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[Daedalus]
Errâncias Pela Prática Lúdica Contemporânea
La fomule pour reverser le monde, nous ne llávons pas cherchée dans les livres, mais
en errant Guy Debord
Introdução 7
1 .A vertigem da metr
metrópole: Shock e fantasmagoria – a estética da máquina 12
2. Um banquete de espect
espectáculos ou o bombardeamento de signos 16
3. Imersão na hiper-realidade 19
4. Metamorfoses da imagem 20
5. Indigest
Indigestão ou Esquizofrenia 22
6. M
Máquina de Estética - Efeitos Espaciais 26
1. Síntese:
ííntese: Mediação, produção e hibridização do Real 31
2. Mundos Possíveisííveis 32
3. Mundos de Substituição 33
4. Mundos Híbridos
ííbridos ou Aumentados 34
1. Definição,
o, caracter
caracterííísticas
sticas e valor simbólico do jogo 39
2. Taxinomia 41
3. Novos territórios do jogo 45
4. O princípio
íípio lúdico e sua interpretação na composição o art
artííística
stica e arquitectónica 49
2. Morfologia e Tipologia 60
O labirinto cretense ou unicursivo
O labirinto multicursivo centrado ou arborescente
O labirinto multicursivo policêntrico, reticular ou rizomático
3. O corpo e o labirinto 62
Relações
Categorização fenomenológica
Evasão do labirinto: regra e transgressão
6. O labirinto e jogo 67
Afinidades
O jogo como labirinto
7. Sensibilidade e ordem labir
labiríííntica
ntica na composição espacial 71
Variações
es da ordem labir
labirííntica
íntica
Considerações Finais 79
Dicionário de sinónimos 82
Bibliografia e referências 85
3.5. Desenhos
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 7
INTRODUÇÃO
“They were offred the choice between becoming kings or courirers of the kings. the
way children would, they all wanted to be couriers.Therefore there are only couriers
who hurry about the world, shouting to each other - since there are no kings -
messages have become meaningless. They would like to put an end to this miserable
service of theirs but they dare not because of their oaths of service”
Franz Kafka
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 12
1
Baudelaire, Charles, “O pintor
“A modernidade é o transitório, o fugitivo e o contigente; a metade da arte, cuja outra
da vida moderna”, Vega 2004, metade é o eterno e o imut
imutável.”1 Charles Baudelaire
pág. 21
É através da leitura da obra do poeta francês Charles Baudelaire, que Benjamin irá
identificar e enunciar alguns dos principais conceitos de interpretação da modernida-
de, nomeadamente a vertigem do indivíduo na multidão através dos olhos do flâ fl neur
e a noção experiência-choque 5 provocada como reacção do aparelho cognitivo ao
excesso de estímulos sensoriais.
Baudelaire foi o primeiro escritor a fazer da grande cidade, matéria exclusiva de
>fig.4 Still do filme O Homem da Máquina
de Filmar de Dziga Vertov inspiração criativa. Vagueando e explorando as ruas, arcadas comerciais e becos da
5 imensa Paris, o poeta francês vai imprimindo nos seus textos, a sensibilidade de um
Shockerlebniss , em Alemão
no original homem solitário imerso num mundo carregado de tensões, velocidades e desigual-
dades.
Na personagem do flanêur ur e no seu comportamento, encontramos o prazer pelo
anonimato e pela solidão do homem que se embrenha, deambulante na multidão.
Através dele sentimos o seu olhar esgazeado perante uma cidade que encerra um
mundo em rápida transformação física e social. O tempo do flanêur ur6 é o tempo da
>fig.5 Still do filme O Homem da Máquina novidade, do instante, do efémero e transitório. O seu espaço, também ele efémero,
de Filmar de Dziga Vertov
6
Poderemos interpretar o é um espaço de passagem e contemplação, de luzes e fluxos, reflexos e brilhos,
flanêur na metrópole, como o um labirinto sensitivo em permanente ebulição. É também um espaço-paisagem, de
precedente do passageiro dos
não-lugares, estudado quase grandes e vastas superfícies, mas denso e repleto de multidão.
150 anos mais tarde por Augé
no famoso ensaio “Não-lugares:
Para uma antropologia da sobre-
modernidade”. É a sobre a noção de shock e os seus efeitos alienantes nos subterrâneos da in-
consciência que Benjamin se deterá para melhor perceber os efeitos dos mecanis-
mos de sedução da máquina capitalista nas massas consumistas.
“Baudelaire colocou o shock no centro da sua tarefa art
artíística”
ística”7. Na sua prosa poéti-
ca, Baudelaire, procura uma linguagem nervosa e veloz, que manifeste o estado de
espirito do indivíduo na cidade moderna, uma poesia sem rimas, em prosa e frag-
mentos.8
7
Ibid., op.cit. cap. IV, p.9
8
Numa dedicatória escrita, Benjamin irá distinguir dois termos que designam duas formas de experiência, para
aquando da publicação de Sple-
en de Paris, o autor confessa: melhor caracterizar o que se entende por shock. Se Erfahrung remete para a expe-
“Quem de nós, não sonhou, em
dias de ambição, com o milagre riência em bruto, sem apelo da consciência, já o termo Erlebnis, remete para uma
de uma prosa poética, sem ritmo
nem rima, suficientemente dúctil sequência de acontecimentos cujo desenrolar é conscientemente vivido.9
e nervosa, para saber adaptar-se
aos movimentos líricos da alma, “Quanto maior é a parte do shock nas experiências isoladas, mais deve a consciên-
ás ondulações do sonho, aos cia manter-se alerta para a defesa no que toca aos est
estííímulos;
mulos; quanto maior é o êxito
ê
sobressaltos da consciência?...
Da frequência das cidades enor- com que se desempenha, e por conseguinte quanto menos est estííímulos
mulos penetram na
mes, dos crescimento das suas
inumeráveis relações, nasce experiência, mais este se aproxima do conceito de Erlebnis, ou experiência vivida.”10
sobretudo este ideal obsessio-
nante.” Ibid., op.cit. cap. IV, p.10 A experiência do shock, exige um constante recurso aos estímulos multisensoriais,
9
O termo Erfahrung aproxima-
se da noção clássica de expe- sendo intensamente absorvida em instantes cada vez mais curtos. Este tipo de vi-
riência, enquanto que Erlebnis
remete para uma experiência vência do espaço é provocada pela abundância de publicidade no espaço público e
potenciada sensorialmente, nos jornais, pela intensificação do tráfego automóvel e pela supressão espacio-tem-
única e efémera, uma vivência
ou que também entender, na poral, mediada por tecnologias emergentes como o telefone e a fotografia.
linguagem comum por evento
ou acontecimento
10
Ibid., op.cit. cap. IV, p.9 A vivência frenética de um presente perpétuo, uma vivência suspensa em instantes.
A experiência da imagem shock e o contacto com as multidão da grande cidade
são, para Baudelaire, definidores da espacialidade que descreve e da linguagem
literária que explora. A conjugação destes dois fenómenos, a integração numa multi-
dão maquínica com o bombardeamento de shocks na percepção do real, é metafo-
ricamente interpretada como uma metamorfose do ser e dos comportamentos num
organismo-máquina, emissor e receptor sincopado e alienado de fluxos de signos.
“Movimentar-se atravéss do tr
trânsito, significa para o indiv
indivíííduo
duo uma serie de shocks e
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 14
12
entendendo-se por estetiza- Associado à experiência do shock está a noção da estetização da produção dos
ção um processo de sobrevalo-
rização do produto pela imagem bens de consumo.12 Este aplica-se a toda a forma de produção massificada, incluin-
(e consequente efeito shock)
em detrimento do conteúdo ou do a indústria de entretenimento e a indústria cultural. A estetização da experiência
significado.
e a vivência do shock, induzem o consumidor a um estado de alienação, recorrendo
aos seus impulsos mais primitivos e inconscientes, usando a ilusão e o desejo como
eixos orientadores das suas acções. Benjamin interpretará como consequência da
cultura do choque e do estético, a dissolução e nivelamento da experiência, a perda
da reciprocidade do olhar, ou nas palavras do autor a perda da aura.13
13
Cruz, Maria Teresa, posfácio a O aparecimento de museus e feiras internacionais no advento da modernidade
O pintor da vida moderna(1863)
de Charles Baudelaire, Vega anunciam a aceleração da História e o acesso mediatizado e fetichizado ao exótico
2004, p. 72 e longínquo. A novidade torna-se por si e em si, objecto de culto e peregrinação.
Estes espaços de lazer, que surgem para a diversão da massa operária e burguesa,
ilustram bem a forma como a industria do lazer se apropria dos mecanismos de alie-
nação e mecanização da multidão para transformá-los em objecto de contemplação
e entretenimento.14
14
Em “ Paris, la capitale du XIX Os novos “centros de peregrinação de mercadoria- fetiche”15, idealizam o valor co-
siecle”, Walter Bejamin, dá-nos
uma visão dessa nova espaciali- mercial das mercadorias, criando uma moldura que coloca o seu valor utilitário em
dade moderna, desenhada para segundo plano. Estes objectos de puro desejo visual, delicadamente dispostos em
as massas; para o consumo
e lazer; Benjamin descreve as montras e mostruários, impedem que o consumidor as toque, dando assim “acesso
arcadas comerciais, exposições
internacionais e feiras populares a uma fantasmagoria, onde o homem penetra para se distrair”16. Esta noção de fan-
como mostruários da civilização,
do novo; da nova sociedade tasmagoria, parece-me fundamental, para perceber de que forma é que o indivíduo
industrializada. Ver Benjamin,
Walter Paris, la capitale du XIX consumidor se irá relacionar daí em diante com o objecto e com a imagem; e prin-
siecle, B. Grandville ou les expo-
sitios universelles(1939), pp.9-10 cipalmente a forma como toda a sua percepção da real começará a ser estruturada
15
Ibid., op.cit., p.9 pelo desejo e imagem, embrenhado naturalmente num mundo de fantasmagorias e
16
Ibid., op.cit., p.10
ilusões.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 15
17
ruas comerciais cobertas, Será através desta arquitectura de ferro e vidro, de grandes vãos e superfícies, ela
denominadas por Benjamin de
Passages, serão construídas e mesmo uma grande vitrine fantasmagórica, que o espaço social começa a ser cada
desenvolvidas profusamente em
Paris entre 1822 e 1835 vez mais interiorizado, tal é o caso das arcadas parisinas17, das grandes galerias
comerciais, mercados, salões de exposição e gares de transportes. Encontramos já
nos inícios do séc. XIX o prenúncio para o fenómeno arquitectónico que caracteri-
zará a cidade séc.XX: a interiorização e privatização do espaço público (tal é o caso
dos centros comerciais). É apenas no período de entre-guerras que surge uma van-
guarda arquitectónica, que fundará toda uma nova gramática formal e construtiva,
inspirada nas especialidades abertas e despojadas dos equipamentos industriais e
comerciais.
Surgem o Movimento Moderno na Europa e Estados Unidos e o Construtivismo
Russo na procurando valorizar o edifício como dispositivo maquínico, higienizado e
funcional, uma meta-linguagem utópica e progressista que adeque a arquitectura ao
> fig.7 fotografia de Eugène Atget sobre
vitrina parisiense do início do século XX
Homem do seu tempo. As palavras-chave serão máquina, assemblage, standarti-
zação, modulação e funcionalismo, rebatendo os valores da arquitectura de beaux-
arts como o ornamento, a História, o original e o sublime. Marcados pelo espírito
18
Movimento Moderno progressista socializante, os arquitectos do M.M.18, desenvolveram principalmente
programas residenciais e públicos, procurando redefinir as bases essenciais da nova
cidade moderna. Nesse sentido, a sua relação com a indústria de lazer e sociedade
de consumo da época é crítica, mas de uma certa negligência, preferindo lançar a
sua visão utópica e comunitária do futuro e resolver os inúmeros problemas sociais e
habitacionais da metrópole industrializada. Não se encontram, por isso muitos exem-
plos de contributos da arquitectura do M.M. na arquitectura de lazer paras as gran-
des massas. Na sua perseguição de uma sociedade ideal, comunitária, a linguagem
modernista afasta-se gradualmente da cultura popular urbana, embriagada pelos
artifícios do poder capitalista e inserida numa lógica populista; uma discurso adver-
so aos seus propósitos visionários. Será esta uma das principais razões para o seu
derrubamento, a incapacidade de construir valores sociais que o povo assimilasse,
>fig.8 pormenor da Maison de Verre pro- preterindo a comunidade face ao indivíduo, e a imagem face ao conteúdo.
jectada por Pierre Charreau
19
Benjamin, Walter, A Obra de O aparecimento e desenvolvimento de meios de reprodutibilidade técnica19, como
Arte na Era da Reprodutibilidade
Técnica o cinema ou a fotografia, irão abalar o conceito de obra de arte e a seu valor de ori-
ginalidade, carregando todo um código semântico baseado no poder hipnótico da
imagem. Uma imagem, sem aura, mas carregada de shock e hiper-realidade, instru-
mento de persuasão de excelência do poder capitalista, antecedendo o conceito de
espect culo descrito por Guy Debord e pela Internacional Situacionista.
espectá
>fig.9 Interior da Maison de Verre projectada por Pierre Charreau 1>fig.10 Interior da Maison Ozenfat, projectada por Le Corbusier
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 16
2. Um banquete de espect
espectáculos ou o bombardeamento de signos
A sociedade do espect
espectáculo, publicado pela primeira vez em 1967, tornou-se num
dos textos mais divulgados e citados no movimento estudantil de Maio de 68 e em
outros círculos de contestação política de esquerda, permanecendo até aos dias de
hoje uma obra de referência na interpretação crítica da contemporaneidade.
28
Ibid., op.cit, p.14 fiel da produção das coisas, e a objectivação infiel dos produtores”28, realizando si-
multaneamente o seu sustento e justificação. Poderemos dizer então, que o sistema
económico actual se estrutura e sustem através produção e projecção de um real
social e cultural (ou vários), que se constrói cada vez mais à velocidade da imagem
(do fotograma ou do neurotransmissor) e cada vez menos à velocidade do homem
(do passo ou do batimento cardíaco). Semelhante ao que Benjamin chamou de
experiência vivida do shock, a linguagem do espect
espectáculo, bombardeando sincopa-
damnete signos e imagens, produz no indivíduo um estado próximo da hipnose ou
da catatonia29, resultado de um excesso de informação processado pelo aparelho
preceptivo.30
29
síndroma de esquizofrenia A espectacularizão da experiência e de todos os domínios da produção capitalis-
caracterizada pelo estado de
inércia motriz e psíquica que al- ta, começa por se instalar nos inícios dos anos 50, disseminado-se massivamente
terna com estados de excitação
30 numa escalação progressiva até aos dias de hoje. E é logo no início dos anos 50,
“A alienação do espectador
em proveito do objecto contem- que o discurso do M.M. se esgota, impotente e ofuscado pelo acumular de es-
plado (que é o resultado da sua
própria actividade inconscien- pect culos em seu redor. Alguns arquitectos, como aqueles que formaram o grupo
pectá
te) exprime-se assim: quanto
mais aceita reconhecer-se nas TeamX31 tentam quebrar a rigidez linguística do Movimento Moderno e torná-la mais
imagens dominantes da neces-
sidade, menos ele compreende flexível a uma série de valores negligenciados pela sua universalidade abstracta, re-
a sua própria existência e o seu
próprio desejo. A exterioridade cuperando o contextualismo, o vernáculo, o humanismo e o diálogo directo com as
do espectáculo em relação ao
homem que age aparece nisto, comunidades, criando mecanismos de participação e auto-construção. Aproximan-
os seus próprios gestos já nãos do-se mais da população, os renovadores do M.M., não deixarão de manter uma
são seus, mas de outro que lhos
apresenta. Eis porque o espec- visão socializante e poética da realidade, mantendo-se relativamente assépticos aos
tador não se sente em casa em
nenhum lado, porque o espectá- contágios da cultura capitalista de massas.
culo está em toda a parte.”, Ibid.,
op.cit, p.21
31
The Smithsons, Van Eyck, Como agentes críticos da sociedade de consumo, talvez a obra do artista situacio-
Bakema, Giancarlo de Carlo,
Candilis, Jossic , Woods nista Constant Nieuwenhuis, New Babylon e dos ingleses Archigram sejam as mais
32
entenda-se por utopia, a pro- paradigmáticas. Mas se New Babylon é uma fantasia utopista32, plataforma de expe-
jecção de um ideal social num
tempo e lugar imaginário rimentação das teorias situacionistas, em que se prospecta uma sociedade lúdica li-
berta da passividade do espectáculo e em permanente exercício de recriação do seu
meio ambiente; já os projectos dos Archigram utilizam uma linguagem distópica33 em
que a arquitectura se assume fantasiosamente enquanto objecto de consumo. As-
sumindo uma linha de acção e de representação próxima da Pop Art, os Archigram
desenham projectos para uma sociedade de entretenimento e de consumo, jogando
> fig.15 maquete de New Babylon,
Babylon, do
ironicamente com o poder da imagem e de uma arquitectura icónica. Inspirando-se
artista situacionista Constant
na ficção científica, na obra sinergética de Buckminster Fuller e nas teorias de Rayner
33
entenda-se por distopia a
hiperbolização de uma reali- Banham, desenvolvem uma linguagem altamente tecnológica e megaestrutural, an-
dade social num tempo e lugar
distorcidos tecipando o estilo high-tech, que surgirá em Inglaterra a partir dos anos 70/80.
34
cibernética é a ciência que Cedric Price é outra figura, que embora tenha uma obra reduzida, marcará a Histó-
estuda os mecanismos de co-
municação e de controle nas ria da Arquitectura pela sua atitude projectual inovadora. Bebendo de tudo o que é
máquinas e nos seres vivos
35
Projecto de 1961 que inspi-
alta tecnologia, sobretudo da cibernética34, mas assumindo uma interpretação lúdica
rará esteticamente o projecto da arquitectura, desenvolve um edifí
edifício-interface
ício-interface, onde são os usuários que moldam
do Centro Georges Pompidou,
construído 15 anos mais tarde e transformam a espacialidade física e ambiental no seu interior. No Fun Palace35,
36
Antiarquitectura no sentido de
que o arquitecto não projecta desenhado a pedido da actriz inglesa Joan Litlewood, estamos no limiar da antiarqui-
uma visão formal e estética num
espaço, assumindo-se mais tectura36, um dispositivo espacial, como uma imensa teia de palco, em que os usu-
como programador de dispo-
sitivos espaciais, libertando os ários participam como perfomers na transformação do espaço, recorrendo a luzes,
aspectos estéticos ao usufruto projecções de imagens e a unidades espaciais móveis (através de gruas e carris) e
dos usuários.
acopláveis.
A transformação do ambiente através da tecnologia e a livre participação lúdica dos
habitantes nesse processo aproxima o Fun Palace, das propostas situacionistas pre-
conizadas em New Babylon. Não tendo recolhido fundos para a sua construção, Ce-
dric Price continuará a desenvolver uma obra baseada no conceito de uma arquitec-
>fig.16 desenho de Cedric Price do Fun
Palace tura como interface espacial entre o Homem e o meio, tendo como instrumentos de
37
Ver também o Potteries base a interactividade, flexibilidade e indeterminação37. Infelizmente, envolvida numa
Thinkbelt de 1964, o Inter-Action
Centre de 1971 ou o Generator certa marginalidade, só passado 50 anos é que o valor do seu trabalho começa a
Project de 1976 ser reconhecido e estudado como exemplo pioneiro de uma arquitectura adequada
38
Entenda-se por Sociedade de
Informação, o termo que define a à Sociedade de Informação.38
sociedade actual, caracterizada
pela sobrevalorização do poder
da Informação face à matéria e
conhecimento Paralelamente a este discurso crítico e visionário, a população continua a intoxicar-
se de imagens e espectáculos, frequentando casinos, parques temáticos e centros
comerciais. Este tipo de espaços tornam-se cada vez mais nos palcos de sociali-
39
Cf. Augé, Marc A Guerra dos
zação da sociedade de consumo. Interiores e desligados do espaço urbano, estas
Sonhos, Celta Editora, Oeiras bolhas de imanência39, desenvolvem uma linguagem arquitectónica e visual própria,
1998
baseada no excesso, na ficção, na alegoria e no sublime.
Será o autor americano Robert Venturi, o responsável por transportar esta lingua-
gem para o seio do discurso arquitectónico académico, originando, por sua vez a
emergência de um novo estilo: o pós-modernismo. Em Learning from Las Vegas,
publicado em 1977, Venturi analisa com um grupo de colaboradores e alunos, as
principais características de uma cidade vocacionada e desenhada para o entreteni-
mento, a verdadeira cidade-espectá
cidade-espect culo: Las Vegas. Toda a arquitectura da cidade
é suportada no símbolo, bombardeando signos luminosos para persuadir os passe-
antes a entrar nos sumptuosos palácios do jogo. É toda uma linguagem baseada no
desejo e no inconsciente, na ilusão e simulação de se ser algo mais, ou simplesmen-
te alguém. O ornamento é recuperado como alegoria e símbolo, as cores, sons e
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 19
3. Imersão na hiper-realidade
O termo hiper-realidade foi inicialmente utilizado por Umberto Eco, num ensaio de
41
Eco, Umberto “Viagem na 1975 “Viagens na Hiper-realidade”41, em que deambulando por diversos espaços da
Irrealidade Quotidiana”[1983] ,
Difel 1986 sociedade americana, disserta sobre aquilo a que chama o Falso Absoluto:42
42
Designação de Umberto Eco
para o que o sociólogo francês “Eis a razão desta nossa viagem na hiper-realidade, à procura dos casos em que
Jean Baudrillard posteriormente a imaginação americana quer a coisa verdadeira e para o conseguir deve realizar o
estudará como Simulacro
falso absoluto; e onde as fronteiras entre o jogo e a ilusão se confundem, o museu de
arte é contaminado pela tenda das maravilhas, e a mentira é gozada numa situação
43
Ibid., op.cit., p. 11 de «plenitude
« », de «horror
horror vacui
vacui».”43
na fundação de uma mitologia Louis Marin, ao classificar a Disneylândia como «utopia degenerada», ou seja «uma
própria. O império Disney é o
exemplo americano do mega- ideologia realizada em forma de mito»49. Aqui o autor descobre-se imerso num gran-
corporativismo capitalista e mul-
timediático, expandindo o seu de teatro do fantástico, distante e claramente demarcado da realidade quotidiana.
investimento, não apenas aos
fabulosos parques temáticos, Uma cidade-brinquedo, à escala 1:1, habitada por máquinas lúdicas e autómatos
mas à construção de cidades,
como Celebration, onde o ideal mais reais que a própria realidade:
de vida Disney é comercializado
49 “Dá-se conta que são autómatos, mas fica-se atónito com a sua veracidade. E, de
Ibid., op.cit., p. 42
50
Ibid., op.cit., p. 45 facto, a técnica «audioanimatró
audioanimatr nica» constituía
audioanimatró íía um dos maiores motivos de orgulho
de Walt Disney, que finalmente tinha conseguido realizar o seu sonho, reconstruir um
mundo de fantasia mais verdadeiro do que a verdade, quebrar a parede da segunda
dimensão, realizar não o filme, que é ilusão, mas o teatro total”50
como representativa.
57
a hipérbole é “uma figura de A imagem-simulação, de tanto e tão bem simular, torna-se real hiperbolizando-o57,
estilo que consiste no exagero
da expressão, ampliando a ver- ou seja hiper-real, abandonando qualquer relação com o seu modelo de referência,
dadeira dimensão das coisas” in
Diccionário da Língua Portugue- ganhando um valor e significação próprios. A indiferenciação entre imagem e ob-
sa, Porto Editora, 2003
58
cada vez mais damos mais jecto ou entre ficção e realidade torna-se cada vez mais comum, numa sociedade
valor aquilo que vemos na tele-
visão, no cinema , na televisão, insatisfeita, submissa ao consumo de sonhos e ilusões.58Os massmedia, presentes
no museu, na Internet nos livros e sagrados em qualquer lar, serão os principais magos prestigiadores responsáveis
e imprensa, considerando isso
como cultura; a experiência do pelo culto à imagem-simulacro e ao fictício. Numa tentativa de desconstruir estes
real tem cada vez menos valor
no tecido cultural de uma socie- mecanismos de prestidigitação, Baudrillard identifica quatro graus de imagem, no
dade; tudo é mediado, tudo é
simulacro que se refere ao seu grau de intimidade com o real.
59
Ibid., op. cit. p.13. É o caso
da representação fiel ao mo- A primeira categoria é a imagem representativa de uma realidade profunda, ou seja
delo, como uma fotografia ou
desenho “uma boa apar
aparência - a representação do domínio íínio do sacramento”.59
60
Ibid., op. cit. p.13 O fachad-
ismo ma arquitectura, quando A segunda categoria refere-se à imagem que mascara e deforma uma realidade
a fachada tem uma imagem profunda”, “uma má aparêapar ncia - do domínio
íínio
nio do malef
malefíício
ício”60. Se estas duas categorias
urbana, que não reproduz, mas
mascara e deforma a realidade ainda dissimulam uma realidade, estando ainda no domínio da representação, as
do edifício. Estou-me a lembrar
de recuperações de fachadas duas próximas entram já no domínio do simulacro, pois dissimulam um real ausente:
em centros históricos mas cujo
interior permanece degradado. A terceira categoria é a da imagem que “mascara a ausência de realidade profun-
61
Ibid., op. cit. p.13. É o caso
de reconstruções integrais de da”, ou seja “finge
finge ser uma apar
aparência - é do domínio íínio do sortilégio61”; enquanto o
edifícios ou lugares históricos
que já não existem último estádio da imagem, pertence àquela que “não tem relação com qualquer rea-
62
Ibid., op. cit. p.13 Verifica-se lidade: ela é o seu pr
próprio simulacro puro”, isto é, “já“j não é do domínio íínio
nio da apar
aparêência,
com frequência em casinos de
Las Vegas, simulações da cida- mas da simulação” . 62
de de Veneza ou da Torre Eiffel
em Paris. Em Portugal, pode-
mos considerar o Portugal dos Imagens - representação de 1º e 2º grau Imagens - simulacro de 3º e 4º grau
Pequeninos, em Coimbra dentro
desta categoria
Para o autor, a simulação é um processo de produção do real, cada vez mais inte-
grado no nosso quotidiano, extensamente disseminado, através dos mass media e
todo o tipo de dispositivos de sedução lançados pela MáM quina Capitalista63.
>fig.21 Venetian Resort Hote
Hotell em Las
Vegas, simulacro da arquitectura veneziana
Se o berço do hiper-real, é o sistema económico-cultural americano, a verdade,
é que através de processos de globalização,64a hiper-realidade se alastra hoje por
63
entenda-se por Máquina Capi-
talista, o poder ubíquo e invisível todo o Mundo.
(inominável) de megacorpora- O conceito de simulacro, definido por Baudrillard, surgirá como elemento estrutura-
ções alocalizadas que dominam
e sustêm a economia de merca- dor da interpretação da produção cultural da sociedade tardocapitalista, não só em
do global tardocapitalista.
64
provocada pela maior fácil posteriores ensaios do autor, mas para todo um grupo de pensadores que se debru-
mobilidade de pessoas e bens,
pela deslocalização, internacio- çarão sobre o fenómeno.
nalização e corporativização do
poder industrial e pela facilidade
de transmissão e recepção de
signos pela rádio, televisão e
Internet.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 22
5. Indigest
Indigestão ou Esquizofrenia
65
e com menor impacto os seus Depois de o Movimento Moderno65tentar desenvolver um discurso crítico usando a
renovadores como o Team X,
entre outros; bem como a Inter- arquitectura como instrumento de acção e de realização de um ideal social, grande
nacional Situacionista
parte da classe arquitectónica rende-se à evidência do poder capitalista. De repente
vê-se despojada de discurso, de ideais e de uma meta-linguagem semântica. De-
sorientada, abraça por um lado a cultura popular da sociedade de consumo, cada
vez mais intoxicada pelo espectáculo e pelo lazer, e por outro lado tenta recuperar
desesperadamente alguns valores simbólicos clássicos da composição arquitectóni-
ca, numa possível tentativa de aproximar a linguagem simbólica da arquitectura a um
>fig.23 Hotel Luxor, Las Vegas
imaginário colectivo mais abrangente66.
66
nomeadamente o do poder Dentro deste contexto a espacialidade dos parques temáticos como a Disneylân-
capitalista, em geral estetica-
mente conservador e tradicio- dia, dos casinos de Las Vegas ou dos centros comerciais, ou seja a hiperespaciali-
nalista, bem como das massas,
mais facilmente seduzidas pelo dade, comentada por Eco e Baudrillard, servirão de modelo bastardo à arquitectura
imediato e pelo familiar do que
pelo elemento de ruptura e pro- de finais anos 70 e até finais de 8067. É a partir de inícios de 80, que a produção
vocador da arte e arq. de inter-
venção ou de vanguarda cultural se assume cada vez mais submissa ao poder governante, perdendo toda a
67
será dificíl de legitimar este
limite cronológico, devendo ser linguagem utópica e contestatária que a caracterizou nas décadas de 60 e 70. En-
entendido como referencial; sob tramos pois na 3ª idade do capitalismo, aquela em a ubiquidade do seu poder tudo
outras leituras a pós-moderni-
dade estende-se até aos dias integra, todo o tipo de produção, aceitando todo o tipo de linguagens e contradições
de hoje
como parte integrada do seu sistema de circulação comercial. Mesmo os críticos
ou contestatários deste sistema, são transformados em símbolos comerciáveis sob
a forma de slogans, bandeiras ou t-shirts. A fronteira entre realidade e ficção, entre
imagem e objecto encontra-se finalmente diluída. Produtores, consumidores e bens,
todos imagem, todos objecto, todos comerciáveis, todos integrados na condição
>fig.24 Piazza d’Italia, Arqtº Charles Moore,
pós-moderna.
New Orleans, 1976-79
68 O termo pós-moderno foi equacionado pela primeira vez num texto do sociólogo
Lyotard, Jean-François, A
Condição Pós-moderna, (1979), francês Lyotard de 197968 e servirá de etiqueta nominal para a pluralidade de lin-
Gradiva, Lisboa, 1989
guagens e estilos da produção cultural dos anos 80, bem como para descrever uma
condição económica assente num poder megacorporativista, multinacional e invisí-
vel; um poder económico superior a grande parte dos estados do planeta.
humor, contudo também não é gundo ele paradigmático de uma série de características espaciais que caracterizam
inocente de uma certa paixão:
é pelo menos compatível com uma mutação o do pr
próprio espaço construído
í . Segundo o autor este caso é problemá-
ído
a adição- com um todo e histo-
ricamente original apetite dos tico e sintomático de uma mutação espacial, não acompanhada ainda pela equiva-
consumidores por um mundo
transformado em imagens de lente mutação no sujeito. Nós não desenvolvemos ainda as ferramentas preceptivas
si próprio, pseudo-eventos e
espectáculos. Para tais objectos que equivalem este “hiperespaço”, por estamos ainda habituados ao tipo de espaço
reserva-se a concepção platóni-
ca de simulacrum, a cópia idên- do alto modernismo. Como muita da actual produção cultural, também a nova arqui-
tica, do qual nenhum original tectura surge como um imperativo ao crescimento de novos órgãos, à expansão do
existiu. A cultura do simulacro
vem ao de cima numa socieda- nosso campo sensível e à encarnação de novas, ainda inimagináveis, possivelmente
de onde todo o valor de troca
é generalizado ao ponto de a impossíveis, dimensões79.
própria memória do valor de uso
ser apagada. Um dos aspectos mais interessantes do pós-modernismo é, para o autor, a defesa
77
Esquizofrenia (segundo J.
Lacan) como modelo estético e de uma retórica populista integrada no quotidiano, ao contrário da imposição herói-
interpretativo: Lacan descreve a
esquizofrenia como uma ruptura ca, universalista e utopicizante do moderno. E neste aspecto o edifício de Portman
da cadeia de significantes, que responde aparentemente aos seus desígnios retóricos: é realmente um edifício bas-
constituem um sentido. Com a
quebra da cadeia de significan- tante popular, visitado com entusiasmo por locais e turistas. No entanto, começando
tes o esquizofrénico está redu-
zido a uma experiência de puro por analisar a entrada no hotel, verifica-se uma configuração espacial, que nada vai
material significante, ou seja,
uma série de puros e arrelacio- buscar à típica e característica entrada de hotel. No fundo existem 3 entradas, sendo
nados presentes no tempo.
78
Ibid., pp. 241-242. O estilo duas delas a níveis diferentes e conduzindo de forma indirecta e pouco clara ao lo-
high-tech e os grandes arranha-
céus, são hoje, em dia, símbolos bby.
do poder privado.
79
Ibid., p.242 Os comentários
de Jameson, relativamente à O autor crê, que com um certo número de outras características, edifícios pós-mo-
arquitectura pós-modernista
assemelham-se aos de Benja- dernistas como o Beaubourg em Paris, o Eaton Centre em Toronto e o Bonaventure,
min ao ler a cidade moderna, aspiram a um espaço total, a um mundo completo, uma espécie de miniatura de
nomeadamente a incapacidade
de percepcionarmosuma espa- cidade; entretanto a este espaço total corresponde também uma nova prática colec-
cilidade hiperestimulante senso-
rialmente tiva, um novo modo de como os indivíduos se movem e se congregam, algo como a
prática de um novo e historicamente original tipo de hipermultidão80. É neste sentido
que as entradas edifício se multiplicam e conduzem ate ao interior, tentando quebrar
a relação do edifício com o espaço publico exterior, tentando tornar-se independente
da cidade que o envolve.
Este diagnóstico é confirmado, segundo o autor, pelo o uso de vidro reflector como
pele do edifício, cuja função é interpretada como um elemento de repulsa da cida-
de81. A pele de vidro tem também um papel de dissociação do Bonaventure do seu
entorno; por mais que se tente ver o interior do hotel, vemos apenas uma imagem
distorcida do circundante.82
>fig.25 Centro Georges Pompidou, Paris,
Renzo Riano e Richard Rogers, 1971-77
80
Ibid, p.243
81
tendo como analogia os
óculos escuros, que impedem
de ver os olhos do interlocutor,
ganhando consequentemente
uma certa agressividade e poder
sobre o Outro
82
Ibid, p.243
> fig.26 uma das entradas exteriores ao Westin Bonaventure Hotel > fig.27 o efeito relector do vidro
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 25
>fig 30 >fig 31
5. M
Máquina de Estética - Efeitos Espaciais
de lazer. É o caso paradigmático Em “Project on the City 2: Harvard Design School Guide to Shopping”93, um grupo
dos parques temáticos, cada
um explorando um universo de estudo de Harvard, sob a orientação de Rem Koolhaas, compila uma série de
ficcional diferente ou dos casi-
nos de Las Vegas, em que cada análises e ensaios sobre o fenómeno da indústria do entretenimento e respectivas
hotel tem um tema de referência
diferente, as termas romanas, manifestações arquitectónicas.
os meandros de Veneza ou o
Egipto dos Faraós. O mesmo
tipo de estratégia é aplicado no
desenho espacial de centros
comerciais, como por exemplo
a simulação da baixa do Porto
no Via Catarina ou a referência à
Indústria Nortenha, com as suas
Máquinas expostas no Nor-
teshopping. O fenómeno não
seria tão grave se restringisse a
esses espaços. Sorkin verifica o
alastramento do desenho tema-
tizado a bairros e cidades resi-
denciais. É o caso de condomí-
nios fechados desenhados para
determinados estilos de vida,
como para comunidades gay,
comunidades yuppie ou para
comunidades de reformados
endinheirados. A empresa Walt
Disney é pioneira em estratégias
de tematização, aplicando os
seus conhecimentos adquiridos
nos parques temáticos para de-
senvolver cidades privatizadas.
É o caso de Celebration, nos Es-
tados Unidos, a cidade Disney,
onde os seus habitantes têm de
aceitar viver segundo o estilo > fig 34 centro comercial
de vida Disney, incluindo horas
de recolha à noite e a selecção Entre o “entertainment design” e o “corporate design”, o fenómeno responde a uma
da sua casa num catalógo de
habitações de estilos revivalistas manifesta e submissa vassalagem às leis do mercado e do merchandising94, colabo-
predefinido. Sobre este assunto rando de forma integrada com todos os campos da produção cultural, num prolífico
recomenda-se igualmente o livro
editado por Sorkin Variations on e apoteótico expressionismo do denominado capitalismo tardio. Neste volume, no
a Theme Park Hill and Wang,
Nova Iorque, 1992 único texto publicado por Koolhaas95, o autor ilustra, no seu estilo marcadamente
93
AAVV, Project on the City 2: irónico e alegórico, as principais características daquilo que designa por Junkspace,
Harvard Design School Guide
to Shopping, Taschen , Colónia, terminologia que dá nome ao ensaio.
2001
94 Percorrendo os meandros de aeroportos, centros comerciais, hotéis, casinos, cen-
1. conjunto de técnicas de
promoção de venda de um tros de congressos, museus, etc.., o autor vai observando e dissecando ao longo
produto através da sua apre-
sentação, disposição nos de do texto a retórica estratégica e sedutora deste tipo de espaço virológico, ubíquo e
venda e meios de distribuição 2.
propaganda não declarada feita viciante.
através de referência a um pro-
duto, serviço ou marca durante
um programa de televisão ou A terminologia utilizada por Koolhaas para denominar este tipo de espacialidade,
de rádio, um espectáculo, em
peças de vestuário, etc. in Dic- encerra, em si, pelo menos 3 sentidos que se complementam na descrição do fenó-
cionário da Língua Portuguesa,
Porto Editora, 2003 meno. O termo inglês Junk significa literalmente tralha, resíduo, objectos sem valor
95
Ibid.., pp. 408-422 , publicado
igualmente em Content, por ou utilidade. Junkspace remete então, desde logo, para uma espacialidade residual
OMA-AMO, Taschen Verlag,
Colónia, 2004, pp. 162-171 e inútil, sem espessura nem conteúdo, supérflua.
96
acordo contratual no qual uma Mas Junkspace recorda-nos também o termo americano junkfood, que designa
parte cede a outra o direito de
uso da sua marca ou patente, comida “descartá
“descart vel” de concepção industrial e massificada, que apesar das suas
associado ao direito de comer-
cialização de bens e serviços qualidades gustativas duvidosas destaca-se pelo seu consumo rápido e intenso. A
numa determinada área e,
eventualmente, também o direito Junkfood prolifera em aeroportos, centros de negócios, centros comerciais; em todo
de uso de tecnologias desen-
volvidas pela primeira mediante o tipo de espaços de circulação de massas. Associado a estratégias de frenchising
remuneração directa ou indirecta
in Diccionário da Língua Portu-
96
e revelando-se um fenómeno de popularidade em todo o mundo tardocapitalista,
guesa, Porto Editora, 2003 não deixa de ser no fundo, comida-simulacro.
Junkspace, é neste sentido, uma extensão das características da junkfood; um es-
paço de concepção e consumo rápido e intenso, de qualidades hápticas duvidosas,
mas por isso recheado de ornamentações e artifícios apelativos. Orientado para o
consumo de massa, o Junkspace, é concebido pelos melhores especialistas da re-
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 28
97
entenda-se merchandising tórica de tendências, e estruturado segundo as leis da psicologia comportamental
do marketing. É o rendimento final da artes do espaço às artes do mercado97, verifi-
cando-se o que os ingleses Archigram já desde os anos 60 andavam a anunciar – a
arquitectura como objecto de consumo.
Com a Junkfood, assim como no Junkspace, nunca se sabe muito bem o que se
está comer ou a experimentar, mas sim aquilo aparenta ou representa, induzindo
pela sugestão visual a sensação de prazer. Dentro deste contexto nunca se é um
verdadeiro cliente da Junkfood, mas mais propriamente um viciado, seduzido pela
imagem e simulacro, seguindo o princípio do comodismo e do prazer imediato, en-
contrando-se por fim imerso num grave processo psicometabólico de habituação, á
semelhança do junky, enganchado ou agarrado.
Através desta interpretação, chegámos ao 3º sentido, que a terminologia Junkspa-
ce engloba: o espaço-droga, o espaço adictivo; que vicia. Junk, além de significar
tralha, é um termo do slang para denominar um tipo de droga altamente viciante, ge-
ralmente referente à heroína, ou a drogas de efeitos e consequências similares (todo
o tipo de opiáceos)98.Neste sentido na terminologia Junkspace estão incluídas as
98
Embora utiliza o termo Junk,
como alegoria a substâncias ou suas principais linhas definidoras: um espaço instável, em constante mutação, defi-
elementos viciantes, deveremos nido pelos sazonais updates estéticos, make-ups; um espaço artificial e intoxicante,
considerá-lo para além das
substâncias químicas. Consi- mas que citando o slogan que Fernando Pessoa compôs para Coca-Cola: “Primeiro
derando o ensaio de Terence
McKeena O Pão dos Deuses, estranha-se, depois entranha-se”.
verificamos que toda a História
e evolução da Humanidade foi
marcada e determinada pelo
consumo de substâncias into-
xicantes e alteradoras da cons-
ciência, desde as plantas psi-
coactivas, passando pelo ópio,
álcool, café, tabaco até às novas
drogas sintéticas, como determi-
nados medicamentos e drogas
recreativas. No final, McKeena
faz uma breve alusão à televisão
como um meio de intoxicação e
controle político da população.
Sabemos hoje, que diversos
estudos científicos corrobam
esta posição, analisando os
efeitos hipnóticos sobre as on-
das cerebrais que a visualização
da televisão e da navegação na
Internet provocam no indivíduo,
potenciado através do exercício
do zapping. Esta está relacio-
nada não com o conteúdo, mas
com a forma rápida como lemos
imagens, que caminham direc-
tamente para o nosso incons-
ciente, posicionando o ser num
estado vulnerável próximo da
hipnose. Neste estado hipnótico
cria-se uma espécie de catar-
se, que nos impela a estarmos
viciosamente horas seguidas
a consumirmos imagens atrás
de imagens, sem chegarmos
a tomar consciência do seu
conteúdo. Devemos considerar
ainda, que perante um emissor,
que apenas pretende instigar o
instinto consumista, utilizando-se
das mais recentes descobertas
sobre o inconsciente humano e
o comportamento de massas, o
conteúdo do que consumimos é
configurado de forma a viciar o
espectador. Poderemos alargar
esta hipótese e interpretá-la á
luz de toda produção cultural, ao
serviço da Máquina Capitalista,
inclusive a produção de espaço,
a arquitectura.
>figs. 35 e 36 fotografias de Andreas Gursky
> fig. 37 Still do filme Videodrome de David Cronenberg
1. Síntese:
ííntese: Mediação, produção e hibridização do real
1
Dinis Guarda in “Entre o linear e
Desde a sua origem a humanidade sempre viveu entre várias dimensões do real.
o subterrâneo-o rizoma-mundos Realidades ficcionalizadas, imaginárias ou oníricas que complementam e inter-
estéticos de Chris Marker” para
revista Número 04 pretam a sua relação com o mundo. Verificamos que nas sociedades arcaicas,
estas realidades se manifestam sobre a forma de rituais, originando o que hoje
interpretaríamos como manifestações artísticas: cantares, dançares, indumentárias,
narrativas, pinturas e construções. Cada cultura desenvolve então todo um mundo
estético-simbólico, que caracterizará a forma como se posiciona perante o cosmos.
Se nas sociedades arcaicas encontramos uma linguagem muito próxima da lingua-
gem simbólica e irracional do mundo onírico, a invenção da escrita veio estruturar e
institucionalizar todo esse fluir imaginário: surgem as mitologias e todo um mundo
cantado, dançado e musicado é fixado e sintetizado em narrativas escritas.
À passagem da palavra oral para a palavra escrita, corresponde o nascimento
das primeiras grandes cidades e à institucionalização do poder e de diversas áreas
de conhecimento. O Real Imaginário que agregava socialmente uma comunidade,
partilhando do mesmo mundo estético-simbólico, é agora institucionalizado enquan-
to religião e manipulado pelos orgãos de poder como mecanismo de regulação mo-
ral das massas que habitam a urbe.
As religiões monoteístas, como Cristianismo e o Islamismo vêm reforçar este cami-
nho, transpondo os mitos para evangelhos e os rituais para liturgias. Ao fixarem os
comportamentos e costumes, este tipo de religião veio também separar o indivíduo
da relação íntima que mantinha com o sagrado, regulamentando a sua liberdade
natural de expressão dos seus impulsos simbólico-alegóricos. O indivíduo já não
interpreta criativamente a sua relação com o mundo, limita-se a seguir uma doutrina.
Mas se até aos séculos XVI, XVII sobrevive uma visão mágico-simbólica mediadora
da realidade, a entrada na Idade Moderna marcará definitivamente a ruptura das
manifestações criativas de uma ordem cosmológica. O Racionalismo irá comparti-
mentar a experiência do mundo em áreas de conhecimento e de produção. A Con-
tra-Reforma, aliada ao poder capitalista, então emergente, irão tornar a experiência
sagrada do real numa espécie de consumo de um real sagrado. Entramos, com o
Barroco, no domínio exclusivo da produção de imagens, de estética, da produção
de um real. O indivíduo agora desiste de se posicionar perante uma ordem global e
cosmológica da experiência, limita-se a embriagar-se com o consumo do que lhe é
mais apelativo.
Vimos, no capítulo anterior, a forma como a Revolução Industrial veio acentuar este
processo de ruptura do indivíduo na sua relação com o meio. Se o Real Imaginário,
já não é produzido em comunidade, mas consumido em massa, a Indústria Cultu-
ral veio oferecer aquilo que o indivíduo entretanto perdeu enquanto experiência, a
cultura.
Considerando a necessidade imanente ao homem de vivenciar Realidades
Imaginárias, poderemos interpretar a produção da Indústria Cultural como a
produção de mundos, de ficções, de realidades alternativas e fantásticas, cujo
consumo massificado é potenciado pela especialização e mecanização da realidade
laboral a que o indivíduo está sujeito. Faltam-lhe sonhos, fantasias, lendas, símbolos,
magias, mundos de escape e de prazer, que a Indústria Cultural providenciará como
objectos de consumo imediato.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 32
2. Mundos possíveis
í
íveis
cursos utópicos e idealistas dissolvem-se, abrindo lugar para uma cultura do simula-
cro e do hiper-real.
3. Mundos de Substituição
" Como nos novíssimos filmes de horror, não há distanciação, não se assiste ao
horror alheio, está-se dentro do horror por sinestesia total, e se houver um terramoto, a
sala cinematográfica também deve tremer" Umberto Eco
2
de Ersatzwelt Chamo Mundos de Substituição2 a Realidades Imaginárias construídas através de
uma linguagem de simulacro. Nestes Mundos, o sujeito já não procura esgazear-
se com realidades possíveis, procura viver realidades impossíveis, simuladas. É o
caso dos parques temáticos, como a Disneylândia ou os Casinos de Las Vegas,
ao que Eco, Baudrillard e Jameson apelidam de hiper-realidades. Estamos perante
simulacros de 4º grau, ou seja simulações de realidades ficcionais. Os Mundos de
Substituição convidam o consumidor a entrar e participar do seu mundo fantástico,
oferecendo uma verdadeira realidade paralela ao quotidiano. Aqui tudo funciona
bem, tudo é belo e higiénico, todo o local é ubiquamente videovigiado, impedindo
qualquer tipo de crimes ou distúrbios à ordem. Ao contrário dos Mundos Possíveis,
nos Mundos de Substituição a fronteira entre realidade e ficção desaparece, o su-
jeito outrora espectador é agora uma espécie de actor passivo, um figurante entre
figurantes, imerso neste mundo virtual.
>fig.40 Environment Bubble, Reyner
Banham
Nestas hipertopias3 a estratégia de persuasão já não passa pela visualização de
imagens, mas pela imersão multisensorial dentro das imagens. Para acentuar este
sentido de imersão em mundos paralelos, os mundos de substituição afastam-se
geograficamente dos meios urbanos ou fecham-se fisicamente para estes4.
3 Podemos interpretar então os Mundos de Substituição como experiências multisen-
lugares hiperbolizados ou
hiper-reais soriais, onde a fronteira e ruptura com a realidade se pretende total. Não há por isso
4
esta estratégia é evidente em
centros comerciais e até condo- uma experiência, que aumenta, densifica ou distorce a nossa leitura do real, mas que
mínios residenciais, videovigia-
dos. Jameson alerta-nos para a substitui, neutralizando-a; mantendo a fronteira entre os dois meios, hermeticamen-
esta estratégia de alienação
urbana na sua análise ao HoTel te cerrada.
Westin Bonaventure Este fenómeno tende a alastrar-se em todos os campos e suportes da produção
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 34
4. Mundos Híbridos
ííbridos ou Aumentados
The theater is closed/ There is no place else to go/ The theater is closed
Cut word lines/ Cut music lines
Smash the control images/ Smash the control machine. William S. Burroughs
Vimos como nos dois casos anteriores, que a construção do Real se baseia na
realização de Mundos de Escape, de fuga. Esta constatação, leva-nos a assumir
que o indivíduo vive num permanente estado de insatisfação, trabalhando como uma
máquina durante a semana, para poder embriagar-se em formas de escape ao fim-
de-semana. Estimular este tipo de produção cultural só pode conduzir o indivíduo a
afastar-se cada vez mais de si próprio e do seu posicionamento perante o mundo,
vivendo sob uma espécie de estado de letargia.
Sob o nome de Mundos Híbridos
ííbridos ou Aumentados, procuro delinear uma estratégia
deconstrução do Real que desperte a participação activa e criativa do indivíduo na
experiência de Realidades Imaginárias. Através da participação e interacção subjec-
tiva na construção do Real, pretende-se recuperar a simbiose perdida entre o Mundo
Imaginário e o Mundo Quotidiano, daí o termo de Mundos Híbridos
ííbridos ou Aumentados.
Nesse sentido, pensei em substituir a produção e o consumo de objectos de entre-
tenimento por dispositivos lúdicos, em que o sujeito participe activamente como um
actor jogador. Através do jogo, pretende-se recuperar também uma certa ideia de
ritual colectivo, de interacção numa comunidade através da qual é projectado e reali-
zado o conjunto de subjectividades participantes.
Falamos, portanto de espacialidades que estimulem e vivam do poder criativo e
interactivo dos seus habitantes.
De certa maneira, podemos observar o reinsurgimento deste tipo de ludismo pelos
meandros do ciberespaço. Para aí entrarmos, não basta pararmos e observar o es-
pectáculo, a participação e interacção são mecanismos essenciais para aí sabermos
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 35
1. Definição,
o, caracter
caracterííísticas
sticas e valor simbólico
1
Huizinga, Johan Homo Ludens Embora tão presente no quotidiano do ser humano ao longo de toda a História,
: O jogo como elemento da cul-
tura (1958), Editora Perspectiva, o jogo só recentemente foi objecto de estudo quanto à sua natureza e significado
São Paulo, 2001
2
Não querendo fazer desta no quadro cultural. A principal obra de referência, e a primeira a debruçar-se
nomenclatura uma condição exclusivamente sobre este tema, data de 1938 e foi escrita pelo antropólogo
universal, o autor menciona
ainda a relatividade dos termos holandês Johan Huizinga sob o título “Homo Ludens: o jogo como elemento da
Hommo Sapiens e Hommo Fa-
ber. Se o raciocínio é exclusivo cultura”1. Neste trabalho o autor defende a ideia, algo controversa para a altura, do
do homem, esta não é condição
por excelência definidora da jogo como elemento indispensável a qualquer actividade humana, condição inerente
nossa espécie, visto sabermos
hoje que a razão é apenas um à génese e evolução da Humanidade. Verificando a existência da actividade lúdica
aspecto entre outros na defini-
ção do nosso comportamento no reino animal, Huizinga interpreta o jogo como algo anterior à própria cultura,
e identidade. Quanto ao fabrico
de objectos, que remeterá para admitindo a cultura como tendo sido formada e construída a partir do jogo e não o
a expressão Homo Faber, esta
é segundo o autor pouco apro- oposto. É neste contexto que o autor propõe o neologismo Homo Ludens2, termo
priada, pois pode servir para que justificará a leitura das actividades humanas à luz da praxis lúdica. Alertando
designar um grande número de
animais. para o simplismo de se considerar toda e qualquer actividade humana uma
3
daí insistir para o subtítulo “o
jogo como elemento da cultura” actividade lúdica, o objectivo do estudo de Huizinga centra-se em determinar até
e não “na cultura” ibid., in Pre-
fácio que ponto a própria cultura possui um carácter lúdico.3
5
Ibid., op. cit., p.11 inteiramente o jogador. Poderemos, neste sentido interpretar o jogo como uma
6
dado o facto de o jogo ser
improdutivo e abstracto do dimensão própria, paralela à vida “real”, o que não invalida a sua importância6, mas
real quotidiano, há quem
o considere como uma a acentua pela complementaridade. Como forma de mediação, o jogo complementa
actividade meramente supérflua,
desconhecendo o seu papel e amplia o “real” quotidiano, respondendo a uma necessidade básica animal
estrutural na organização da
vida social e psicológica do comparável á do sono e do sonho7. Enquanto dimensão paralela à da vida “comum”,
indivíduo.
7 o jogo encerra, então, uma delimitação o espacio-temporal pr
própria, estabelecida
igualmente complementar do
nosso quotidiano e de certa previamente pelo “tempo de jogo” e pelo “campo” onde este se desenrola8,
forma semelhante enquanto
dimensão paralela estabelecendo a sua 3ª característica. Só no interior de fronteiras bem definidas é
8
quer seja um tabuleiro de xa-
drez, um campo de basquete ou que o jogo pode tomar lugar, ultrapassando essas fronteiras quebra-se a sua ordem
o cenário de uma peça teatral
implícita.
9
Ibid., op. cit., p.13 É exactamente este aspecto, o facto de que “o jogo cria ordem e é ordem”9, que
Huizinga identifica como uma quarta característica. À manutenção desta ordem está
implicado não só a permanência incondicional no interior dos seus limites espacio-
temporais, mas também o cumprimento zeloso das regras e convenções que a
definem. Quebrar as regras do jogo, equivale a quebrar a “bolha” de ilusão (ilusão
10
Ibid., p. 14 provém do latim in ludere significa literalmente em jogo10) que o envolve e o mantém
vivo.
11 Huizinga considera que o jogo lança sobre nós um “feitiço”11, tal á a sua
Ibid., p.13
capacidade de absorção e de “ilusionismo”. Durante este estado “enfeitiçado”, o
autor reconhece como essencial a tensão que este provoca no jogador, que percorre
todo o jogo desde o início e termina apenas com a sua conclusão. Essa tensão
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 40
psíquica
í
íquica assume então um papel estrutural para manter viva e dinâmica a ordem
que o jogo estabelece. Dependendo da natureza do jogo, este é definido por regras
e convenções, seja recorrendo à regulamentação (como no caso do xadrez ou
do futebol) ou à ficcionalização (como no caso do teatro ou do faz-de-conta das
12 crianças), embora em muitos casos coexistam ambos simbioticamente (como nos
Huizinga remete para a etimo-
logia da palavra play em Inglês videojogos).
ou Spiel em alemão, que sig-
nificam simultaneamente jogo Considerando essencialmente actividades lúdicas centradas na competição
(jogo num sentido mais livre,
em português mais próximo de (agôn) e na representação dramática12, o autor analisará detalhadamente o
brincar ou brincadeira, enquanto
que para jogo no sentido mais valor simbólico deste nas culturas primitivas e pré-modernas (até ao séc. XVIII),
institucionalizado os Ingleses
usam a palavra game) e repre- verificando com amargura e alguma nostalgia a decadência da simbolização
sentação, interpretação, Ibid., e significação do jogo a partir da Idade Moderna,13 agravando-se até à
pp. 37-50
13
Ibid., pp. 217-236 contemporaneidade.
2. Taxinomia
Agôn – Competição
Sob este nome, consideram-se todo o tipo de jogos competitivos, em que a
destreza dos participantes num determinado domínio é posta à prova num cenário
de igualdade ideal de circunstâncias.
“Trata-se sempre de uma rivalidade, que se baseia numa única qualidade(rapidez,
resistência, vigor, memória, habilidade, engenho, etc.) exercendo-se em limites
definidos e sem nenhum auxiliar exterior, de tal forma que o vencedor apareça como
sendo o melhor, numa determinada categoria de proezas.”18
>fig. 46 a maratona, desporto olímpico
retratado num vaso grego Todo o tipo de desporto, por exemplo, é considerado uma manifestação agonística
í
ística
18
Ibid., op. cit, p.34 do jogo. Para cada um dos concorrentes, o interesse do jogo, é ver reconhecida a
19
Ibid., op. cit, p.35
sua destreza em determinado campo. Neste sentido, o agôn, “apresenta-se como
forma pura de manifestação de mérito pessoal.”19
Alea – Acaso
Nesta categoria inclui-se todo o género de jogo baseado, não na destreza pessoal
(como no agôn), mas sim na sorte ou acaso. Neste tipo de jogos, o jogador concorre
contra o destino, man-tendo-se passivo, confiando apenas na sorte.
Ao contrário do agôn, nos jogos de sorte não é avaliada a destreza ou mérito
do jogador, visto estes não dependerem do treino, perseverança ou disciplina do
participante para que seja bem sucedido. O único interesse deste tipo de jogos,
reside na arbitrariedade do acaso e no elevado risco habitualmente envolvido,
>fig.47 Roleta nomeadamente monetário. Confiando apenas na sua sorte, um jogador poderá
20
De certa forma, este tipo de ganhar mais numa jogada, do que um desportista a vida inteira20. Se “o agôn
actividade lúdica, surge como
uma insolente zombaria do reivindica responsabilidade individual, a alea a demissão de vontade, uma entrega
mérito pessoal, reconhecido no
agôn. ao destino.”21 Desta categoria são exemplo os jogos de dados, a roleta, o bingo, a
21
Ibid, op. cit., p. 37 lotaria, o cara ou coroa, etc..
Há que considerar também jogos, onde o agôn e alea surgem combinados.
Tal é o caso de jogos de cartas como o bridge ou o poker e jogos de tabuleiro
como o gamão, onde a destreza e técnica do jogador são importantes, mas
não exclusivamente determinantes, pois cada jogada está sujeita a uma certa
aleatoriedade introduzida pelo lance de dados ou pela sequência aleatória do
baralho de cartas.
Todo o tipo de actividade lúdica, que envolva incerteza de resultado, como é o caso
também dos desportos (agôn), está sujeito a apostas, logo uma modalidade paralela
>fig. 48 jogadores de cartas de alea, que convém não confundir com a natureza do jogo envolvido.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 42
Mimicry – Simulacro
Esta classe lúdica, identifica todo o tipo de jogo que envolva a encarnação de um
personagem ilusório e respectivo comportamento, tendo como objectivo jogar a crer,
fazer crer a si próprio e/ou aos outros, que é outra pessoa. De facto, como referido
anteriormente, a origem da palavra ilusão deriva de “in lusio” ou “in ludere”, ou seja
“em jogo”. A aceitação de uma ilusão equivale então à entrada do sujeito num ou
>fig. 49 o faz-de conta nas crianças “em jogo”. A mímica e o disfarce surgem como comportamentos essenciais desta
categoria.
Intensamente presente nas brincadeiras das crianças- o faz-de-conta - expande-
se até à vida adulta. Podemos encontrá-lo hoje nas festas de Carnaval, ou no
travestismo, onde através do disfarce, o homem joga com a ordem habitual da
realidade, transformando-a e representando-a. A representação teatral e dramática,
em todas as suas vertentes (tragédia, comédia, ilusionismo, interpretação musical,
entre outras), faz parte desta classe de jogo.
Ilinx - Vertigem
27
ilinx significa em grego “tur- Finalmente consideram-se sob esta denominação27, o tipo de jogos que
bilhão de águas”, derivando de
ilingos - “vertigem” “assentam na busca da vertigem”28 e que procuram atingir um estado de transe
28
Ibid., op. cit., p. 43 ou estonteamento através da alteração do estado físico e preceptivo da realidade.
Como exemplo remoto deste tipo de jogo, temos as brincadeiras das crianças,
29
dança centrífuga em progres- quando rodopiam até ao estonteamento, ou quando se lançam em vertiginosas
são de velocidade até atingir um
estado de transe velocidades no escorrega e no baloiço. Encontramos também este tipo de jogo sob
30
lançam-se de 20 ou 30 me- a forma de ritual em sociedades pré-modernas, como por exemplo nos dervixes
tros de altura, suspensos por
uma corda no pé, rodopiando dançarinos29ou nos voladores mexicanos30 , estando também, frequentemente
no ar – o antecedente do bun-
gee jumping associado a rituais e práticas xamanísticas, onde através do estado de transe
31
nalgumas culturas acompa-
nhado da ingestão de substân- provocado pela vertigem da música e da dança31, o feiticeiro “sai do seu corpo”.
cias psicoactivas Hoje em dia, podemos encontrar manifestações ilinx, em grande parte dos
32
como a queda livre, o rafting,
a escalada, entre outros desportos “radicais”32, em que o movimento ou velocidades atingidas induzem
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 43
33
“ hormona segregada pela um certo tipo de pânico e vertigem no corpo do participante, experimentando
medula supra-renal, cuja acção
fisiológica se assemelha à exci- uma sensação de risco, logo atingindo um estado alto de adrenalina33; bem como
tação do sistema simpático” in em determinado tipo de danças34, mas principalmente como atracções de feiras
Dicionário Porto Editora
populares e parques temáticos35. Este tipo de entretenimento, onde a desorientação
dos sentidos é experimentada de forma tão brusca e estimula uma elevada
produção de adrenalina, coloca-nos não só mentalmente, mas também fisicamente
num estado evasivo da realidade, um estado de êxtase, intenso, curto e instantâneo,
exemplar do tipo experiência lúdica em crescente procura na contemporaneidade.
34
o vira, a tarantella, a valsa ou
o tango
35
Tendo como antecedentes,
o escorrega, o baloiço ou o
carrossel, a partir do finais do
século XIX, com as primeiras
feiras populares (Luna Park
(1903) e Dreamland(1904) em
Coney island, Nova Iorque,
EUA), surgem inúmeras
máquinas estonteantes,
indutoras de pânico e vertigem,
tendo na montanha russa um
exemplo paradigmático
36
Rosa, Jorge Martins “No Reino Outro aspecto importante e merecedor de referência, já mencionado por Huizinga,
da Ilusão”, Edições Vega, Lis-
boa, 2000, pp. 49-55 é a tensão psíquica
í
íquica e/ou sensação de euforia provocadas pelo jogo. Estes dois
elementos alternados ou combinados36, manifestam-se em qualquer tipo de jogo
e é através dessa tensão por resolver, que este ganha intensidade, quer para os
participantes, como para os espectadores.
Poderemos considerar essa tensão psíquica, como o elemento que mantém
suspenso o mundo de ilusão criado pelo jogo, que apenas se quebra, quando este
termina. O principal motor provocador dessa tensão, reside inevitavelmente na
indeterminação e incerteza do resultado durante todo o desenrolar do jogo, estando
este permanentemente sujeito a flutuações de performance e oferecendo até ao
momento da sua conclusão a hipótese que o imprevisível
ível aconteça.
ível
39
Rosa, Jorge Martins “No Nas sociedades pré-modernas o jogo assume-se, juntamente com a festa e o
Reino da Ilusão”, Edições Vega,
Lisboa, 2000, p. 57 sagrado, como um dos três pilares da coesão e organização social39, devendo “ser
40
Ibid., op. cit., p.59 entendido como um elemento de um ritual, quase sempre equivalente à festa, muitas
vezes a ela associado, algumas coincidindo com ela”40. Enquanto rito, forma de
mediação entre o sagrando e o profano, o jogo tinha um papel estruturador de uma
ordem cosmológica do mundo, que com a modernidade se diluiu. Progressivamente
41
principalmente a partir do e ainda numa primeira fase da Idade Moderna41, este começa a ocupar um papel
Iluminismo
meramente recreativo, de diversão das classes dominantes. Perde então a sua
relação com o sagrado, autonomizando-se enquanto modalidade do ócio, e, numa
outra dimensão, mantendo-se intacto como paidia, reservado enquanto actividade
pedagógica exclusiva das crianças.
Mas o jogo sofrerá ainda uma maior metamorfose com a entrada da Revolução
Industrial e as respectivas transformações na estrutura social que esta arrasta. A
especialização e mecanização da vida profissional veio introduzir como contraponto
à repartição do horário laboral a noção de tempo livre. Ao contrário do ócio das
42
classes dominantes, para a grande classe trabalhadora “o tempo não foi sempre
Rosa, Jorge Martins, op .cit
p.65, citando T. Adorno livre, tornou-se livre”42, instaurando a necessidade de o ocupar para combater o
43
Esta é provocada pela meca-
nização e especialização exis- vazio e o tédio provocado pela sua ausência de sentido43. É neste momento que
tente na jornada laboral.. À falta surge a Indústria do Lazer, oferecendo às massas, inúmeras formas de diversão e de
de uma formação e actividade
profissional abrangente e eclé- entretenimento, explorando-as como mecanismos de compensação da actividade
tica, o tempo livre surge para
o trabalhador como um horror mecanizada e impessoal a que se dedicam grande parte do tempo. Orientada para
vacui – o tédio.
44
Ver Momento 01 um grande público, a cultura como produto sofre um processo de nivelamento de
especificidades, processo ao qual denominamos de massificação e que originará
o que Debord intitulou de cultura de espectá
espect culo.44 Igualmente subjugado à
Indústria do Entretenimento, o jogo depois de perder a sua relação com o sagrado
perde gradualmente a sua relevância enquanto actividade livre e improdutiva,
profissionalizando-se e organizando-se como mais uma forma de espectáculo de
massas.
> fig. 54 Dreamland, parque de diversões
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 45
45
Caillois, Roger Os jogos e os
Este fenómeno será traduzido socialmente pelo culto à vedeta, à estrela ou ao
Homens, pp. 143-152 campeão, massivamente explorado pelo cinema, televisão e imprensa, sendo
46
Ibid., op. cit., p. 143
identificada por Roger Caillois como um processo de delegação:45
“A delegação é uma forma degradada e diluída íída da mimicry, a única passível
íível de
prosperar num mundo presidido pelos princípios
íípios do mérito e da sorte, associados.”46
51
Interfaces de visualização O desenvolvimento e popularização das Tecnologias de Informação,
gráficos como o GUI (Graphical
User Interface), desenvolvido nomeadamente do computador pessoal e respectivos interfaces51 vieram permitir a
pela Apple Macintosh em... e fundação de um novo terreno e suporte da actividade lúdica: o espaço virtual52. Ao
interfaces de introdução de
dados como o teclado, o rato contrário de outros dispositivos electrónicos de mediação do real, como a televisão
e aplicado à utilização lúdica o
joystick. ou o cinema, que como vimos promovem uma relação passiva e contemplativa
do sujeito face ao objecto, o espaço virtual exige do usuário a sua participação e
interacção, introduzindo, interpretando e processando dados constantemente. A
caixinha mágica de imagens que nos apresentava outros mundos é lentamente
substituída por uma caixa mágica de ferramentas que nos permite construir
mundos pessoais ou comunitários, interagindo com e dentro deles. É nesse
> fig. 57 Pad , interface de introdução de
dados, usado nos jogos de computador sentido, que o computador veio alterar significativamente a experiência lúdica,
52
Espaço de processamento de
dados digitais, ou o espaço no entretanto degradada desde a Revolução Industrial num crescente processo de
qual e através do qual se proce-
de à mediação digital do real. espectacularização, e do que Caillois denominou de delegação.
53
Recrear (de recreativo) e re- interacção recriativa53 e no que toca à mimicry, a encarnação e representação activa
criar (criar de novo) provêem da
mesma palavra latina recreare de personagens.
A esse respeito, Jorge Martins Rosa propõe a afinação do conceito de mimicry
em três variantes. A primeira variante corresponde à mimicry no seu estado puro,
associada essencialmente a festividades e rituais em sociedades pré-modernas,
como referido na capítulo anterior.
Como segunda manifestação, Rosa apoia-se na noção e terminologia utilizada
por Caillois, considerando o fenómeno da delegação enquanto manifestação
adulterada da mimicry. O autor acrescenta-lhe o termo passiva, para acentuar a sua
natureza e diferenciá-la do que ele considera um outro fenómeno de delegação
54
Rosa, Jorge Martins “No associada por Rosa aos videojogos como uma delegação activa54. De facto, no
Reino da Ilusão”, Edições Vega,
Lisboa, 2000, p. 61-62 caso dos videojogos, o jogador executa as suas acções e jogadas num espaço
virtual, delegadas através de um personagem igualmente fictício, também designado
de avatar. O avatar do jogador poderá conhecer diversas formas, fantásticas ou
humanas, com sexo e idade diferenciadas. Esta personagem, aquele que o jogador
constrói ou escolhe para se representar no campo de jogo irá corresponder ao seu
alter-ego55, personificando virtualmente características com as quais se identifica ou
55
alter-ego é um termo da
piscologia freudiana para gostaria de se identificar.
denominar o outro eu, o
eu idealizado pelo sujeito,
mas que não se manifesta
no espaço real. O espaço
virtual, principalmente quando
conectado em rede, veio
permitir a exploração dos alter-
egos individuais.
Este novo elemento lúdico, a delegação activa, irá ultrapassar o campo dos
videojogos, tornando- se num dispositivo de socialização com a instalação e
difusão da Internet. Desde o seu aparecimento mais massificado em meados dos
anos 90, a Internet rapidamente se assume como um dos meios mais populares de
comunicação (e-mails e FTPs) e de socialização, através de canais de conversação
e fóruns. O indivíduo agora socializa com pessoas de todo o mundo, todas
assumindo uma identidade mascarada, imaginária. Sente-se desta forma mais à
vontade numa primeira abordagem social, liberto da intimidação que a imagem hoje
carrega com todos os preconceitos a ela associados. Este mundo fictício, no fundo
> fig. 61 Lan party, uma forma de jogo social, permite-lhe explorar traços da sua personalidade que
56
O ciberespaço é a geografia no real quotidiano não têm oportunidade de se manifestarem, desdobrando-se no
digital de informação que corre ciberespaço56 em múltiplos alter-egos ou avatares.
em redes informáticas
Esta forma activa de delegação verifica-se também nos videojogos. Num primeiro
momento, os videojogos estabeleciam uma interacção biunívoca, ou seja em
dois sentidos (homem-computador/computador-homem). A possibilidade de ter
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 47
57
inspirados nos Role Playing os computadores conectados em rede, seja uma rede restrita, seja a Internet,
Games, como o Dungeos & Dra-
gons, os MUDs são plataformas permitiu desenvolver plataformas lúdicas multi-jogadores. Aqui a interacção torna-se
multijogadores, cujo interesse é
o desempenho de um persona- interpessoal, em que pessoas de todo o mundo participam e interagem partilhando
gem num complexo sistema so-
cial, cultural, político. No fundo, um cenário virtual comum. Neste sentido, o jogador deixa de ter uma máquina como
os MUDs são mundos paralelos
que vivem da interacção dos adversário, a máquina torna-se apenas na plataforma que cria a matriz lúdica e
seus participantes. São por isso regula as condições de jogo entre vários indivíduos. Dependendo da natureza dos
sistemas abertos e indetermina-
dos, crescendo e desenvolven- jogos, há casos57 em que os jogadores constróem o próprio mundo que habitam,
do-se, simulando o crescimento
de uma sociedade real. podendo definir o seu ecossistema, arquitectura, etc.., a personalidade e vida social
58
É o caso do jogo Sims on line,
em que cada personagem simu- do personagem que encarnam58. Aplicados a plataformas multi-jogadores, verificam-
la viver num mundo semelhante
ao nosso. Cada jogador tem de se verdadeiras comunidades virtuais, mundos paralelos ao nosso, nalguns casos
arranjar emprego, comprar casa,
desenvolver amizades e relações desenvolvendo uma economia própria59.
amorosas. Sendo um jogo em
rede, os jogadores interagem
entre eles, desenvolvendo rela-
ções reais num mundo virtual.
59
O Project Entropia é um MUD,
um mundo fantástico, igual-
mente ficcional com monstros
e combates. Distingue-se de
outros por ter um sistema eco-
nómico próprio. Os jogadores
precisam de ganhar dinheiro
para comprar armas. Para isso
têm de trabalhar para outro joga-
dor, numa loja ou café. Conside-
rando que os jogadores podem
trocar dinheiro real na moeda de
câmbio deste mundo virtual, há
jogadores que ganham dinheiro
real, à custa da exploração do
sistema económico do jogo.
Este tipo de dispositivo, que permite uma prática lúdica interpessoal, irá introduzir
uma dimensão humana, que os videojogos não tinham, sendo responsável pelo sua
rápida popularização e crescimento a partir de meados dos anos 90. Os espaço
60
virtual em rede60 é agora um grande palco de representação, um grande jogo, em
quer em plataformas multi-
jogadores quer em canais de que todos encarnam um papel ou personagem. As características da mimicry, antes
conversação
61
dentro da Internet assume-se perdidas na sua forma degrada e passiva, ganham uma nova vida e sentido. Milhões
o Inglês como Idioma universal
62 de pessoas em todo mundo estão conectadas em rede, partilhando e trocando
estou-me a lembrar de deter-
minados meios em que o indiví- informações, jogando e representando, socializando, ultrapassando condicionantes
duo não pode manifestar livre-
mente determinadas opiniões físicas como a posição geográfica, a etnia ou idioma de origem61, a posição social,
ou comportamentos como em
ditaduras políticas, religiosas, a imagem física, a idade ou mesmo situações de controle exterior, como a censura
em meios sociais conservadores
ou em situações de reclusa.. política, familiar, religiosa e social62.
66
Realidade Aumentada é termo é interactividade e conectividade, ao contrário da passividade, esgazeamento e
técnico utilizado para designar
tecnologias que sobrepõem esvazeamento de consciências das gerações anteriores, sobretudo marcadas
ou hibridizam dados físicos do
mundo real com dados digitais pelo poder da televisão. Começa-se a verificar então a utilização de dispositivos
do mundo virtual. È o caso por
exemplo de programas que nos interactivos em ambientes recreativos e pedagógicos, como nas escolas e museus.
permitem observar no compu-
tador imagens vídeo em tempo Mesmo a própria Indústria televisiva correrá o risco de perder terreno e popularidade
real de um lugar e alterar, por se nos próximos anos não aderir a um modelo interactivo, actualmente em fase de
exemplo as cores da fachada
ou a música de fundo. Outro desenvolvimento.
tipo de aplicação existente são
capacetes com visores, que
além de vermos o espaço real,
sobrepõem informação digital Mas se a interactividade e conectividade vêm alterar a forma como percebemos e
no campo de visão, como por
exemplo o mapa da cidade ou nos encaramos perante o mundo, despoletando uma atitude lúdica e participativa,
as coordenadas geográficas. esta não se esgota no espaço virtual ou em dispositivos electrónicos.
A Realidade Aumentada é um
fenómeno emergente e bastante A Realidade Aumentada66, fundindo e hibridizando o real com o virtual, poderá
recente, vendo já algumas apli-
cações na arquitectura. No en- trazer aplicações inovadoras, inclusive no campo disciplinar da arquitectura,
saio The Poetics of Augmented
Space:Learning from Prada, Lev integrando dispositivos próprios do mundo digital no espaço real, seja no espaço
Manovich interpreta projectos
dos NOX, como o pavilhão H20 urbano como no espaço doméstico. Apoiando-se em sistemas móveis de
e de Rem Koolhaas, como os
dispositivos de exposição das comunicação como o telemóvel e de sistemas de posicionamento, como o GPS,
lojas Prada (desenhados em co-
laboração com a firma Kramde- empresas como a Ydreams ou a Mix Media Lab estão a trabalhar e a explorar
sign) como exemplos recentes
de arquitecturas que integram soluções em que fazem da cidade real o cenário físico dos seus jogos67.
tecnologias de RA.
67
A empresa portuguesa Ydre-
ams, desenvolveu um jogo RA,
baseado na tecnologia móvel da
rede celular Vodafone. Underco-
ver é o primeiro jogo de estraté-
gia multijogador para telefones
móveis. A posição real do
jogador é a principal ferramenta
para o cumprimento de diversas
missões. É um enredo virtual,
fazendo do jogador um agente
secreto num mundo devastado
pelo terrorismo e guerras biológi-
cas, tendo como campo de jogo
o mundo real. Temos também o
exemplo do recentemente lança-
do Human Pac-Man, desenvol-
vido pela empresa de Singapura
Mixedmedia Lab. É uma adap-
tação da tradicional Pacman, > fig. 68 e 69 dispositivos utilizados em jogos de Realidade Aumentada
usando os meandros da urbe
como labirinto. Existem 4 joga-
dores, dois jogadores no espaço
físico, o Pacman e o Ghost, em
que um tem de apanhar o ou-
tro, e os respectivos ajudantes 4. O princípio
íípio lúdico e sua interpretação na composição
o art
artííística
stica e arquitectónica
sentados ao computador. Estes
dois vão acompanhando o jogo
e dando informações. Como forma de síntese ao que neste capítulo foi considerado sobre o jogo,
pareceu-me fundamental definir resumidamente instrumentos de interpretação
e de produção que possam servir o campo disciplinar artístico e arquitectónico.
Nesse sentido procurei interpretar algumas manifestações da História da Arte e da
Arquitectura à luz do que podemos designar como princípioíípio lúdico. Pretende-se
desta forma identificar algumas formas e maneiras de desenvolver situações lúdicas,
como referência a uma possível prática projectual que pretenda encarnar uma visão
lúdica e dinâmica da realidade.
Entenda-se por princípio lúdico, qualquer tipo de dispositivo imagético ou espacial,
que convide o sujeito a participar e interagir numa certa forma de ilusão e de
jogo, desafiando a sua destreza (física ou intelectual - agôn), o seu imaginário e
capacidade de simulação - mimicry ou a experiência de vertigem e de desorientação
(ilinx).
Não incluo como constituinte deste princípio a classe alea ou a experiência da
aleatoriedade e do azar; a não ser que associado às características enunciadas.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 50
> fig. 72 gruta artificial com jogos de água, de Salomon de Caus, projectado para Hortus Palatinus
> fig. 80 quadro de Magritte > fig. 81 instalação de Marcel Duchamp > fig. 82 performance de Yves Klein
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 53
75
Autor entre outros textos de Em finais dos anos 50 surge uma organização de artistas e intelectuais, que
A Sociedade do Espectáculo,
obra comentada no primeiro utilizarão a arte, como forma de combate subversivo ao regime capitalista. A
momento deste trabalho
Internacional Situacionista, liderada por Guy Debord75, nasce em 1957 e durará até
1972, resultando da união de três agrupamentos de artistas em dissidência com a
arte: o Comité Psicogeográfico de Londres, a Internacional Letrista e o Movimento
para uma Bauhaus Imaginista.
Este movimento tentará levar a prática lúdica dadaísta e surrealista mais longe,
procurando integrar a arte no quotidiano, entendendo a arte como uma forma
de estar e viver, do ser humano se exprimir, e não como um exercício exclusivo
> fig. 83 planta de New Babylon
76
Aplicando a Teoria da Deriva, de um determinado círculo cultural. Esta formulação é inspirada na leitura do
os Situacionistas passeavam
pela cidade, deixando-se perder livro já mencionado de Huizinga, interpretando-a no sentido de fazer da arte e
por locais inóspitos, à procura da vida um grande jogo, tentando formular uma sociedade, em que o indivíduo
da leitura de uma outra cidade
oculta, uma espécie de cité-trou- interage socialmente e politicamente pelo exercício da prática lúdica. Através do
vé. Os mapas psicogeográficos
são a tentativa de representar desenvolvimento de cartografias psicogeográficas da cidade76 e da formulação de
graficamente, a cidade como
experiência e não como forma, um urbanismo unitário, baseado na construção de situações77, os Situacionistas
cartografando a intensidade
de determinados momentos e criticam ferozmente o urbanismo modernista, zonificado, mecanicista e inumano.
situações, identificados subjec-
tivamente.
77
Inspirada pela Teoria dos O projecto New Babylon do artista plástico situacionista Constant, será a tentativa
Momentos de Henri Levefbre,
onde o espaço é interpretado de materializar uma cidade para uma comunidade liberta do sistema capitalista e
segundo eventos ou momentos
de experiência, a situação orientada para a ludicidade. Inspirado pelos acampamentos ciganos, Constant irá
construída é definida no primeiro
número do jornal da IS como propor uma cidade de crescimento espontâneo, construída pelos seus habitantes,
“um momento da vida, concreta
- e deliberadamente construído que por ela derivam nomadicamente, transformando e (re)criando os ambientes
pela organização colectiva de que habitam. Quer pelas propostas utópicas de Constant, quer pelos exercícios
um ambiente unitário e um jogo
de eventos?” de deriva, desvio e desorientação, para os Situacionistas a cidade é uma enorme
plataforma lúdica, espaço condutor e catalisador de desejos e receios de uma
sociedade orientada para o prazer do jogo, do erotismo e do nomadismo errático.
O princípio
íípio lúdico adquire nos Situacionistas uma força estruturadora de todo o
seu discurso político e artístico. Na arquitectura, apesar das propostas utópicas
de Constant, a tentativa de adoptar um princípio lúdico na construção de espaços,
permanece tímida e pontual.
Será a obra de Cedric Price78 a única a integrá-lo de forma operativa num
dispositivo espacial. À semelhança da New Babylon de Constant, no projecto Fun
Palace, os utentes do edifício manipulam dispositivos transformadores do ambiente
e da configuração do espaço. O edifício é um enorme jogo, um enorme mecanismo,
desenhado e determinado pelo usufruto lúdico dos seus utentes.
> fig. 84 e 86 aspectos da maquete de
New Babylon
78
e paralelamente, sob um
registo mais gráfico e panfletário,
a obra de uns Archigram,
Superstudio e Archizoom
79
formado em arquitectura, Mat- No campo artístico, é principalmente entre as décadas de 50 e 70 que se afirma
ta-Clark desenvolve uma prática
crítica e intervencionista, explo- um tipo de prática experimental, que explora ludicamente vários tipos de suportes
rando o conceito por ele criado
de Anarchitecture (Anarchy + e linguagens. Artistas como Gordon Matta-Clark79, Dan Graham80 ou Vito Acconci81,
Architecture).Matta Clark intervi-
nha em edificações abandona- integram na sua obra um discurso que explora o espaço arquitectónico e a sua
das ou neutrais, que passavam
normalmente desapercebidas. percepção. Descomprometida de uma relação contratual com o poder, da qual
Entre 1974 e 1978, data da sua a arquitectura subsiste como instrumento de representação, este tipo de prática
morte, Matta-Clark desenvolve
aí uma série de trabalhos como experimental e crítica do espaço, começará a ter mais influência no campo
Splitting, em que explora as
capacidades expressiva desses disciplinar arquitectónico a partir de inícios dos anos 90.
edifícios ao cortá-los literalmente
em secções, ou abrindo bura-
cos que atravessam o cons-
truído, como que dissecando
cadáveres arquitectónicos.
80
À semelhança de Matta-Cla-
rk, também a obra do artista
americano Dan Graham reflecte
questões de índole espacial e
arquitectónica, desenvolvendo
jogos de auto-percepção do
sujeito no espaço. Numa primei-
ra fase Graham explora o sinal
vídeo, em conjunção com vidros
unireflexivos (translúcidos de
uma lado e reflectores do outro),
> figs. 88, 89 e 90 Dan Graham
numa clara alusão crítica à pro-
fusão de sistemas de videovigi-
lância.. Desta forma, nas suas O reinsurgimento de um princípio lúdico na configuração da experiência espacial,
instalações, transforma muitas
vezes o sujeito que observa ou deve muito ao desenvolvimento de Tecnologias de Informação e da exploração
vigia, num sujeito igualmente
observado e vigiado por outros de dispositivos de interacção e conectividade em rede. Artistas e arquitectos
participantes, invertendo os
papéis audiencia/performer para multimédia como Rafael Lozano-Hemmer, Christian Möller, Rude Architects ou os
performer/audiencia. Posterior- Chaos Computer Club82 enunciam intervenções no espaço urbano, configuradas
mente Graham irá explorar as
capacidades reflexivas do vidro, pela participação de utentes na Internet. Entramos já no domínio da Realidade
jogando com a forma e geo-
metria de pequenos pavilhões, Aumentada e no vasto campo de potencialidades que esta oferece para a integração
procurando criar situações
percepcionais ambíguas entre de um princípio lúdico na disciplina arquitectónica contemporânea. Recentemente
os limites de interior e exterior.
Tendo tido recentemente uma podemos encontrar exemplos na obra dos NOX ou dos Diller + Scoffidio83 de uma
retrospectiva no Museu de Ser-
ralves, podemos encontrar um abordagem projectual que integra dispositivos lúdicos de manipulação e interacção
dos seus pavilhões no jardim
deste museu no Porto. digital homem/espaço na configuração formal e programática do edifício.
81
Igualmente proveniente do
meio artístico, Vito Acconci,
dedica-se há cerca de 15 anos
a projectos e instalações ar-
quitectónicas no meio urbano.
Com um forte carácter lúdico
e descomprometido, Accon-
ci introduz o sentido crítico e
irónico próprio da sua prática
artística no campo disciplinar
arquitectónico.
82
Destes autores, na sua maior
parte formados em arquitectura,
destaca-se uma obra experi-
mental que procura redefinir os
limites da intervenção arquitec-
tónica, explorando tecnologias
de Realidade Aumentada como
mecanismo de configurar o > fig. 91 Vectorial Elevation de Rafael Lozano-Hemmer > fig. 92 Blinkenlichts de Chaos Computer Club
espaço; na minha opinião meios
igualmente legítimos que os
tradicionais, permitindo o de-
senvolvimento de uma estética
digital em fusão com uma estéti-
ca material.
83
Também os arquitectos nova-
iorquinos Diller+Scofidio explo-
ram através da prática artística,
nomeadamente em instalações
multimédia, um discurso expe-
rimental que será aplicado na
construção dos seus edifícios,
como o Blur, na Expo 02 em
Neuchattel ou o EyeBeam, em
Nova Iorque
> fig. 94 corte diagramático dos circuitos electrónicos no projecto
> fig. 93 interior de Eyebeam, proposto por Diller+Scofidio Eyebeam
> fig. 95 Liebeslabyrinth de Vries, labirinto do amor
2
Kern, Hermann Labyrinthe, A etimologia da palavra labirinto está ainda por definir, embora alguns autores
Prestel Verlag, 1999, p.17 apontem2 para a possibilidade, de esta devir do termo grego labrys (duplo machado)
e do pos-fixo préhelénico inthos, que significará possivelmente lugar ou casa de.
Sabendo que o duplo machado era o símbolo do reinado de Minos na cidade de
Cnossos em Creta, poderemos interpretar o termo labyrinthos como “a casa do
duplo machado”, remetendo directamente para o palácio cretense de Cnossos.
Embora não provada, esta hipótese permite-nos prever a idade da palavra,
remontando, pelo menos à Idade do Bronze Médio (entre 2000-1600 a.C.), época da
construção dos palácios minóicos ie da consolidação de Cnossos como a primeira
> fig. 96 duplo machado minóico, labrys grande cidade do Egeu.
3
embora me foque nas culturas
Entre 3000 e 1000 a.C., o Mar Egeu será o berço das duas primeiras grandes
minóica e micénica, há que culturas europeias3: a cultura micénica, localizada no actual território continental
mencionar igualmente a cultura
troiana, desenvolvida no grego, representada por cidades como Atenas, Esparta, Corinto, Micenas ou
território da Anatólia, tendo
como grandes urbes Troia, Sa- Delfos, e a cultura minoíca, que se desenvolve no arquipélago das Cíclades
mos ou Mileto.
e essencialmente concentrada na ilha de Creta. Tendo nascido e terminado
quase paralelamente e partilhado o mesmo espaço marítimo, a arquitectura
destas duas culturas é de natureza praticamente antagónica. Curiosamente,
enquanto que a civilização micénica desenvolve uma arquitectura composta na
articulação de volumes puros e monolíticos, os megaron, a arquitectura minóica
caracteriza-se desde os seus primórdios pelo oposto, desenvolvendo estruturas
espaciais complexas, orgânicas e fragmentadas; melhor dizendo labirínticas. A
abstracção geométrica e depurada da arquitectura micénica está orientada para
a monumentalidade e representação formal, com volumes puros e fechados,
linguagem essa que terá uma influência determinante na linguagem arquitectónica
grega. Por outro lado, a estrutura e articulação espacial construída pela civilização
> fig. 97 megaron micénico
minóica, é de matriz evolutiva e aberta, aglomerando inúmeros espaços em grandes
massas de construção.
nome. Será também nesta ilha que se desenvolve a figura canónica do labirinto
unicursivo de 7 voltas e que terá lugar a famosa história de Teseu e do Minotauro
encarcerado no famoso labirinto construído por Daedalus. Estamos perante
uma civilização que faz do labirinto a sua cultura espacial, figurativa e sagrada,
possivelmente uma perante cosmologia-labirinto.
> fig. 99 gravura do labirinto cretense
4
Hermann Kern estudará essen-
O historiador Hermann Kern estudará o labirinto cretense, considerando ser esta
cialmente labirintos unicursivos, a sua manifestação figurativa mais antiga. Na sua formulação canónica4, este é
especialmente nas suas mani-
festações gráfico-simbólicas, unicursivo, ou seja não apresenta bifurcações, é fechado para o exterior, tendo
literárias e de funções coreográ-
ficas, considerando os labirintos apenas uma entrada e desenvolve-se pendularmente em 7 voltas até um espaço
espaciais bifurcados sob outra
designação e exteriores central. Esta figura aparece já nas moedas de Cnossos, em forma circular ou
ao seu campo de investigação
quadrangular, a partir do 5º século a.C.. Mantém-se, no entanto, debaixo da dúvida,
a relação directa desta figura com uma edificação, apesar de a palavra labyrinthos
aparecer em fontes escritas associada a espaços ou edificações geradoras de
desorientação, pelo menos desde o tardo-helenismo
5
Ibid., p.23 É interessante salientar a hipótese de Hermann Kern para a origem da figura
do labirinto cretense. Esta terá tido inicialmente funções coreográficas5, fixando
graficamente no chão as pistas de movimentação de uma dança do mesmo
nome Labyrinthos, estando também associada nalgumas gravuras a uma dança
guerreira da época, denominado de Troaie Lusus, executada a pé ou a cavalo e
> fig. 100 Troaie Lusus seguindo igualmente os movimentos marcados pelo labirinto de 7 voltas.6 Esta
6 estranha dança- labyrinthos, provavelmente de carácter ritual iniciático7, poderá
Ibid., pp. 99-112
7
possivelmente de entrada na ser comparável às danças nórdicas, designadas de Trojaburgs, cujos vestígios
puberdade e vida sexual ou na
sociedade civil (alinhamentos de pedras em forma de labirinto cretense) se encontram ainda hoje
8
Ibid., pp. 391-415 na Suécia, Noruega, Finlândia, Islândia, Inglaterra e Alemanha8e que estarão na
origens das conhecidas danças de Maio.
Embora haja vestígios do antigo palácio de Cnossos, cuja reconstrução de Sir
Arthur Evans aponta para uma organização espacial complexa e “labírintica”, não
se encontraram indícios desta época de uma edificação com a planta da figura
canónica cretense, o suposto labirinto que Daedalus terá construído para encarcerar
o minotauro e de onde Teseus escapou graças ao fio de novelo da sua amada
> fig. 101 alinhamento de pedras Trojaburg
Ariana.
Para o autor alemão, o labirinto cretense terá sido apenas a marcação no terreno
dos movimentos da dança do mesmo nome, eventualmente criada e desenhada por
Daedalus no pavimento do Palácio de Cnossos. Poderá ser também interpretada
como uma dança ritual representativa do episódio protagonizado por Teseu,
sabendo-se da existência desta para além do reinado de Minos, nomeadamente
em Atenas, de onde Teseu era originário e igualmente noutras cidades micénicas.9
Não havendo vestígios históricos que provem a existência de tal edifício, ou mesmo
> fig. 102 planta do Palá
Palácio de Cnossos do dito Minotauro e da mitologia associada, sabemos porém que a figura labirinto
9
Ibid., pp. 49-67 cretense era um signo identificador do poder político e económico minóico (gravado
nas moedas de Cnossos), possivelmente da própria cultura; uma figura com forte
carga simbólica, estruturante da vida social e religiosa dos cretenses.
> fig. 103 aspecto da reconstrução do > fig. 104 moedas de Cnossos
Palácio de Cnossos
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 59
Simbologia e significação
Será a figura canónica do labirinto cretense, estudada por Hermann Kern, que
conhecerá uma maior manifestação como valor simbólico, espalhando-se pelos 5
continentes em várias civilizações e culturas pré-modernas. Esta carrega consigo
a imagem de um percurso tortuoso e solitário que é necessário atravessar para
atingir o centro. O centro adquire também, em diversas culturas, o valor simbólico
da ordem, da união entre sagrado e profano, entre o humano e o divino ou da
transmutação. O labirinto surge então como uma mediação tortuosa entre dois
estados, entre o caos e a ordem, o profano e o sagrado, a vida e a morte.
> fig. 105 labirinto hindu, derivado do
modelo cretense
Sendo representado, como vimos, por rituais dançados, como a dança de Teseu
ou dança dos grous, encontram-se nos Trojaburgs nórdicos ou até em danças
chinesas (como o passo de Yu) paralelos de danças labirínticas que representam um
ritual de passagem.
Como ritual inici
iniciático, em que só os eleitos após passarem pela prova do tortuoso
percurso desorientador terão o privilégio de chegar ao centro escondido, o labirinto
será utilizado como símbolo e prova de acesso a ordens secretas como a maçonaria
e outras confrarias de construtores. Nesse sentido, o labirinto surge marcado no
pavimento de catedrais góticas, simbolizando simultaneamente a assinatura da
confraria dos construtores e o percurso peregrinatório à Terra Santa. O crente que
não conseguia fazer a peregrinação real percorria em imaginação o labirinto até
chegar ao centro, aos lugares santos. Fazia o trajecto de joelhos, percorrendo, por
exemplo os 200 metros do labirinto de Chartres.
> fig. 106 as peregrinações virtuais no
labirinto de Chartres
O labirinto era igualmente símbolo de um sistema de defesa, guardando no seu
centro algo de precioso ou sagrado. Será por isso usado como sistema militar para
proteger cidades, túmulos ou tesouros de intrusos e estranhos (como no caso dos
túmulos reais egípcios). Só conhecendo os planos do labirinto é que é possível
aceder ao oculto. Nesse sentido é utilizado como figura simbólica de espanta-
> fig. 107 grafitti encontrado sob a entrada
de uma casa romana, em Pompéia
espíritos
í
íritos em diversas civilizações. É o caso dos mosaicos á porta de entrada de
casas romanas ou do guarda-fogo, colocado no meio da passagem central dos
templos chineses. O labirinto protege assim o centro, a casa, o templo ou o próprio
indivíduo, da entrada de espíritos malignos.
10
O sentido do oculto e da descida ao interior de si próprio será analisado por
O Inconsciente ou ID é , se-
gundo a teoria freudiana, um dos Sigmund Freud no início do sec. XX, desenvolvendo teorias sobre o inconsciente10 e
três elementos constituintes da
personalidade, juntamente com o mundo onírico subterrâneo que albergamos. Este mundo paralelo, de linguagem
o Ego e o Superego. É neste
que reside a pulsão libidinal e as simbólica será explorado pelo cientista recorrendo à hipnose e à psicanálise.
pulsões vitais que orientam os
nossos impulsos mais animais. É Através destas descobertas, Freud põe em causa o papel determinante que se
também no ID que se esconde o
misterioso Mundo Onírico atribuía à razão no processo cognitivo humano, desvendando todo um mundo
labiríntico e oculto que se desenrola paralelamente durante o nosso sono e que se
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 60
11
a dupla espiral e a suástica Como antecedentes do labirinto podem ser identificadas formas a que poderemos
- duas espirais duplas sobre-
postas em cruz chamar de protolabirintos. Tal é o caso da espiral e suas variações11, que apesar de
ter em comum o percurso centrípeto e a clausura dos movimentos, distingue-se do
labirinto por ser um percurso contínuo e não pendular, além de não ser uma forma
fechada para o exterior.
> fig. 110 meandro e suástica
12
Mäander ou Flächenmäander Os denominados meandros12, representados com frequência na cerâmica helénica,
13
Veremos adiante, que embora partilham com o labirinto o princípio
íípio do desvio, apresentando geometrias lineares
não devam ser confundidos
com o labirinto clássico, pode- tortuosas e complexas, distinguindo-se deste por não apresentarem qualquer
remos eventualmente enquadrar
os meandros em topologias centro e não serem também necessariamente fechados para o exterior13.
labirínticas de 3º categoria
(estruturas rizomáticas ou em Tipológicamente, podemos interpretar o labirinto em 3 categorias:
rede).
São Paulo, 1996 ou “Rhizom” Se na modernidade, a rede multicursiva apresenta ainda uma estrutura policêntrica
Merve Verlag, Berlim, 1997
26
ver Revista de Comunicação com diversos graus de hierarquia, com a Sociedade da Informação, também
e Linguagens, n. extra, “A cultura
denominada de Sociedade de Redes26, esta torna-se cada vez mais extensa,
complexa e descentralizada nomeadamente através do desenvolvimento de meios
de transporte e de comunicação que permitiram o estabelecimento de redes de
circulação de bens e de informação a nível global.
Podemos encontrar este tipo de estrutura na cartografia das conexões feitas
pela Internet ou telemóveis, nas redes de transportes e de circulação, no sistema
das redes”, Relógio d’Água, nervoso central e nos processadores de computador, ou ainda nos formigueiros e
2002
27
como é o caso dos bairros sociedades humanas espontâneas27.
de lata e das favelas na periferia
das cidades e de campos de É neste contexto que os pensadores Deleuze e Guattari se referem ao rizoma28,
como modelo de construção e interpretação da realidade contemporânea. Descrita
em 1976, na introdução ao livro “Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia”, a estrutura
rizomática é explorada como alternativa ao modelo cognitivo moderno, linear,
dedutivo, contínuo e centralizado, tendo como figura estrutural a raiz fasciculada29.
> fig. 116 rizoma
Da mesma forma Jacques Attali30 irá assumir, pelas mesmas razões, o labirinto
refugiados em terrenos frontei-
riços como modelo de referência da contemporaneidade e emergente para o futuro
28
o rizoma é a raiz dos tubércu-
los, subterrânea , multiconectá- próximo; reconhecendo perante o reinsurgimento de uma prática social e cognitiva
vel e policêntrica, surge como
modelo estrutural alternativo à nomádica, a necessidade do regresso a um “pensamento labiríntico”, fundado na
raiz das árvores, que deriva de
um tronco comum e não esta- intuição e na memória.
belece conexões com outros
ramos da raiz
29
O modelo rizomático explo-
rado pelos autores na própria
estrutura do livro que escreve-
ram, descontínuo, disjuntivo e
heterógeneo. Deleuze e Guatari
estabelecem então 6 princípios
caracterizadores do rizoma. O
primeiro e segundo princípios
são a conexão e a heterogenei-
dade, considerando que qual-
quer ponto do rizoma pode e
deve ser conectado a qualquer
outro ponto. Através da conec-
tividade desenvolve-se uma > fig. 117 representação cartográfica de ligações na Internet > fig. 118 rede neuronal
realidade heterogénea. Como
terceiro princípio, os autores
defendem a multiplicidade. A 3. O corpo e o labirinto
multiplicidade é a expressão da
natureza, e só através da indife-
renciação e a-hierarquização do Relações
rizoma é que ela se pode ver-
dadeiramente realizar. O quarto
princípio postulado é o da rup- O labirinto representa a estrutura espacial que mais pede pelo corpo, não apenas
tura a-significante, defendendo,
à maneira dos dadaístas ou em termos físicos, mas também em termos psíquicos.
surrealistas, modelos cognitivos
que cortem com estruturas sig- Caracterizando-se, essencialmente pela complexidade dos seus percursos e
nificantes, desterritoralizando-as conexões, o espaço labiríntico tem como princípios espaciais a desorientação e a
e assim poder conjugá-las e
hibridizá-las noutros contextos. clausura. Estes dois princípios fundamentais provocam no percorrente estados de
Por fim surgem os princípios
da cartografia e decalcomania, desejo e ansiedade alternados com os de desespero e frustração. Todo o percurso
sugerindo a cartografia como
um meio de produzir conexões labiríntico é solitário e desgastante, bem como enigmático e delirante, estimulando
e relações entre campos distin-
tos, permitindo assim a criação todos os nossos sentidos - capacidades físicas (motoras e preceptivas) e psíquicas
de novas realidades. Por outro
lado a decalcomania surge (racionais e intuitivas)- numa coreografia combinada. Dentro do labirinto apelamos
como modelo arborescente de
reproduzir uma realidade como em simultâneo ao corpo, mente e espírito, utilizando o nosso organismo total como
ela é, sem nada acrescentar
ou transformar. Ver Deleuze, única matéria e instrumento para a sobrevivência.
Gilles+Guattari, Felix Mil Platôs, Tentei, assim, enunciar resumidamente algumas da características que definem a
vol. 1, Editora 34, São Paulo,
1996, pp. 11 - 37 íntima relação da experiência corpórea com a experiência espacial no labirinto.
30
ver Les labyrinthes de
l‘Information, jornal Le Monde,
9 de Novembro 1995, p.18 ou
www.synec-doc.be/doc/attali.
htm
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 63
Desorientação
31
Como já referido no capítulo A desorientação corresponde basicamente a um estado físico ou psíquico de
anterior, o percurso labiríntico
simboliza, através da desorienta- perda de sentido, encontrando-se o sujeito à deriva, sem referências ou signos que
ção e da reorientação, um ritual possa identificar dentro de um sistema semântico (ou sistema de significação).
de passagem, em que o sujeito
morre de um estado e renasce Como vimos anteriormente, o estado de desorientação é explorado como actividade
num outro estado; ou seja ne-
cessita de destruir ou esquecer lúdica na classe dos jogos de vertigem ou ilinx. O espaço labiríntico tem como
determinados códigos semânti-
cos, para renovar-se e ascender princípio e propósito compositivo a provocação de desorientação espacial, estando
a um estado superior onde
impera um sistema semântico associado enquanto ritual a uma prova de destreza à capacidade de superar a
distinto. O caso particular dos
ritos iniciáticos de determinadas sensação de pânico e desamparo induzida pela desorientação. Neste sentido o
seitas secretas como a franco-
maçonaria é um exemplo con- percurso labiríntico pode ser considerado uma situação particular de uma actividade
temporâneo desta simbologia.
âgon, associada a um espaço ilinx.31
Interactividade
Uma das características essenciais da experiência lúdica, e por conseguinte do
percurso labiríntico é a condição de permanente interactividade entre o sujeito e o
seu meio. Através da experiência interactiva com o espaço, completamente adversa
à experiência passiva do espectador, o sujeito toma consciência da sua existência
corpórea total, numa dialéctica pendular, saindo e entrando de si próprio.
Sensorial
Em nenhum outro tipo de espaço, estamos tão receptivos a todo tipo de estímulos
sensoriais, podendo ser elementos da chave que procuramos para decifrar o
enigma.....
O labirinto é por isso um espaço extremamente sensório, onde a consciência do
corpo subjectivo adquire a sua expressão máxima na sua relação com o meio.
Por esta razão o labirinto é para autores como Bernard Tschumi, ou A.Moles, o
arquétipo arquitectónico da experiência espacial
Desejo e Erotismo
“A solução do mistério é sempre inferior ao pr
próprio mistério. O mistério é que tem a
ver directamente com o divino; a solução com um truque de prestidigitador.”
J. L. Borges in Aleph
33
o qual para Freud representa simbólico, é aquilo que esperamos encontrar, algo desejado33; inatingível sem a
a descida do eu consciente ao
encontro do seu inconsciente. realização do dito percurso pelo labirinto. A relação do oculto com o nosso corpo
Neste contexto, o labirinto ad-
quire o valor simbólico do oculto remete-nos directamente para o desejo e para a pulsão libidinal, residente no ID, o
e irracional dentro de nós; do
mundo inconsciente e onírico nosso Inconsciente.
que fabricamos e habitamos
diariamente e que com a Idade
Moderna sofre uma ruptura de Categorização fenomenológica
significado total.
Influenciados pelos estudos
sobre o inconsciente de S. O sociólogo e fenomenologista Abraham Moles e a psicóloga Elisabeth Rohmer,
Freud e do papel estrutural que
este tem na nossa percepção exploram no livro “Labyrinthes du VVécu”34 as características fenomenológicas do
do real, surge um movimento de
artistas plásticos e escritores no labirinto enquanto figura arquetípica da experiência espacial.
início do séc. XX, que procura-
rão descer ao seu inconsciente Segundo o autor é a complexidade do labirinto, que conduz o indivíduo à errância,
e recuperar a ligação perdida
entre o mundo dos sonhos e o desorientado por ter um conhecimento fragmentado e visualmente limitado do
mundo da vigília, fazendo desta
experiência a matéria-prima das espaço. É recorrendo à memória e ao mapeamento cognitivo que o percorrente do
suas criações artísticas – os
surrealistas. labirinto se pode orientar, estabelecendo constantemente uma correlação espacial
34
Moles, Abraham e Rohmer, entre o seu passado e o seu devir motor.
Elisabeth “Labyrinthes du Vécu:
l’espace: matiére d’actions”, Moles estudará as propriedades de estruturas labirínticas, que se manifestam
Librairie des Meridiens, Paris,
1982 no nosso quotidiano, considerando que a experiência espacial da cidade
contemporânea é caracterizada pela deriva do indivíduo em diversos labirintos,
como ruas, galerias, centros comerciais, etc.. Defende ainda, no seguimento de
trabalhos anteriores35, um arte espacial baseada na estética informacional, ou seja
baseada no conceito de que a percepção espacial se organiza numa sequência de
micro-eventos, de ambientes carregados de estímulos sensoriais variados. Neste
> fig. 119 cartoon sobre a cidade enquanto sentido, a estrutura labiríntica surge como a estrutura de referencia na construção
espaço labiríntico
35
Moles, Abraham e Rohmer, de paisagens de micro-eventos, considerando não apenas as suas propriedades
Elisabeth “Psychologie de topográficas, mas igualmente enquanto estrutura organizadora da difusão de
l’espace”, Ed. Casterman, Paris
1972 estímulos sensoriais variados, como símbolos, textos, imagens, sons, cheiros, etc..
Pela intensa relação que o labirinto estabelece entre uma percepção sensitiva e um
36
Moles, Abraham e Rohmer, devir cinético, dinâmico, a arte dos labirintos é uma arte sensorio-motora, arquétipo
Elisabeth “Labyrinthes du Vécu:
l’espace: matiére d’actions”, espacial do desenvolvimento de uma arte espacial mais rica e humana, háptica,
Librairie des Meridiens, Paris,
1982, pp. 82 - 94 estimulante e lúdica.36
39
segundo a mitologia grega, o
Na mitologia associada ao labirinto de Creta39 podemos ler duas formas distintas
labirinto de Creta foi construído de sair do labirinto. Teseu resolve-o no plano horizontal, percorrendo o labirinto
pelo arquitecto Daedalus, a pe-
dido de Minos, rei de Cnossos. desenrolando atrás de si o fio dado por Adriane, marcando desta forma o percurso
Neste espaço, Minos encerrou
o Minotauro, o fruto adúltero da efectuado. É uma solução “engenhosa”, racional, uma regra encontrada para a
sua mulher Persefone com um
touro branco enviado por Posei- problemática deste labirinto, sugerida, segundo se diz, por Daedalus a pedido de
don. Meio homem, meio touro,
o Minotauro exigia todos os Adriane.
anos o sacrifício de 7 rapazes
e 7 raparigas virgens. Quando
o semideus Teseu chegou à
ilha, a filha de Minos, Ariana,
apaixona-se, tencionando partir
com Teseu. Minos promete a
Teseu a mão da sua bela filha,
se este entrasse no labirinto
e matasse o Minotauro. Não
querendo perder a companhia
de sua filha, Minos encontrou
uma solução adequada, saben-
do que do labirinto ninguém
conseguiria escapar. Quando
Ariana soube dos planos do pai,
implorou a Daedalus que lhe
ajudasse, visto não querer que o
amado se perdesse eternamen-
te nos meandros do labirinto.
Daedalus, afirmando não ter
os planos deste, piscou-lhe o
olho ao olhar para a máquina de
tecer que Ariana tinha no quarto. > fig. 123 Teseu e o Minotauro > fig. 124 Daedalus e Ícaro
Assim Teseu entrou no labirinto,
desenrolando um fio de lã, que
lhe serviu de guia para sair,
depois de ter morto o monstro. E é o mesmo Daedalus, arquitecto do labirinto, que quando se encontra
Teseu partiu com Ariana e Minos encarcerado dentro da própria obra com o seu filho Ícaro, oferece uma solução
ficou irado, culpando Daedalus
pelo sucedido e encarcerando-o que pode ser considerada o paradigma da solução transgressiva. Conhecendo
dentro da própria construção.
40
entregue à aleatoriedade seria bem a complexidade da obra que desenhou, Daedalus não se escapa do labirinto
praticamente impossível de se
escapar percorrendo-o40, mas voando. Sendo este a céu aberto Daedalus constrói dois pares
de asas com penas caídas dos pássaros, galhos de arbustos e cera.
Escapando pela ascensão, Daedalus e Ícaro transgridem a problemática do
labirinto, voando para longe das suas muralhas, elevando-se sobre o caos e a
complexidade.
4. O labirinto e jogo
Afinidades
seu centro uma pequena torre interpretado através de uma narrativa unificadora de carácter mitológico e simbólico-
ou pavilhão denominado de
Casa de Daedalus, o qual além religiosa. Tal é o caso da obra de Pirro Ligorio e de Salomon de Caus nos jardins
de servir de ponto de
referência ao percorrente do de Heidelberg o Hortus Paltinus ou os de Vila Lante, Vila d’Este e Bomarzzo e ou das
labirinto lhe permite, uma vez
chegado ao destino, aí subir e propostas não construídas de Athanasius Kircher. Nestes jardins, o labirinto não é
observar a planta do jardim;
percebendo, através de uma só um dos elementos que pontua o jardim, mas todo o jardim tem por matriz uma
vista aérea, o percurso que fez
e as encruzilhadas que errou. topologia labiríntica, pontuado por máquinas, autómatos, monstros, cataratas, etc..
Como tema de composição Como já referido anteriormente, todo o jardim é uma paisagem lúdica, um mundo
ornamental e /ou de atracção
lúdico-recreativa do jardim, o fantástico, integrando paisagem, arquitectura e ficção de forma primorosa. Não
labirinto multicursivo será objec-
to de múltiplos desenhos e querendo com esta afirmação desprestigiar a qualidade arquitectónica do jardim
tratados até meados do século
XIX. Sofrendo variações na sua maneirista, poderemos interpretá-lo como um antecedente dos parques temáticos
natureza tipológica, este come-
ça a aceitar múltiplos fantásticos como a Disneylândia.
centros de hierarquias diferen-
ciadas e mais que um ponto de
entrada e saída. O mesmo não podemos afirmar para o jardim barroco. Usando igualmente o
labirinto como mote compositivo, este perde o seu carácter lúdico, imersivo e
fantástico, instrumentalizando a paisagem e a arquitectura numa atitude mais
representacional. O labirinto surge como elemento de atracção mais visível do que
percorrível, integrado numa paisagem de plataformas ou parterres de vegetação
rasante. É o caso do jardim de Versalhes ou das Tulherias, em França, onde vários
> fig. 126 labirinto com Casa de Daedalus
no centro labirintos se sucedem como padrões gráficos de um tabuleiro.
45
Entre os quais se encontram
interessantes exemplos portu-
gueses estudados por Anna
Hatherly em “A casa das Musas”,
Editorial Estampa
> fig. 128 jardim de Vila d’Este
Manifestando-se de forma intensa, embora pontual, nos jogos infantis, nos jardins
maneiristas e nas diversões de feiras populares, o labirinto assumirá um papel fulcral
e estruturador como cenário narrativo e espacial dos jogos de computador.
Como cenário e estrutura espacial, surge logo nos primeiros arcades,
nomeadamente em jogos como o Pac Man (1980) ou Donkey Kong (1982). Nesta
primeira fase, durante a década de 80, a estrutura labiríntica é explorada apenas
> fig. 130 Pacman bidimensionalmente , seja em planta, como no Pac Man ou em corte, como no
Donkey Kong ou no Super Mario Bros (1990). O desenvolvimento de motores
gráficos 3D vem alterar significativamente a experiência lúdica espacial dos jogos de
computador. É então a partir de inícios dos anos 90 que surgem os primeiros jogos,
onde o labirinto é vivido e percorrido tridimensionalmente47, como o Doom (1993)
ou o Quake (1996), em o jogador deixa de associar ao labirinto uma representação
gráfica abstracta para nele entrar e o habitar. Esta diferença é significativa, pois se
> fig. 131 Donkey Kong
47
embora o primeiro jogo com no primeiro caso, o jogador tem uma vista “superior” do campo de jogo, movendo-
visualização 3d é o Star Raiders
de 1979 se nele como que “controlando peças num tabuleiro”, já no segundo caso ele
vivencia a experiência espacial de “uma das peças do tabuleiro”, perdendo a visão
de conjunto que tinha, em prol de uma leitura espacial fragmentada e incerta, própria
do percurso labiríntico. Alguns jogos, dada a complexidade do espaço e do enredo,
permitem ao usuário utilizar mais que uma perspectiva do jogo, podendo alternar
entre a visão aérea e carto-gráfica em 2D ou a simulação da visão encarnada no
avatar em 3D.
> fig. 132 Unreal Tournament
Para além do cenário espacial, onde nos movemos, também podemos considerar
a estrutura narrativa de alguns videojogos como labiríntica, nomeadamente
51
um hipertexto, é um texto
rizomática. Derivado da noção de hipertexto51, surge o termo hiperficção para
construído com hiperligações, designar tramas narrativas onde o leitor ou jogador poderá desenvolver dentro de
ou seja, determinadas palavras
dentro do texto, permitem-nos uma matriz, diversas estórias diferentes, consoante as opções que for tomando. É
aceder instantaneamente a
outros textos. o caso de jogos como o Dungeons & Dragons, bastante populares na década de
52
Multi User Dungeons, desig-
nação actual para plataformas 80 e 90, em que a trama narrativa se cria e desenrola, segundo as jogadas de cada
multijogadores, cujo mundo é
definido através participação e participante. Estamos perante estruturas hiperficcionais, indeterminadas e evolutivas,
interacção dos seus habitantes. logo rizomáticas, que influenciarão o desenvolvimento dos chamados MUDs52 em
plataformas virtuais.
A claridade labir
labiríííntica
ntica canta os dois.” Aldo van Eyck
Para alguns autores, a história da arquitectura pode ser lida à luz de uma
polaridade entre o caos e a ordem, manifestando-se espacialmente entre a
racionalidade abstracta e o emocional concreto. Jacinto Rodrigues recorda-nos a
> fig. 136 Merzbau de Kurt Schwitters
mitologia grega para ilustrar esse dualismo:
53
Rodrigues, Jacinto Álvaro Siza: “o Minotauro genésico e criador (instinto e emoção) e Dédalo- a lógica operativa
Obra e Método, Livraria Civili-
zação Editora, Porto 1992, op. do arquitecto construtor; o labirinto mediatiza e estabelece a relação ambivalente do
cit., p.34
caótico. Eros-Minotauro com «Thanatos »- ordem e poder do rei Minos.”53
Perante a perspectiva moderna e nietzschiana de uma dicotomia entre a razão e
a emoção, entre o espírito dionísiaco
í
ísiaco (criador, empírico e embriagado) e o espírito
apolíneo
apolííneo (racionalista, metódico e controlado), parece-me interessante encontrar
o labirinto como seu elemento mediador. De facto, e como referido anteriormente,
no labirinto coexistem duas categorias lúdicas de natureza antagónica: a ilinx ou
vertigem, associada à embriaguez, à vertigem e ao transe, estados incarnados pelo
espírito dionisíaco
í
íaco e o agôn, actividade lúdica caracterizada pela disciplina, método
e competitividade, próprias de um espírito apolí
apolíneo
íneo. Será então através do labirinto
que se realiza o equilíbrio entre a razão e a emoção, entre a arte e o engenho,
legitimando assim o seu criador Daedalus como o primeiro arquitecto da História.
55
funcionalismo/organicismo, Barroco. Já no século XX podemos observar diversas flutuações e correntes opostas
purismo/expressionismo, mini-
malismo/desconstrutivismo coexistentes55, muitas vezes originando linguagens híbridas.
Variações
es da ordem labir
labirííntica
íntica
O elemento definidor de uma espacialidade labiríntica é essencialmente a
sua capacidade de provocar desorientação e inquietação. Simultaneamente,
encarnando o princípio lúdico, o espaço labiríntico goza de um certo poder de
fascinação, estimulando no indivíduo sensações ambíguas e indeterminadas.
Para a leitura de uma sensibilidade espacial labiríntica na arquitectura, apoiei-
me principalmente na forma como os limites espaciais são configurados física- e
visualmente, entendendo o grau ou tipo de desorientação dependente da maneira
como estes são percepcionados.
> fig. 137 Cubic Space Division, gravura de M.C. Escher > fig. 138 sala do Purgatório do projecto Danteum de Guiseppe Terragni
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 73
> fig. 143 pavilhão de Barcelona de Mies van der Rohe > fig. 144 Fundação Cartier de Jean Nouvel
Outra forma de explorar a indefinição do valor dos limites, baseia-se nos estudos
topológicos sobre superfícies não orientáveis. Estas apresentam a propriedade
de serem ciclicamente contínuas e transformáveis, sem terem interior e exterior
definidos, ou seja não são orientáveis. É o caso da espiral de Moebius ou da garrafa
> fig. 145 garrafa de Klein de Klein.
Embora nos anos 60, Friedrich Kiesler, tenha já experimentado as potencialidades
deste tipo de geometria na arquitectura, nomeadamente na Endless House; só
recentemente, graças aos avanços tecnológicos em programas de desenho e
modelação por computador, é que a geometria topológica tem sido fonte de
inspiração para a renovação do repertório formal arquitectónico. A Moebius House
dos Un Studio, a Torus House de Preston Scott Cohen, mas principalmente o
> fig. 146 Endless House de Friedrich
Terminal de Yokohama dos FOA, são exemplos construídos de edificações, cujos
Kiesler limites se exprimem fisicamente ambíguos, deformados, fluídos, e contínuos.
> fig. 147 escultura de Max Bill > fig. 148 Moebius House de Un Studio > fig. 149 Torus House de Preston Scott Cohen
> fig. 150 cinta de Moebius > fig. 151 e 152 Terminal de Yokohama dos FOA
4. Mutabilidade e transfiguração
“Architecture has indeed become recombinant, as has culture and identity, but
recombination soon leads to mutation, mother of monsters and angels. Reality will be
much more alien than we expect.”
Marcos Novak Transarchitectures
Por fim resta-me enunciar aquela que eu considero como a quarta forma de
61
Natali, Vincenzo “Cube”,
Canadá, 1999 provocar desorientação, a permanente mutabilidade ou transfiguração dos limites.
No filme The Cube, de Vicenzo Natali,61 7 personagens vêem-se subitamente
imersos num gigantesco labirinto matricial, uma enorme estrutura cúbica,
subdividida em vários compartimentos espaciais, igualmente cúbicos. Todo o filme
se baseia nas tentativas destes personagens, desvendarem pouco a pouco, a
chave para a saída. Após terem conseguido calcular as dimensões dos limites do
edifício, e definir as suas coordenadas relativas ao perímetro, quando pensavam
terem atingido a saída, verificam que esta não se encontrava onde todos os cálculos
indicavam. Veêm posteriormente a descobrir, que a sala que dá acesso á saída,
se desloca a determinados intervalos de tempo, percorrendo todo o perímetro do
edifício. Bastava que os 7 personagens se mantivessem na sala onde começaram,
e esperar que esta completasse o seu ciclo de mobilidade, para que acedessem
> fig. 153 Cube de Vicenzo Natali
finalmente à saída.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 76
Mas para além dos limites poderem mudar de forma, devemos considerar também
que estes se podem transfigurar, ou seja mudar de figura, podendo induzir, de igual
maneira, confusão e desorientação no indivíduo. É também uma estratégia utilizada
pelo marketing, alterando ciclicamente as cores, formas e símbolos dos espaços
comerciais. Através desta estratégia, garantem que os clientes não se irão cansar
dos produtos que compram, que embora sejam praticamente os mesmos, vão
sendo constantemente reciclados em termos de imagem.
Na arquitectura, só recentemente é que este tipo de situação está a ser
explorada, nomeadamente associada a materiais reactivos ou inteligentes. Com
o desenvolvimento de dispositivos de interactividade em tempo real, estão a sair
no mercado materiais, que reagem cromaticamente, graficamente ou mesmo
fisicamente a qualquer tipo de estímulos exteriores. Neste campo, procura-se
desenvolver um conceito lúdico de uma arquitectura sensível, que como um
organismo manifesta visualmente (output) determinado tipo de variações dos dados
(input) que a configuram. Penso ser este o caminho que permitirá a construção
de uma estética informacional, espacialidades interactivas e conectadas em
rede, definidas por uma matéria híbrida entre o real e virtual, corpos sensíveis que
exprimem a condição fluída e reticular da Sociedade da Informação. É o caso
de experiências como a Torre dos Ventos e a Mediateca de Sendai de Toyo Ito, a
Hipersuperfície dos Decoi, e de grande parte da obra dos NOX ou de Kas Osterhuis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
The highest purpose is to have no purpose at all. This puts one in accord with nature,
in her manner of operation”
John Cage
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 80
Será talvez demasiado precipitado avançar com notas conclusivas, numa fase em
que me encontro ainda em pleno exercício de digestão do material recolhido ao
longo destas errâ
err ncias.
Tendo reunido material no sentido de o aplicar num corpo projectual, os frutos deste
trabalho só começarão a fazer-se visíveis a posteriori , mediados pela tremura da
mão e pela inquietação da linha.
Posso, no entanto, afirmar que algo em mim mudou no que respeita à forma
como entendo e principalmente naquilo que procuro na arquitectura. Talvez não
propriamente uma mudança, diria quase como uma clarificação de postura,
princípio e intenções pessoais. Identifiquei alguns vícios e deixei-os, libertando
espaço para o desenvolvimento de um corpo mais sólido.
Percebi que a arquitectura pode ser muito mais do que um mero exercício formal
e estético em torno de questões espaciais e programáticas. Como prática pode
ser entendida sobretudo como uma linguagem de programação, organizadora
de eventos, estímulos e espaços. Liberta de filiações estéticas ou estilísticas, a
arquitectura poderá aceitar e encarar a beleza da sua nudez, para finalmente
assumir uma postura mais relacional e menos exposicional.
Nesse sentido, estou agora, mais próximo de encarar a arquitectura como uma
espécie de dispositivo interface. Neutral enquanto afirmação, mas rica enquanto
mediação, uma arquitectura que viva da interacção e participação dos seus
habitantes, corpo - labirinto que recebe e provoca, que seduz e é seduzido.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 81
DADOS DE APOIO
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adicto A adj. 1 dedicado; 2 inclinado; 3 adjunto; 4 dependente B s.m .MEDICINA indivíduo dependente de uma
droga (Do lat. addictu-, «dedicado»)
alegoria s.f. 1 representação de uma realidade abstracta através de uma relidade concreta, por meio de
analogias, metáforas, imagens e comparações,; representação simbólica; 2 obra de arte que representa uma
ideia abstracta; 3 expressão verbal ou plástica de uma coisa, com o fim de que as palavras ou imagens usadas
sugiram outra coisa; 4 concretização por meio de imagens, pessoas e figuras de ideias ou entidades abstractas
(Do gr. allegorí
allegoría,
ía, pelo lat. allegorí
allegoría-
ía-, «id.»)
Arcádia s.f. planalto da Grécia em que poesia se tornou símbolo da simplicidade pastoril (Do lat. Arcadia-,
«Arcádia», top. região do Peloponeso)
aventura s.f. 1 acção arriscada, perigosa ou fora do comum; 2 acontecimento extraordinário ou imprevisto; 3
acaso; sorte; 4 perigo; 5 ligação amorosa passageira (Do lat. vulg. adventura, «coisas que estão para vir», pelo fr.
aventure, «aventura»)
aventureiro A s.m. 1 aquele que procura a aventura; 2 aquele que vive de expedientes 3 [ant.] cavaleiro andante
B adj. 1 que procura a aventura; 2 temerário; 3 incerto; arriscado (De aventura + -eiro)
avatar s.m. 1 RELIGIÃO (hinduísmo) materialização de um ser divino; 2 [fig.] transformação, metamorfose; 3
INFORMÁTICA (Internet) representação gráfica de um utilizador numa comunidade virtual(Do sânscr. avatá
avat ra,
«descida», pelo fr.avatar
avatar «metamorfose»)
ciberespaço s.m. INFORMÁTICA espaço virtual constituído por informação que circula nas redes de
computadores e telecomunicações (Do ing. cyberspace)
cibernética s.f. 1 ciência e técnica do funcionamento e do controlo dos comandos electromagnéticos e das
transmissões electrónicas nas máquinas de calcular e nos autómatos modernos; 2 estudo das conexões
nervosas nos organismos vivos ou nos grupos humanos;
3 ciência que estuda os mecanismos de comunicação e de controle nas máquinas e nos seres vivos (Do
gr.kybernetiké, «a arte de governar»)
ciborgue s.m. ser humano fictício cujas funções fisiológicas vitais são comandadas por meio de dispositivos
mecânicos (Do ing. cyborg, «id.«)
criptografia s.f. escrita codificada ou cifrada por meio de abreviaturas ou sinais convencionais (Do gr. kryptós,
«secreto» + graphé,«escrita»+-ia)
criptograma s.m. 1 escrito em cifra; 2 representação de sentido oculto (Do gr. kryptós, «secreto» +
gramma,«escrita»)
dedáleo adj. 1 relativo a dédalo; 2 engenhoso; hábil; 3 complicado; intrincado; labiríntico; 4 artificioso (Do lat.
daedaleu-, «de Dédalo», antr.)
dédalo s.m. 1 lugar em que os caminhos estão dispostos de modo que é fácil alguém perder-se; labirinto; 2
coisa intrincada (Do gr. Daídalos
í
ídalos , mitol. «Dédalo», arquitecto, construtor do labirinto de Creta pelo lat. Daedalu-
,«id.»)
deambulatório A adj.1 relativo a passeio; 2 [fig.] erradio; desnorteado B s.m.1 nave de igreja que rodeia o coro
e o altar mor; > charola ; 2 galeria coberta para nela se passear (Do lat. deambulatoriu-, «galeria»)
diagrama s.m.1 representção gráfica das relações entre as partes de um todo; 2 representação gráfica das
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 83
variações de determinado fenónemo; 3 MÚSICA quadro que mostra a extensão máxima de toda a variedade
de sons do sistema musical; 4 bosquejo, delineamento (Do gr. diá
di gramma, «desenho», pelo lat. diagramma,
«traçado; desenho»)
dispositivo A adj. que encerra disposição, ordem ou preceito B s.m. 1 mecanismo ou arranjo adaptado para
determinado fim 2 MILITAR disposição, no terreno, das fracções em que uma unidade militar se articula, de
acordo com a sua utilização prevista (Do lat disposîtu-,
î
îtu-, part.pass.de disponêre, «dispôr; distribuir» +-ivo)
distopia s.f. lugar imaginário onde tudo é negativo (Do ing. dystopia, «id.»)
diversão s.f.1 acto ou efeito de divergir; 2 mudança de direcção; 3 desvio; 4 [fig.] distracção; 5 recreio; 6
MILITAR operação de objectivo limitado destinado a, durante o ataque, iludir o inimigo, desviando a sua atençaõ
e as suas forças doa atque principal; 7 finta (Do lat. med. diversione-, «id.». de divertere, «desviar, distrair»)
entretenimento s.m.1 acto ou efeito de entreter ou entreter-se; 2 aquilo que serve para distrair ou para ajudar a
passar o tempo; 3 divertimento; passatempo;
4 conjunto de actividades e espetáculos relacionados com áreas do teatro, cinema, música, televisão; 5
retardamento propositado; 6 engano;logro; 7 disfarce
(Do cast. entretenimiento,«id.»)
entreter A v.tr 1 interessar ou divertir; 2 demorar com promessas, esperanças, etc; 3 iludir B v.refl. 1 ocupar-se
por distracção; 2 divertir-se; 3 deter-se; ficar parado 4 demorar-se (Do cast. entretener, «id.»)
entropia s.f. 1 FISICA (termodinâmica) função que define o estado de desordem num sistema; 2 valor que
permite avaliar esse estado de desordem e que vai aumentando à medida que este evolui para um estado de
desíquilibrio; 3 medida de perda de informção num sinal ou dao transmitido (Do gr. entropé, «mudança, volta»,
pelo fr. entropie, «entropia»)
errar A v.tr. 1 enganar-se em; 2 cometer erro em; 3 não acertar em B v.intr. 1 cometer erro; 2 enganar-se 3 agir de
forma incorrecta ou pouco adequada; 4 vaguear; movimentar-se sem destino fixo (Do lat. errare, «id.»)
espectáculo s.m. 1 tudo o que atrai o nosso olhar e a nossa atenção; cena 2 contemplação; 3 representação
teatral; 4 diversão; 5 [pop.] escândalo; dar ~ provocar escândalo (Do lat. spetaculu, «id.»)
espectador adj.,s.m. que ou quem assiste a um espectáculo; testemunha (Do lat. spectatore, «id.»)
evento s.m.1 acontecimento; 2 sucesso; êxito; 5 espiráculo (do lat. eventu-, «acontecimento»)
experiência s.f. 1 acto ou efeito de experimentar; 2 conhecimento por meio dos sentidos de uma determinada
realidade; 3 conhecimento de uma realidade provocada, no propósito de saber algo, particularmente o valor de
uma hipótese científica; experimentação 4 conhecido obtido pela prática de uma actividade ou pela vivência; 5
prova; ensaio; tentativa; à ~ para ver se é adequado (Do lat. experimentî
experimentîa
îa, «id.»)
fenónemo s.m.1 tudo o que a nossa consciência ou os nossos sentidos podem apreender; 2 tudo o que
modifica os corpos 3 FILOSOFIA (Kant) tudo o que é objecto de experiência possível, isto é, tudo o que aparece
no tempo e no espaço e que manifesta as relações determinadas pelas categorias; 4 acontecimento raro ou
extraordinário; 5 pessoa, animal ou objecto que são considerados fora do vulgar (Do gr. phainómenom, «coisa
que aparece», pelo lat. phaenomenom, «coisa que causa sensação»)
flanar v.intr. passear ociosamente, laurear; flainar (Do fr. flaner, «andar sem destino»
herói s.m 1 indivíduo que se destaca por um acto de extraodinária coragem, valentia, força de carácter, ou
outra qualidade considerada notável; 2 aquele que é admirado por qualquer motivo, constituindo o centro das
atenções; 3 CINEMA LITERATURA protagonista; 4 MITOLOGIA personagem nascida de um ser divino e outro
mortal (do gr.héros, «chefe», pelo lat.heroe-, «heroi, homem célebre»)
interface s.f.1 dispositivo de ligação entre dois sistemas; 2 elemento de ligação de dois ou mais componentes
de um sistema; 3 INFORMÁTICA modalidade gráfica de apresentação dos dados e das funções de um programa
(De inter- + face, pelo ing. interface)
ilusão s.f. 1 crença ou ideia falsa; 2 erro de apreciação; 3 erro de percepção que consiste em fazer uma
interpretação visual dos factos que não coincide com a realidade; 4 fraude, logro (Do lat. illusione-, «id.»)
imerso adj. 1 mergulhado; imergido; 2 [fig.] absorto, concentrado (Do lat. immersu-, «id.», part.pass. de
immergere, «mergulhar; imergir»
hiperficção s.f. INFORMÁTICA narrativa desenvolvida segundo uma estrutura de labirinto, assente na noção de
hipertexto, ou texto a tres dimensões no hiperespaço, em que a intervenção do leitor determina um percurso de
leitura único que não esgota a totalidade dos percursos possíveis no campo de leitura (Do ing. hyperfiction, «id.»)
labirinto s.m.1 estrutura composta por vários caminhos, interligados, tornando difícil encontrar a única saída;
dédalo; 2 edifício cujas divisões são tão confusamente dispostas que tornam dificíl a quem esteja dentro dele
encontrar a saída; 3 [fig.] confusaõ; enredo; 4 [fig.] enleio; situação embaraçosa 5 ANATOMIA conjunto das
cavidades que constituem o ouvido interno (vestíbulo, canais semicirculares e caracol 6 ANATOMIA região
superior do rim onde se localizam os corpúsculos e parte dos tubos uriníferos 7 LITERATURA composição
poética, frequente na literatura barroca, que pode ser lida em qualquer direcção 8 PSICOLOGIA dispositivo
experimental para estudar a aprendizagem e as suas condições (Do gr. labyrinyhos, «id.», pelo lat. labyrinthu-,
«id.»)
lazer s.m. vagar; ócio; descanso; repouso(do lat. licere, «ser permitido»)
lúdico adj. relativo a jogos ou divertimentos; recreativo (Do lat. ludicru-,«que diverte;recreativo»)
massificar v.tr. influenciar, orientar e uniformizar, através dos meios de comunicação destinados ao grande
público (mass media) no sentido que convenha, a conduta do maior número possível de indivíduos (De massa +
-ficar
-ficar)
palimpsesto s.m. 1 pergaminho cujo manuscrito os copistas medievais raspavam para sobre ele escreverem
de novo, mas do qual se tem conseguido, em parte, fazer reaparecer os carácteres primitivos 2 [fig.] texto que
existe sobre outro texto (Do gr. palimpsestos, «raspado de novo», pelo lat. palimpsestu-, «id.»)
palíndromo adj., s.m.palavra ou designativo da palavra, número ou frase cuja a leitura é a mesma, quer se faça
da esquerda para a direita, quer da direita para a esquerda; capicua (Do gr. palindromos, «que corre para trás»)
performance s.f 1 actuação; desempenho; 2 realização; 3 proeza; 4 (ARTES) manifestação artística assente
numa encenção que pode combinar dança, música, meios audiovisuais; 5 LINGUÍSTICA manifestação da
competência linguística de um falante (Do ing. performance, «id.»)
performer s.m. 1 executante; intérprete; 2 artista cuja actuação combina várias artes, como o teatro, a dança, a
música, etc. (Do ing. performer, «id.»)
realidade s.f. 1 qualidade do que é real; 2 o que existe de facto; 3 certeza; 4 veracidade; INFORMÁTICA ~virtual
realidade artificial que introduz o utilizador num espaço de três dimensões criado pelo computador(De real+i-+-
dade)
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 85
recriar v.tr. 1 tornar a criar; 2 reconstituir (Do lat. recreare, «fazer brotar de novo»)
representar A v.tr. 1 tornar presente; 2 patentear 3 revelar; 4 reproduzir a imagem de; 5 expor por escrito ou
verbalmente; 6 significar; 7 simbolizar; 8 ser procurado ou agente de; 9 pôr em cena; 10 fazer o papel de B v.intr.
1 dirigir uma petição; 2 desempenhar funções de actor C v.refl.1 apresentar-se; figurar-se; 2 imaginar-se (Do lat.
repraesentare, «id.»)
sensação s.f. 1 facto psicofisiológico provocado pela excitação de um orgão sensorial; 2 intuição sensível de
uma qualidade de um objecto; 3 interpretação, feita pelos orgãos nervosos do sistema central, de uma excitação
produzida pelo meio exterior; 4 grande impressão causada por acontecimento excepcional; 5 sensibilidade (Do
lat.med. sensatione-,«id.»)
simulação s.f. 1 acto ou efeito de simular; 2 fingimento; 3 disfarce; 4 diferença entre a vontade e a declaração,
estabelecida por acordo entre as partes; 5 manifestação voluntária, na maior parte dos casos com finalidade
utilitária, de perturbações que se assemelham mais ou menos aos sintomas de uma doença; 6 MATEMÁTICA
representação de um sistema ou de um processo por um modelo estatístico com que se trabalha, como se
tratasse desse sistema ou processo, para investigar os seus efeitos(Do lat. simulatione-, «id.»)
simulacro s.m. 1 imagem; 2 cópia ou reprodução imperfeita; 3 semelhança; 4 aparência sem realidade; 5 acção
simulada(Do lat. simulacru-,«id,»)
utopia s.f. 1. projecto de governo que, a ser exequível, asseguraria a felicidade geral; 2 projecto imaginário, irreal
(Do gr. oû, «não» + topos, «lugar», pelo lat. Utopîa-,
î «lugar que não existe»)
îa-,
voyeur s.m.pessoa que sente prazer na observação, às escondidas, de cenas íntimas ou eróticas levadas a
efeito por outras pessoas (Do fr. Voyeur, «id.»)
voyeurismo s.m .PATOLOGIA tendência para observar, às escondidas, cenas íntimas ou eróticas levadas a efeito
por outras pessoas, com fim de obter prazer sexual (Do fr. voyeurisme)
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 86
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