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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Disciplina: Fundamentos do Direito Processual


Civil
Professores: Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio
Cruz Arenhart e Miguel Gualano de Godoy
Mestrando: Pedro Ivo Lins Moreira

Apontamentos – Amicus Curiae

I. Introdução

Na última aula foi objeto de debate a seção III, subseção I “Do Amicus
Curiae”, do Anteprojeto do Código de Processo Constitucional (CPConst), ocasião em
que fiz algumas propostas e apontamentos para tentar aprimorar a qualidade da
deliberação e do julgamento no âmbito da Suprema Corte.

II. Critérios para participação como amicus curiae

De acordo com a redação do anteprojeto do CPConst, item 23, “podem


intervir como amicus curiae, entidades representativas de grupos ou de interesses 1 que
podem ser afetados pela decisão constitucional”.

Note-se que, diferentemente do que dispõe o art. 138 do CPC, não há


menção sobre a participação de “pessoas naturais”, o que aparenta ser inadequado, pois
nem sempre indivíduos que possam agregar ao debate constitucional estarão associados
à alguma entidade ou estarão interessados em falar em nome delas.
1
Há uma interessante classificação doutrinária sobre as possíveis categorias de grupos de interesses,
senão vejamos: “Com o objetivo de confrontar os padrões que a corte tenderá a agir, segundo hipóteses
ora estabelecidas, com as motivações dos amici curiae acima apresentadas, dividem-se esses participantes
com base em três aspectos principais que influenciam os referidos padrões, para a análise dessa interação:
(i) a sua representatividade social, (ii) seu poder de barganha institucional e (iii) sua credibilidade
argumentativa e informacional. Dessas características, constituem-se três subespécies de amicus curiae
para análise: (i) coorporativos; (ii) governamentais; e (ii) representantes da sociedade civil” (Débora
Costa Ferreira: in Amizade seletiva análise estratégica da funcionalidade do amicus curiae, Revista
Teoria Jurídica Contemporâneo, v. 5, n.2, 2020, p. 94).
Essa questão já foi ponderada pelo Min. Gilmar Mendes na ADI 3396
AgR/DF:

Eu não excluo, inclusive, a possibilidade de que, eventualmente... É claro que sempre


haverá instituições por trás, inclusive, de grandes personalidades. Mas imaginemos que,
em uma questão de saúde, estivesse se habilitando como amicus curiae o doutor Pinotti, ou
o doutor Jatene, em suma, pessoas que notoriamente são especializadas nesse tema.
Certamente, o Tribunal... Eu também não fixaria a opção no sentido de excluir qualquer
pessoa física, depende, mas o Tribunal poderá fazer a avaliação e, previamente, o próprio
relator, claro, e, as mais da vezes, a sua decisão subsistirá, como tem subsistido.

Portanto, a menção expressa de pessoas naturais como amicus curiae é


providência importante a ser acrescida no anteprojeto do CPConst.

III. A ausência de regramento do “amicus especialista” e a Suprema


Corte como última instância científica

Em descompasso com o que dispõe o art. 138 do CPC, o item 23 do


anteprojeto limitou-se a tratar de entidades ou grupos que podem ser afetados pela
decisão constitucional. No entanto, não foi disciplinado explicitamente sobre o
“amicus-especialista”, isto é, aquele que atua não porque poderá ser afetado pela
decisão ou tem interesse no resultado, mas porque pode contribuir para o debate em
razão de sua especialidade em relação ao tema em discussão.

O anteprojeto também não esclarece qual a natureza jurídica da participação


dos “especialistas” ou “pessoas com experiência no tema” mencionados no item 25.
Estariam eles vinculados às entidades a que se refere o item 23 ou seriam figuras
independentes? Além disso, o depoimento seria considerado prova?

A interpretação sistemática das disposições do anteprojeto conduz a ideia de


que tais pessoas (item 26) não precisam ser integrantes das entidades amicus curiae,
conforme sinaliza o parágrafo único do item 25: “poderá o amicus curiae requerer a
produção de provas, especialmente a ouvida de especialistas e pessoas experientes em
determinado tema”.

Neste ponto, o anteprojeto não é claro: i) ou há a figura do “amigo da corte


especialista” – que não se confunde com meio de prova – e isso demandará a
readequação da redação do item 23; ii) ou o depoimento da “pessoa especialista-
experiente” será meio de prova para “esclarecimento de fato”, conforme sugere a atual
redação do parágrafo único do item 25 c/c item 26 e 31.

Como o anteprojeto parece optar pelo caminho sinalizado no item 02, isto é,
que o depoimento da “pessoa especialista-experiente” é meio de prova teremos algumas
dificuldades interpretativas, a exemplo do questionamento sobre a natureza deste meio
de prova?

Observe-se que a indagação é de extrema relevância porque esses


depoimentos poderão influenciar na deliberação dos Ministros, conforme redação do
item 29, §3º: “A fundamentação deve considerar todos os elementos probatórios, ainda
que contrários à tese acolhida na decisão”.

Voltando a questão da natureza jurídica dos depoimentos, nos parece que o


legislador infraconstitucional parece ter dado uma pista no Código de Processo Civil
quando dispõe sobre a prova técnica simplificada, que foi inserida na seção destinada a
prova pericial, senão vejamos:

Art. 464. §2º De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à
perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido
for de menor complexidade.
§3º A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz,
sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou
técnico.
A menção “menor complexidade” na parte final do 2º do art. 464 não se
amolda a complexidade das questões que são debatidas no Supremo Tribunal Federal.
Entretanto, é certo que especialistas e técnicos não costumam ser ouvidos como
testemunhas, já que as provas técnicas são produzidas por pessoa de confiança do juízo,
geralmente submetida ao crivo do contraditório e de imparcialidade, assim como à
análise dos assistentes técnicos eventualmente nomeados pelas partes. Tal procedimento
não ocorre no âmbito da prova testemunhal.

Além disso, teremos uma segunda ordem de problemas, pois sendo a


“pessoa especialista-experiente” um meio de prova técnica compreende-se que ele
também deve se sujeitar a todas as regras probatórias previstas no Código de Processo
Civil que buscam assegurar o devido processo legal no campo instrutório.

Aqui reside um outro problema fundamental já que a “pessoa especialista-


experiente”, cujo depoimento possui força probatória para vincular os Ministros da
Suprema Corte, poderá ser indicado pelo amicus curiae ou pelas partes (item 25, §
único e 31).

Contudo, apesar de tratar-se de questão eminentemente técnica, há grande


risco de o conflito de interesse contaminar a cientificidade do depoimento, sendo
presumível que o especialista indicado esteja alinhado com os anseios do amicus curiae
que o indica.

Se não bastasse, as “pessoas especialistas-experientes” indicadas pelas


partes serão considerados peritos ou assistentes técnicos? Isso porque o Código de
Processo Civil estabelece no art. 156 que “quando o esclarecimento de fato depender de
conhecimento técnico ou científico o julgador será assistido por um perito por ele
nomeado”.

Porém, o anteprojeto trabalha com a ideia de “técnicos e cientistas”


nomeados pelas partes e pelo amicus curiae para depor em audiência pública, o que
parece contrastar com o item 30 e item 31, 1º, que indica que o perito será nomeado
pelo relator ou pela Corte. Ademais, quais as diferenças práticas no campo probatório
do perito nomeado pelo Relator e da autoridade científica convidada por ele (item 25,
§1º)?

Nessa medida, é importante que o anteprojeto se debruce sobre tais


questões, já que elas são determinantes para a dinâmica da produção da prova e da
deliberação entre os Ministros. Em última análise, caso ratificada a natureza probatória
de tais depoimentos será preciso definir se tais especialistas desempenham o papel de
testemunhas, assistentes técnicos ou peritos.

Um outro ponto que merece relevo envolve a interseção entre Direito e


Ciência, questão essa que irá surgir com maior vigor com a caracterização do
depoimento de especialistas indicados pelas partes e pelos amicus curiae como prova de
um fato. O problema é que, como decorrência natural nos debates constitucionais, há
muitas versões sobre uma questão de fato (ex. ADPF 54 e ADI 3510), sobretudo aquelas
que estão inseridas na esfera do desacordo moral razoável existente no seio de uma
sociedade plural. Como proceder nesses casos?

Ao tratar tais debates como questão provatória, corre-se o risco de


transferir para o Supremo Tribunal Federal a última palavra para definir o estado da arte
da ciência envolvendo questões ultracomplexas, muito embora especialistas e
pesquisadores de renomes estejam divididos.

O anteprojeto ao deslocar um debate “argumentativo” entre especialistas


para um debate “probatório” – no qual se discutirá qual especialista conseguiu
“comprovar ou esclarecer o fato” – transfere para a Suprema Corte o poder de escolha
de uma corrente científica, o que sinalizará para a sociedade que as demais teses
científicas não provam o fato que sustentam e, consequentemente, estariam
equivocadas.

Algumas propostas de alteração do anteprojeto podem ser utilizadas para


evitar esse tipo de controvérsia: i) criação da figura do amicus curiae especialista, que
operará no campo da teoria da argumentação (“diálogo sobre fatos” – item 23, §1º); ii)
permitir que as partes e os amicus curiae possivelmente afetados pela decisão
constitucional indiquem “pessoa especialista-experiente” para exposição de seus pontos
de vista, o que ocorrerá no campo da argumentação e não como meio de prova, tendo
em vista a possível parcialidade e conflito de interesse. Os meios de provas devem
observar o regramento tradicional previsto no CPC ou receber tratamento especial e
mais detalhado no CPConst; iii) delimitar a questão fática sujeita a prova e ponderar
quando o tema envolver existência de desacordos morais razoáveis e correntes
científicas em disputa.

IV. Balanceamento dos requisitos para participação e poderes do


amicus curiae

Há um acirrado debate sobre a natureza da participação do amicus curiae


nas Cortes Constitucionais: i) seria um direito subjetivo de participação do grupo
possivelmente afetado ou sua admissão seria uma faculdade da Corte?; ii) há conflito
entre a escassez de tempo e a qualidade de deliberação?; iii) há um risco de lobby e
direcionamento do debate no âmbito da Suprema Corte? 2; iv) as falhas representativas
já verificadas na democracia deliberativa do Poder Legislativo não poderia ser replicada
no Poder Judiciário?3

2
Duas situações curiosas foram retratadas pelo portal de notícias Jota, cujas manchetes serão transcritas:
(i) “Entidades: Fux só liberou associações a favor de auxílio-moradia em julgamento”, publicado em
02/03/2018; (ii) “Juiz aceita TJSP como amicus curiae em causa que será julgada pelo TJSP”, publicado
em 01/08/2018.
As quatro perguntas estão conectadas entre si. Hipoteticamente, não há
dúvidas de que quanto mais amplo o debate da questão constitucional, em tese, maior a
legitimidade da deliberação da Suprema Corte. Isso, portanto, conduz a ideia de que
quanto maior o número de participantes, melhor. Nessa situação hipotética, também
seria importante permitir não só a participação formal do amicus curiae, mas uma
participação substancial com tempo adequado de manifestação, ampla possibilidade de
prova e etc.

Contudo, será que esse cenário hipotético se amolda à realidade da


jurisdição constitucional brasileira? É possível sacrificar o tempo da Corte e diminuir
drasticamente a quantidade de julgamentos em troca de um debate de maior qualidade?
Ora, o drama envolvendo a aplicação do art. 489 do CPC serve para explicar a
dificuldade do Poder Judiciário em oferecer qualidade de deliberação quando ele opera
no limite de sua capacidade institucional. Ademais, a sociedade parece clamar por mais
rapidez e não por maior qualidade.

É preciso encontrar um equilíbrio entre os diversos interesses com aderência


à realidade brasileira, sob pena do anteprojeto nascer como letra morta.

Quanto os requisitos para a participação do amicus curiae, o anteprojeto do


CPConst cuida do tema de forma dispersa e em descompasso com a jurisprudência atual
do STF. Analisando o texto do anteprojeto, é possível inferir que a entidade que
pretende se habilitar como amicus curiae precisa demonstrar: i) representatividade do
grupo possivelmente afetado pela decisão constitucional; ii) respeitabilidade social; iii)
autoridade científica (esse requisito parece conflitar com o caput, já que ele não trata
explicitamente do “amicus especialista”).

3
Vejamos as considerações de Lívia Gil Guimarães, in verbis: “Taylor (2008: p.4), que estudou como os
Tribunais federais brasileiros (STF incluso, portanto) são postos na arena das políticas públicas e como os
policy players usam as cortes para avançar os seus objetivos políticos estratégicos já havia identificado as
cortes a partir deste perfil estratégico e afirmou de forma bastante ilustrativa: “...cortes não estão isentas
do venue-seeking - isto é, da busca estratégica de atores pelo melhor caminho institucional para
influenciar resultados de políticas públicas”. (2008: p.6) [...] Nesse mesmo sentido parecem operar as
audiências públicas realizadas no STF. Elas figuram como mais uma ferramenta e espaço institucional
para que ambos, Tribunal e ator externo a ele, atuem em favor dos seus interesses em torno das políticas
públicas. Sobre a atuação dos participantes, como nas audiências públicas não se trata de participar como
parte jurídica da demanda judicial, mas sim, teoricamente, como especialista em determinado tema que
irá trazer esclarecimentos aos julgadores, as exposições orais e audiovisuais transmitidas ao Tribunal
podem exercer a função de ferramenta de lobby. Isso porque, ao utilizarem este espaço para comunicar
aos ministros do STF seus posicionamentos e suas informações privilegiadas sobre um determinado tema,
as atrizes buscam pressionar ou influenciar os tomadores de decisão (in Participação Social no STF:
repensando o papel das audiências públicas. Rev. Direito Práx. [online]. 2020, vol.11, n.1, p. 245)
É possível observar que os requisitos descritos nos itens “i” e “iii” revelam
figuras distintas. A primeira tem interesse direta no resultado do julgamento a segunda,
em tese, daria uma opinião neutra para auxiliar a corte no julgamento. É interessante
observar que esses dois papeis já foram considerados pelo STF em julgamentos
distintos, sendo que mesmo no caso do “amicus especialistas”, alguns Ministros
consideraram que não há neutralidade absoluta e que muitas vezes o especialista pode
ostentar uma posição autointeressada4.

Nesse sentido, vale conferir trechos relevantes de acórdãos e debates


ocorridos no âmbito do Supremo Tribunal Federal:

[ADI 3460 ED/DF] MIN. TEORI ZAVASCKI 4. Realmente, o figurino do amicus curiae,
além de pouco amadurecido dogmaticamente, ainda não conta com o abono de uma
positivação mais abrangente, o que tem propiciado o surgimento de perplexidades como
essa. Algumas características, porém, parecem marcar-lhe a essência no ordenamento
brasileiro: o amicus curiae é um colaborador da Justiça que, embora possa deter algum
interesse no desfecho da demanda, não se vincula processualmente ao resultado do seu
julgamento, que não atinge sua esfera jurídica em condições diferentes do que as demais
pessoas desvinculadas da relação processual. É que sua participação no processo ocorre e
se justifica, não como defensor de interesses próprios, mas como agente habilitado a
agregar subsídios que possam contribuir para a qualificação da decisão a ser tomada pelo
Tribunal. A presença de amicus curiae no processo se dá, portanto, em benefício da
jurisdição, não configurando, consequentemente, um direito subjetivo processual do
interessado. 5. É por isso que se tem entendido, no Supremo Tribunal Federal, que o
pedido de intervenção de amicus curiae nos processos de controle concentrado, bem assim
nos casos com repercussão geral reconhecida, deve ficar sob o crivo do Relator da causa
que a aceitará ou não à luz de certos moderadores normativos, dois deles legalmente
previstos (Lei 9.868/99) – (a) a relevância da matéria; (b) a representatividade do
postulante, e outros dois jurisprudencialmente definidos; (c) a oportunidade (ADI 4071
AgR, Rel. Min. Menezes Direito, DJe de 16/10/09); e (d) a utilidade das informações
prestadas (ADI 2321 MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 10/6/05). Estes são os critérios
de que hoje o Tribunal dispõe para distinguir, com um mínimo de objetividade, se a
colaboração oferecida constitui um trunfo de consequências positivas para a qualidade
do julgamento, ou uma medida supérflua, de reflexos inconvenientes para que a
instrução da causa siga uma dinâmica regular e de razoável duração. Em outras
palavras, esses padrões possibilitam que o Relator tenha condições de avaliar se
determinada intervenção produz mais vantagens em termos de legitimidade do que
desvantagens em termos de celeridade. [...] Essas características da figura do amicus
curiae e a natureza da sua participação em juízo trazem significativas consequências no
plano processual. A decisão que recusa a intervenção de amicus curiae não pode ser tida
como prejudicial a um direito ou interesse – material ou processual – de quem a requereu,
não configurando, por isso mesmo, uma situação de sucumbência. Trata-se de simples
decisão de recusa de colaboração. Cumpre enfatizar, no ponto, nenhuma oferta de
colaboração é obrigatoriamente exigível do Tribunal. Mesmo um pedido veiculado por

4
“A presença de uma pessoa sem vinculação expressa e formalizada a um grupo, contudo, não significa
necessariamente que ela não está representando um grupo (nesse caso, informalmente). Também não
significa que, a despeito do caráter “solitário”, que ela não esteja tentando influenciar a julgadora quanto
ao resultado que se pretende ver no julgamento. Shapiro (2004, p.262) já indicou em seus estudos sobre
uso de experts (“tecnocratas”) em ambientes “deliberativos”, que há um perigo de se estabelecer um mito
de que esses experts são menos auto-interessados e, portanto, melhores deliberadores que os outros
expositores de argumentos. Este tipo de mito não prospera na vida real da política e, em verdade, apenas
esconde a falta de transparência e oportunidades de participação para o restante dos interessados
(SHAPIRO, 2004: p.262)”. (Lívia Gil Guimarães, op.cit., p. 259-260)
entidade de larga representatividade e de íntima conexão com o tema debatido pode vir a
ser rejeitado, caso tenha sido formalizado de maneira inoportuna ou quando a
colaboração se tornar dispensável, nas circunstâncias do caso. Assim, considerando que
a decisão que recusa pedido de habilitação de amicus curiae não compromete qualquer
direito subjetivo, nem acarreta qualquer espécie de prejuízo ou de sucumbência ao
requerente, está plenamente justificada a jurisprudência do Tribunal que nega
legitimidade recursal ao preterido.
[AG.REG. no RE 602.584/DF] MIN. CÁRMEN LÚCIA: Neste ano de 2018, Ministro Fux,
Vossa Excelência haverá de se lembrar que, quando a Presidência, na esteira de um
julgamento, convocou os advogados que estavam devidamente apresentados para a
sustentação oral, e na linha do que a Presidência faz uso de uma determinada orientação e
uso de outra, em uma sequência, um dos advogados disse a todos nós aqui: "Mas eu sou
amigo da Corte e do autor e fui contratado por ele." Nem era do autor, porque o autor,
naquele caso, era a União, portanto, era de uma empresa que tinha sido contratada para
defender. Então, o amigo da Corte e de alguém não é da Corte, porque a Corte é
imparcial. Logo, quando se traz em determinado momento, lembro-me que o Ministro
Barroso até anotou, na época: "Não, mas todos vêm com uma tendência ou uma vocação à
apresentação de uma determinada linha a ser debatida como questão posta no processo."
Diferente de ser amigo da Corte, de alguém que se apresenta em um dos lados e que já
previamente ele disse isso, quer dizer...MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO – Ministra
Cármen, eu acho que não há neutralidades na vida, as pessoas têm lado mesmo. MIN.
CÁRMEN LÚCIA - Têm; na vida, na Supremo Tribunal Federal política, no amor, em
tudo as pessoas têm lado. MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO - É isso, menos juiz do
Supremo, que não pode ter lado. MIN. CÁRMEN LÚCIA - Mas, neste caso, o amigo é da
Corte, o que foi enfatizado. É isto apenas que eu estou dizendo. Nenhuma dúvida de que,
quando alguém tem um pensamento - e as audiências públicas abriram espaço para que
pudéssemos tratar desse assunto exatamente -, dizemos quem defende uma determinada
tese e quem defende a tese contrária para dar o contraditório. É diferente de quando
comparece como alguém que diz que é amigo da Corte e do Fulano. É um pouco diferente.
É amigo do amigo e que, às vezes, nem é tão nosso amigo, porque nós não temos amigos;
nós temos partes em um processo sobre o qual nos manifestamos. MIN. LUIZ FUX -
Escritórios de advocacia, sob a alegação de que são expert no tema, têm pedido a
intervenção como amicus curiae. Então, fomos colocados em um corner em que ou
admitimos, ou inadmitimos e há agravo. Assim, eles sabem que isso vai nos obrigar a
julgar um recurso. Logo, teríamos que admitir todos - teríamos de admitir tudo, não é?

[ADI 3396 AgR/DF] MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO [...] Eu acho que a posição de
condução do processo, com todas as vênias também do Ministro Celso, é do Relator.
Portanto, se o Relator entender que não é pertinente e ali não há um direito subjetivo em
jogo, porque veja Vossa Excelência, agora cabe pedido de amicus curiae por pessoa
natural. Então imagina se qualquer quantidade de pessoas naturais pedem admissão, o
relator indefere, pela boa tramitação do processo, aí vai haver uma chuva de agravos que
têm que vir ao Plenário, atravancando o fluxo das ações diretas. [...] MIN. LUIZ FUX -
Eu gostaria de dar um exemplo aqui, Ministro Fachin. É um exemplo que eu acabei de
verificar. Eu tenho sob a minha relatoria um recurso extraordinário com repercussão
geral de amplo espectro que vai tratar do problema relativo à terceirização. Vossa
Excelência imagina quantos amici curiae pediram intervenção? Cinquenta. [...] Eu
indefiro cinquenta intervenções, que vão falar meio segundo aqui. Cabe agravo dessa
decisão? [...] MIN. RICARDO LEWANDOWSKI (PRESIDENTE) - Eu queria dessa linha,
Ministro, embora ainda tivesse alguma coisa a dizer, até porque julgamos questões muito
relevantes para o País. Esse Plenário é uma ribalta extraordinária, dá uma exposição
tremenda. Quem é que não quer ser amicus curiae com essa exposição nacional que essa
situação propicia? Mas, de qualquer maneira, encerrado esse julgamento com empate,
quem desempatará será a Ministra Cármen Lúcia.
Essas preocupações dos Ministros refletem problemas reais que são
enfrentados pela Suprema Corte e que não deveriam passar ao largo do anteprojeto.
Assim, poderíamos depurar essas preocupações em três itens a serem explorados: i)
requisitos para ingresso do amicus; ii) aferição do real interesse do amicus; iii) poderes
do amicus.

Sobre os requisitos de ingresso do amicus curae entende-se que é


importante que a Suprema Corte desenvolva um “formulário-padrão” 5 para que cada
interessado preencha antes de solicitar o ingresso, ocasião em que deveriam responder:
i) a tese que apoiam; ii) os fundamentos irão amparam a tese que apoiam; iii) explicação
sobre a novidade dos argumentos e por qual motivo eles são relevantes para o debate;
iv) a contratação ou subvenção financeira direta ou indireta por alguma das partes ou
grupo afetado6.

Esse “formulário-padrão” será analisado para fins de exame da conveniência


e oportunidade da atuação, bem como para aferição do grau de comprometimento,
abuso do poder econômico, lobby e conflito de interesse.

E como intuitivamente decorre desse raciocínio, deve ser inserido no item


23 outros dois requisitos para ingresso do amicus curiae: i) conveniência e oportunidade
da argumentação (o que geralmente é verificado pela capacidade de inovação no
debate7); ii) utilidade das informações prestadas, porquanto esses dois requisitos

5
Há regramento parecido na Federal Rules of Appellate Procedure do Direito Norte-Americano: “(3)
Motion for Leave to File. The motion must be accompanied by the proposed brief and state: (A) the
movant's interest; and (B) the reason why an amicus brief is desirable and why the matters asserted are
relevant to the disposition of the case. (4) Contents and Form. An amicus brief must comply with Rule 32.
In addition to the requirements of Rule 32, the cover must identify the party or parties supported and
indicate whether the brief supports affirmance or reversal. An amicus brief need not comply with Rule
28, but must include the following: (A) if the amicus curiae is a corporation, a disclosure statement like
that required of parties by Rule 26.1; (B) a table of contents, with page references; (C) a table of
authorities—cases (alphabetically arranged), statutes, and other authorities—with references to the
pages of the brief where they are cited; (D) a concise statement of the identity of the amicus curiae, its
interest in the case, and the source of its authority to file; (E) unless the amicus curiae is one listed in the
first sentence of Rule 29(a)(2), a statement that indicates whether: (i) a party's counsel authored the brief
in whole or in part; (ii) a party or a party's counsel contributed money that was intended to fund
preparing or submitting the brief; and (iii) a person—other than the amicus curiae, its members, or its
counsel—contributed money that was intended to fund preparing or submitting the brief and, if so,
identifies each such person; (F) an argument, which may be preceded by a summary and which need not
include a statement of the applicable standard of review; and (G) a certificate of compliance under Rule
32(g)(1), if length is computed using a word or line limit”.
6
Neste sentido Débora Costa Ferreira: “Caso efetivamente caminhe no sentido de ampliar a base
argumentativa e informacional por intermédio do amicus curiae, duas propostas já estão lançadas:
estabelecer regra processual que determine que o peticionário antecipe resumidamente os argumentos e
informações que pretende apresentar e informe, assim como é exigido nos principais países que se
utilizam desse instituto, a parte que deseja apoiar, o seu interesse na demanda, e quem eventualmente
patrocina a sua intervenção. Não cabe mais alegar a ingenuidade de uma amizade desinteressada contra a
seletividade que os dados revelam” (Op. cit, p. 106).
7
De acordo com Eloísa Machado de Almeida: “Com essas considerações percebe-se que para além do
cumprimento do critério da representatividade, os amici curiae têm a responsabilidade de levar novos
configuram métodos para otimização do trabalho e administração da agenda da
Suprema Corte.

Deferida a participação, caberiam ao amicus curiae os seguintes poderes: i)


direito de manifestação escrita e/ou oral sobre a repercussão geral e/ou sobre a questão
constitucional; ii) direito de participar da audiência pública; iii) direito de requerer
produção de prova e iv) de manejar recursos.

Diante da extensão dos poderes atribuídos ao amicus curiae devemos


ponderar que, quanto maior o número de participantes menor será o impacto de sua
influência. Várias páginas de memoriais, dados, pesquisas, depoimentos e etc. apenas
fará com que os Ministros se esquivem do exame de todo material, porque inviável
analisar à fundo todas as teses diante do elevado volume de trabalho no STF.

Daí o reforço da conveniência do formulário-padrão e da limitação do


número de participantes, conforme será visto no próximo tópico,

V. Mudança no procedimento de habilitação e participação do amicus


curiae

Alguns analistas da jurisdição constitucional vêm apontando que a figura do


amicus curiae não tem desempenhado a função institucional esperada, no sentido de
ofertar legitimidade, aprofundamento do debate e maior participação da sociedade.

Segundo pesquisas, 146 entidades concentram mais da metade das


habilitações de amicus curiae no âmbito do controle concentrado perante o Supremo
Tribunal Federal. Além disso, mais da metade dos habilitados são representantes de
entidades de natureza públicas (58%), enquanto a entidades corporativas tem atuação
correspondente à 17% e entidades privadas da sociedade civil ficam com os 25%
restantes8.

argumentos ao tribunal, sem o que se tornam inúteis no processo, o que pode ser um fator de estímulo
criativo a que os atores sociais se engajem em interpretações constitucionais. Apesar da inovação dos
argumentos ser analisada pelos ministros como uma condição de admissibilidade, a partir desta
classificação proposta sobre as capacidades institucionais dos amici curiae (condições de acessibilidade,
condições de admissibilidade e condições de influência) essa inovação dos argumentos estaria alocada,
também, enquanto uma condição de influência”. (in Capacidades institucionais dos amici curiae no
Supremo Tribunal Federal: acessibilidade, admissibilidade e influência, Rev. Direito Práx. vol.10 no.1
Rio de Janeiro Jan./Mar. 2019, p. 691).
8
Fernando Leal, O mito da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, JOTA, Brasília, 08/03/2018.
Conforme aponta Fernando Leal9:

Esse não é um diagnóstico apenas nacional. Referindo-se ao tribunal constitucional federal


alemão, Michaela Hailbronner faz alusão, em diálogo estreito com o artigo de Peter
Häberle do qual se extraiu o lema da sociedade aberta, a uma sociedade fechada dos
intérpretes da Constituição. Restrita aos experts que conseguem compreender minimamente
o processo decisório do tribunal. Com isso, vê-se que o grau de abertura da jurisdição
constitucional à sociedade civil não é só uma função de quem participa e de quem é capaz
de influenciar as decisões da corte. O próprio processo decisório e os processos de
construção e comunicação das decisões podem funcionar como barreiras para a abertura
idealizada pelo lema da “sociedade aberta de intérpretes”.
Assim, é preciso ter a exata compreensão dessa realidade para observar que,
efetivamente, se o sistema atual ou desenhado no anteprojeto do CPConst cria um
espaço para uma sociedade aberta de intérpretes ou reproduz um sistema que tem se
revelado disfuncional10.

Como proposta para organizar, publicizar e racionalizar os mecanismos de


ingresso e participação dos amicus curiae propõe-se um procedimento democrático de
habilitação, que funcionaria da seguinte maneira:

1. Reconhecida a admissibilidade e o processamento do feito para enfrentamento do mérito


constitucional, a lei estabeleceria prazo para habilitação, ocasião em que os interessados
preencherão o “formulário-padrão”;
2. O formulário-padrão conterá alguns campos a serem preenchidos, quais sejam: a)
apontamento de uma das três categorias do amicus curiae (favorável à procedência,
favorável à improcedência e especialista) b) se há subvenção por alguma das partes; c) a
tese que apoiam; d) os fundamentos irão amparam a tese que apoiam; e) explicação sobre a
relevância e novidade dos argumentos; f) a contratação ou subvenção financeira direta ou
indireta por alguma das partes ou grupo afetado;
3. Durante o prazo para habilitação, o Relator poderá convidar, oficialmente, três pessoas
naturais ou entidades que considere relevantes para contribuir com a Corte;
4. Dentre todos os habilitados, a lei estipulará um piso e um teto correspondente ao número
mínimo e máximo de amicus curiae (trabalharemos com a proposta de 6 a 12) que irão
seguir para segunda etapa da habilitação. A seleção ficará à cargo do Relator, que fará a
avaliação e verificará o preenchimento dos pressupostos legais;
5. Além da elaboração da lista, a relatoria do caso concede ao Ministro o poder de escolha
de até três amicus curiae em sistema adversarial paritário11: 2 (dois) entidades ou grupos de
possíveis afetados-interessados que ostentem interesses contrapostos (1 vs. 1) e 1 (um)
9
Op.cit., 08/03/2018.
10
Não obstante as Cortes Constitucionais constituam no cenário contemporâneo arenas especiais e
fundamentais para a deliberação democrática plural, o Supremo Tribunal Federal ainda necessita
aprimorar a dimensão política da representação que desempenha. E o desafio envolve exatamente a
maximização da qualidade e da legitimidade de seu processo decisório, algo que as audiências públicas
teriam um relevante papel a executar se melhor conduzidas e instrumentalmente aproveitadas, como se
pretendeu demonstrar (Thiago Luís Santos Sombra, in Supremo Tribunal Federal representativo? O
impacto das audiências públicas na deliberação, Rev. direito GV vol.13 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2017, p.
267).
11
“Enunciado 82 da 1ª Jornada de Processo Civil do CJF: Quando houver pluralidade de pedidos de
admissão de amicus curiae, o relator deve observar, como critério para definição daqueles que serão
admitidos, o equilíbrio na representatividade dos diversos interesses jurídicos contrapostos no litígio,
velando, assim, pelo respeito à amplitude do contraditório, paridade de tratamento e isonomia entre todos
os potencialmente atingidos pela decisão”.
amicus especialista. No entanto, o Relator poderá se desincumbir do poder de escolha caso,
após analisar os formulários, se convença pela desnecessidade de participação de amicus
curiae. Nessa oportunidade, também caberá ao Relator propor a dispensa ou realização de
audiência pública ou produção formal de prova, caso entenda conveniente para o feito;
6. Apresentada a lista de habilitados pelo Relator, cada um dos demais Ministros que
participarão do julgamento terão prazo para convidar até outros três amicus curiae para
compor a lista, podendo escolher, inclusive, amicus curiae cuja habilitação foi rejeitada
pelo Relator. Os convidados terão o prazo de 30 (trinta) dias para, querendo, se habilitarem.
7. Nesta terceira fase já teremos o seguinte cenário: a possibilidade de 3 (três) amicus
escolhidos pelo Relator (em sistema adversarial paritário); e uma lista de até 42 amicus
curiae habilitados para serem escolhidos em votação pelos demais Ministros (o relator não
vota);
8. A lei definirá um número máximo de até 09 (nove) amicus curiae, que poderão atuar no
feito, cujo limite poderá ser alterado por proposta do Relator submetida à maioria absoluta
em votação eletrônica. Os 09 (nove) estarão distribuídos entre entidades ou grupos de
possíveis afetados-interessados que ostentem interesses contrapostos e amicus especialista;
9. Cada Ministro terá direito a até três votos: (1 voto entre os amicus interessados na
procedência, 1 voto entre os amicus interessados na improcedência, 1 voto em amicus-
especialista) ou poderá votar pela desnecessidade de novos amicus. Nesta oportunidade, os
Ministros também votarão pela conveniência da realização ou dispensa de audiência
pública ou produção formal de prova12;
10. A votação referida é feita eletronicamente e de forma simplificada, sendo marcada pela
discricionariedade. Neste sentido, dispensa-se a fundamentação da escolha tomada, sob
pena de engessar e burocratizar o procedimento. A escassez de tempo e de agenda
recomendam esse modo de atuação, que poderá ser revisto no futuro.
11. Caso a opção pela desnecessidade de outros amicus não prevaleça, além dos 03 (três)
que já podem ter sido escolhidos pelo relator, participarão da próxima etapa: os dois mais
votados entre os amicus-interessados pela procedência; os dois mais votados pela
improcedência; os dois amicus-especialistas mais votados. O voto de eventual desempate
cabe ao Relator do caso. A distribuição das vagas poderá ser remodelada desde que se
observe a paridade e o equilíbrio numérico entre os amicus-interessados;
12. Em homenagem ao contraditório, lei exigirá, em todas as fases, a observância do
equilíbrio e da paridade no sistema adversarial da questão constitucional, isto é, os
Ministros deverão zelar pela igualdade do número entre entidades ou grupos de possíveis
afetados-interessados que defendem a tese da procedência e dos que defendem a tese da
improcedência (o que poderá ser aferido pelo “formulário-padrão”). Verificada eventual
disparidade, caberá ao Relator diligenciar para resolvê-la.
13. A votação da maioria absoluta sempre poderá alterar o número total de participantes e o
método de distribuição de vagas, desde que seja observada a paridade e o equilíbrio de
forças.
14. Não caberá nenhum recurso.
12
Permitir que os demais Ministros deliberem sobre a conveniência da audiência pública pode gerar
maior engajamento dos mesmos. Nessa linha, observe-se a crítica feita por Thiago Luís Santos Sombra:
“O recurso teve a sua repercussão geral reconhecida e o Ministro Relator optou por designar uma
audiência pública para ouvir todos aqueles diretamente envolvidos com o tema. Eis aqui um aspecto
acerca das audiências públicas a merecer críticas: a sua designação é fruto da conveniência de cada
Ministro Relator, e não de uma deliberação coletiva da Corte, o que se reflete na baixa adesão às
informações ali transmitidas. Tal prática produz um impacto considerável nos fundamentos empregados
pelos demais Ministros e na forma de condução do julgamento em Plenário [...] Uma observação a ser
feita envolve o tempo destinado para a manifestação de cada um dos intervenientes, que guarda absoluta
relação de igualdade entre todos os demais convidados. Sem embargo, por mais que exista uma
distribuição equânime do tempo, a escolha dos participantes é feita segundo a conveniência do Ministro
Relator. Ou seja, a escolha não conta com a manifestação dos demais membros da Corte. (in Supremo
Tribunal Federal representativo? O impacto das
audiências públicas na deliberação, Rev. direito GV vol.13 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2017, p. 249 e 263)
As vantagens propiciadas por este modelo prevalecem e justificam a
burocracia e complexidade do desenho normativo proposto. Deve ser notado: i) a
diluição do poder do Relator, evitando-se com isso o enviesamento do debate 13; ii) a
necessidade da observância do equilíbrio de forças e o contraditório até mesmo como
garantia do pluralismo social14; iii) o engajamento dos demais Ministros, já que puderam
convidar e votar nas pessoas e entidades que serão ouvidas. A democratização da
escolha estimulará a participação dos demais Ministros na audiência pública 15; iv) a
possibilidade de fiscalização de conflito de interesse; v) a objetivação e facilitação do
ingresso e do controle dos requisitos via “formulário-padrão”; vi) considerando a
escassez de tempo da Corte, a limitação de participantes propiciará maior qualidade da
participação e de poder de influência dos amicus curiae selecionados: (até 09
memoriais; até 09 sustentações orais e etc); vii) extinção dos recursos contra a admissão
ou inadmissão, já que os escolhidos correspondem aos amicus curiae que a Corte
considerou a contribuição relevante, seja do ponto de vista da legitimidade, seja do

13
O poder do Relator influenciar o debate foi denunciado pela doutrina do Prof. Miguel Gualano Godoy,
in verbis: “a. No que se refere aos amigos da corte, eles solicitam seu ingresso no feito e o ministro
relator é quem decide sobre a aceitação ou não do seu pedido de ingresso. Ou seja, o ministro relator tem
um papel fundamental na promoção do debate público, pois ele possui a faculdade de possibilitar que
diferentes vozes possam ser ouvidas e, principalmente, a de escolher e selecionar aquelas que se farão
ouvir. Esse poder do ministro relator também pode, por outro lado, impossibilitar, restringir e até mesmo
enviesar o debate (As audiências públicas e os amici curiae influenciam as decisões dos Ministros do
Supremo Tribunal Federal? e por que isso deve(ria) importar?, Revista da Faculdade de Direito da UFPR,
v. 60, 2015.p. 150).
14
“Uma das formas de tentar diminuir esse desequilíbrio entre a representatividade dos interesses
conflituosos nos julgamentos que irão definir a tese jurídica vinculante está na atuação dos amici curiae,
devendo a própria seleção daqueles que irão atuar como amicus ter por escopo a diminuição da assimetria
de forças no processo, a equalização do contraditório e a diminuição do desequilíbrio processual entre os
interesses dos litigantes eventuais (dispersos por milhares de processos) e do litigante habitual (com
esforços concentrados no julgamento paradigmático). Nesse sentido, sempre que se esteja diante de um
julgamento apto a formar uma tese jurídica obrigatória, incumbe aos tribunais, ao decidir os pedidos de
intervenção formulados pelos que pretendem atuar como amicus curiae, considerar não somente a
representatividade dos postulantes, mas também o equilíbrio entre os interesses contrapostos, de molde a
que se mantenha a isonomia processual e a paridade de armas entre eles, com a admissão dos litigant
amici em quantidade, representatividade dos interessados e capacidade de manifestação Se só houver
pedido de admissão de amicus curiae para a defesa de um dos interesses em conflito, cabe ao relator
determinar, de ofício (como permite o art. 138 do CPC), a intimação de pessoas, órgãos ou entidades que
possam atuar como amicus curiae e apresentar manifestação e subsídios em favor do interesse
contraposto, igualando as forças argumentativas no processo. equivalentes, contemplando de modo
paritário todos os interesses conflituosos”. (Cíntia Regina Guedes, in A evolução da figura do amicus
curiae, seu potencial de participação nas demandas repetitivas e a necessidade de observância da paridade
de armas. Revista de Processo, v. 294/2019, Ago/2019, p. 12)
15
“Do ponto de vista de um debate público robusto e anterior à decisão, a performance deliberativa da
fase pré-decisional pode e deve melhorar. Do ponto de vista da deliberação interna na fase decisional,
falta um espaço ou momento que propicie o engajamento coletivo para uma deliberação sincera entre os
ministros. As decisões fracionárias e individuais também não contribuem para um adequado momento
pós-decisional, já que as decisões escritas individuais são muito pouco deliberativas, fundadas sobre
diferentes razões e, assim, perde-se de vista a racionalidade decisória que fundamenta a decisão do
Supremo Tribunal Federal” (Miguel Gualano Godoy, op. cit., p. 156).
ponto de vista da necessidade de auxílio técnico; viii) Ademais, critérios como
oportunidade e utilidade da participação foram inseridos dentre os requisitos, o que
confere maior margem de discricionariedade à Corte e torna o processo de escolha mais
democrático.

Em razão da limitação de páginas e do objeto proposto neste artigo não será


enfrentado o tema da audiência pública, mas cujo tema está interconectado com a figura
do amicus curiae. Algumas figuras ainda precisam ser respondidas, quais sejam: o
amicus curiae inadmitidos pode exercer algum mecanismo de influência (memoriais e
manifestação oral na audiência pública) perante à Corte16? Especialistas e terceiros
convidados ou que comparecem espontaneamente na audiência pública terão quais
poderes e qual a natureza de sua intervenção?

VI. Conclusão

O propósito do presente artigo foi desenvolver os argumentos para buscar o


aprimoramento da redação do anteprojeto do CPConst no tocante a regulação da figura
do amicus curiae.

Muitos problemas apontados pela doutrina estão sendo tratados no


anteprojeto, mas não completamente. Ainda há muita concentração de poder nas mãos
do Relator e pouca preocupação com o equilíbrio, a paridade, a escassez de tempo e o
conflito de interesses, que são questões importantes que também vem sendo apontadas
por estudiosos e pesquisadores.

Não há dúvidas de que o anteprojeto ambiciona alterar o cenário atual em


que marcado por um empobrecimento do debate e da qualidade da participação dos
amigos da corte.

A prática brasileira ainda está muito distante de alcançar a substância da


teoria proposta por Peter Häberle. Como alento, constata-se que esse não é um problema
exclusivo de nossa jurisdição, de modo que outros países também enfrentam
dificuldades envolvendo a democratização da jurisdição constitucional com a figura do
amicus curiae.

16
Na ADPF 54, apesar do Ministro Relator ter indeferido a participação da Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil em tema que, inequivocamente, despertava o interesse da entidade, o Min. Cezar Peluso,
em seu voto, fez menção expressa aos memoriais apresentados pela entidade (p. 26 do referido voto).
É preciso, no entanto, estar atento para a experiência concreta e para as
preocupações legítimas que vêm sendo externadas pelos Ministros do STF durante os
debates envolvendo a figura do amicus curiae, a exemplo do potencial conflito de
interesse, ausência de imparcialidade, relevância da contribuição, volume de trabalho e
de escassez de tempo.

Tudo isso sugere que, ao lado das contribuições teóricas que buscam
melhorar o tratamento do tema, não podemos perder de vista o pragmatismo necessário
para que o anteprojeto não se torne letra morta.

Dentre as propostas apresentadas podemos destacar a necessidade de incluir


pessoas naturais dentre aqueles que podem participar como amicus curiae. Além disso,
buscou-se desenvolver um desenho normativo que fosse capaz de equilibrar os diversos
interesses em jogo (e muitas vezes em conflito).

Viu-se que é importante tornar o procedimento de habilitação, participação e


a escolha mais transparente e democrático, sem descurar do equilíbrio exigido pelo
contraditório, pela diluição do poder do Relator, bem como das limitações decorrentes
do excesso de trabalho.

Assim, embora a imposição de teto máximo de participantes denote um


caráter potencialmente arbitrário e contrário à ideia da abertura das portas do Judiciário
para a participação do povo, acredita-se que quanto maior a quantidade de participantes,
menor será a qualidade da sua participação, de seu poder de influência em contrapartida
de uma maior discricionariedade à disposição dos Ministros.

VII. Referências:

ALMEIDA, Eloísa Machado, Capacidades institucionais dos amici curiae no Supremo Tribunal Federal:
acessibilidade, admissibilidade e influência, Rev. Direito Práx. vol.10 no.1 Rio de Janeiro Jan./Mar. 2019;
FERREIRA, Débora Costa, Amizade seletiva análise estratégica da funcionalidade do amicus curiae,
Revista Teoria Jurídica Contemporâneo, v. 5, n.2, 2020;
GODOY, Miguel Gualano, As audiências públicas e os amici curiae influenciam as decisões dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal? e por que isso deve(ria) importar?, Revista da Faculdade de
Direito da UFPR, v. 60, 2015;
GUEDES, Cíntia Reginas, A evolução da figura do amicus curiae, seu potencial de participação nas
demandas repetitivas e a necessidade de observância da paridade de armas. Revista de Processo, v.
294/2019, Ago/2019;
GUIMARÃES, Lívia Gil, Participação Social no STF: repensando o papel das audiências públicas. Rev.
Direito Práx. [online]. 2020, vol.11, n.1;
JOTA, Brasília, “Entidades: Fux só liberou associações a favor de auxílio-moradia em julgamento”,
publicado em 02/03/2018;
JOTA, Brasília, “Juiz aceita TJSP como amicus curiae em causa que será julgada pelo TJSP”, publicado
em 01/08/2018;
LEAL, Fernando, O mito da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, JOTA, Brasília,
08/03/2018;
SOMBRA, Thiago Luís Santos, in Supremo Tribunal Federal representativo? O impacto das audiências
públicas na deliberação, Rev. direito GV vol.13 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2017.

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