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Desigualdades: a ocupação da mulher negra e jovem em espaços de discussão

No próximo dia 25 de Julho, comemoramos o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e


Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela, em um país como o Brasil, onde a população
negra corresponde à 54% da população, é importante reafirmar a importância da luta dessas
mulheres no contexto atual. O reconhecimento desta data fortalece as organizações voltadas
as mulheres negras, a ocupação dos espaços por estas mulheres e sobretudo a representação
do povo negro em espaços ocupados majoritariamente pela branquitude e em sua maioria por
homens.

O falso mito da democracia racial está enraizado no país, formando uma mentalidade de que o
preconceito é inexistente e que quando falamos sobre o tal, é visto como “mimimi”. Fatos
como a morte de João Pedro, morto dentro da casa do tio, após a casa ser fuzilada pela Polícia
Militar do Rio de Janeiro em São Gonçalo e a queda de Miguel do 9º andar, resultando sua
morte em um prédio de luxo no Recife, enquanto a mãe do menino passeava com o cachorro
da patroa deixando o menino aos cuidados da mesma, e o pagamento de uma fiança para
liberá-la, demonstram o quanto o racismo estrutural está presente em nossa sociedade. A
democracia racial nega a existência de preconceito, porém os mais variados indicadores
elencam que as desigualdades estão diretamente ligadas à etnia. Em um contexto histórico
que traz um passado de explorações e violações de direitos, em especial sofridos por mulheres
negras, abusadas sexualmente, psicologicamente, fisicamente e moralmente, ainda é notória a
presença de um abismo entre o preconceito e a igualdade.

Vale lembrar que a miscigenação surgiu de um contexto interessado em branquear a


sociedade brasileira, buscando evitar a superpopulação das comunidades negras e indígenas
no país. A exploração sexual das mulheres negras e índias ocorria naturalmente, onde as
mesmas engravidavam dos senhores de engenho e seguiam com status de escravas, criando
seus filhos sem pais, isto em uma sociedade escravocrata que acreditava que os genes dos
brancos prevaleceriam sobre o dos negros, engajados a formar uma população em massa
embranquecida.

A mentalidade de que o negro é preguiçoso, burro, ignorante, incapaz, imoral e desonesto vem
sido carregada ao longo de toda a história do Brasil, e esta infelizmente ainda pesa em nossas
costas. Ao ponto que a possibilidade de ingresso em alguns espaços ainda é vista de forma
preconceituosa, a militância do movimento negro, têm trazidos respostas combativas para
desconstruir o preconceito enraizado. Ações Afirmativas construídas através de Políticas
Públicas buscam equiparar danos sofridos pelo povo negro no decorrer dos anos, trazendo
possibilidades e perspectivas antes distantes desta população.

A implementação da Política de Cotas, desenvolvida para as populações mais vulneráveis


atingiu diretamente a população negra do país, uma vez que nós negros estamos inseridos
num contexto de maior vulnerabilidade e acesso a direitos fundamentais, tivemos a partir
deste marco a possibilidade de ingressar com maior igualdade de oportunidades em
universidades federais gratuitas que tinham por sua maioria estudantes brancos das classes
A,B e em menor número C, egressos de escolas particulares e que ainda passavam por
cursinhos pré-vestibulares, excluindo a população mais vulnerável que mal tinha acesso a uma
educação de qualidade no ensino básico. A partir deste marco, jovens como eu, negra e de
comunidade, passam a vislumbrar possibilidades que vão além do ensino médio. A inserção
destes jovens na Universidade Federal é reflexo de uma luta árdua que está longe de acabar,
trazendo a necessidade de seguirmos combativos e militantes no que diz respeito a ocupação
de espaços pela nossa população, e o quanto isso reflete numa mudança social na sociedade
brasileira. A medida em que a população negra, e principalmente mulheres negras chegam a
estes espaços, reafirmamos o quão capazes somos. Capazes de sermos mães, esposas, filhas,
irmãs, netas, trabalhadoras e estudantes, tudo ao mesmo tempo, sendo mulheres pretas e
demonstrando que a cor da pele não é uma barreira.

Hoje aos 27 anos, após passar por diversos setores no mercado de trabalho, partindo
da educação e passando pelo comércio, saúde e atendimento ao público, formada em
Recursos Humanos através do Projeto Senac Gratuidade, formanda de Gestão Pública(2020/2)
com ingresso através do PROUNI e acadêmica de Políticas Públicas pela UFRGS com ingresso
pela Política de Cotas (Social/Racial), hoje enquanto Conselheira Tutelar do município de Porto
Alegre, responsável por buscar a garantia de direitos da criança e do adolescente na região
onde resido, percebo a importância do protagonismo negro. A importância da
representatividade de uma mulher negra, jovem, oriunda do território onde o serviço é
prestado, estar demonstrando que sim, é possível ocupar espaços e prestar serviços
independente do gênero, da classe social e especialmente da cor.

Trago aqui, que mesmo diante do cenário catastrófico da nossa cidade, cercado pelos
desgovernos do Poder Público Municipal, Estadual e Federal, onde a cada dia Políticas Públicas
são desmontadas, a importância de seguirmos na luta, de seguirmos atentas e combatentes,
representando as pautas e debatendo formas para descontruir o preconceito que insiste a nos
assombrar. No dia 25 de Julho, comemoro não só o dia da Mulher Negra Latino-Americana e
Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela, mas também o espaço de discussão
construído a partir do reconhecimento desta data.

Rafaele Abenserrage

Membro do Coletivo Fora de Ordem – JUVENTUDE PT POA

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