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A GÊNESE DA ARTE ENGAJADA NO BRASIL E SUAS RELAÇÕES COM A

INDÚSTRIA CULTURAL

Em nossa vida, a arte está presente desde os tempos mais longínquos da


humanidade. Ela nos dá um entendimento de mundo mais amplo, nos auxilia na
compreensão da vida, é um meio de comunicação entre sociedades, pessoas e
povos, e por meio dela conseguimos unir a nossa racionalidade com a nossa
emoção. Dentro desse extenso mundo, nós temos algo que é chamado de “arte
engajada”, um instrumento em que os artistas usam suas habilidades para discutir
temas importantes e que reflete a realidade social, a cultura de uma determinada
sociedade, sua complexidade e o tempo histórico em que é produzida. A sua
importância está além da apreciação, pois a “arte engajada” é utilizada em
denúncias, manifestações e impasses sociais, pode estimular a reflexão e o
pensamento crítico, além de auxiliar na desconstrução de padrões culturais e
sociais.
Depois de uma breve pesquisa sobre o tema proposto, pode-se constatar que
não há trabalhos que carreguem em seu corpo o tema da gênese da arte engajada
brasileira e sua relação com a Indústria Cultural. É importante colocar que mesmo se
tratando apenas sobre a gênese da arte engajada brasileira, poucos são os
trabalhos encontrados, o que leva à conclusão de que não há muitos estudos a
respeito.
A arte engajada no Brasil tem suas raízes bem antes do final dos anos 50 e
início dos 60, ela tem sua base na Literatura Regionalista dos anos 30 com Jorge
Amado e Graciliano Ramos, pois é nela que se figura uma narrativa de conflito e
uma personagem popular, tem como base também o Cinema Nacional dos anos 50
feito sobretudo pelos comunistas que irão se atentar em se apropriar da linguagem
do cinema carnavalesco, musical e da chanchada, na tentativa de construir algo
realista e sério, com temas relacionados à conflitos e dilemas sociais brasileiros.
Além disso, temos como influência o Modernismo Engajado com Tarsila do Amaral,
e a Arte Realista com os Clubes de Gravuras do PCB.
Arte engajada de fato, tem suas primeiras manifestações no final dos anos 50
e início dos anos 60, ela pôde dar voz para quem nunca teve. O foco, agora, não é
apenas contar histórias. A arte ganha a função de intervenção, na qual problematiza
questões vividas pelos indivíduos, em seus determinados lugares sociais.
Para exemplificar, trago a discussão sobre a primeira peça de teatro engajado
brasileira escrita pelo autor Gianfrancesco Guarnieri, que ganhou uma produção
cinematográfica no ano de 1981, pelas mãos do diretor Leon Hirszman: Eles não
usam black-tie. A peça, que tem seu lugar na gênese do teatro engajado brasileiro,
mostra o cotidiano dos trabalhadores de uma fábrica, que iniciam um movimento
grevista, devido às condições precárias de salário e estrutura que os operários
passavam naquele momento. Como colocado mais acima, a arte engajada surge
como movimento de denúncias sociais através das artes, não só isso, ela surge
como artefato educativo, no qual conscientiza as pessoas dos seus direitos dentro
da sociedade. E Eles não usam black-tie não é apenas sobre cotidiano, mostra aos
seus espectadores, o que é uma greve, como articular uma greve, qual o direito e o
dever do trabalhador, como se colocar diante de uma situação como essa, ou seja, a
função educativa desse gênero artístico, está nas entrelinhas, quando se consegue
esquivar das repressões, e mostra através do teatro que é o caso, o que é e como
agir em determinadas situações.
A função educativa das peças e a busca por autorias nacionais bem como
ampliação do público faziam parte das estratégias para conseguir despertar uma
consciência popular nacional através da cultura. Seguindo essa perspectiva, temos o
Teatro Paulista do Estudante (TPE), considerado aquele que fundou as bases da
nova arte engajada de esquerda sob o lema do nacional-popular, e temos o
surgimento do Centro Popular de Cultura da UNE (CPC), que vai tentar explicar o
mecanismo usado para exploração capitalista através de uma linguagem bem
humorada.
Ao que se refere à música engajada, temos na Bossa Nova a primeira forma
de expressão, com bases nacionalistas somadas a um discurso de crítica. Unindo o
Jazz e o Rock, vertentes musicais consumidas pelas elites da época, a Bossa Nova
logo caiu nas graças do público jovem da alta e da baixa classe média, estendendo
a sua simpatia às classes populares urbanas logo após incorporar elementos do
samba tradicional, até então característico de espaços marginalizados como os
morros, por exemplo. Alguns intelectuais defendiam que a Bossa Nova tornasse um
movimento cultural nacionalista fazendo a conscientização e uma ligação entre as
classes sociais, os jovens de classe média e populares urbanos já que era um
público fiel ao samba tradicional, autores como Lins e Barros via na Bossa Nova
uma ponte que ligaria o morro, o terreiro, e o sertão em uma sociedade não muito
longe. A pretendida união entre o samba tradicional e o samba moderno em um só
estilo, assim como a ligação entre a classe média e “povo” em um só público, faria
da Bossa Nova a maior manifestação musical de conscientização nacional da época,
no entanto, isso de fato nunca aconteceu. Por mais que os dois espaços - centro e
periferia - tenham se encontrado, isso não resultou em uma estética musical
integrada e dessa forma a Bossa Nova não conseguiu atingir um patamar de
popularidade nacional como manifestação de uma arte engajada. Esse panorama de
visitação a um novo espaço - principalmente, mas não inteiramente musical -
realizado pela classe média aos morros é retratado de forma crítica e artística nos
episódios da série produzida pela Netflix chamada “Coisa mais linda” (2019).
A trajetória da arte engajada no Brasil, além de nos fazer entender a
conjuntura política, social e cultural no país durante a metade do século XX, também
nos faz perceber como se desenvolveu a indústria cultural nacional.
De uma forma resumida, tentaram popularizar o teatro, cinema e música, com
intuito de espalhar um projeto político, fugindo dos meios da Industrial Cultural.
Contudo, o único que se popularizou foi a música, especificamente o tropicalismo, e
justamente, de forma inesperada e imprevista, por causa da sua entrada na Indústria
Cultural: rádio, tv, festivais, etc.
Tanto o teatro, quanto o cinema, ficaram dependentes de incentivos do
estado. Além de todo o processo que levou à implosão do público do teatro, a
entrada do cinema no mercado contribuiu para enfraquecê-lo. Já o cinema engajado,
além do fato de procurar outros meios que não a indústria cultural, também concorria
com o cinema americano e ele se fechou para seu público, trazendo tramas muito
complexas para atingir um público que não fosse a elite intelectual brasileira.
Esse fechamento do cinema engajado foi diferente do que aconteceu em
outros países há alguns anos antes, com o mesmo intuito de expandir uma ideologia
e projeto político. Por exemplo, na URSS, o cinema era todo focado em construir
uma identidade operária e reforçar o ideal revolucionário. Todo conteúdo era voltado
aos trabalhadores soviéticos.
Contudo, não cedendo à Indústria Cultural e não buscando criar uma
identificação com as massas, o cinema se fechou a uma classe média e elite
intelectual do país. E de forma geral, nos três aspectos artísticos trazidos pelo autor,
percebemos que a esquerda, e a cultura do nosso país nunca buscou
verdadeiramente atingir as massas. O que ainda pôde ser visto foi uma imposição.
Da mesma forma que o samba foi descriminalizado, o funk hoje é. Dessa forma,
podemos perceber uma tradição que perdura até hoje e como a ação da esquerda
do nosso país é fechada e não é identificada pelas classes de trabalhadores do país.

REFERÊNCIAS
ADORNO, T. W., HORKHEIMER, M. A indústria cultural: o esclarecimento como
mistificação das massas. Dialética do Esclarecimento. 2. Ed. Trad. Guido Antônio
de Almeida. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1986. p. 113-156.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. 1936.


FERRO, Marc. Cinema e História. 2ª Ed. Editora Terra e Paz, São Paulo – SP.
2010.

NAPOLITANO, Marcos. A arte engajada e seus públicos (1955/1968). Estudos


Históricos, Rio de Janeiro, nº 28, 2001, p. 103-124.

USP, Canal. Cultura e engajamento nos anos 1950 e 1960 (aula 7, parte 2).
Youtube, 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=2CqGGtMo0P4>. Acesso em: 06/09/2021.

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