otimismo encantador inerente à teoria da ação comunicativa, podemos
transformar otimismo e esperança em ação coletiva e efetivar uma transformação.
O silêncio cooperativo é uma ação, pois evoca, como já afirmamos, uma atitude de
escuta. Os alunos não ficam em um silêncio passivo e opressor, em que a palavra é de uso
exclusivo do professor; o silêncio nessa perspectiva tem a dimensão da escuta. A escuta é
uma ação participativa que proporciona elementos para referendarem a aceitação do que
está sendo dito, ou conduzir a construção de argumentos para contestar a pretensão
proposta.
Compreendemos a educação como uma ação social entre os diversos atores que
estão presentes no espaço da sala de aula. Como toda ação social preconiza a interação,
podemos caracterizar a educação como uma ação social, tendo em vista que a educação se
faz efetivamente no processo de interação entre os vários atores que estão presentes nos
espaços escolares. O professor não exerce sua função sem alunos, assim como, os alunos
não vão para a escola se lá não houver professores. Desta forma a educação é efetivada na
integração dos vários atores que formam o processo de ensino/aprendizagem. Nessa
perspectiva pensamos educação como um ato socialmente composto e fruto de um
engajamento coletivo dos atores que fazem a escola.
A educação como uma ação social que envolve vários atores tem em sua gênese o
caráter interativo e socializante dos diversos sujeitos que promovem o seu ato – seja
professor, aluno ou a coletividade que compõe o espaço escolar. A linguagem nesse
processo torna-se a fonte de integração social. Nessa perspectiva identificamos um dos
elementos fundamentais para o que Habermas define como agir comunicativo,
preconizando a força consensual do entendimento lingüístico. A linguagem torna-se o elo
de ligação entre os diversos atores possibilitando por meio do ato de fala a busca do
entendimento mútuo. A educação dimensionada em seus aspectos coletivo e cooperativo
torna-se um espaço profícuo para o desenvolvimento da ação comunicativa.
27
Salientamos que em momento algum foi pedido ao professor que orientasse sua prática pedagógica pela
teoria habermasiana. Buscamos perceber se a teoria da ação comunicativa tem possibilidade de ser efetivada
no espaço da sala de aula.
As perguntas que em um primeiro momento eram prerrogativas do professor vão
sendo buriladas e se constituindo como um ato de reciprocidade entre professor e alunos,
constituindo assim um terceiro movimento que visa o entendimento mútuo e a compreensão
do conteúdo que está sendo ensinado. O diálogo como elemento que fundamenta o
procedimento pedagógico do professor vai percorrendo gradativamente o caminho que gera
a história-ensinada. O diálogo pauta uma busca coletiva pelo entendimento; entendimento
este que possui várias dimensões.
Percebemos nessa pesquisa como a História não é única, como o pano de fundo
cultural dos mundos da vida também não o são. E essas multiplicidades de realidades e
visões acerca do mundo da vida se fazem presente no espaço da sala de aula. E nos lançam
uma pergunta: O que ensinar então? Talvez devamos pensar em um ensino das histórias e
implantarmos no espaço pedagógico um processo argumentativo, que busque mais que
salientar as diferenças, busque produzir o entendimento mútuo e a cooperação solidária
entre os atores.
Não propomos uma solução para os problemas que afligem a sala de aula de
história, e muito menos solução para a questão que nos motivou no início desta pesquisa.
Fizemos nossa jornada e como peregrino contamos o que descobrimos e indicamos algumas
possibilidades de caminhos. Acreditamos firmemente que a escola é um espaço que pode,
ou melhor, tem o dever de promover a democracia. Vislumbramos, na teoria da Ação
Comunicativa, elementos que viabilizam a implementação do processo democrático em
sala de aula. Reconhecemos alguns limites sociais que impossibilitam e a aplicação plena
desta teoria, porém elementos fundamentais são viáveis no cotidiano da sala de aula.
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