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ESTADO,

HABITAÇÃO
E AUTOGESTÃO

IV SICCAL

[ GT4 – METODOLOGIAS DE PESQUISA PARTICIPATIVAS E PESQUISA EM MOVIMENTOS SOCIAIS ]

Guilherme da Costa Meyer


Universidade de São Paulo (USP).
Guilherme da Costa Meyer

Estado, habitação e autogestão
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[   R ES U MO AB STR AC T RESUME N ]

Os objetivos desse trabalho são: 1) abordar as relações entre as transformações do ca-


pitalismo contemporâneo e a produção do espaço urbano; 2) refletir sobre o papel do
Estado na produção de habitação de interesse social no Brasil; 3) problematizar as ex-
periências de alguns movimentos sociais latino-americanos que propõem a autogestão
das moradias. A investigação foi organizada em duas etapas: 1) revisão bibliográfica:
urbanização e habitação; 2) pesquisa sobre movimentos sociais que defendem o direito
à cidade e moradia. Os movimentos de moradia exercem um papel pedagógico para
o conjunto da sociedade ao evidenciarem a necessidade de experimentação prática
de outra forma de reprodução da vida social. Contudo, os programas de habitação
autogestionários ainda são uma política pública residual e de pouca visibilidade.
Palavras-chave: Urbanização. Movimentos sociais. Autogestão. Habitação. Políticas públicas.

The objectives of this essay are: 1) to approach the relations between the transformations
of contemporary capitalism and the production of urban space; 2) reflect on the role of the
State in the production of housing of social interest in Brazil; 3) problematize the experien-
ces of some of the Latin American social movements that propose self-management of
the houses. The research was organized in two stages: 1) literature review: urbanization
and housing; 2) research on social movements that defend the right to city and housing.
Housing movements play a pedagogical role for society as a whole, evidencing the need
for practical experimentation in another way of reproducing social life. However, self-
-managed housing programs are still a residual public policy with little visibility
Keywords: Urbanization. Social movements. Self-management. Housing. Public policy.

Los objetivos de este trabajo son: 1) abordar las relaciones entre las transformaciones
del capitalismo contemporáneo y la producción del espacio urbano; 2) reflexionar
sobre el papel del Estado en la producción de vivienda de interés social en Brasil;
3) problematizar las experiencias de algunos movimientos sociales latinoamericanos
que proponen la autogestión de las viviendas. La investigación se organizó en dos
etapas: 1) revisión bibliográfica: urbanización y vivienda; 2) investigación sobre movi-
mientos sociales que defienden el derecho a la ciudad y la vivienda. Los movimientos
de vivienda ejercen un papel pedagógico para el conjunto de la sociedad al evidenciar
la necesidad de experimentación práctica de otra forma de reproducción de la vida
social. Sin embargo, los programas de vivienda autogestionarios siguen siendo una
política pública residual y de poca visibilidad.
Palabras clave: Urbanización. Movimientos sociales. La autogestión. La vivienda. Políticas
públicas.

DOI: https://doi.org/10.11606/extraprensa2019.153494

Extraprensa, São Paulo, v. 12, n. esp., p. 725 – 743, set. 2019 [ EXTRAPRENSA ]
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Introdução compreender as transformações no pro-


cesso produtivo (que ocorrem em escala
mundial), no qual o espaço ganha importân-
O objetivo desse texto é identificar o cia como ativo econômico (e a desigualdade
lugar conflituoso da habitação na cidade, ou socioespacial se intensifica). Nesse contexto
seja, como ela é fundamental tanto para a de transformações, o espaço da metrópole
reprodução da força de trabalho (condição é, principalmente, um espaço de conflitos
essencial à reprodução da vida), como para entre diferentes grupos sociais, pois a trans-
a acumulação do capital (mercadoria de alto formação do espaço em mercadoria conflita
valor). Além disso, a partir de uma refle- com as necessidades de concretização da
xão sobre o papel da produção do espaço na vida urbana. Assim, o espaço como valor
reprodução atual do capital (no contexto de de uso, confronta-se com aquele do valor
hegemonia do capital financeiro), pretende- de troca. Na essência do acesso à metrópole
-se identificar o papel do Estado na produção como uso encontra-se a mediação da pro-
de habitação de interesse social no Brasil e priedade privada. O processo de produção
como as lutas sociais perpassam a sua ins- da metrópole capitalista torna-a mercadoria
titucionalidade e são, consequentemente, que, fragmentada pela existência da pro-
neutralizadas (em função dos interesses priedade privada da terra, é comercializada
de classe presentes na ação estatal). O foco em fragmentos no mercado imobiliário.
específico serão as experiências de alguns
movimentos sociais latino-americanos que Em contrapartida, os movimentos
propõem a autogestão das moradias, visando sociais atuam contra a dominação do Estado
identificar os limites e contradições presen- e a produção da cidade como mercadoria,
tes no campo da autogestão habitacional, lutando por elementos concretos da vida
mas também apontar os movimentos, em cotidiana na cidade, ainda que com um dis-
si, como um momento pedagógico para a curso difuso em relação ao setor imobiliário
sociedade e como possíveis lugares de consti- (por lidarem, concomitantemente, com estra-
tuição das mulheres e homens como sujeitos tégias concretas e com questões utópicas).
históricos. Para iluminar a reflexão sobre Assim, pensar a produção do espaço implica,
as possibilidades de construção de outra necessariamente, pensar as relações con-
sociedade e cidade também resgataremos, traditórias entre os diversos grupos e o seu
brevemente, o debate em torno das cate- amplo quadro de interesses conflitantes.
gorias de justiça espacial e direito à cidade.

Inicialmente, cabe afirmar que o


espaço é aqui compreendido como produ-
ção social e histórica, ou seja, como mate- A produção social do espaço
rialização das relações sociais de uma urbano: conflitos e interesses
determinada sociedade em um determi-
nado período histórico (o seu conteúdo diz
respeito ao modo como a sociedade, con- Neste tópico abordaremos as relações
cretamente, se reproduz). Atualmente, a entre as transformações do capitalismo con-
reflexão sobre o espaço urbano permite temporâneo (sobretudo sua financeirização

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e desregulamentação) e a produção do fatores conjugados com os significativos


espaço: a dinâmica urbana de dispersão e investimentos do Estado em obras públicas,
de aprofundamento da segregação socioes- asseguram a produção do espaço e da mais
pacial, em um contexto em que a produção e valia sob o signo da valorização imobiliária.
o consumo do espaço tornam-se elementos
estratégicos para a acumulação do capital, Segundo Pereira (2011), a reestrutura-
acumulação que é cada vez mais depen- ção espacial das cidades latino-americanas,
dente dessa produção e consumo. associada à alteração do padrão de cresci-
mento urbano, é designada de diversas for-
Evidenciando os conteúdos da urba- mas, conforme tem se constituído o objeto
nização contemporânea na direção apon- de estudo, o objetivo e o foco de discussão
tada por David Harvey e Henri Lefebvre, das diversas pesquisas (industrial, urbana,
Carlos (2009) destaca que as condições de metropolitana ou imobiliária). Contudo,
reprodução da sociedade se esclarecem, segundo o autor, embora haja esta diversi-
atualmente, na necessária produção de um dade de preocupações entre os pesquisado-
espaço mundializado para a realização do res e as disciplinas de análise, os resultados
capitalismo (tendo em vista a necessidade e a avalição prospectiva da produção social
de superar os momentos de crise da acu- do espaço urbano coincidem ao reconhece-
mulação), revelando um novo papel para o rem que dessas transformações surge uma
espaço, ou seja, indica que o espaço não é enorme aglomeração urbana com forma
mais somente condição e meio do processo dispersa, fragmentada e, paralelamente,
de reprodução econômica, mas, aliado a esse mais segregada. “Tal reestruturação, pelo
processo, o próprio espaço é o elemento da alcance de sua dimensão e níveis parece
reprodução devido à mudança do papel do tratar-se, na ordem próxima, de uma nova
solo urbano na economia. A autora observa cidade e também revela sinais da emergên-
que, a partir dos anos 1990, a terra urbana cia, inclusive na ordem distante, de uma
adquire um novo significado para o capital nova sociabilidade” (PEREIRA, 2011, p. 23).
e deixa de ser um lugar de fixidez para ser
o lugar por meio do qual o capital vai se Em relação à emergência de uma nova
realizar. Nesse sentido, há o redireciona- sociabilidade, Bauman (2007) cunhou o
mento das políticas urbanas com o objetivo conceito de “modernidade líquida” para
de construir o ambiente necessário para explicar como a sociabilidade humana
que esse capital possa se realizar, transfor- experimenta, contemporaneamente, uma
mando as metrópoles. transformação que pode ser sintetizada,
de modo geral, nos seguintes processos:
O grande movimento de capitais nes- a) o divórcio e a iminente separação entre
tas operações, segundo Rufino e Pereira o poder e a política; b) a metamorfose do
(2011), permite, paralelamente, suplantar a cidadão, sujeito de direitos, em indivíduo
barreira colocada pelos elevados preços da em busca de afirmação no espaço social;
terra e o longo período de rotação do capital c) a passagem de estruturas de solidariedade
no setor da construção, ao intensificar o coletiva para as de disputa e competição;
volume e a aceleração dos capitais envol- d) o enfraquecimento dos sistemas de prote-
vidos. Os autores argumentam que, esses ção estatal às intempéries da vida, gerando

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um permanente ambiente de incerteza; e) o para a reprodução do capital industrial,


fim da perspectiva do planejamento a longo ou seja, a provisão das condições gerais,
prazo; f) a colocação da responsabilidade por atualmente, se baseia nas necessidades
eventuais fracassos no plano individual. da comercialização e logística financeira.
Segundo o autor, nesta reestruturação
Já no que diz respeito às primeiras socioespacial, as estratégias de cresci-
indicações de transição para esta nova mento da cidade passam a basear-se
cidade, Pereira (2011) observa que coinci- em um novo cenário de alianças entre
dem com a crise do modelo de substituição o setor financeiro e o imobiliário, confi-
de importações na América Latina (ou com gurando novos laços entre a valorização
a superação do modelo de industrialização e a propriedade da terra. A associação
fordista mundialmente). O autor ressalta de interesses imobiliários e financeiros
que, os responsáveis pelo planejamento na subordinação e produção do espaço
(urbano, regional e nacional) e a adminis- urbano é devastadora, pois se combinam
tração local, coincidem em reinterpretar distintos processos espoliativos:
e propor a inclusão dessas cidades a nível
mundial, como se essa meta pudesse ser A vida cotidiana na cidade, as formas
atingida em benefício da maioria da popula- estabelecidas de vida, de relação e de
ção, ou seja, estariam reproduzindo ilusões socialização são sucessivamente desfei-
urbanísticas geradas pelo modelo de indus- tas para dar passagem à última moda
trialização fordista. Na América Latina, a ou tendência. As demolições e os des-
industrialização baseada na superexplo- locamentos que dão passagem à gen-
ração dos trabalhadores urbanos foi con- trificação ou disneyficação rompem os
traditória, pois, de um lado, se desenvolvia tecidos da vida urbana para dar lugar
por uma “urbanização sem urbanismo (das ao espalhafatoso e colossal, ao efêmero
periferias da cidade, explorando o trabalho e passageiro. Espoliação e destruição,
familiar para a construção da casa própria deslocamento e construção tornam-se
do trabalhador no entorno da aglomeração)” veículos de uma acumulação de capital
e, por outro, gerava as formas de constru- vigorosa e especulativa, à medida que
ção avançadas no centro da aglomeração, a figura do financista e do rentista, do
tornando hegemônico o fordismo periférico construtor, do proprietário de terras e do
na dinâmica imobiliária (universalizando prefeito empreendedor sai das sombras e
formas capitalistas de produção do espaço surge sob os holofotes da lógica da acu-
que combinavam técnicas intensivas e mulação do capital. O motor econômico
extensivas de construção imobiliária, asso- que é a circulação e a acumulação de
ciadas às vantagens da utilização rentista capital devora cidades inteiras apenas
da propriedade da terra na valorização do para depois cuspir novas formas urbanas,
imóvel) (PEREIRA, 2011). apesar da resistência das pessoas, que se
sentem totalmente alienadas dos proces-
Atualmente, segundo Pereira (2011), sos que não só remodelam o ambiente
são preteridos os interesses fordistas tra- em que vivem, mas também redefinem
dicionais pela produção estatal de equipa- o tipo de pessoa que elas devem se tornar
mentos e meios coletivos como condição para sobreviver (HARVEY, 2016, p. 256).

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Segundo Pereira (2011), ainda que a no mercado imobiliário; contudo, estas


subordinação do espaço se torne cada vez estratégias nem sempre foram suficientes
mais imaterial e produzida fora do âmbito e acabaram culminando em crises ainda
territorial, essa acumulação continua a se maiores (a produção do espaço não resolve
materializar localmente, onde tem con- a crise, apenas a desloca). Assim, foi finan-
sequências nos artefatos arquitetônicos ciada e construída uma oposição entre a
e padrões urbanísticos que evidenciam a cidade tradicional (definida como aquela
forma de produção imobiliária mercan- com centro histórico e periferia para uso
til (que se torna hegemônica) e alteram habitacional com espaços bem delimitados) e
a cultura urbanística ao não priorizar o a cidade emergente com diversas centralida-
atendimento das condições de reprodu- des e periferias associadas em um território
ção da força de trabalho (mesmo aquele enorme e indefinido (PEREIRA, 2011).
atendimento que ocorria por uma precá-
ria urbanização), mas o atendimento da Rufino e Pereira (2011) observam que a
infraestrutura e logística para a reprodu- produção imobiliária de mercado apropria-se
ção do capital. Segundo o autor, há uma e revigora um padrão histórico de segrega-
dissolução do urbano enquanto lócus de ção para reduzir custos e obter uma maior
reprodução da força de trabalho, ou seja, o rentabilidade por meio da intensificação
processo urbano a serviço da reprodução da de uso em terrenos mais baratos, tendo um
força de trabalho perde importância para papel crucial na organização socioespacial
determinar o crescimento da cidade e a da metrópole. Além disso, segundo os auto-
sua expansão. “O imobiliário (mercantil) res, atua, simultaneamente e de maneira
é que, sob a hegemonia da forma de pro- contraditória, na mudança do ideário de
dução para mercado, toma a direção do periferia: por um lado, promove a valoriza-
processo urbano e da construção da cidade” ção de bairros e áreas antes desvalorizadas
(PEREIRA, 2011, p. 25). (ressignificação) utilizando-se do marke-
ting imobiliário, mas, por outro, desenvolve
Começou a predominar neste setor, condomínios fechados verticalizados – nos
com o avanço da reestruturação imobiliária, quais explora a padronização e a redução
menos o objetivo de refúgio e mais as poten- das áreas privativas em favorecimento a
cialidades rentistas de captação do valor, generosas áreas livres com equipamentos de
conjugando as formas de espoliação finan- lazer (de um modo geral, a produção imobi-
ceira e imobiliária para garantir sobrevida liária privilegia a multiplicação de serviços
ao próprio capital (pois representa um campo e cenários nos edifícios, mas desprivilegia
de investimentos com alta rentabilidade). uma produção arquitetônica diferenciada,
Segundo Pereira (2011), visando a poten- apoiando-se, geralmente, na padronização
cialização da realização de valor do capital e na larga escala) – que não possuem rela-
no setor imobiliário procurou-se estratégias ções com sua localização e transformam
como: acelerar a velocidade do tempo de esses espaços, frequentemente, em um novo
comercialização, aumentar recorrendo ao fragmento urbano.
marketing os preços de mercado, conjugar
capitais de empréstimo para impulsionar Segundo Rufino e Pereira (2011) o
negócios e realizar preços “especulativos” setor imobiliário possui, além dos paradoxos

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comuns à própria produção industrial categorias de renda a serem obtidas pelos


capitalista (o conflito capital e trabalho), capitais implicados na produção imobiliária,
algumas contradições singulares: a neces- assim como a transformação dos custos de
sidade de terra (e sua natureza de obs- produção. Por exemplo, como abordado
táculo à reprodução ampliada); o grande anteriormente, o ideário de marketing é
período de produção (que requer a condição utilizado pelo setor, passando a direcionar
do pré-financiamento para uma rotação as estratégias de produção.
mais acelerada do investimento industrial
e a obtenção de uma rentabilidade normal Segundo Rufino e Pereira (2011),
do capital) e o longo período de circulação o marketing (baseado na pesquisa, con-
(que envolve a necessidade de um finan- cepção do produto e da propaganda),
ciamento de longo prazo entre a etapa de contribuiria para aumentar o preço de
início de utilização do produto e sua amor- venda (com a formação de preço de mono-
tização financeira completa). Os autores pólio) devido à determinação de nichos
argumentam que, a superação destas bar- de mercado; da criação de diferenciais
reiras, está relacionada à progressão das competitivos, da criação de grife e ima-
relações capitalistas no setor, que confluem gem da marca; da construção simbólica
para o surgimento do destacado agente de da localização e do posicionamento de
gestão e produção imobiliária: o promotor mercado. Concomitantemente, segundo
imobiliário (este coordena os movimentos os autores, contribuiria na diminuição
dos capitais interessados no investimento dos custos do empreendimento imobiliário
imobiliário, possibilitando o aceleramento providenciando, por meio do aumento
da circulação e a obtenção de uma rotati- das velocidades de comercialização e da
vidade maior nos ciclos de produção). redução dos custos de produção da obra, a
diminuição dos custos financeiros. Assim,
Esta mudança no setor imobiliário, reorganiza-se a concepção e a produção
segundo Rufino e Pereira (2011), facilitará dos imóveis determinando-se a aceitação
a progressão dos capitais financeiros que de padrões habitacionais que possibili-
procuram ganhar com a valorização dos tam otimização de espaços e de recursos,
imóveis, assim como garantem, em grande além da redução dos custos do terreno
medida, a superação do obstáculo imposto ressignificando uma localização (ou seja,
pela propriedade fundiária, rivalizando valorizando áreas onde os terrenos seriam
assim com os proprietários de terra os mais baratos) (RUFINO e PEREIRA, 2011).
ganhos da renda. A associação do capital
financeiro com o setor imobiliário exige, Nesse sentido, segundo Bauman
argumentam os autores, ainda que indi- (2007), houve uma mudança no modo como
retamente, o aumento da mais-valia a o Estado busca se legitimar, com a passagem
ser obtida no setor, ou seja, a garantia da do “Estado de bem estar” para o “Estado de
produção do espaço como local primordial proteção pessoal”, a partir da exploração do
de reprodução ampliada do capital. Nesse capital do medo:
sentido, novas estratégias serão criadas
no âmbito deste setor almejando preços “As ameaças reais ou supostas ao corpo
de monopólio, que possibilitarão novas e à propriedade do indivíduo estão se

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tornando rapidamente considerações A generalização da lógica de produ-


importantes quando se avaliam os méri- ção imobiliária hegemônica (de mercado)
tos ou as desvantagens de um lugar para ao subordinar o espaço não tende a unifor-
viver. Elas também ganharam a posição mizar a organização socioespacial, mas a
mais elevada na política de marketing aumentar sua diferenciação, aprofundando
imobiliário. A incerteza do futuro, a fra- a desigualdade (RUFINO e PEREIRA, 2011;
gilidade da posição social e a insegurança BOTELHO, 2012). Segundo os autores, parte
existencial – essas circunstâncias ubíquas da rentabilidade da qual necessita o setor
da vida no mundo ‘líquido-moderno’, noto- imobiliário é obtida “a partir da apropriação
riamente enraizadas em lugares remotos da estrutura de segregação historicamente
e, portanto, situadas além do controle indi- herdada e da ampliação da valorização
vidual – tendem a se concentrar nos alvos imobiliária dessa estrutura, que se dá pela
mais próximos e a se canalizar para as redefinição da segregação com elevação do
preocupações com a proteção pessoal; os gradiente de preços (RUFINO e PEREIRA,
tipos de preocupações que, por sua vez, se
2011, p. 81)”. Nesse sentido, observa-se que
as diferenças entre áreas centrais e perifé-
transformam em impulsos segregacionis-
ricas se multiplicarão e serão redefinidas
tas/ exclusivistas, conduzindo inexoravel-
apresentando fragmentações, que apro-
mente a guerras no espaço urbano” (p. 83).
ximarão ou distanciarão a localização das
atividades e dos grupos sociais urbanos.
Segundo Rufino e Pereira (2011), a
predominância da produção imobiliária
Relacionar a compreensão dos pro-
para mercado representou a hegemonia das
cessos de segregação e produção, segundo
relações de produção capitalista do espaço,
Rufino e Pereira (2011), contribui para a
tendendo a romper lentamente com o mono-
análise das mudanças da metrópole, visto
centrismo excludente e com as noções de
que propicia o debate paralelo entre a apro-
centro e periferia, mas se encaminha para
priação e a produção do espaço. Os autores
criar experiências ainda mais violentas
ressaltam que, nos processos contempo-
de existência urbana. “A subordinação do râneos de transformação da metrópole,
espaço ao capital o tornou fonte privilegiada a concepção de diferenciação espacial é
da mais-valia e da reprodução das relações extremamente relevante, mas cobra um
de produção capitalista, e o artefato imobi- maior esforço para interpretar a segregação.
liário, cada vez mais, uma raridade a ser bem Ou seja, não se refere mais a realidades
paga” (RUFINO e PEREIRA, 2011, p. 82). Essa territoriais estanques (como se procurou
reestruturação socioespacial representa mais demonstrar, historicamente, por meio
um passo na fragmentação e hierarquização do modelo centro-periferia), mas a uma
do espaço, assim como na consolidação do realidade dinâmica, onde a diferenciação
chamado espaço metropolitano (concebido pode se apresentar em espaços justapostos:
pelas forças mundiais homogeneizantes e pela condição urbana de acesso (econô-
fragmentadoras, que derivam das intera- mico, cultural) ou ainda, como defendem
ções regionais entre as ordens próximas e alguns autores, por se referir a processos
distantes, assim como entre as dos níveis voluntários e involuntários (RUFINO e
global e local) (PEREIRA, 2011). PEREIRA, 2011). Os autores argumentam

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que, se historicamente o preço da terra passa, necessariamente, pela crítica da urba-


determinou o preço dos produtos imobi- nização capitalista e suas formas de produ-
liários, a racionalidade atual evidencia que ção do espaço, assim como pela superação
são os produtos imobiliários potenciais que das condições de existência e de reprodução
definirão o preço da terra. social mercantil (como elaboração crítica do
possível). Nesse sentido, segundo o autor, tal
Segundo Rufino e Pereira (2011), essa projeto de transição não poderá ser volun-
inversão esta relacionada ao processo de tariamente concebido por agentes imobi-
fortalecimento da forma de produção imo- liários, cuja condição de existência dependa
biliária de mercado que se tornou hegemô- fundamentalmente do mercado.
nica sobre as demais. Esta hegemonia da
produção de mercado se expressa, argumen- Os elementos teóricos que baseiam
tam os autores, pela sua preponderância na as estratégias dos agentes imobiliários na
produção capitalista do espaço, mas, prin- produção e apropriação do espaço e do valor
cipalmente, pelo domínio “desta forma de imobiliário, segundo Pereira (2011), devem
produção na formação de mais-valia e nos ser problematizados para que se possa pro-
mecanismos de valorização imobiliária cuja gredir na compreensão da reestruturação da
atuação na produção do espaço, representa metrópole contemporânea. Nesse sentido,
o avanço das relações capitalistas no setor e segundo o autor, é necessário avaliar como
a definição de novos arranjos de produção essa reestruturação engloba ordens, dimen-
como garantia da reprodução ampliada do sões e níveis de análise diversos, para que
capital” (RUFINO e PEREIRA, 2011, p. 75). isso possa permitir ao pesquisador “situar a
atual posição social dos agentes imobiliários
Pereira (2005) ressalte que, é neces- face às contradições e conflitos associa-
sário levar em consideração, a diversi- dos à produção do espaço e, quiçá, o seu
dade das formas de produção da cidade papel histórico de agentes sociais de uma
na produção e distribuição do valor, para emergente sociedade urbana, humana ou
que a compreensão do processo de cresci- menos desumanizada” (PEREIRA, 2011, p.
mento urbano periférico não fique redu- 30). Nesse sentido, cabe o questionamento
zida à ideia de urbanização desordenada, sobre qual é o papel dos movimentos de
denúncia de cunho moral e situada em um moradia nessa reestruturação urbana?
falso referente: a especulação. A valoriza-
ção imobiliária, segundo o autor, pode ser
especulativa ou não, ou seja, a especula-
ção, que parece ser o fundamento de um
processo, na realidade é a adjetivação dele. Justiça espacial e direito à cidade
As estratégias do marketing imobiliário no
mercado residencial intensificam a valori-
zação imobiliária e a redefinição do cresci- A desigualdade socioespacial é con-
mento urbano (RUFINO e PEREIRA, 2011). sequência do processo de reprodução capi-
talista que cria, articula e reproduz espaços
Segundo Pereira (2011), a transição com desenvolvimento desigual. Assim, a
para uma nova cidade, que seja mais justa, continuidade, a reprodução e ampliação das

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desigualdades socioespaciais são fundamen- periferia habitada em condições precárias


tais ao sistema capitalista. Alves (2017) ques- por parcela significativa da população (sem
tiona se a luta pela justiça espacial seria uma acesso aos direitos básicos, especialmente, o
estratégia para a luta pelo direito à cidade, direito à moradia). Esta estratégia continua
pois, segundo a autora há a predominância se reproduzindo na periferia (tida permanen-
nos debates teóricos, de direcionar as refle- temente como condição provisória e, conco-
xões em torno da justiça espacial e não mais mitantemente, como única alternativa de
de um projeto utópico do direito à cidade. reprodução concreta da vida cotidiana).

Segundo Alves (2007) é necessário que


existam lutas por políticas públicas redistri-
butivas que satisfaçam, minimamente, as
necessidades atuais mais básicas da população Habitação: autoconstrução e gestão
de menor renda. Contudo, segundo a autora,
é neste ponto que podemos estabelecer uma
diferença entre a ideia de direito à cidade e O padrão histórico de moradia no
a noção de justiça espacial, pois o direito à Brasil sempre foi o da autoconstrução em
cidade teria como horizonte (enquanto um loteamentos precários nas periferias ou as
projeto de mudança social) lutar para além ocupações de terrenos públicos e privados
das necessidades essenciais básicas, ou seja, vazios, as favelas. Durante o período de
pela apropriação de tudo que é socialmente transição democrática (décadas de 1980 e
produzido e a superação das condições que 1990), cresceram de forma significativa o
fundamentam as desigualdades. número e a proporção de moradores em
favelas nas principais cidades brasileiras.
Nesse sentido, Alves (2017), aponta Por exemplo, a proporção da população
que a luta que poderia ser pelo direito à favelada na cidade de São Paulo era pouco
cidade, contraditoriamente, transforma-se relevante até a década de 1980. A pre-
em luta pela justiça espacial, visto que um feitura de São Paulo realizou um levan-
dos fundamentos da reprodução capitalista, tamento em 1973 que indicava cerca de
a propriedade privada do solo urbano, não 70 mil habitantes (1% da população do
é questionada. Assim, segundo a autora, o município à época). Contudo, para o ano
horizonte de possibilidade para a realização de 1991, estimativas baseadas no Censo
do direito à moradia fica restrito ao acesso à indicaram uma população favelada de 900
propriedade privada do solo, fenômeno em mil habitantes (9% da população total). Em
curso desde os anos 1950, quando a Lei do 2000, o número de habitantes em favelas
Inquilinato foi promulgada como estratégia corresponderia a 1,2 milhão (11% da popu-
das classes dominantes visando à reprodu- lação municipal). A proporção manteve-se
ção do capital. A autora ressalta que esta lei praticamente a mesma em 2010 (11% da
intensificou, entre os anos 1960 e 1990, na população total). Além do adensamento
cidade e região metropolitana de São Paulo, das favelas, nos últimos anos houve um
a expansão urbana a partir da incorporação crescimento acentuado, em várias cida-
de áreas não urbanizadas ao mercado imo- des brasileiras, de ocupações organizadas
biliário, contribuindo para o crescimento da de terrenos e edifícios vazios (tanto em

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terrenos periféricos como em edifícios enchentes, banalização de mortes por


vazios em áreas centrais), evidenciando a desmoronamentos, poluição de recursos
crise habitacional e tornando corriqueiras hídricos e mananciais.
cenas de reintegração de posse (ordenadas
pelo Poder Judiciário e executadas pela Segundo Carlos (2009), a parcela
Polícia Militar, muitas vezes com uso da mais miserável da população vai se loca-
violência) (ROLNIK, 2014, 2015). lizar exatamente nos lugares onde a pro-
priedade privada da terra não vigora,
Nos países capitalistas periféricos, ocupando áreas do Estado (portanto,
uma proporção da população urbana, tem áreas públicas, várias delas localizadas
que buscar acesso à moradia com seus pró- em áreas de proteção de mananciais,
prios e precários recursos, pois é excluída produzindo o que alguns pesquisadores
do direito à cidade e do mercado formal denominam “cidade informal”, “cidade ile-
capitalista. Nesse sentido, Maricato (2014, gal” etc.). Partindo da perspectiva da ação
2015) discute como essa população constrói do governo (por sua intervenção direta
suas habitações: sem o apoio de conheci- ou pelas políticas urbanas), observa-se
mento técnico, sem o financiamento for- que o orçamento público é, prioritaria-
mal e sem o respeito à legislação fundiária, mente, direcionado para os espaços capa-
urbanística e edilícia. A autora ressalta que zes de garantir a reprodução do capital
esta prática de autoconstrução foi central de modo a fortalecer o papel econômico
para o rebaixamento do custo da força de da metrópole de São Paulo na rede global
trabalho nacional (contribuindo para a das cidades. Assim, deixa de beneficiar a
acumulação capitalista durante o período população mais pobre que vai ocupar essas
da industrialização, particularmente, de áreas que, em princípio, não poderiam ser
1940 a 1980), pois o custo da moradia não ocupadas, pois constituem, dentre outras
estava incluído no salário (e contínua como questões, o lugar do abastecimento de
um aspecto central na globalização neo- água da cidade. Essa população que vive
liberal, pois os trabalhadores, apesar de em condições degradantes (seja no que se
incluídos no sistema produtivo capitalista, refere à habitação, quanto à concretiza-
estão excluídos do mercado residencial ção das necessidades básicas da vida), é
privado, que tem alcance restrito, além de duplamente penalizada no processo, pois
socialmente excludente e especulativo). As tem uma participação limitada à riqueza
alternativas de habitação demandadas pela socialmente produzida e é estigmatiza
população, que incluem serviços urbanos como sem consciência ambiental devido à
e infraestrutura, não estão disponíveis ocupação dessas áreas. A dialética espacial
no mercado e nas políticas públicas. Para integração/desintegração dos diferentes
a moradia de grande parte da população espaços da metrópole à dinâmica da glo-
“sobram” as áreas ambientalmente frá- balização evidencia os paradoxos sociais
geis, pois não interessam ao mercado legal, do processo de reprodução do espaço
acarretando um conjunto de sérias con- urbano, ou seja, esse processo expressa
sequências socioambientais (assim como a a contradição essencial da produção do
urbanização dispersa, decorrente da expul- espaço urbano entre produção social e
são da população pobre para a periferia): apropriação privada. Portanto, não é a

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falta de planejamento que configura o que cidade de São Paulo, de 1989-1992, foi ela-
se costuma denominar de “caos urbano”, borado o FUNAPS Comunitário (Fundo de
mas a própria lógica do planejamento Atendimento à População Moradora em
urbano em uma sociedade capitalista e Habitação Subnormal), um programa habi-
dependente, como a brasileira. tacional para a população de baixa renda que
foi uma grande inovação, pois, pela primeira
As únicas opções à autoconstrução vez, o mutirão autogestionário convertia-se
para a população pobre foram os conjuntos de fato em programa habitacional e os movi-
habitacionais financiados pelo Estado e mentos sociais eram reconhecidos como ato-
construídos pela iniciativa privada, den- res no processo de implementação da política
tro de um regime de gestão tradicional (o que havia anteriormente eram apenas os
imposto pelas empreiteiras, onde predo- mutirões ou a autoconstrução, sem que os
minava a precariedade das condições de recursos fossem geridos pelos movimentos,
trabalho. Assim como a prática da auto- ou seja, antes os futuros moradores eram
construção, estes conjuntos também foram apenas mão-de-obra). As autoras observam
construídos na periferia das cidades, com que este programa era baseado no finan-
acesso precário a infraestrutura urbana ciamento público, gestão dos recursos pelas
e de serviços públicos. Em contraposição organizações populares e responsabilidade
a este modelo (estatista dos anos 1960 e da obra pelas assessorias técnicas. Segundo
1970 e ao novo modelo de oferta privada Ferreira (2012), a experiência emblemática
e subsidiada à demanda nos anos 1990 e do FUNAPS viabilizou 93 convênios com
2000), destacam-se as iniciativas de pro- grupos organizados de famílias em asso-
dução habitacional autogestionária dos ciações comunitárias para a construção de
movimentos sociais urbanos em vários 12.000 unidades habitacionais por mutirão
países da América Latina (USINA, 2012). e autogestão, ampliando e potencializando a
Dentre estas iniciativas, a experiência uru- organização autogestionária dos movimen-
guaia da FUCVAM (Federação Uruguaia tos de moradia na cidade.
de Cooperativas de Habitação por Ajuda
Mútua) tem um papel histórico central por A autogestão na habitação não pode
influenciar a luta por moradia e autoges- ser confundida com a autoconstrução, prá-
tão em outros países, assim como possi- tica que dominou as periferias das grandes
bilitar que o cooperativismo se tornasse cidades latino-americanas e que representa
uma das principais formas de produção uma das formas mais precárias de habita-
habitacional no Uruguai. A experiência da ção da classe trabalhadora (consumindo
FUCVAM foi fundamental para a luta por seu tempo de lazer e prejudicando outros
habitação no Brasil, especialmente, para os gastos básicos, como alimentação, saúde
mutirões autogeridos realizados na cidade e educação). Além disso, geralmente, a
de São Paulo nas décadas de 1980 e 1990 autoconstrução, não gera a organização
(BONDUKI, 1992; USINA, 2012). de coletividades e pressupõe outras formas
de precariedades como o acesso irregular
Por exemplo, segundo Tatagiba e a terra. Em contraposição, a luta pela pro-
Teixeira (2016), no primeiro ano da gestão dução e gestão autogestionária da habita-
de Luiza Erundina (PT) na prefeitura da ção, nos diversos países latino-americanos,

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ocorre como um movimento pela reforma imobiliário. Nesse sentido, as autoras res-
urbana, acesso aos fundos públicos, assis- saltam que, apesar das demandas, do ponto
tência técnica, projeto e planejamento da de vista ideológico, serem potencialmente
obra, qualidade urbana e fortalecimento disruptivas (propriedade da terra para os
político comunitário, constituindo-se como mais pobres; empreendimento subsidiado
experimentação prática de outra forma de pelo Estado e não por meio de emprés-
produção da vida social (USINA, 2012). timo no mercado financeiro; construção
autogestionária; e a propriedade coletiva,
A partir da Constituição Federal de que ainda não foi conquistada, mas segue
1988, surgiram inovações como o direito como demanda), os programas de habitação
à moradia e a regulamentação da função autogestionários se tornaram uma política
social da propriedade e da cidade. Este pública residual e de pouca visibilidade.
arcabouço legal confronta-se com o pro-
jeto neoliberal de desregulação do mercado Segundo Rolnik (2015), o programa
provocando uma nova contradição urbana. Minha Casa Minha Vida (MCMV) que, ini-
O conflito e as contradições no âmbito das cialmente, foi elaborado como pacote de sal-
políticas urbanas ampliam-se a partir de vamento de incorporadoras financeirizadas
2003, devido à crescente alocação de recur- (quando estoura a crise hipotecária e finan-
sos públicos federais para formas associati- ceira nos Estados Unidos), transformou-se
vas de produção habitacional, assim como, na política habitacional do país (baseada no
dialeticamente, a crescente absorção dessas modelo único de promoção da casa própria,
experiências coletivas pela racionalidade acessada via mercado e crédito hipotecário).
hegemônica da valorização imobiliária A autora observa que, consequentemente,
(LAGO, 2015). Isto significa que a conquista abortou-se a incipiente construção de uma
de recursos públicos pelos movimentos política habitacional diversificada, que res-
sociais para a produção autogestionária da peitasse as especificidades locais e estivesse
moradia, não está sendo acompanhada por sob controle social, aposta dos movimentos
uma significativa alteração na correlação de sociais de moradia e reforma urbana no
forças que define as regras de distribuição início do governo de Luiz Inácio Lula da
desses recursos. Por exemplo, pode-se citar Silva (PT). O MCMV que, por um lado, foi
a inoperância dos governos locais quanto desenhado para incentivar empresas priva-
às políticas regulatórias de uso e ocupação das a se comprometerem com a produção de
do solo, principal recurso para a democrati- habitação para moradores de baixa renda,
zação do acesso à terra urbanizada e como por outro, permaneceu altamente depen-
o controle da especulação fundiária. dente de recursos públicos, mobilizados
para subsidiar a aquisição da propriedade
Tatagiba e Teixeira (2016) ao estu- por compradores de baixa e média renda.
dar a União Nacional por Moradia Popular Este arranjo financeiro ambíguo implica a
(UNMP) perceberam que muitos progra- transferência de riscos para as instituições
mas foram exitosos por não mexer em um públicas e mantém os lucros (geralmente
conflito central: a propriedade privada da aumentados por subsídios indiretos) com
terra, ou seja, não afetaram os interesses atores privados, reiterando os padrões his-
do mercado da construção civil e do setor tóricos de apropriação de fundos públicos.

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Radiografia dos programas apresenta muitas diferenças e contra-


de autogestão habitacional dições (entre as regiões e organizações
sociais gestoras) e cuja produção é para o
autoconsumo (as cooperativas são forma-
As experiências de produção habi- das por famílias sem moradia própria, com
tacional por autogestão coletiva ganha- renda máxima de três salários mínimos).
ram um impulso na última década em A primeira forma, segundo a autora, está
todo o país, com a implantação de três mais próxima do modelo praticado no
programas federais voltados para o Uruguai (tendo a FUCVAM como para-
financiamento desta forma de produção: digma), no qual os participantes da coo-
Programa Crédito Solidário (2004), Ação perativa protagonizam todas as etapas de
de Produção Social (2008) e o MCMV – idealização e gestão da produção, assim
Entidades (2009) (FERREIRA, 2012; como parte da execução das obras (que é
LAGO, 2015). A criação de alguns pro- complementada pela contratação muitas
gramas de habitação de interesse social vezes informal de mão de obra externa
voltados à autogestão, respondendo a uma à organização social). Apesar dos coope-
demanda construída desde a década de rados também serem os protagonistas
1990 (a partir de experiências pioneiras nas etapas de idealização e gestão, na
realizadas em várias capitais do país), segunda forma de produção parte ou a
foi possível devido à articulação entre totalidade das obras são realizadas por
movimentos de moradia e organizações uma empresa contratada, geralmente, de
do campo da reforma urbana (organi- médio ou pequeno porte. Esta prática é
zados em rede e atuando em diferentes controversa e gera debates, pois há casos
instâncias). Nenhum dos programas pode nos quais as empresas construtoras têm
ser considerado como ação prioritária do elevada autonomia na execução das obras,
Estado, mas como respostas tímidas às evidenciando um processo de terceiriza-
reivindicações dos movimentos nacionais ção das funções da cooperativa, ou seja,
de moradia. Os recursos federais aloca- os empreendimentos “autogestionários”
dos desde 2005 para a produção auto- idealizados por cooperativas habitacionais
gestionária financiaram 3% do total dos acabam transformando-se em um nicho
contratos para a compra da casa própria, de mercado para o capital imobiliário.
evidenciando a força política das grandes Por fim, na terceira forma de produção,
empresas construtoras na disputa pelos lideranças comunitárias protagonizam a
fundos públicos (porém, esses 3% impul- idealização e gestão do projeto, reduzindo
sionaram a produção associativa, tanto os cooperados a uma adesão meramente
em áreas urbanas quanto em áreas rurais, formal à cooperativa. Nesse sentido,
de cerca de 60 mil unidades habitacionais) reproduz-se uma histórica prática assis-
(LAGO, 2015). tencialista e distante do caráter coletivo
das decisões quanto à elaboração e reali-
Segundo Lago (2015), três formas zação do projeto. Nesse caso, as obras são
associativas de gestão e produção dos terceirizadas para empresas construtoras
empreendimentos merecem destaque, ou executadas por trabalhadores autôno-
dentro de um conjunto de práticas que mos contratados precariamente.

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Em relação à modalidade “Entidades” prática, duas reivindicações evidenciam


do MCMV, Santo Amore (2016) observa princípios contra hegemônicos. O pri-
que, embora haja a previsão de participa- meiro é o “direito ao centro” como for-
ção dos futuros moradores por meio das mulação estratégica, pois ocupar imóveis
associações que os representam, há limi- vazios e introduzir o conflito no centro
tes máximos de custo da unidade (terra, das cidades significa enfraquecer o domí-
infraestrutura e construção compõem nio territorial das classes dominantes,
um mesmo pacote) que variam apenas de reafirmando o direito ao uso dos imóveis
acordo com uma classificação genérica subutilizados (a cidade dispersa, marcada
do município onde o empreendimento pela segregação dos trabalhadores em
será construído, sem qualquer distinção, espaços homogêneos, é entendida como
por exemplo, para diferentes localizações a negação da própria cidade, ou seja,
intraurbanas (com esses recursos deve-se os imóveis ocupados e reformados por
atender a critérios mínimos definidos movimentos sociais com recursos públi-
nacionalmente). Nesse sentido, segundo cos autogeridos pelos próprios ocupantes
o autor, combinam-se de maneira per- representam uma ação importante na luta
versa terreno distante e barato com a por outro modelo de cidade). Estas lutas
produção padronizada e em escala. O pelo direito à moradia nos centros das
autor ressalta que o projeto, também cidades têm a capacidade de dar maior
incluído neste pacote, perde seu papel de visibilidade pública à natureza do con-
responder às especificidades e articular as flito urbano: o direito de propriedade
necessidades e desejos do usuário, recur- e, como consequência, o direito à espe-
sos financeiros, processos construtivos, culação imobiliária. Contudo, parado-
condições do terreno e do entorno, ou seja, xalmente, a submissão ao princípio da
são raros os casos em que a organização propriedade privada e a possibilidade de
social conta com apoio técnico qualifi- lucro com a venda do imóvel enfraquece
cado e autonomia para tomar decisões os pactos coletivos entre os moradores
que não estejam relacionadas somente à em torno do uso do imóvel apropriado.
produção (ou seja, minimizar as decisões A segunda reivindicação refere-se ao
e eliminar imprevisibilidades da obra, direito dos trabalhadores à produção auto-
aumentar a produtividade e explorar ao gestionária de suas moradias, baseados
limite da força de trabalho). A estrutura em uma orientação produtiva pautada
dos programas prende associações e suas pelas necessidades dos usuários e aberta
equipes de assistência técnica a soluções à possibilidade de construção coletiva de
pré-determinadas. parâmetros de bem-estar distanciados
da racionalidade capitalista. Nesse sen-
As reivindicações e estratégias tido, a autora observa que é colocado em
dos movimentos nacionais de moradia questão o padrão de habitação popular
foram sendo reelaboradas de acordo com moralmente aceito no país, assim como
o percurso de conquistas e derrotas acu- a abrangência da noção de “habitação”,
muladas. Lago (2015) observa que, nesse ampliando-a para um conjunto de práticas
processo, marcado por conflitos de pro- cotidianas e coletivas que vão além dos
jetos e por contradições na experiência atos elementares de reprodução da vida.

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Considerações finais Nesse sentido, segundo Streck (2010),


os movimentos sociais caracterizam-se por
introduzir o conflito como um elemento
Os programas habitacionais para a pedagógico para a sociedade. Segundo o
produção associativa impulsionam não autor, embora haja uma forte tendência
somente a construção coletiva de novos à criminalização dos movimentos sociais
parâmetros de bem estar, mas também a nos meios de comunicação hegemônicos
reprodução dos parâmetros criados pela (classificando os participantes como per-
lógica mercantil, pois apesar da instituição turbadores da ordem e, portanto, sujeitos à
da propriedade coletiva da terra compor a repressão policial), os próprios movimentos
pauta de reinvindicações dos movimentos também criam estratégias pedagógicas para
de moradia, esta não entrou na agenda de disseminar na opinião pública um reco-
negociações com o Estado e todos os pro- nhecimento de justiça na causa de suas
gramas habitacionais implantados até o mobilizações e lutas sociais.
momento não pressupõem o controle ou a
superação da especulação imobiliária (inver- Por fim, há possibilidades emanci-
samente, financiam os movimentos sociais patórias de luta pelo direito à cidade nos
para a compra do terreno e seu posterior termos de um projeto utópico de trans-
desmembramento em lotes individuais). formação social? Acreditamos que sim.
Contudo, o processo exige a compreensão
A produção autogestionária das dos fundamentos da reprodução do capital
cidades pode ser compreendida como um no cotidiano a fim de que a luta pela justiça
processo permanente alimentado pelas expe- espacial (fundamental, mas não suficiente)
riências cotidianas de associativismo urbano possa tornar-se uma luta mais ampla sobre
(LAGO, 2015). Dependendo dos processos a elaboração de um projeto para a cons-
sociais envolvidos, a habitação tem a capaci- trução do “direito à cidade”, questionando
dade ambígua de apaziguar ou amplificar as um dos fundamentos da desigualdade
lutas sociais. Há um apaziguamento quando socioespacial: a mediação da propriedade
a conquista da moradia é vista como o fim privada do solo urbano e o obstáculo per-
de uma luta, terminando na formação de verso por ela representado para a maior
novos pequenos proprietários, ainda que parte da população que não pode pagar
estes passem a morar em bairros periféricos os rendimentos exigidos pelas diferentes
e precários quanto à infraestrutura de servi- frações do capital na sua realização (ALVES,
ços públicos. Por outro lado, as experiências 2017; ALVAREZ, 2017). Ressalta-se que essa
latino-americanas que propõem a autoges- perspectiva não diminui a importância das
tão das moradias exemplificam o potencial lutas e conquistas dos movimentos sociais
de amplificação das lutas sociais (quando a em torno da realização e/ou manutenção
moradia é vista como meio), como o insti- de políticas públicas que possam conduzir a
tuto da propriedade coletiva nas iniciativas redistribuição espacial de recursos e univer-
da FUCVAM (que subvertem o significado salização de serviços públicos. Essas lutas
mercadológico da habitação, fazendo com são processos de resistência e politização,
que o valor de uso se sobreponha ao valor que se manifestam de diferentes maneiras
de troca) (USINA, 2012). e são importantes, dentre outras questões,

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para a desnaturalização da compreensão


quanto à produção do espaço. Contudo, se
essas lutas são a base necessária de uma
justiça distributiva pelo Estado, é preciso ter
consciência de seus limites e contradições,
tendo em vista o papel que o Estado ocupa
nas condições de reprodução capitalista.
A utopia do direito à cidade não se realiza
pelo Estado, mas pela contestação de seu
poder, que é também e fundamentalmente
a destruição do poder do capital (ALVES,
2017; ALVAREZ, 2017). Não há conquistas
efetivas em torno da justiça espacial se não
houver a busca pelo direito à cidade.

[ GUIL HERM E DA COSTA M EY ER ]


Gestor Ambiental (EACH/USP), mestrando
do Programa de Pós-Graduação em Mudança
Social e Participação Política (EACH/USP)
e membro do grupo de pesquisa Pesquisas
Interdisciplinares em Humanidades (EACH/USP).
E-mail: guicmeyer@hotmail.com

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