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ESTRATÉGIA

ESTRATÉGIA

PRÁTICAS ESTRATÉGICAS DE NEGOCIAÇÃO


EM REDES DE COOPERAÇÃO
STRATEGIC PRACTICES OF NEGOTIATION IN COOPERATION NETWORK

Cristiano Klanovicz
Centro Universitário Ritter dos Reis

Jorge Renato de Souza Verschoore


Universidade do Vale do Rio dos Sinos Data de submissão: 08 dez. 2016. Data de aprovação:
04 jul. 2017. Sistema de avaliação: Double blind review.
Universidade FUMEC / FACE. Prof. Dr. Henrique Cordeiro
Martins. Prof. Dr. Cid Gonçalves Filho.
Carlo Franzato
Universidade do Vale do Rio dos Sinos

RESUMO

O objetivo desta pesquisa é identificar as práticas estratégicas de negociação


com fornecedores adotadas pelas redes de cooperação e analisá-las através da
perspectiva teórica da Estratégia como Prática Social. O método empregado pela
pesquisa foi desdobrado em duas etapas com procedimentos distintos. Inicial-
mente, foi aplicada uma survey em 50 redes de cooperação, permitindo a seleção
de 14 redes com características similares, que foram analisadas mais detalha-
damente por meio de entrevistas em profundidade e coleta documental a fim
de manter coerência com a abordagem da Estratégia como Prática Social. Três
práticas estratégicas foram identificadas: equipe de negociação, manual de nego-
ciação e tecnologia extranet.A partir das evidências obtidas, foi possível perceber
que as três práticas identificadas se revelam como estratégicas, pois aumentam o
potencial de ganho das empresas associadas, além de fortalecerem a organização
e colaboração em rede, uma vez que incentivam a manutenção de mecanismos
sociais entre seus integrantes.

PALAVRAS-CHAVE

Redes de Cooperação. Estratégia como Prática Social. Negociação. Práxis.


Praticantes.
PRÁTICAS ESTRATÉGICAS DE NEGOCIAÇÃO EM REDES DE COOPERAÇÃO

ABSTRACT

The objective of this research is to identify the strategic business practices with
suppliers adopted by cooperation networks and analyze them through theoret-
ical perspective Strategy as Social Practice. The method used in the survey was
split into two stages with different procedures. Initially it was applied survey in
50 networks of cooperation, allowing the selection of 14 networks with similar
characteristics that have been analyzed in detail through interviews and docu-
ment collection in order to maintain consistency with the approach of Strategy
as Social Practice. Three strategic practices were identified: negotiating team;
manual trading and extranet technology. It was revealed that the three practices
identified are revealed as strategic as they increase the potential of gain of as-
sociated firms, as well as strengthen the organization and network cooperation,
since it fosters the maintenance of social mechanisms among members.

KEYWORDS

Cooperation Networks. Strategy as Social Practice. Negotiation. Praxis. Practitioners.

INTRODUÇÃO Entre as diversas ações desenvolvidas


O fenômeno das redes de cooperação pelas redes de cooperação, a negociação
tem recebido crescente atenção nos estu- com fornecedores ganha relevância por
dos das práticas organizacionais (OLIVER; ampliar o poder de barganha nas relações
EBERS, 1998). Esse interesse decorre do econômicas e possibilitar a realização de
conjunto de transformações socioeconô- acordos comerciais em condições exclu-
micas ocorridas nas última décadas, tais sivas que atendam os interesses dos ato-
como a expansão dos mercados globais, res envolvidos (WAARDEN, 1992; CAM-
rapidez dos avanços tecnológicos e maior PBELL; GOOLD, 1999). Ao constituir um
fluxo de informações, que formaram um arranjo robusto por meio do alinhamento
contexto no qual as iniciativas de redes estratégico entre as empresas associadas,
são vistas como alternativas estratégicas a rede torna-se capaz de estabelecer no-
capazes de tornar as pequenas e médias vas relações comerciais e alcançar novas
empresas mais competitivas no mercado oportunidades que não seriam possíveis
(NOHRIA, 1992). Para tanto, as empresas caso as organizações integrantes atuas-
buscam reunir atributos e competências sem isoladamente no mercado (HUMAN;
centradas na compreensão de que as difi- PROVAN, 1997).
culdades e oportunidades comuns podem Apesar da compreensão de que as re-
ser superadas e alcançadas mediante a re- des preconizam maior poder de nego-
alização de ações conjuntas (VERSCHOO- ciação e ganhos em escala para seus in-
RE; BALESTRIN, 2010). tegrantes (CAMPBELL; GOOLD, 1999;

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VERSCHOORE; BALESTRIN, 2008), por de negociação com fornecedores adotadas


se tratar de um fenômeno relativamente nestas iniciativas. Com o propósito de al-
recente, ainda não existem modelos con- cançar o objetivo proposto, o artigo está
solidados de gestão voltados à identifi- organizado em 5 seções além desta intro-
cação das práticas estratégicas adotadas dução. Inicialmente, é realizada uma refle-
pelas redes. No contexto da negociação, xão sobre os principais aspectos conceitu-
a diversidade de atores e de seus inte- ais das redes de cooperação e o papel da
resses torna essa identificação ainda mais negociação com fornecedores nessas ini-
complexa, exigindo que diversos parâme- ciativas. Na sequência, é apresentada uma
tros sejam considerados em relação aos revisão sobre os conceitos que constituem
potenciais fornecedores, como o trabalho a abordagem da EPS, seguida pelo método
coletivo, vantagens em relacionamentos com ênfase nos procedimentos de coleta e
de longo prazo, descontos em grandes vo- de análise qualitativa dos dados. O capítulo
lumes, garantias de entrega, entre outros seguinte visa a apresentação das práticas
(BORTOLASO; PERUCIA, 2010). estratégicas identificadas. Por fim, o capí-
O presente artigo se insere neste con- tulo de discussão e conclusões destaca as
texto, abordando como campo empírico principais implicações em âmbito teórico e
14 redes de empresas varejistas formadas prático, as limitações, bem como os apon-
pelo Programa Redes de Cooperação do tamentos para estudos futuros.
Governo do Estado do Rio Grande do Sul.
O principal objetivo é identificar as práticas ESTRATÉGIA COLETIVA NAS
estratégicas de negociação com fornece- REDES DE COOPERAÇÃO
dores adotadas pelas redes de cooperação As redes de cooperação consistem em
e analisá-las através da perspectiva teórica arranjos compostos por um grupo de em-
Estratégia como Prática Social (EPS). De- presas formalmente relacionadas, com pra-
rivada dos estudos da teoria social sobre zo ilimitado de existência e escopo múlti-
a prática, a EPS considera o processo es- plo de atuação, na qual cada empresa man-
tratégico como um enredo das múltiplas tém sua individualidade legal, participa di-
ações dos atores que colaboram no âmbi- retamente das decisões e divide de modo
to de uma organização, as interações que igualitário os ganhos alcançados pelo esfor-
se articulam entre eles e com a sociedade ço coletivo (BALESTRIN; VERSCHOORE,
(WHITTINGTON, 1996).Assim, a EPS pro- 2008). A ideia central do estabelecimento
põe estudar o processo estratégico a par- de uma rede de cooperação é reunir atri-
tir dessas ações e interações, considerando butos que permitam a adequação das em-
a estratégia como o conjunto de práticas presas ao ambiente competitivo através
sociais difusas e abrangentes em uma or- de uma estrutura única, porém descentra-
ganização, desenvolvida de forma contínua lizada, tendo em vista sustentar objetivos
pelos seus praticantes (JOHNSON, 2007). comuns e superar obstáculos, tais como
Nesta direção, este artigo procura apro- as mudanças acentuadas na tecnologia e a
fundar as dicussões sobre as estratégias em concorrência elevada do mercado (MILES;
redes de cooperação, em particular, con- SNOW, 1986; AMATO NETO, 2005; BA-
tribuindo para a identificação das práticas LESTRIN;VERSCHOORE, 2008).

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Enquanto um espaço socialmente consti- NER; PADULA, 2012). Para tanto, as orga-
tuído, as redes de cooperação pressupõem nizações em rede promovem estratégias
uma relação de colaboração e interdepen- coletivas, ou seja, a formulação conjunta
dência. Se, por um lado, as empresas per- de políticas e a implementação de ações
cebem que, isoladamente, não são capazes (ASTLEY, 1984). Dessa forma, elas conse-
de desenvolver os recursos necessários à guem diminuir as incertezas do mercado e
competição, por outro, através da união e sustentar vantagens competitivas a partir
colaboração, tais recursos podem ser mais de uma estrutura colaborativa, de relações
facilmente acessados para o aumento da sinérgicas e do aprendizado mútuo (EBERS;
competitividade no mercado (PERROW, JARILLO, 1998).
1993; GRANDORI; SODA, 1995). Desse Um desses processos refere-se à ne-
modo, enquanto o termo rede é emprega- gociação com fornecedores (CAMPBELL;
do para justificar o relacionamento vanta- GOOLD, 1999). Hames (2012) considera a
joso entre três ou mais empreendimentos negociação uma atividade social em que as
individuais, o termo cooperação é utiliza- pessoas interagem entre si visando a for-
do por ser o conceito fundamental que mação acordos e a resolução de conflitos.
norteia as ações dos participantes (VERS- Embora as definições de negociação apre-
CHOORE, 2006). sentem diferenças em alguns aspectos, os
Para Balestrin e Verschoore (2008, autores que abordam a temática compra-
p.151), “a formação de redes pressupõe a tilham elementos em comum: (1) existem
relação de três condições fundamentais: dois ou mais participantes interdependen-
objetivos comuns, interação e gestão”. A tes, (2) cada um deles tem objetivos indivi-
interação social entre os atores da rede duais que podem ser parcialmente incom-
proporciona a identificação de objetivos patíveis. A negociação consiste em um (3)
comuns que são transformados em ganhos processo em que (4) alternativas são inves-
competitivos através da execução de ações tigadas (5) com o propósito de se chegar
estratégicas que compõem a gestão. Esse a um acordo entre ambas as partes (DE
processo retroalimenta o ambiente de co- MOOR; WEIGAND, 2004).
operação entre os atores envolvidos, pois Nas redes de cooperação, a negociação
os ganhos alcançados estimulam a criação é uma atividade que procura atender al-
de relacionamentos mais consistentes e a ternativas de ganho comum entre os asso-
definição de novos objetivos que possam ciados através das transações econômicas
ser alcançados coletivamente pelos seus com fornecedores (FISHER; URY; PATTON,
integrantes (BALESTRIN; VERSCHOORE, 2005). Entre as possibilidades de estruturar
2008; BORTOLASO, 2009). o processo de negociação, algumas redes
Constituída por uma diversidade de ato- optam por constituir uma equipe como
res que passam a interagir e integrar o sis- intermediadora responsável por gerenciar
tema organizacional, as redes de empresas e acompanhar o processo de compra. As-
configuram um cenário bastante complexo sim, a peculiaridade da estratégia nas redes
e a sua formação não garante os ganhos está nos atores que, agrupados em equipes
que se pode obter através da cooperação estratégicas formadas pelos próprios asso-
(VERSCHOORE; BALESTRIN, 2008;WEG- ciados, devem se acordar sobre a alocação

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de tarefas e procedimentos operacionais a são e qualidade, além de gerar marcas com


fim de realizar suas atividades (GRANDO- reconhecimento, alcançando maior ex-
RI; SODA, 1995). posição pública (LORENZONI; BADEN-
Segundo Bortolaso e Perucia (2010), a FULLER, 1995). Tais benefícios não estão
compra pode ser realizada via central da apenas relacionados ao enfrentamento da
rede, na qual os pedidos são centralizados, concorrência, mas também ao acréscimo
reunidos pela sede da rede e repassados de representatividade e credibilidade jun-
para os associados. Em outras situações, to ao mercado. A credibilidade gera maior
as redes também podem utilizar tecnolo- reconhecimento por parte dos demais
gias e softwares pelos quais os associados atores envolvidos com a rede, garantindo
podem ter acesso aos produtos e preços, maior legitimidade nas ações empresariais
assim como realizar os seus próprios pedi- (DIMAGGIO; POWELL, 1983).
dos individualmente. Em ambos os casos, Ao possibilitar a obtenção de resultados
os associados recebem vantagens dos for- financeiros favoráveis para as empressas
necedores em função de integrar a rede associadas, a negociação com fornecedores
(BORTOLASO; PERUCIA, 2010). se destaca como um dos principais atrati-
Outra questão importante no que se vos para a formação e desenvolvimento das
refere à negociação diz respeito à simetria redes de cooperação (BALESTRIN; VERS-
com que a atividade é realizada. A maio- CHOORE, 2008; BORTOLASO; PERUCIA,
ria das redes de cooperação tem como 2010). Considerando as redes como espa-
princípio negociar com fornecedores que ços de construção e desenvolvimento co-
proporcionem condições iguais de paga- letivo, as estratégias de negociação podem
mento para todas as empresas associadas ser estudadas como práticas sociais em
como um meio de atrair novos membros que os atores trabalham conjuntamente no
e fortalecer os já pertencentes às redes sentido de maximizar o potencial de ganho
(BORTOLASO; PERUCIA, 2010). Assim, o destas atividades estratégicas. Assim, com
êxito da negociação é alcançado na medida o intuito de dar enfoque às práticas coti-
em que um maior número de participan- dianas que produzem a estratégia de ne-
tes passam a integrar a rede, pois somente gociação, o próximo capítulo apresenta a
com o crescimento do número de asso- compreensão da “Estratégia como Prática
ciados e do volume de compras, é possível Social” como abordagem teórica adotada
atingir condições favoráveis à negociação, pelo presente estudo.
como ganhos em escala e poder de merca-
do (VON ENDE, 2004; BALESTRIN; VERS- ESTRATÉGIA COMO PRÁTICA
CHOORE, 2008). SOCIAL
A escala e o poder de mercado com- Durante décadas, o campo de estudo da
portam a geração de melhores oportuni- estratégia organizacional foi dominado pela
dades em termos de preços, prazos, con- utilização de modelos de análise que redu-
dições de pagamento e prioridade de en- ziam a atuação dos atores de uma organiza-
trega (WAARDEN, 1992). Ao tornar uma ção a variáveis estatísticas relacionadas ao de-
organização robusta, a rede amplia a capa- sempenho das empresas (JARZABKOWSKI,
cidade de atrair fornecedores de expres- 2005). De acordo com tais modelos, o es-

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trategista poderia elaborar as estratégias contínuo, engendrado para lidar com algu-
de uma organização sem necessariamente ma determinada situação, gerando maior
mergulhar em seus processos (WILSON; desempenho e competitividade para as or-
JARZABKOWSKI, 2004). Os planos previa- ganizações (MINTZBERG; AHLSTRAND;
mente definidos pela alta gestão seriam logo LAMPEL, 2000; JOHNSON; MELIN; WHIT-
executados pelos demais atores de uma or- TINGTON, 2003; WHITTINGTON, 2004).
ganização e sua execução seria controlada A EPS como abordagem de investigação
por meio do alcance das metas estabelecidas. das práticas estratégicas atua sobre as con-
Nos últimos vinte anos, tornou-se cada dutas, interações, métodos, técnicas e ferra-
vez mais clara a importância da operacio- mentas adotadas pelos atores sociais, consi-
nalização desses planos para a elaboração derando a consciência que eles detêm sobre
estratégica. Diversos autores passaram a os procedimentos de uma ação, ou seja, o
considerar a estratégia como um processo conhecimento que é compartilhado por to-
social de ação e interação entre todos os dos os atores sociais presentes no ambiente
atores que colaboram no âmbito de uma organizacional (JOHNSON; MELIN; WHIT-
organização (WHITTINGTON, 1996). TINGTON, 2003). O estudo da prática es-
Na abordagem da EPS, a estratégia é en- tratégica procura, portanto, conciliar a atua-
tendida como o conjunto de práticas or- ção e ações dos agentes humanos sem, por
ganizacionais cotidianas socialmente cons- outro lado, desconsiderar os fatores exter-
tituídas (JARZABKOWSKI; SPEE, 2009). nos às organizações que são referências para
Considerando que nenhum ator é capaz aqueles mesmos agentes em um processo de
de realizar individualmente uma atividade interação social (GOFFMAN, 1983).
complexa sem a contribuição de outros Outra implicação do ponto de vista me-
participantes, os atores devem interagir todológico no emprego da EPS consiste na
entre si, dialogando, colaborando e, assim, interpretação de três componentes rela-
moldando o contexto no qual estão in- cionados com o fazer estratégico: prática,
seridos. O surgimento de novas práticas práxis e praticantes. A prática consiste no
nas organizações provoca tensões com as conjunto rotineiro e articulado de ativida-
práticas antigas, permitindo sua evolução des que colaboram no âmbito estratégico
(JARZABKOWSKI, 2005). de uma organização (WHITTINGTON,
Na perspectiva da EPS, dicotomias 2006). Para Jarzabkowski (2004), a prática
como pensar/agir e formular/implementar implica um desempenho repetitivo de um
são supridas no constante movimento co- conjunto de atividades com o objetivo de
letivo de construção das práticas estraté- tornar-se recorrente e habitual para rati-
gicas (JARZABKOWSKI, 2005). As práticas ficar determinada estratégia. No emprego
estratégicas compreendem “a habilidade da EPS, a investigação das práticas tende a
astuciosa para usar, adaptar e manipular identificar questões como: quais as práticas
os recursos empregados para engajar-se utilizadas? Como as práticas são emprega-
na formação da atividade da estratégia ao das? Quais as alterações que estas sofrem
longo do tempo” (JARZABKOWSKI, 2005, com sua utilização? Quais fatores da or-
p.34). As práticas são consideradas estraté- ganização contribuem para o desenvolvi-
gicas quando apresentam um curso de ação mento da estratégia? (JARZABKOWSKI;

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BALOGUN; SEIDL, 2007). A utilização de SEIDL, 2007). Do ponto de vista da EPS, os


objetos, softwares de gestão e tecnologias praticantes são os atores sociais que partici-
podem ser consideradas práticas estratégi- pam ativamente do processo de construção
cas desde que sejam rotinas compartilhadas e reconstrução da estratégia, produzindo
entre os atores e resultem em um impacto impacto sobre ela. As características pes-
positivo para o desempenho da organiza- soais dos praticantes acabam por moldar a
ção (MANTERE, 2005; JARZABKOWSKI; estratégia através das suas percepções de
BALOGUN; SEIDL, 2007). mundo, comportamentos, cultura e atitudes
A práxis, por sua vez, compreende as (JARZABKOWSKI, 2003; WHITTINGTON,
atividades realizadas pelos praticantes no 2006). Jarzabkowski e Spee (2009) ressaltam
que se refere ao trabalho intraorganizacio- que uma das características da EPS é a apro-
nal exigido para realizar determinada práti- ximação do pesquisador com os praticantes
ca estratégica (WHITTINGTON, 2002). De como uma forma de coletar informações
acordo com Whittington (2006), a práxis sobre os indivíduos, suas ações e o contex-
recorre a uma atividade atual, tal como reu- to no qual eles estão inseridos a partir de
niões, workshops e intervenções de consul- um ponto de vista crítico.
torias pelas quais os atores interagem para Sendo assim, a EPS procura compreen-
a execução da prática estratégica. Assim, a der como atores estratégicos (praticantes)
práxis busca descrever o trabalho dos prati- constituem e reconstituem o sistema de
cantes da estratégia, conforme eles desem- práticas estratégicas compartilhadas (prá-
penham, modificam e replicam atividades e ticas) que envolvem os instrumentos e
comportamentos no dia a dia das organiza- ferramentas disponíveis nas organizações
ções (WHITTINGTON, 2002). para auxiliar tal processo nas atividades
Já os praticantes são considerados os do cotidiano (práxis) para se fazer a es-
atores sociais que desenvolvem a práxis tratégia (SCHATZKI, 1996; WILSON; JAR-
e as práticas, combinando, coordenando e ZABKOWSKI, 2004). A estratégia passa,
adaptando as práticas conforme suas ne- portanto, a ser interpretada por meio da
cessidades de utilização e, como consequ- interação destes três conceitos como ob-
ência, institucionalizando as novas práticas jetos de análise. Cada um deles é descrito
resultantes (JARZABKOWSKI; BALOGUN; resumidamente no Quadro 1.

QUADRO 1 – Componentess da Estratégia como Prática Social


Componentes Descrição Autores
Compreende o conjunto articulado e repetitivo de atividades que
Prática
colaboram no âmbito estratégico de uma organização.
Jarzabkowski (2003); Whittington
Consiste nas atividades realizadas pelos praticantes no que
(2002); Whittington (2006);
Práxis se refere ao trabalho intraorganizacional exigido para realizar,
Jarzabkowski, Balogun e Seidl
desenvolver ou modificar determinada prática estratégica.
(2007); Jarzabkowski e Spee

Refere-se aos atores da estratégia, isto é, os estrategistas que (2009).


Praticantes
desenvolvem as práticas e que realizam a práxis.

Fonte: produzido pelo autores.

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A abordagem EPS permite ampliar o ordenação central por parte do Governo


horizonte de investigação do pesquisador do Estado, responsável pelos instrumen-
uma vez que se torna possível visualizar e tos de promoção, orientação e apoio aos
compreender as estratégias como resultan- empresários e gestores das redes. Desde a
tes de um conjunto de práticas vivenciadas formação do PRC até hoje, foram estabe-
e manifestadas no cotidiano dos agentes lecidas mais de 200 redes de cooperação,
organizacionais. Johnson (2007) apresenta as quais abrangem cerca de 7 mil empresas
quatro benefícios principais das pesquisas e 80 mil postos de trabalho (SDECT, 2015).
sobre EPS: dirigir-se às pessoas que real- De natureza exploratória, a pesquisa foi
mente administram, constroem e praticam desdobrada em três etapas com procedi-
as estratégias; oferecer um nível mais pro- mentos distintos. Inicialmente, foi aplicada
fundo de análises e de explicações para as uma survey em 50 redes do PRC, permitin-
especificidades estratégicas; prover meca- do a seleção de 14 redes com caracterís-
nismos os quais contribuam para adicionar ticas similares para o escopo da pesquisa.
insights que interessem ao desenvolvimento Logo, tais redes foram analisadas mais deta-
estratégico organizacional; e oferecer uma lhadamente através de entrevistas em pro-
agenda de pesquisa rica que possa levar os fundidade e coleta documental, permitindo
pesquisadores a muitas direções.Assim, bus- um olhar mais profundo sobre as práticas
cando investigar as práticas de negociação estratégicas de negociação adotadas.
com fornecedores adotadas pelas redes de A survey operada na primeira etapa foi
cooperação a partir da abordagem da EPS, de tipo transversal, aplicada em 50 redes
o próximo capítulo apresenta o método do segmento varejista considerando dife-
adotado, destacando os procedimentos de rentes setores de atuação e tempo de exis-
coleta e análise dos dados. tência distintos. Tais redes foram analisadas
por meio de um instrumento de avaliação
MÉTODO da gestão de redes de cooperação desen-
A partir da base teórica apresentada, a volvido por Bortolaso (2009), aplicado
presente pesquisa buscou investigar as prá- por dois técnicos especialistas em redes
ticas estratégicas de negociação de 14 re- de cooperação. O instrumento prevê 46
des de empresas varejistas formadas pelo questões de análise bastante abertas, sub-
Programa Redes de Cooperação (PRC) do divididas em quatro critérios de avaliação:
Governo do Estado do Rio Grande do Sul. estratégia, estrutura, processos e resulta-
Concebido no ano 2000, o PRC é resul- dos. Cada critério foi medido em uma es-
tado de uma política pública que visa ao cala específica de cinco pontos:
desenvolvimento regional através do for- • Nível 1 – Iniciante: ainda faltam os requi-
talecimento da cooperação entre peque- sitos mínimos;
nas e médias empresas, estabelecendo-se • Nível 2 – Básico: estágio de construção
a partir de três principais pilares: a) uma e mapeamento;
metodologia de formação e consolidação • Nível 3 – Intermediário: estágio de
das redes de cooperação; b) uma estrutura aprendizagem;
regionalizada de suporte às redes formada • Nível 4 – Adequação: consolidação e
pelas universidades regionais; e c) uma co- melhoria;

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• Nível 5 – Referência: rede totalmente e dados dos entrevistados foram omitidos.


incrementada e sistematizada. Na segunda etapa, entrou-se no cerne
Os resultados foram analisados e classi- do estudo, analisando as práticas de nego-
ficados a partir das respostas e evidências ciação das 14 redes selecionadas por meio
coletadas em campo. As redes que obti- de entrevistas em profundidade e coleta docu-
veram uma pontuação média superior ou mental. A entrevista em profundidade é ca-
igual a 4,00 (adequação e referência) nas racterizada por permitir flexibilidade para o
questões relacionadas aos processos de pesquisador questionar o respondente no
negociação com fornecedores foram sele- esclarecimento dos pontos essenciais para
cionadas para a etapa posterior de coleta a compreensão da realidade investigada e
e análise qualitativa para que, assim, fosse avaliar a veracidade das respostas, median-
possível mapear as práticas de negociação te a observação do comportamento e da
mais consistentes. Um total de 14 redes busca por evidências empíricas (TRIVINOS,
foram selecionadas. A Tabela 1 apresenta o 1990). Para as entrevistas, foi utilizado um
número de associados, o tempo de exis- questionário semiestruturado construído
tência e a pontuação média para cada uma com base nas questões já relatadas pelos
das 14 redes selecionadas. Com intuito de entrevistados na primeira etapa quanto ao
preservar a identidade das redes, das em- processo e práticas de negociação, que foi
presas associadas e dos respondentes, in- sendo adaptado ao longo de sua aplicação
formações como os nomes das entidades na medida em que novas questões pertinen-

TABELA 1 – Características das 14 redes selecionadas para análise qualitativa


Redes Número de Associados Tempo de existência Pontuação média

Rede 01 33 associados 08 anos 5,00

Rede 02 36 associados 12 anos 5,00

Rede 03 23 associados 13 anos 4,67

Rede 04 300 associados 14 anos 4,50

Rede 05 62 associados 14 anos 4,50

Rede 06 20 associados 07 anos 4,33

Rede 07 45 associados 13 anos 4,33

Rede 08 160 associados 13 anos 4,33

Rede 09 19 associados 12 anos 4,17

Rede 10 07 associados 14 anos 4,00

Rede 11 09 associados 06 anos 4,00

Rede 12 30 associados 10 anos 4,00

Rede 13 68 associados 10 anos 4,00

Rede 14 205 associados 08 anos 4,00

Fonte: produzido pelo autores

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PRÁTICAS ESTRATÉGICAS DE NEGOCIAÇÃO EM REDES DE COOPERAÇÃO

tes ao objetivo do estudo foram surgindo. O tados também foram solicitados a apresen-
questionário foi aplicado por dois técnicos tar o planejamento das ações das reuniões
especialistas em redes de cooperação pre- gerais e das assembleias como evidências
viamente treinados para coletar os dados de que determinadas práticas e atividades
seguindo três procedimentos: 1) visitar citadas durante as entrevistas pudessem
as redes de cooperação; 2) entrevistar os ser ou não comprovadas.
respondentes alvos; e 3) buscar evidências A fim de manter coerência com a abor-
para sustentar a identificação das práticas dagem da EPS, três principais orientações
estratégicas. Três representantes de cada foram consideradas no processo de coleta
uma das 14 redes selecionadas foram en- dos dados: minimizar a influência de uma
trevistados – o presidente e dois asso- teoria predefinida e modelos pressupos-
ciados – totalizando 42 entrevistas com tos; analisar o objeto utilizando diferentes
duração média de 60 minutos cada uma, meios de investigação; e quando necessá-
gravadas em áudio e transcritas. rio, ajustar o método de acesso às práticas
Segundo Balogun, Huff e Johnson (2003), propriamente ditas (FOOK, 2002). Enquan-
a estratégia não é de propriedade apenas to o material foi sendo coletado, as infor-
dos principais executivos, mas também de mações relativas eram confrontadas com
todos os integrantes que a colocam em as informações procedentes das entrevis-
prática. Assim, torna-se relevante compre- tas, para que fosse possível obter novos in-
ender a percepção dos diversos atores que sights de investigação.
atuam tanto em nível estratégico, quanto A útima etapa envolveu o tratamento
em nível operacional e que, em conjunto, dos dados através da técnica de análise
influenciam o ambiente organizacional da de conteúdo, cujo objetivo é interpretar
rede. A partir da entrevista em profundi- as informações coletadas, conduzindo à
dade, foi possível compreender as expecta- organização e descrição sistemáticas das
tivas pessoais, bem como o entendimento evidências que permitem atingir uma com-
de cada indivíduo sobre o comportamento preensão mais profunda sobre os aspectos
dos outros atores envolvidos no processo. e fenômenos da vida social de outro modo
A coleta documental, por sua vez, é ca- inacessíveis (OLABUENAGA; ISPIZÚA,
racterizada pela coleta de materiais, escri- 1989; MORAES, 1999). Inicialmente, os da-
tos ou não, antes, no momento ou depois dos foram reunidos, revisados e organiza-
da ocorrência do fenômeno estudado. O dos em pastas para que pudessem ser iden-
conhecimento destes documentos consti- tificados. A releitura do conteúdo em con-
tuem evidências empíricas que permitem junto com as anotações (palavras-chave e
situar e suscitar as informações com maior ideias sucintas) permitiu maior exploração
segurança para o pesquisador (COMBES- e interpretação das evidências que foram
SIE, 2004). As fontes documentais incluíram sendo classificadas por grau de parentes-
os manuais de negociação, sites, anúncios, co de sentido (BARDIN, 1994) na medida
cartazes, panfletos e encartes promocio- em que as diferentes práticas estratégicas
nais da rede que apresentavam os produ- eram identificadas. O Quadro 2 apresenta
tos negociados conjuntamente pelos asso- uma síntese das etapas que envolveram o
ciados com os fornecedores. Os entrevis- desenvolvimento da presente pesquisa.

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As práticas estratégicas consideradas Balogun e Seidl (2007), na análise os três


neste estudo foram aquelas que reper- componentes da EPS foram considerados:
cutiram no direcionamento, nos resulta- as práticas, as práxis e os praticantes. Como
dos, no posicionamento, bem como na resultado, três principais práticas foram
sobrevivência da rede no mercado (JAR- identificadas: equipe de negociação; manual
ZABKOWSKI; BALOGUN; SEIDL, 2007). de negociação; e tecnologia extranet. Embora
Devido à dificuldade de atribuir uma as práticas identificadas mantenham rela-
perspectiva estratégica para as diferentes ção entre si, elas serão descritas separa-
atividades envolvidas no processo de ne- damente com a integração de trechos de
gociação, a identificação das práticas con- depoimentos dos respondentes que foram
sideradas estratégicas ocorreu a partir da destacados durante a análise de conteúdo.
percepção dos próprios respondentes, o
que serviu de referência para a análise e Equipe de negociação
classificação do material à luz da teoria Na estratégia de negociação das redes
empregada. O próximo capítulo apresenta com fornecedores, uma das primeiras prá-
os resultados com destaque às três práti- ticas organizacionais que emerge refere-se
cas estratégicas constatadas. à formação de uma equipe de negociação.
Usualmente, a equipe é formada quando o
PRATICANTES, PRÁXIS E tamanho e a complexidade da rede tornam-
PRÁTICAS ESTRATÉGICAS DE se onerosos e impeditivos à participação
NEGOCIAÇÃO EM REDES DE de todos os seus integrantes no processo
COOPERAÇÃO de negociação, reduzindo os problemas de
A partir da organização e análise das comunicação e atribuindo maior agilida-
evidências coletadas através das entre- de nos processos operacionais. A equipe
vistas em profundidade e da coleta docu- é constituída por um grupo formado pe-
mental, foi possível identificar e classificar los próprios associados da rede no intuito
as práticas estratégicas de negociação com de reunir competências complementares
fornecedores empregadas pelas redes de entre seus membros para a realização de
cooperação. De acordo com Jarzabkowski, atividades conjuntas demandadas pelo pro-
QUADRO 2 – Síntese dos procedimentos metodológicos.
Etapas Descrição dos Procedimentos

Survey com 50 redes de cooperação do Programa Redes de Cooperação com base em Bortolaso (2009).

Etapa 1 Seleção das redes de cooperação com pontuação média superior ou igual a 4,00 (nível de adequação e
referência) em seus processos de negociação.

Entrevistas em profundidade aplicadas por dois técnicos especialistas em redes de cooperação com três
representantes de cada uma das redes selecionadas para a etapa 2.
Etapa 2
Coleta documental como fonte de comprovação das atividades citadas nas entrevistas – manuais de negociação,
sites, anúncios, cartazes e planejamentos.

Análise de conteúdo - revisão e organização dos materiais; interpretação dos dados e identificação das práticas,
Etapa 3
práxis e praticantes.

Fonte: produzido pelo autores

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cesso de negociação. Em alguns casos, os então falamos daquele que já é nosso par-
membros da equipe são eleitos de modo ceiro. (Membro da equipe de negociação
democrático através do voto, enquanto da rede 08, comunicação pessoal, 10 de ju-
que em outros, os membros assumem a nho de 2013).
partir de um consenso estabelecido pelos Os encontros periódicos promovem a
integrantes da rede. Ainda, um represen- interação e união entre os membros da
tante da equipe também é eleito para lide- equipe que compartilham valores e obje-
rá-la a equipe: tivos comuns. A equipe possui autoridade
A definição da equipe ocorre por livre e necessária, delegada pela rede, para ge-
espontânea vontade dos associados. A gen- renciar o processo de compra conjunta,
te busca avaliar dois principais aspectos: a cujo principal objetivo é comprar em es-
disponibilidade de tempo deste associado cala para aumentar o poder de negociação
e se as competências dele, vamos assim di- frente aos fornecedores e reduzir o preço
zer, estão de acordo com as exigências que final dos produtos. Os objetivos são cons-
a equipe precisa [...]. Se ele se relaciona truídos a partir da identificação dos inte-
bem com fornecedores, por exemplo, en- resses comuns dos associados e caracte-
tão ele vai participar da equipe de negocia- rizam uma etapa fundamental para a rede,
ção. (Presidente da rede 02, comunicação pois representam a base para garantir os
pessoal, 27 de setembro de 2013). resultados esperados:
A formação de equipes permite a divi- O nosso principal objetivo [da equipe
são interna do trabalho demandada pelas de negociação] é comprar os produtos que
diferentes atividades que envolvem a nego- são de interesse de todos os associados
ciação, o que garante um sistema de moni- por um preço mais baixo e ampliar cada
toramento mais eficiente das ações empre- vez mais a quantidade de fornecedores
endidas pela rede, além da sustentação de parceiros da rede. (Presidente da rede 09,
mecanismos sociais. Através das equipes, comunicação pessoal, 30 de julho de 2013).
a realização de tarefas conjuntas alcança Na negociação nós temos como obje-
uma nova perspectiva, visto que os proble- tivo cumprir um volume de compras dos
mas são mais facilmente superados ou mi- produtos que são propostos pela equipe
nimizados. A equipe estabelece rotinas de e aprovado em assembleia. (Presidente da
encontros e reuniões como um meio de rede 03, comunicação pessoal, 20 de maio
organizar e discutir as atividades penden- de 2013).
tes ou já realizadas pelos seus membros. O acompanhamento da equipe de ne-
Assim, a formação da equipe é realizada no gociação é realizado por meio de uma di-
intuito de fomentar a cooperação e a troca retoria também composta por membros
de informações entre os associados: das empresas associadas à rede. A principal
A equipe faz reuniões periódicas, nor- função da diretoria é gerenciar as ações
malmente semanais. Nas reuniões a gente empreendidas em conjunto, organizando
conversa sobre os fornecedores, se o fo- e facilitando a realização dos objetivos ge-
necedor é bom ou ruim. Tem um produto rais da rede. A diretoria oferece suporte
bom em oferta, a gente compartilha.Vamos para a concretização das decisões tomadas
trazer um novo fonecedor para a rede, ou coletivamente, monitorando as atividades

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executadas pelos atores que constituem a o método de trabalho, estipular coletiva-


equipe, solucionando problemas e impon- mente o cronograma, as atividades, ações e
do sanções quando necessário. Algumas recursos necessários, bem como organizar
redes sustentam um executivo responsável reuniões periódicas de discussão e assem-
por coletar e organizar as informações dos bleias incentivando a participação de todos
fornecedores auxiliando a equipe na ope- os integrantes da rede.
racionalização do processo de negociação.
As tarefas demandadas pela negocia- Manual de negociação
ção são divididas entre os integrantes que Ao planejar as compras, a rede se de-
compõem a equipe e, posteriormente, dis- fronta com questões como: quais os pro-
cutidas conjuntamente pelos seus mem- dutos que podem ser negociados? Quais
bros nas reuniões. Alguns associados, por os melhores fornecedores para atender a
exemplo, são responsáveis por buscar for- demanda da rede? Quais os parceiros mais
necedores de produtos ainda não negocia- confiáveis ou com maior credibilidade no
dos pela rede, enquanto que outros atuam mercado? Quais oferecem melhores preços
no sentido de monitorar as parcerias já e condições de pagamento? Essas situações
firmadas. Apesar de a equipe de negocia- inserem a rede em um contexto de relativa
ção apresentar autonomia para as decisões incerteza quanto ao caminho para se obter a
operacionais referentes à negociação, as melhor negociação. Para tanto, os membros
decisões estratégicas, tais como a defini- das redes desenvolvem manuais de negocia-
ção dos fornecedores, itens a serem nego- ção que possibilitem a escolha de caminhos
ciados e preço de compra dos produtos, adequados. Tais manuais compreendem os
são estabelecidas democraticamente em contatos dos fornecedores com os quais já
assembleias por meio do voto dos associa- ocorreram relacionamentos, bem como a
dos. A equipe de negociação estabelece um busca por novos fornecedores.
filtro das principais decisões estratégicas a A prática de selecionar fornecedores
serem levadas para a assembleia: através de um manual preestabelecido é
Nós temos a equipe de negociação (...) realizada antes da negociação propriamen-
são de sete a oito pessoas que integram te dita. Tal prática ocorre no início do pro-
porque é, talvez, o grupo mais importante cesso de negociação, visando a torná-lo
da rede (...) são os caras que sentam na mais eficiente, uma vez que permite reunir
mesa com os fornecedores, avaliam as pro- informações mais consistentes sobre os
postas e depois levam para a diretoria e fornecedores mais preparados para aten-
para assembleia que vai dar o aval para a der as demandas da rede. O manual de ne-
negociação. (Presidente da rede 07, comu- gociação é criado pela equipe responsável
nicação pessoal, 08 de maio de 2013). pela negociação da rede com a participação
Em síntese, a equipe promove a parti- da diretoria, dos fornecedores e aprovado
cipação e integração entre os praticantes em assembleia. Através dele, a rede apre-
da estratégia de negociação, a qual tem senta uma noção clara dos passos a serem
como suas principais funções: esclarecer seguidos, das providências que devem ser
as expertises necessárias ao trabalho em tomadas e dos responsáveis pelas ativida-
equipe, definir com os demais membros des envolvidas:

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A equipe segue o manual de negociação fornecedores são posteriormente anali-


que fornece os passos claros de como eles sadas e aquelas que melhor atendem os
devem operar [...] estabelecem as condi- interesses da rede são selecionadas pela
ções de negociação, apresentam para a equipe de negociação para a aprovação fi-
rede, falam com os fornecedores e assim nal em assembleia:
por diante. (Membro da equipe de negocia- Os nossos fornecedores, todos têm que
ção da rede 04, comunicação pessoal, 24 de passar pela assembleia.Vamos fazer parceria
maio de 2013). com a Tigre, então a equipe de negociação
Incialmente, a equipe de negociação re- estabelece toda a relação de preço, prazo de
laciona os produtos e serviços que devem entrega, condições, tudo, e leva para assem-
ser negociados e definem as condições bleia. Nós temos a tabela com desconto de
mínimas para uma transação vantajosa. As 2% e com prazo de tanto pra pagar. Como
condições estão relacionadas à credibilida- este novo fornecedor não era fornecedor
de dos fornecedores, qualidade dos pro- até então, a partir de agora vai para assem-
dutos, preços, condições de pagamento e bleia. A decisão de quais fornecedores vão
benefícios adicionais, como, por exemplo, fornecer para a rede são feitas sempre em
o retorno de um valor para a rede visan- assembleia. (Presidente da rede 07, comuni-
do ao investimento em propaganda. Tais cação pessoal, 08 de maio de 2013).
questões são apresentadas para a diretoria Pode haver vários motivos para a rede
e acordadas em assembleia, estabelecendo selecionar um fornecedor para a nego-
um parâmetro mínimo para que a equipe ciação. O roteiro é capaz de sistematizar
possa ter flexibilidade na negociação: estes motivos de modo mais criterioso e
A gente reúne a rede em assembleia e consciente, resultando em acordos mais
discute os produtos que são de interesse vantajosos e permitindo à rede alcançar
da maioria dos associados e que podem fornecedores que qualifiquem a percep-
ser negociados em conjunto. Com essas ção dos clientes em relação aos produtos
informações, a equipe de negociação e a e serviços oferecidos. Essa qualidade está
diretoria estabelecem as condições míni- constantemente vinculada à imagem pela
mas de preço e condições de pagamento qual a rede é percebida no mercado, atra-
que tem que ser aprovadas em assembleia. vés de fornecedores que proporcionem a
Com isso, a equipe tem um parâmetro para satisfação do cliente final e minimizem os
receber os fornecedores e negociar com problemas de qualidade.
eles. (Membro da equipe de negociação da Ainda, o manual consiste em uma prá-
rede 04, comunicação pessoal, 24 de maio tica que contribui para o aprendizado da
de 2013). rede. Caso a rede não possua um modelo
Após a definição dos parâmetros, os devidamente documentado, cada substitui-
fornecedores são convidados a participar ção de membro da equipe pode resultar
individualmente de uma reunião para a em perdas relacionadas à aprendizagem
negociação. Os fornecedores apresentam coletiva, dado que o associado ‘carrega’
um conjunto de ofertas e recebem con- consigo o conhecimento tácito que não é
trapropostas até chegarem em um acordo transformado em conhecimento explícito
satisfatório para ambos. As propostas dos para a rede.

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Tecnologia extranet Nós temos um sistema de compras [ex-


Embora a negociação normalmente seja tranet] onde os associados enviam suas ne-
firmada de maneira presencial junto ao cessidades, suas faltas [demandas de pro-
representante do fornecedor que visita a dutos]. O sistema monta o volume total e
equipe de negociação da rede, a prática de envia para os fornecedores. Estas compras
execução da compra conjunta ocorre por são geralmente duas vezes mensais. Algu-
meio do emprego de tecnologias capazes de mas são feitas uma vez mensal. Produtos
centralizar os procedimentos e informações de mais baixo giro é uma vez mensal. (As-
de compra dos associados em um único sis- sociado da rede 09, comunicação pessoal,
tema ou portal denominado de extranet. A 30 de julho de 2013).
extranet consiste em uma rede de compu- Depois que a negociação é feita, o siste-
tadores privada utilizada pelos associados e ma reúne todos os pedidos dos associado.
fornecedores com o intuito de gerenciar a Os nossos fornecedores têm uma chavezi-
compra conjunta. A ideia central de uma ex- nha [login e senha] que eles entram lá e re-
tranet é melhorar a comunicação da rede colhem todas as demandas na sexta-feira.
com seus fornecedores parceiros, no intui- (Associado da rede 08, comunicação pes-
to de acumular uma base de conhecimento soal, 10 de junho de 2013).
que possa auxiliar o relacionamento comer- Na prática de adoção da extranet para
cial e criar novas soluções organizacionais. a compra conjunta, um membro da equipe
Nas redes de cooperação pesquisadas, a de negociação ou executivo da rede tor-
extranet constitui um sistema pelo qual os na-se responsável por gerenciar o siste-
associados acessam as informações sobre ma, o que envolve a organização e realiza-
os produtos e preços, assim como realizam ção dos pedidos a partir do volume total,
os pedidos para os fornecedores. O em- bem como o monitoramento do valor
prego do sistema ocorreu, principalmente, individual demandado por cada membro
devido à expansão geográfica e ao cresci- integrante da rede. O monitoramento é
mento do número de integrantes das re- visto como a garantia de que cada associa-
des, permitindo maior facilidade de acesso, do está cumprindo a sua meta mínima de
agilidade na atualização e controle no uso compras para que a rede alcance os be-
das informações fornecidas entre os asso- nefícios em termos de prazos, descontos,
ciados e os fornecedores parceiros. bonificação para investimento em propa-
O acesso ao sistema ocorre através ganda e outras condições anteriormente
do site das redes, no qual os associados e acordadas com os fornecedores:
fornecedores devidamente registrados na- Nós temos o portal do associado no site
vegam previamente autenticados por um da rede [extranet]. É um sistema relativo
login e senha. O montante dos pedidos é às informações de compra dos associados
reunido pelo sistema, que envia aos forne- que são lançados lá. Essas informações são
cedores o volume total demandado pelos puxadas com a administração da rede para
integrantes da rede.Ainda, em alguns casos, bater com as negociações que foram feitas
os recursos incluem o pagamento de fatu- com os fornecedores (...) A gente conse-
ra, comunicação direta com os forneceores gue saber quanto cada associado comprou
e controle de acesso ao sistema: e quanto que falta para cumprirmos o vo-

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lume que foi acertado com os fornecedo- ganizados em parceria com as empresas
res. (Membro da equipe de negociação da desenvolvedoras dos softwares.
rede 03, comunicação pessoal, 23 de maio
de 2013). Discussão e Conclusões
O acesso ao extranet pelos associados é Nesta pesquisa, adotamos a perspectiva
periódico conforme as datas do calendário teórico-metodológica da EPS para a iden-
de pedidos. Normalmente, o acesso ocorre tificação e análise das práticas estratégicas
no próprio estabelecimento dos membros de negociação de 14 redes de empresas
associados. Ainda, além dos associados, os varejistas formadas pelo Programa Redes
funcionários das empresas integrantes das de Cooperação do Governo do Estado do
redes também são responsáveis por cole- Rio Grande do Sul com seus fornecedo-
tar as informações referentes às caracte- res. Uma vez que as redes de cooperação
rísticas dos produtos, preços, condições de apresentam diferenças significativas das de-
pagamento, e realizar os pedidos. mais formas de organização (VERSCHOO-
Assim, é possível observar que a extra- RE; BALESTRIN, 2008), torna-se relevante
net conecta os associados com os fornece- compreender as práticas estratégicas que
dores, facilitando e agilizando a logísitca de permitem o desenvolvimento deste mode-
pedidos em uma plataforma centralizada. lo de negócio. Assim, identificamos e anali-
Sua implementação aumenta significativa- samos três práticas estratégicas frequentes
mente o nível de controle das informações na negociação das redes de cooperação
dos associados da rede, permitindo uma com fornecedores.
gestão mais eficaz da compra conjunta ao Equipes de negociação. O crescimento
garantir o cumprimento dos requisitos do número de associados de uma rede
acordados na negociação, tais como o volu- de cooperação empresarial permite a di-
me mínimo de compras, preços, condições visão e especialização do trabalho entre
de pagamento e benefícios adicionais. Em seus membros. Através de processos de-
algumas redes, um relatório do histórico mocráticos, alguns integrantes são escolhi-
de compras individual é enviado para cada dos para formar equipes com finalidades
associado e o associado que mais comprou específicas. Especialmente no segmento
dos fornecedores parceiros é premiado varejista, a formação de equipes de nego-
pela rede. ciação é frequente pela oportunidade de
É importante ressaltar que nem todas as se relacionar e contratar os fornecedores,
empresas das redes pesquisadas possuem além de gerenciar as compras. Nas práxis
bons conhecimentos e competências in- das redes analisadas, além da busca por
formáticas. Mesmo assim, todas as redes novos fornecedores e do monitoramento
resolveram implementar a extranet, que é daqueles já parceiros da rede, as equipes
vista como uma plataforma indispensável procuram compartilhar suas ações e resul-
para o processamento de informações re- tados com os demais membros. Como foi
lativas à negociação e para a comunicação destacado na análise, as equipes procuram
entre os membros e com os fornecedores. a integração e a participação de todos os
Para tanto, algumas redes disponibilizaram membros. Assim, pode-se inferir que a prá-
a seus membros cursos de capacitação or- tica estratégica de formação de equipes de

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negociação, além de seu objetivo mais dire- são do porte de sua ação tornam necessá-
to (a negociação), contribui para reforçar ria a adoção de formas mais eficientes de
a organização e a estrutura estratégica das compartilhar as informações e de comuni-
redes de cooperação empresarial. A forma- car. Nesta direção, os membros das redes
ção de equipes de negociação representa passaram a se conectar entre eles e com
uma evolução organizacional que não so- os fornecedores através de redes privadas
mente mantém, mas também reforça a ho- de computadores. Também nesta terceira
rizontalidade das redes. prática estratégica, a adoção de tecnologias
Manuais de negociação. O processo de extranet reforça a organização em rede.
negociação claramente comporta a coleta Devido à diversidade de atores e seus
de informações sobre os fornecedores e respectivos interesses envolvidos, reco-
o desenvolvimento de conhecimentos e nhecemos a complexidade da estratégia
competências específicas entre seus mem- nas redes de cooperação empresarial ana-
bros. Pela já citada procura de compartilhar lisadas. Percebemos, também, os limites
ações e resultados, as equipes de negocia- dos modelos das redes que permitiram à
ção devem formalizar a sabedoria ama- alta gestão predefinir planos estratégicos
durecida. Nas práxis das redes analisadas, a serem executados pelos seus demais
encontramos diversas ações que vão nesta membros em um dualismo pensar/agir.
direção, como o preenchimento de listas de Não negamos a importância de tais mo-
contatos, o envio de relatórios via e-mail e delos para a compreensão da estratégia e
até o desenvolvimento de manuais de ne- para sua elaboração. No entanto, afirma-
gociação. Tais manuais permitem a organi- mos a necessidade da prática estratégica.
zação do aprendizado e sua transmissão. Entendida como o conjunto articulado de
Dessa forma, a capacidade de negociação práticas sociais cotidianas, a estratégia é
das redes é mantida e progressivamente construída e continuamente reconstruída
evoluída, apesar da mudança da composi- nas ações e interações diárias de seus pra-
ção das equipes, que é natural ao processo ticantes (WHITTINGTON, 1996; JARZA-
democrático. Como no caso anterior, tam- BKOWSKI; SPEE, 2009).
bém esta prática estratégica reforça a or- A adoção da abordagem da estratégia
ganização em rede. Uma das características como prática social possibilitou identificar
das redes é habilitar e promover o fluxo de as práticas estratégicas no contexto da ne-
informações e de conhecimento. Por meio gociação das redes com seus fornecedo-
de práticas estratégicas como esta, as re- res. Jarzabkowski, Balogun e Seidl (2007)
des de cooperação empresarial se tornam ressaltam que as práticas são compreendi-
redes de aprendizagem. das como estratégicas quando produzem
Tecnologia extranet. Há um loop de fee- impacto nos resultados das organizações,
dback positivo entre a difusão e a incidên- possibilitando vantagens competitivas. Por
cia da organização em rede e o emprego meio da análise, é possível perceber que as
de tecnologias da informação e da comuni- três práticas estratégicas permitem a qua-
cação. Também nas redes analisadas se ma- lificação do sistema de negociação da rede,
nifesta esta correlação. O crescimento do gerando maior poder de barganha e ganhos
número de membros das redes e a expan- em escala para as empresas associadas.

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PRÁTICAS ESTRATÉGICAS DE NEGOCIAÇÃO EM REDES DE COOPERAÇÃO

Também foi possível identificar os pra- crescimento do número de membros das


ticantes da estratégia de negociação, isto redes, por exemplo, faz com que se torne
é, os atores responsáveis pelo desenvolvi- onerosa e impeditiva a participação iguali-
mento das atividades relacionadas às prá- tária de todos os associados no processo
ticas estratégicas (JARZABKOWSKI, 2003; de negociação. Assim, algumas práticas são
WHITTINGTON, 2006). Mesmo que a reconstituídas no intuito de gerar agilidade
diretoria e a equipe de negociação atuem nos processos e reduzir os problemas de
como praticantes mais presentes nas práti- comunicação entre os integrantes. Fatores
cas de negociação, a estrutura em rede re- externos também contribuem para o de-
força a participação dos demais associados senvolvimento das práticas. As novas tec-
através de decisões coletivas, compartilha- nologias, por exemplo, além de facilitar e
mento de informações e compra conjunta. acelerar a operacionalização de determina-
Assim, apesar de algumas atividades serem das atividades incumbidas à rede, tais como
desenvolvidas por alguns membros espe- a compra de produtos e serviços dos for-
cíficos, os resultados gerados por elas só necedores, permitem às redes estabelecer
podem ser alcançados mediante a atuação uma comunicação mais intensa promoven-
coletiva de todos os integrantes (WHIT- do a troca de conhecimento e a geração
TINGTON, 2006). aprendizagem.
Ainda, segundo Whittington (2002), é As redes são constituídas a partir do
possível perceber que existem práxis pre- conjunto de práticas pelas quais seus in-
visíveis, atividades e comportamentos roti- tegrantes encontram-se engajados fortale-
neiros dos praticantes que se repetem no cendo o sistema de relações sociais. Na ne-
desenvolvimento da cultura organizacional. gociação com fornecedores, as evidências
As reuniões com fornecedores, gerência obtidas pela pesquisa reforçam a perspec-
de compras, compartilhamento das ações tiva de Jarzabkowski (2005), pois revelam
e resultados com os demais membros da que as práticas estratégicas são constituí-
rede, criação de lista de contatos, relatórios das e recostituídas a partir dos praticantes
e organização dos pedidos representam que, organizados em rede, trocam conheci-
alguns exemplos. Porém, também existem mentos e ampliam a capacidade de apren-
imprevistos e acasos, enganos e intuições dizagem, estabelecendo um ambiente de
que concorrem à contínua evolução da es- contínua evolução que aumenta o poten-
tratégia (WHITTINGTON, 2006). Assim, cial de ganho das empresas associadas. Esse
a estratégia é planejada, mas também re- contexto favorece o desenvolvimento da
discutida, renegociada e reelaborada pelos rede, pois amplia a base de conhecimento,
seus praticantes em um processo contínuo bem como propicia o alcance de fornece-
de evolução. Desdobra-se do planejamen- dores com credibilidade no mercado, o que
to, mas também se ergue na prática. impacta a percepção dos clientes no que se
O contínuo processo de evolução das refere aos produtos e serviços ofertados.
práticas estratégicas das redes de empre- Ainda, o postulado teórico de que as
sas pode ser compreendido a partir de redes de cooperação estruturam suas es-
fatores internos e externos às redes, con- tratégias por meio de um modelo coletivo
forme destacado por Goffman (1983). O e colaborativo (BALESTRIN; VERSCHOO-

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RE, 2008) é confirmado pelas três práticas retrizes para que as redes possam qualificar
estratégicas identificadas e analisadas: to- o sistema de negociação com fornecedores
das reforçam a organização em rede. Este por meio da adoção das práticas estratégi-
modelo de organização favorece um tipo cas analisadas. A principal limitação da pes-
de processualidade horizontal e interativo, quisa refere-se ao fato de que todas as redes
de fluxo contínuo entre conexões variá- analisadas estão concentradas no estado do
veis, ou seja, um tipo de processualidade Rio Grande do Sul, podendo apresentar
que admite imprevistos e até desvios. Por particularidades quanto às características
esta razão, a EPS constitui uma perspectiva culturais da região. No entanto, este estu-
teórico-metodológica especialmente ade- do possibilita que novas pesquisas similares
quada para conduzir pesquisas em redes de sejam realizadas no intuito de identificar e
cooperação empresarial e em outras reali- analisar novas práticas estratégicas ligadas à
dades organizacionais que se fundam sobre negociação ou a outras dimensões da cons-
a organização em rede. trução e contínua reconstrução da estraté-
Por fim, o presente trabalho oferece di- gia nas redes de cooperação.

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PRÁTICAS ESTRATÉGICAS DE NEGOCIAÇÃO EM REDES DE COOPERAÇÃO

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