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PROVA FINAL PARA LICENCIATURA EM ARQUITECTURA

[Daedalus]
Errâncias Pela Prática Lúdica Contemporânea

FAUP 2003/2004 BERNARDO AMARAL


Docente acompanhante: Camilo Rebelo

Estágio realizado no período de Janeiro a Julho de 2003, sob a re-


sponsabilidade do Arqtº Vincent Parreira, Paris
ABSTRACT

La fomule pour reverser le monde, nous ne llávons pas cherchée dans les livres, mais
en errant Guy Debord

Sob o título Errâ


Err ncias pela pr
prática lúdica
dica contempor
contemporânea, apresento o resultado de
um campo de investigação de natureza teórico - prática, aberto sob o nome de [
DAEDALUS ].

Num processo ambivalente e dialogante entre a linha e a palavra, [ DAEDALUS ]


cose e disseca, destrói e estrutura, responde e questiona, numa plataforma operativa
onde a palavra se faz e espaço e do espaço se redefine uma nova palavra. É um
método experimental onde ao desenhar questões, se encontram espaços e desses
espaços nascem respostas, mas dessas respostas nascem outras questões, outros
espaços....

Qual fio de Adriana, que vai aparecendo e desaparecendo, pontualmente apontando


pistas e direcções possíveis neste passeio errante, pretendo discorrer sobre a
natureza e carácter dos seus espaços e habitantes, quer na dimensão estética como
na dimensão simbólica.

Explorando selvas e florestas de cores, reflexos e néons, embrenhando-me nesses


mundos onde a vida social hoje toma lugar, deparei-me com uma arquitectura
praticamente ausente, maquilhada de brilhos e pó de arroz, onde navegam
estranhos seres de semblante absorto e aparentemente alienado. Pergunto-me de
que forma é que a sociedade evoluiu para substituir um entretenimento jogado nas
ruas, campos e feiras por contentores videovigiados, que pouco mais oferecem
do que um intenso espectáculo letárgico. Na busca de uma resposta, procurei
desconstruir e dissecar este tipo de espacialidade e de entretenimento, analisando
em simultâneo o posicionamento da disciplina arquitectónica perante uma prática
lúdica cada vez mais popular.

Depois de estabelecido um território crítico e de identificados os principais


mecanismos de construção deste tipo de espaços, parti na exploração de outros
labirintos, territórios que me eram mais familiares e perante os quais reconhecia
algumas afinidades afectivas.
Percorri, então, os meandros dos jardins maneiristas, das paisagens oníricas
surrealistas e das utopias situacionistas à procura de instrumentos que me
permitissem configurar uma geografia lúdica que valorize outras experiências que
não o espectáculo e a letargia. Encontrei no jogo e na sua expressão espacial
paradigmática, o labirinto, os elementos fundadores de um discurso espacial que
estimulam no sujeito a interacção, a participação e uma certa carga de erotismo.

Foi seduzindo e deixando-me seduzir que fui reunindo e encorporando materiais de


conhecimento para a construção não de uma utopia, nem de uma heterotopia, mas
de um topos, um lugar, ponto de partida e de chegada para errâncias futuras.
INDICE

Introdução 7

Momento 01 Cartografia (d)Enunciativa

1.1 Da Estética da Máquina à Máquina da Estética

1 .A vertigem da metr
metrópole: Shock e fantasmagoria – a estética da máquina 12
2. Um banquete de espect
espectáculos ou o bombardeamento de signos 16
3. Imersão na hiper-realidade 19
4. Metamorfoses da imagem 20
5. Indigest
Indigestão ou Esquizofrenia 22
6. M
Máquina de Estética - Efeitos Espaciais 26

1.2 A Evasão Ao Espectáculo

1. Síntese:
ííntese: Mediação, produção e hibridização do Real 31
2. Mundos Possíveisííveis 32
3. Mundos de Substituição 33
4. Mundos Híbridos
ííbridos ou Aumentados 34

Momento 02 Cartografia Especulativa

2.1. Homo Ludens

1. Definição,
o, caracter
caracterííísticas
sticas e valor simbólico do jogo 39
2. Taxinomia 41
3. Novos territórios do jogo 45
4. O princípio
íípio lúdico e sua interpretação na composição o art
artííística
stica e arquitectónica 49

2.2. Espaço De Jogo: O Labirinto

1. Origem, história e simbologia do labirinto 57


A civilização minóica e o labirinto cretense
Simbologia e significação

2. Morfologia e Tipologia 60
O labirinto cretense ou unicursivo
O labirinto multicursivo centrado ou arborescente
O labirinto multicursivo policêntrico, reticular ou rizomático

3. O corpo e o labirinto 62
Relações
Categorização fenomenológica
Evasão do labirinto: regra e transgressão

6. O labirinto e jogo 67
Afinidades
O jogo como labirinto
7. Sensibilidade e ordem labir
labiríííntica
ntica na composição espacial 71

Variações
es da ordem labir
labirííntica
íntica

1. Repetição e diferença – rede e momentos


2. Aglomeração, colagem e superposição
3. Indiferenciação entre interior e exterior
4. Mutabilidade e transfiguração

Considerações Finais 79

Dicionário de sinónimos 82

Bibliografia e referências 85

ANEXO : RELATÓRIO DAEDALUS


3.1. Conceitos do Jogo
1. Introdução
2. Caracteres do espaço lúdico contemporâneo
O Voyeur
O Aventureiro
O Cibernauta

3.2. Espaços do Jogo


1. Matriz
2. Pontes Espaciais
3. Cabinas
4. Ilhas Idílicas

3.3. Papéis e regras do Jogo


1. O Perfomer
2. O Transformador
3. O Público

3.4. Daedalus Berlim


1. O Palast der Republick
2. Intervenção

3.5. Desenhos
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 7

INTRODUÇÃO

Através do desenvolvimento deste trabalho, pretendi agarrar uma série de elementos


que nadavam dispersos pelo meu Imaginário. Elementos que fui colhendo ao
longo do meu tempo de estudante, de origens e configurações diversas, mas que
intuitivamente foram lentamente formando um corpo intenso, mas todavia amorfo. A
Prova Final de Licenciatura em Arquitectura, surgiu então como uma oportunidade
de mergulhar nesse mundo de afinidades afectivas e trazer à tona essas figuras,
para finalmente poder trabalhá-las e moldá-las num corpo visível. Através desse
corpo que agora fixo e apresento, pretendo assim identificar o meu próprio eu,
a forma como me posiciono perante a o mundo, á luz da linguagem espacial e
arquitectónica.

O Projecto Daedalus, lançado no quadro de um seminário de projecto na TU Berlim,


surgiu assim como um cenário ideal para poder brincar e experimentar com temas
que até então permaneciam encerrados numa caixa de Pandora. Tendo como
desafio propor um programa lúdico para um espaço de Berlim, encontrei então a
oportunidade para explorar um tema que desde sempre me fascinou, o labirinto e a
exploração espacial. Deixei-me então embriagar por imagens de jardins maneiristas,
pelas paisagens oníricas dos surrealistas e pelas babilónias situacionistas. Viver
em Berlim, permitiu-me respirar um ambiente artístico e experimental, descobrindo
igualmente o mundo fascinante da arte digital e Realidade Aumentada. Foi por entre
todos estes fluxos de intensidades que nasceu e cresceu o projecto Daedalus, um
espaço-jogo, labiríntico, que pretende fundir diferentes experiências lúdicas do
Real. Um videojogo num espaço físico, com jogadores locais e jogadores em rede.
Simultaneamente, para além de fundir o espaço real com o espaço virtual, o edifício
onde o jogo toma lugar é também um imenso espectáculo para quem o observa.

Ao desenvolver este projecto, abri todo um novo campo de investigação projectual


e teórico, procurando levar mais além as implicações do jogo e do labirinto na
prática disciplinar arquitectónica. Apercebi-me que a arquitectura poderia integrar um
pensamento lúdico e labiríntico, à semelhança dos projectos realizados pela arte e
arquitectura maneiristas.
Foi na tentativa de encontrar esse tipo de sensibilidade projectual, que decidi
reactivar uma série de temas que permaneciam suspensos no projecto Daedalus,
fazendo deles objecto de trabalho da Prova Final.

Paralelamente ao desenvolvimento do trabalho e à medida que este foi crescendo,


fui redefinindo alguns aspectos do desenho de Daedalus. No entanto, dado a forma
como a prova foi avançando e sentindo a necessidade de fixar verbalmente uma
série de inquietações, optei por concretizar o corpo teórico, deixando em suspenso
a prática projectual para um posterior desenvolvimento mais aprofundado. Foi,
no entanto, sempre à procura de instrumentos de operatividade projectual que o
trabalho foi desenvolvido.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 8

Concentrando-me sobre estruturas lúdicas e labirínticas, a própria estrutura narrativa


destas errâ
err ncias, reflecte um sistema aberto e multisignificante, conjugando três
camadas de leitura. Temos então o corpo de texto como narrativa principal, junto da
qual correm paralelamente um corpo de imagens, alegóricas ou ilustrativas e um
corpo textual secundário de notas e comentários.

Respeitando a organização geral do ensaio, assumindo a dispersão de temas


que este engloba, considerei dois momentos fundamentais, aos quais denominei
cartografias. Através do meu percurso errático, num primeiro momento tento
cartografar denúncias e enunciados, isto é, elementos de análise que contribuíram
para a construção de um corpo crítico. Este consta essencialmente da relação do
homem com o lazer ao longo do século XX, e o tipo de espaços em que este toma
lugar. Procurei também cartografar, a forma como este tipo de espacialidade é
configurada e a sua influência no discurso arquitectónico.
O segundo momento, ao qual apelido de cartografia especulativa, tem uma
estrutura mais livre e pessoal, pois trata da procura de definir um corpo especulativo,
orientador de uma possível estratégia projectual, considerando como referência o
projecto Daedalus.
Será então neste momento que me debruçarei sobre os segredos por detrás do jogo
e do labirinto, visando a sua aplicabilidade na composição artística e arquitectónica.
MOMENTO 01 > CARTOGRAFIA (D)ENUNCIATIVA
>fig.4 Still do filme O Homem da Máquina de Filmar de Dziga Vertov

1.1. DA ESTÉTICA DA MÁQUINA À MÁQUINA DA ESTÉTICA


Couriers

“They were offred the choice between becoming kings or courirers of the kings. the
way children would, they all wanted to be couriers.Therefore there are only couriers
who hurry about the world, shouting to each other - since there are no kings -
messages have become meaningless. They would like to put an end to this miserable
service of theirs but they dare not because of their oaths of service”

Franz Kafka
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 12

1.A vertigem da metr


metrópole: Shock e fantasmagoria – a estética da máquina

1
Baudelaire, Charles, “O pintor
“A modernidade é o transitório, o fugitivo e o contigente; a metade da arte, cuja outra
da vida moderna”, Vega 2004, metade é o eterno e o imut
imutável.”1 Charles Baudelaire
pág. 21

Através da Revolução Industrial assistimos á entrada de um novo estádio da mo-


dernidade, instrumentalizando tecnologias de produção massiva e standartizada em
prol de uma visão positivista da construção de uma civilização superior2. A tentativa
de dominar e domesticar a natureza recorrendo exclusivamente à técnica e à razão
encontrará nesta época os seus feitos mais brilhantes.
Possuídos pelo espírito progressista, multidões de camponeses deixam as suas ter-
ras, rumando às grandes cidades à procura de uma participação laboral na indústria
>fig.2 Still do filme Tempos Modernos de
Charlie Chaplin
2
emergente. Esta garantia-lhes no mínimo a entrada de uma nova ordem sócio-labo-
superior no sentido progres-
sista. A noção de progresso ral, delegando a responsabilidade individual sobre a produção, para se integrarem
carrega em si a realização de
uma superação contínua de um enquanto peças de uma grande máquina produtiva. Esta especialização das tarefas
meio material. A superação da
sociedade tecnológica face às ou a mecanização da experiência laboral, assegura-lhes um salário fixo, libertan-
adversidades da natureza e a
superação do indivíduo face ao do-se assim da instabilidade da vida agrícola por conta própria ou do servilismo e
seu status social ou económico . exploração a que estavam sujeitos enquanto trabalhadores agrícolas por conta de
outrém. Todo este processo, motorizado pelo desejo de melhorar continuamente a
qualidade de vida pessoal ou familiar, provocará um crescimento desproporcionado
dos principais meios urbanos e a instalação uma grande classe de consumidores: o
proletariado e a classe média. Denominada pela seu amorfismo e indiferenciação de
massas, são estas as responsáveis pela circulação contínua do fluxo de bens, pois
consomem em igual ou maior medida do que o que produzem.
Quase simultaneamente surge a Indústria de Entretenimento, especializada em criar
formas de diversão para esse grande mercado de trabalhadores/consumidores;
meios de evasão e mecanismos de compensação do mundo mecanizado que inte-
gram durante o seu horário laboral.
>fig.3 Unidade de produção fabril no início
do século, em Inglaterra

Será através da obra de Walter Benjamin que tentaremos perceber e enunciar as


principais características deste novo meio urbano, como ponto de partida para a
leitura da construção de novas espacialidades orientadas para o lazer do grande
público.
Assiste-se, então. ao nascimento das massas como identidade e mercado, e da
multid o como organismo de comportamento homogeneizado, mecanizado. Estes
multidã
serão os elementos identificadores das principais alterações nas relações sociais e
formas de viver no espaço das grandes cidades.
3
O individualismo e o conforto Nasce, por consequência, o individualismo3, provocado pela inserção do indivíduo
pessoal, surgem como elemen-
tos de compensação do isola- num meio todo ele formatado e massificado.
mento provocado pela cons-
ciência de se ser e de se estar Será esta maquiavélica relação entre o isolamento do indivíduo na multidão e o
dependente de um todo, de uma
multidão; um mecanismo auto- individualismo provocado pelo conforto e pelo consumo que Benjamin tenta ilustrar
matizado do qual dificilmente se
pode escapar. recorrendo à seguinte citação de Paul Valery, verificando que o conforto, enquanto
4
Benjamin, Walter Sobre algu- mecanismo de compensação é também ele alienante.4
nos temas en Baudelaire, op.cit.,
cap.VII, p.20 ” O habitante das grandes cidades remete para um estado de selvajaria, ou seja
para um estado de isolamento. A sensação de estar necessariamente em relação
com os outros, antes estimulada continuamente pela necessidade, é apagada gra-
dualmente pelo subtil funcionamento do mecanismo social. A cada aperfeiçoamento
deste mecanismo, determinados modos de comportamento e de sentir vvão sendo
eliminados.”
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 13

É através da leitura da obra do poeta francês Charles Baudelaire, que Benjamin irá
identificar e enunciar alguns dos principais conceitos de interpretação da modernida-
de, nomeadamente a vertigem do indivíduo na multidão através dos olhos do flâ fl neur
e a noção experiência-choque 5 provocada como reacção do aparelho cognitivo ao
excesso de estímulos sensoriais.
Baudelaire foi o primeiro escritor a fazer da grande cidade, matéria exclusiva de
>fig.4 Still do filme O Homem da Máquina
de Filmar de Dziga Vertov inspiração criativa. Vagueando e explorando as ruas, arcadas comerciais e becos da
5 imensa Paris, o poeta francês vai imprimindo nos seus textos, a sensibilidade de um
Shockerlebniss , em Alemão
no original homem solitário imerso num mundo carregado de tensões, velocidades e desigual-
dades.
Na personagem do flanêur ur e no seu comportamento, encontramos o prazer pelo
anonimato e pela solidão do homem que se embrenha, deambulante na multidão.
Através dele sentimos o seu olhar esgazeado perante uma cidade que encerra um
mundo em rápida transformação física e social. O tempo do flanêur ur6 é o tempo da
>fig.5 Still do filme O Homem da Máquina novidade, do instante, do efémero e transitório. O seu espaço, também ele efémero,
de Filmar de Dziga Vertov
6
Poderemos interpretar o é um espaço de passagem e contemplação, de luzes e fluxos, reflexos e brilhos,
flanêur na metrópole, como o um labirinto sensitivo em permanente ebulição. É também um espaço-paisagem, de
precedente do passageiro dos
não-lugares, estudado quase grandes e vastas superfícies, mas denso e repleto de multidão.
150 anos mais tarde por Augé
no famoso ensaio “Não-lugares:
Para uma antropologia da sobre-
modernidade”. É a sobre a noção de shock e os seus efeitos alienantes nos subterrâneos da in-
consciência que Benjamin se deterá para melhor perceber os efeitos dos mecanis-
mos de sedução da máquina capitalista nas massas consumistas.
“Baudelaire colocou o shock no centro da sua tarefa art
artíística”
ística”7. Na sua prosa poéti-
ca, Baudelaire, procura uma linguagem nervosa e veloz, que manifeste o estado de
espirito do indivíduo na cidade moderna, uma poesia sem rimas, em prosa e frag-
mentos.8
7
Ibid., op.cit. cap. IV, p.9
8
Numa dedicatória escrita, Benjamin irá distinguir dois termos que designam duas formas de experiência, para
aquando da publicação de Sple-
en de Paris, o autor confessa: melhor caracterizar o que se entende por shock. Se Erfahrung remete para a expe-
“Quem de nós, não sonhou, em
dias de ambição, com o milagre riência em bruto, sem apelo da consciência, já o termo Erlebnis, remete para uma
de uma prosa poética, sem ritmo
nem rima, suficientemente dúctil sequência de acontecimentos cujo desenrolar é conscientemente vivido.9
e nervosa, para saber adaptar-se
aos movimentos líricos da alma, “Quanto maior é a parte do shock nas experiências isoladas, mais deve a consciên-
ás ondulações do sonho, aos cia manter-se alerta para a defesa no que toca aos est
estííímulos;
mulos; quanto maior é o êxito
ê
sobressaltos da consciência?...
Da frequência das cidades enor- com que se desempenha, e por conseguinte quanto menos est estííímulos
mulos penetram na
mes, dos crescimento das suas
inumeráveis relações, nasce experiência, mais este se aproxima do conceito de Erlebnis, ou experiência vivida.”10
sobretudo este ideal obsessio-
nante.” Ibid., op.cit. cap. IV, p.10 A experiência do shock, exige um constante recurso aos estímulos multisensoriais,
9
O termo Erfahrung aproxima-
se da noção clássica de expe- sendo intensamente absorvida em instantes cada vez mais curtos. Este tipo de vi-
riência, enquanto que Erlebnis
remete para uma experiência vência do espaço é provocada pela abundância de publicidade no espaço público e
potenciada sensorialmente, nos jornais, pela intensificação do tráfego automóvel e pela supressão espacio-tem-
única e efémera, uma vivência
ou que também entender, na poral, mediada por tecnologias emergentes como o telefone e a fotografia.
linguagem comum por evento
ou acontecimento
10
Ibid., op.cit. cap. IV, p.9 A vivência frenética de um presente perpétuo, uma vivência suspensa em instantes.
A experiência da imagem shock e o contacto com as multidão da grande cidade
são, para Baudelaire, definidores da espacialidade que descreve e da linguagem
literária que explora. A conjugação destes dois fenómenos, a integração numa multi-
dão maquínica com o bombardeamento de shocks na percepção do real, é metafo-
ricamente interpretada como uma metamorfose do ser e dos comportamentos num
organismo-máquina, emissor e receptor sincopado e alienado de fluxos de signos.
“Movimentar-se atravéss do tr
trânsito, significa para o indiv
indivíííduo
duo uma serie de shocks e
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 14

colisões. Em cruzamentos perigosos, impulsos nervosos, iguais aos de uma bateria


eléctrica, correm atravéss dele em rrápida sucessão. Baudelaire fala de um homem que
se conecta à multidã
multid o como que num reservatório de energia eléctrica. Circunscre-
vendo a experiência do shock, ele apelida este homem de “caleidoscópio sem cons-
11
Ibid., op.cit. cap. VII, p.20 ciência”.11

>fig.6 Still do filme O Homem da Máquina de Filmar de Dziga Vertov

12
entendendo-se por estetiza- Associado à experiência do shock está a noção da estetização da produção dos
ção um processo de sobrevalo-
rização do produto pela imagem bens de consumo.12 Este aplica-se a toda a forma de produção massificada, incluin-
(e consequente efeito shock)
em detrimento do conteúdo ou do a indústria de entretenimento e a indústria cultural. A estetização da experiência
significado.
e a vivência do shock, induzem o consumidor a um estado de alienação, recorrendo
aos seus impulsos mais primitivos e inconscientes, usando a ilusão e o desejo como
eixos orientadores das suas acções. Benjamin interpretará como consequência da
cultura do choque e do estético, a dissolução e nivelamento da experiência, a perda
da reciprocidade do olhar, ou nas palavras do autor a perda da aura.13

13
Cruz, Maria Teresa, posfácio a O aparecimento de museus e feiras internacionais no advento da modernidade
O pintor da vida moderna(1863)
de Charles Baudelaire, Vega anunciam a aceleração da História e o acesso mediatizado e fetichizado ao exótico
2004, p. 72 e longínquo. A novidade torna-se por si e em si, objecto de culto e peregrinação.
Estes espaços de lazer, que surgem para a diversão da massa operária e burguesa,
ilustram bem a forma como a industria do lazer se apropria dos mecanismos de alie-
nação e mecanização da multidão para transformá-los em objecto de contemplação
e entretenimento.14
14
Em “ Paris, la capitale du XIX Os novos “centros de peregrinação de mercadoria- fetiche”15, idealizam o valor co-
siecle”, Walter Bejamin, dá-nos
uma visão dessa nova espaciali- mercial das mercadorias, criando uma moldura que coloca o seu valor utilitário em
dade moderna, desenhada para segundo plano. Estes objectos de puro desejo visual, delicadamente dispostos em
as massas; para o consumo
e lazer; Benjamin descreve as montras e mostruários, impedem que o consumidor as toque, dando assim “acesso
arcadas comerciais, exposições
internacionais e feiras populares a uma fantasmagoria, onde o homem penetra para se distrair”16. Esta noção de fan-
como mostruários da civilização,
do novo; da nova sociedade tasmagoria, parece-me fundamental, para perceber de que forma é que o indivíduo
industrializada. Ver Benjamin,
Walter Paris, la capitale du XIX consumidor se irá relacionar daí em diante com o objecto e com a imagem; e prin-
siecle, B. Grandville ou les expo-
sitios universelles(1939), pp.9-10 cipalmente a forma como toda a sua percepção da real começará a ser estruturada
15
Ibid., op.cit., p.9 pelo desejo e imagem, embrenhado naturalmente num mundo de fantasmagorias e
16
Ibid., op.cit., p.10
ilusões.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 15

17
ruas comerciais cobertas, Será através desta arquitectura de ferro e vidro, de grandes vãos e superfícies, ela
denominadas por Benjamin de
Passages, serão construídas e mesmo uma grande vitrine fantasmagórica, que o espaço social começa a ser cada
desenvolvidas profusamente em
Paris entre 1822 e 1835 vez mais interiorizado, tal é o caso das arcadas parisinas17, das grandes galerias
comerciais, mercados, salões de exposição e gares de transportes. Encontramos já
nos inícios do séc. XIX o prenúncio para o fenómeno arquitectónico que caracteri-
zará a cidade séc.XX: a interiorização e privatização do espaço público (tal é o caso
dos centros comerciais). É apenas no período de entre-guerras que surge uma van-
guarda arquitectónica, que fundará toda uma nova gramática formal e construtiva,
inspirada nas especialidades abertas e despojadas dos equipamentos industriais e
comerciais.
Surgem o Movimento Moderno na Europa e Estados Unidos e o Construtivismo
Russo na procurando valorizar o edifício como dispositivo maquínico, higienizado e
funcional, uma meta-linguagem utópica e progressista que adeque a arquitectura ao
> fig.7 fotografia de Eugène Atget sobre
vitrina parisiense do início do século XX
Homem do seu tempo. As palavras-chave serão máquina, assemblage, standarti-
zação, modulação e funcionalismo, rebatendo os valores da arquitectura de beaux-
arts como o ornamento, a História, o original e o sublime. Marcados pelo espírito
18
Movimento Moderno progressista socializante, os arquitectos do M.M.18, desenvolveram principalmente
programas residenciais e públicos, procurando redefinir as bases essenciais da nova
cidade moderna. Nesse sentido, a sua relação com a indústria de lazer e sociedade
de consumo da época é crítica, mas de uma certa negligência, preferindo lançar a
sua visão utópica e comunitária do futuro e resolver os inúmeros problemas sociais e
habitacionais da metrópole industrializada. Não se encontram, por isso muitos exem-
plos de contributos da arquitectura do M.M. na arquitectura de lazer paras as gran-
des massas. Na sua perseguição de uma sociedade ideal, comunitária, a linguagem
modernista afasta-se gradualmente da cultura popular urbana, embriagada pelos
artifícios do poder capitalista e inserida numa lógica populista; uma discurso adver-
so aos seus propósitos visionários. Será esta uma das principais razões para o seu
derrubamento, a incapacidade de construir valores sociais que o povo assimilasse,
>fig.8 pormenor da Maison de Verre pro- preterindo a comunidade face ao indivíduo, e a imagem face ao conteúdo.
jectada por Pierre Charreau

19
Benjamin, Walter, A Obra de O aparecimento e desenvolvimento de meios de reprodutibilidade técnica19, como
Arte na Era da Reprodutibilidade
Técnica o cinema ou a fotografia, irão abalar o conceito de obra de arte e a seu valor de ori-
ginalidade, carregando todo um código semântico baseado no poder hipnótico da
imagem. Uma imagem, sem aura, mas carregada de shock e hiper-realidade, instru-
mento de persuasão de excelência do poder capitalista, antecedendo o conceito de
espect culo descrito por Guy Debord e pela Internacional Situacionista.
espectá

>fig.9 Interior da Maison de Verre projectada por Pierre Charreau 1>fig.10 Interior da Maison Ozenfat, projectada por Le Corbusier
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 16

2. Um banquete de espect
espectáculos ou o bombardeamento de signos

Serão os mecanismos de diversão orientados para as massas e as suas conse-


20
Debord, Guy A sociedade do
Espectáculo(1967), Mobilis in quências alienantes no indivíduo, que Guy Debord procurará descrever em A Socie-
Mobile, Lisboa, 1991
dade do Espect
Espectáculo.20

A sociedade do espect
espectáculo, publicado pela primeira vez em 1967, tornou-se num
dos textos mais divulgados e citados no movimento estudantil de Maio de 68 e em
outros círculos de contestação política de esquerda, permanecendo até aos dias de
hoje uma obra de referência na interpretação crítica da contemporaneidade.

Por esta data, já o poder capitalista se encontra bastante mais desenvolvido,


principalmente nos Estados Unidos da América, usufruindo dos despojos da 2ª
Grande Guerra na Europa. Também os dispositivos de estetização e provocadores
de experiência-choque ganharam uma presença quase ubíqua, através dos mass
media como a televisão e o cinema, a proliferação da publicidade em todo o tipo de
> fig.11 cartaz situacionista suportes públicos e privados e da massificação do culto ao irreal e fantasmagórico21.
21
as estrelas de cinema de Surgem nos Estados Unidos, cidades-ficção como a Disneylândia e Las Vegas e as
Hollywood, a idolatria a cantores
de rock, etc... grandes superfícies fechadas multifuncionais22, os shopping-malls, que cedo inva-
22
espaços de comércio, lazer e
de socialização dem a Europa.

Redigido algures entre o ensaio e o manifesto, neste texto Debord desconstrói os


processos de produção e controle do novo proletariado; cada vez mais baseado no
consumo da imagem e representação, distanciando progressivamente o indivíduo
23
mais uma vez a transição de
Erfahrung para Erlebnis da experiência de vida23. A este instrumento de controle das massas, ubiquamente
integrado no quotidiano e provocador de alienação do indivíduo, Debord chamará de
espect culo.
espectá
> fig.12
“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção
se anuncia como uma imensa acumulação o de espect
espectáculos. Tudo o que era directa-
24
Ibid.,op.cit., p.9 mente vivido se afastou numa representação.” 24

Poderemos entender o espectá


espect culo como uma escalação do processo de estetiza-
ção do real, sugerido na obra de Benjamin, e por conseguinte como a linguagem e
instrumento de um 2º grau do sistema capitalista; ou seja o capital feito espectácu-
lo.25
25
Mas, o espectá
espect culo não se resume apenas a uma mera representação, ele tor-
Debord considera 2 fases do
capital (Ibid., p. 15) na-se num elemento unificador, nivelando a profundidade e especificidade do que
1. definição da realização hu-
mana a uma degradação do ser representa para ser facilmente apreendido por um público alargado. Através deste
em ter
2. deslizar generalizado do ter processo, o espectá
espect culo realiza aquilo a que se pode chamar de massificação do
em parecer
No seguimento desta classifica- significado, originando o que Benjamin se referia como perda de aura do objecto.
ção poderemos interpretar uma Esta unificação concentra-se na produção exclusiva da aparência, em detrimento de
3ª fase como a realização do
parecer em ser todos os outros valores de significação26.
26
“Enquanto parte da sociedade,
ele [espectáculo] é expressa- Para Debord, o espectá
espect culo, enquanto elemento mediador do real e do social,
mente o sector que concentra
todo o olhar e toda a consci- substitui, assim, a própria ordem do real, num “mundo realmente reinvertido”, em que
ência. Pelo próprio facto deste
sector ser separado, ele é o lugar “o verdadeiro é um momento do falso.”27
do olhar iludido e da falsa cons-
ciência; e a unificação que reali-
za não é outra coisa senão uma A linguagem do espectáculo, tautológica, pois não quer chegar a outra coisa senão
linguagem oficial da separação
generalizada.”, Ibid., op.cit, p.10 a si própria, é o motor de uma economia de produção e consumo de imagens-objec-
27
Ibid., op.cit, p.12
tos; não sendo mais “ do que a economia desenvolvendo-se a si pr
própria. É o reflexo
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 17

28
Ibid., op.cit, p.14 fiel da produção das coisas, e a objectivação infiel dos produtores”28, realizando si-
multaneamente o seu sustento e justificação. Poderemos dizer então, que o sistema
económico actual se estrutura e sustem através produção e projecção de um real
social e cultural (ou vários), que se constrói cada vez mais à velocidade da imagem
(do fotograma ou do neurotransmissor) e cada vez menos à velocidade do homem
(do passo ou do batimento cardíaco). Semelhante ao que Benjamin chamou de
experiência vivida do shock, a linguagem do espect
espectáculo, bombardeando sincopa-
damnete signos e imagens, produz no indivíduo um estado próximo da hipnose ou
da catatonia29, resultado de um excesso de informação processado pelo aparelho
preceptivo.30

Explorado pelo sistema económico capitalista, a mediação da experiência do real


através da imagem, torna-se num bem de consumo sedutor e viciante, agarrando o
espectador dentro de um mecanismo de compensação através da realização virtual
> fig.13 intervenção da artista norte-
de experiências não concretizadas, mas imaginadas.
americana Barbara Kruger

29
síndroma de esquizofrenia A espectacularizão da experiência e de todos os domínios da produção capitalis-
caracterizada pelo estado de
inércia motriz e psíquica que al- ta, começa por se instalar nos inícios dos anos 50, disseminado-se massivamente
terna com estados de excitação
30 numa escalação progressiva até aos dias de hoje. E é logo no início dos anos 50,
“A alienação do espectador
em proveito do objecto contem- que o discurso do M.M. se esgota, impotente e ofuscado pelo acumular de es-
plado (que é o resultado da sua
própria actividade inconscien- pect culos em seu redor. Alguns arquitectos, como aqueles que formaram o grupo
pectá
te) exprime-se assim: quanto
mais aceita reconhecer-se nas TeamX31 tentam quebrar a rigidez linguística do Movimento Moderno e torná-la mais
imagens dominantes da neces-
sidade, menos ele compreende flexível a uma série de valores negligenciados pela sua universalidade abstracta, re-
a sua própria existência e o seu
próprio desejo. A exterioridade cuperando o contextualismo, o vernáculo, o humanismo e o diálogo directo com as
do espectáculo em relação ao
homem que age aparece nisto, comunidades, criando mecanismos de participação e auto-construção. Aproximan-
os seus próprios gestos já nãos do-se mais da população, os renovadores do M.M., não deixarão de manter uma
são seus, mas de outro que lhos
apresenta. Eis porque o espec- visão socializante e poética da realidade, mantendo-se relativamente assépticos aos
tador não se sente em casa em
nenhum lado, porque o espectá- contágios da cultura capitalista de massas.
culo está em toda a parte.”, Ibid.,
op.cit, p.21
31
The Smithsons, Van Eyck, Como agentes críticos da sociedade de consumo, talvez a obra do artista situacio-
Bakema, Giancarlo de Carlo,
Candilis, Jossic , Woods nista Constant Nieuwenhuis, New Babylon e dos ingleses Archigram sejam as mais

> fig.14 desenho dos arquitectos Ingleses Archigram


Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 18

32
entenda-se por utopia, a pro- paradigmáticas. Mas se New Babylon é uma fantasia utopista32, plataforma de expe-
jecção de um ideal social num
tempo e lugar imaginário rimentação das teorias situacionistas, em que se prospecta uma sociedade lúdica li-
berta da passividade do espectáculo e em permanente exercício de recriação do seu
meio ambiente; já os projectos dos Archigram utilizam uma linguagem distópica33 em
que a arquitectura se assume fantasiosamente enquanto objecto de consumo. As-
sumindo uma linha de acção e de representação próxima da Pop Art, os Archigram
desenham projectos para uma sociedade de entretenimento e de consumo, jogando
> fig.15 maquete de New Babylon,
Babylon, do
ironicamente com o poder da imagem e de uma arquitectura icónica. Inspirando-se
artista situacionista Constant
na ficção científica, na obra sinergética de Buckminster Fuller e nas teorias de Rayner
33
entenda-se por distopia a
hiperbolização de uma reali- Banham, desenvolvem uma linguagem altamente tecnológica e megaestrutural, an-
dade social num tempo e lugar
distorcidos tecipando o estilo high-tech, que surgirá em Inglaterra a partir dos anos 70/80.

34
cibernética é a ciência que Cedric Price é outra figura, que embora tenha uma obra reduzida, marcará a Histó-
estuda os mecanismos de co-
municação e de controle nas ria da Arquitectura pela sua atitude projectual inovadora. Bebendo de tudo o que é
máquinas e nos seres vivos
35
Projecto de 1961 que inspi-
alta tecnologia, sobretudo da cibernética34, mas assumindo uma interpretação lúdica
rará esteticamente o projecto da arquitectura, desenvolve um edifí
edifício-interface
ício-interface, onde são os usuários que moldam
do Centro Georges Pompidou,
construído 15 anos mais tarde e transformam a espacialidade física e ambiental no seu interior. No Fun Palace35,
36
Antiarquitectura no sentido de
que o arquitecto não projecta desenhado a pedido da actriz inglesa Joan Litlewood, estamos no limiar da antiarqui-
uma visão formal e estética num
espaço, assumindo-se mais tectura36, um dispositivo espacial, como uma imensa teia de palco, em que os usu-
como programador de dispo-
sitivos espaciais, libertando os ários participam como perfomers na transformação do espaço, recorrendo a luzes,
aspectos estéticos ao usufruto projecções de imagens e a unidades espaciais móveis (através de gruas e carris) e
dos usuários.
acopláveis.
A transformação do ambiente através da tecnologia e a livre participação lúdica dos
habitantes nesse processo aproxima o Fun Palace, das propostas situacionistas pre-
conizadas em New Babylon. Não tendo recolhido fundos para a sua construção, Ce-
dric Price continuará a desenvolver uma obra baseada no conceito de uma arquitec-
>fig.16 desenho de Cedric Price do Fun
Palace tura como interface espacial entre o Homem e o meio, tendo como instrumentos de
37
Ver também o Potteries base a interactividade, flexibilidade e indeterminação37. Infelizmente, envolvida numa
Thinkbelt de 1964, o Inter-Action
Centre de 1971 ou o Generator certa marginalidade, só passado 50 anos é que o valor do seu trabalho começa a
Project de 1976 ser reconhecido e estudado como exemplo pioneiro de uma arquitectura adequada
38
Entenda-se por Sociedade de
Informação, o termo que define a à Sociedade de Informação.38
sociedade actual, caracterizada
pela sobrevalorização do poder
da Informação face à matéria e
conhecimento Paralelamente a este discurso crítico e visionário, a população continua a intoxicar-
se de imagens e espectáculos, frequentando casinos, parques temáticos e centros
comerciais. Este tipo de espaços tornam-se cada vez mais nos palcos de sociali-
39
Cf. Augé, Marc A Guerra dos
zação da sociedade de consumo. Interiores e desligados do espaço urbano, estas
Sonhos, Celta Editora, Oeiras bolhas de imanência39, desenvolvem uma linguagem arquitectónica e visual própria,
1998
baseada no excesso, na ficção, na alegoria e no sublime.
Será o autor americano Robert Venturi, o responsável por transportar esta lingua-
gem para o seio do discurso arquitectónico académico, originando, por sua vez a
emergência de um novo estilo: o pós-modernismo. Em Learning from Las Vegas,
publicado em 1977, Venturi analisa com um grupo de colaboradores e alunos, as
principais características de uma cidade vocacionada e desenhada para o entreteni-
mento, a verdadeira cidade-espectá
cidade-espect culo: Las Vegas. Toda a arquitectura da cidade
é suportada no símbolo, bombardeando signos luminosos para persuadir os passe-
antes a entrar nos sumptuosos palácios do jogo. É toda uma linguagem baseada no
desejo e no inconsciente, na ilusão e simulação de se ser algo mais, ou simplesmen-
te alguém. O ornamento é recuperado como alegoria e símbolo, as cores, sons e
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 19

máquinas espalham-se por toda uma paisagem empilhada de simulacros.


40
dos quais os jogos de casino Neste Kindergarten dos adultos, onde se vendem sonhos e ilusões40 o Falso e o
são a promessa mais sedutora
e ameaçadora kitsh assumem-se como elementos estruturais desta outra realidade. Uma realidade
mais sedutora que a própria realidade, uma realidade em excesso, uma hiper-reali-
dade.

> fig.17 o strip de Las Vegas em 1977

3. Imersão na hiper-realidade

O termo hiper-realidade foi inicialmente utilizado por Umberto Eco, num ensaio de
41
Eco, Umberto “Viagem na 1975 “Viagens na Hiper-realidade”41, em que deambulando por diversos espaços da
Irrealidade Quotidiana”[1983] ,
Difel 1986 sociedade americana, disserta sobre aquilo a que chama o Falso Absoluto:42
42
Designação de Umberto Eco
para o que o sociólogo francês “Eis a razão desta nossa viagem na hiper-realidade, à procura dos casos em que
Jean Baudrillard posteriormente a imaginação americana quer a coisa verdadeira e para o conseguir deve realizar o
estudará como Simulacro
falso absoluto; e onde as fronteiras entre o jogo e a ilusão se confundem, o museu de
arte é contaminado pela tenda das maravilhas, e a mentira é gozada numa situação
43
Ibid., op.cit., p. 11 de «plenitude
« », de «horror
horror vacui
vacui».”43

O ensaísta italiano percorre os museus, onde experimenta a História anacroni-


camente compactada e exposta em Ícones multisensoriais, como que souvenirs
44
o castelo de William Randolh empilhados numa loja turística. Visita a arquitectura de palácios de milionários ame-
Hearst, retratado por Orson
Welles no filme Citizen Kane ricanos44, “cenografias” pomposas onde vários estilos da história da arquitectura se
45
embrenham numa des-composição eclética.
Veremos, mais adiante, que
o Falso Absoluto, tendo nascido Esta manipulação promíscua e fetichista de “emblemas” da História, revela, uma
nos Estados Unidos da América,
não caracteriza apenas as- sensibilidade estética característica de um povo de ex-colonos europeus45, obceca-
pectos da sensibilidade de um
povo, mas de todo um sistema dos pela rápida formação e experiência de uma identidade própria, construída, po-
económico-cultural (tardocapi-
talista, seguindo a interpretação rém, de fragmentos de outras culturas seculares: “(... )noutros lugares, pelo contr
contrário,
de Frederic Jameson) que
acabará por se disseminar por o desejo espasmódico do Quase Verdadeiro nasce apenas como reacção o nevr
nevrótica
grande parte do mundo. ao vazio de recordações, o Falso Absoluto é filho da consciência infeliz do presente
46
Ibid., op.cit., p. 31
47
Ibid., op.cit., p. 40 sem espessura”.46
48
Walt Disney foi o criador dos
primeiros desenhos animados
da História, com o famoso Rato É na busca desse “Falso Absoluto”, que Umberto Eco se passeia pelas cidades
Mickey. O sucesso da sua vasta
obra, expandiu-se rapidamente “absolutamente falsas”47, como a Disneylândia, na Califórnia e a Disneyworld na Flori-
a todo o tipo de suportes medi-
áticos, construindo um império da; consideradas pelo autor como a “quinta-essência da ideologia consumista”. Nes-
económico mundial, baseado
tes mundos fantásticos criados por Walt Disney48, Eco serve-se da considerações de
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 20

na fundação de uma mitologia Louis Marin, ao classificar a Disneylândia como «utopia degenerada», ou seja «uma
própria. O império Disney é o
exemplo americano do mega- ideologia realizada em forma de mito»49. Aqui o autor descobre-se imerso num gran-
corporativismo capitalista e mul-
timediático, expandindo o seu de teatro do fantástico, distante e claramente demarcado da realidade quotidiana.
investimento, não apenas aos
fabulosos parques temáticos, Uma cidade-brinquedo, à escala 1:1, habitada por máquinas lúdicas e autómatos
mas à construção de cidades,
como Celebration, onde o ideal mais reais que a própria realidade:
de vida Disney é comercializado
49 “Dá-se conta que são autómatos, mas fica-se atónito com a sua veracidade. E, de
Ibid., op.cit., p. 42
50
Ibid., op.cit., p. 45 facto, a técnica «audioanimatró
audioanimatr nica» constituía
audioanimatró íía um dos maiores motivos de orgulho
de Walt Disney, que finalmente tinha conseguido realizar o seu sonho, reconstruir um
mundo de fantasia mais verdadeiro do que a verdade, quebrar a parede da segunda
dimensão, realizar não o filme, que é ilusão, mas o teatro total”50

Eco, apercebe-se, não só do poder persuasivo da hiper-realidade, mas fundamen-


>fig.18 autómato no filme Westworld
talmente do seu carácter imersivo, quebrando a tela do écran, fazendo o espectador
51
como diria Debord participar, por sinestesia total, no interior do próprio espectáculo.
52
Ibid., op.cit., p. 47
53
através do microfones de sor-
Embora multisensorial e absorvente, a experiência lúdica no mundo da Disney
ridentes funcionários uniformiza- promove a passividade total, alienante da subjectividade51, onde “os seus visitantes
dos: «por aqui se faz favor, agora
suba, agora espere ali, etc..» devem aceitar viver aí como os seus autómatos”52, conduzidos e controlados sucessi-
vamente sobre as fases sucessivas de cada passo a tomar.53

Ao deambular pela paisagens hiper-realistas americanas, Umberto Eco identifica


uma série de características estruturadoras de uma espacialidade e experiência lúdi-
ca cada vez mais presente no tecido cultural tardocapitalista. Poderemos interpretar
a espacialidade hiper-realista como um espectá
espect culo ubíquo, em que é simulada a
participação do espectador enquanto actor de um mundo fictício; uma trip alucinogé-
nica numa dimensão evasiva.
Estamos perante o consumo de um lazer passivo e alienado, embriagado e imerso
na experiência multisensorial do “simulacro feito carne”.
>fig.19 escultura de WaltDisney e da sua
criação mais popular, o Rato Mickey, á
entrada da Disneyworld
4. Metamorfoses da imagem

“Na Natureza nada se inventa, tudo se transforma” Lavoisier

Caberá ao sociólogo francês Jean Baudrillard, o estudo aprofundado deste fenó-


meno, principalmente através do livro, publicado, em 1981 “Simulacros e Simula-
ção”.54
Tentando entender uma sociedade55 cada vez mais formatada pelo poder alegórico
da imagem, circulando massivamente e ilimitadamente por todo o tipo de canais
públicos e domésticos (televisão e Internet), o autor francês irá estabelecer uma
categorização do real, através da definição de vários graus de simulacro. Para Bau-
>fig.20 escultura-simulacro do artista drillard o real terá cada vez mais dificuldades em se produzir, numa época em que
Duane Hanson
54
Baudrillard, Jean Simulacro e
o hiper-real, o simulacro, se autonomiza do modelo, ganhando uma dinâmica e ex-
Simulações (1981), Relógio d’ pressividade própria.
Água, Lisboa, 1991
55
referindo-se à cultura tardoca-
pitalista Se a imagem-representação mantém um “poder dialéctico, mediação visível íível e inte-
ligível
íível do real”, em “que um signo possa remeter para a profundidade do sentido”, já
a imagem-simulacro “parte da negação radical do signo como valor, parte do signo
56
Ibid., op. cit., p.13 como reversão o e aniquilamento de toda a refer
referência”56, ou seja iconiza-se e reclama-
se real. Por outras palavras, a imagem-representação é um signo que nos remete
para um modelo, uma referência do real, e como tal nós absorvemo-la claramente
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 21

como representativa.
57
a hipérbole é “uma figura de A imagem-simulação, de tanto e tão bem simular, torna-se real hiperbolizando-o57,
estilo que consiste no exagero
da expressão, ampliando a ver- ou seja hiper-real, abandonando qualquer relação com o seu modelo de referência,
dadeira dimensão das coisas” in
Diccionário da Língua Portugue- ganhando um valor e significação próprios. A indiferenciação entre imagem e ob-
sa, Porto Editora, 2003
58
cada vez mais damos mais jecto ou entre ficção e realidade torna-se cada vez mais comum, numa sociedade
valor aquilo que vemos na tele-
visão, no cinema , na televisão, insatisfeita, submissa ao consumo de sonhos e ilusões.58Os massmedia, presentes
no museu, na Internet nos livros e sagrados em qualquer lar, serão os principais magos prestigiadores responsáveis
e imprensa, considerando isso
como cultura; a experiência do pelo culto à imagem-simulacro e ao fictício. Numa tentativa de desconstruir estes
real tem cada vez menos valor
no tecido cultural de uma socie- mecanismos de prestidigitação, Baudrillard identifica quatro graus de imagem, no
dade; tudo é mediado, tudo é
simulacro que se refere ao seu grau de intimidade com o real.
59
Ibid., op. cit. p.13. É o caso
da representação fiel ao mo- A primeira categoria é a imagem representativa de uma realidade profunda, ou seja
delo, como uma fotografia ou
desenho “uma boa apar
aparência - a representação do domínio íínio do sacramento”.59
60
Ibid., op. cit. p.13 O fachad-
ismo ma arquitectura, quando A segunda categoria refere-se à imagem que mascara e deforma uma realidade
a fachada tem uma imagem profunda”, “uma má aparêapar ncia - do domínio
íínio
nio do malef
malefíício
ício”60. Se estas duas categorias
urbana, que não reproduz, mas
mascara e deforma a realidade ainda dissimulam uma realidade, estando ainda no domínio da representação, as
do edifício. Estou-me a lembrar
de recuperações de fachadas duas próximas entram já no domínio do simulacro, pois dissimulam um real ausente:
em centros históricos mas cujo
interior permanece degradado. A terceira categoria é a da imagem que “mascara a ausência de realidade profun-
61
Ibid., op. cit. p.13. É o caso
de reconstruções integrais de da”, ou seja “finge
finge ser uma apar
aparência - é do domínio íínio do sortilégio61”; enquanto o
edifícios ou lugares históricos
que já não existem último estádio da imagem, pertence àquela que “não tem relação com qualquer rea-
62
Ibid., op. cit. p.13 Verifica-se lidade: ela é o seu pr
próprio simulacro puro”, isto é, “já“j não é do domínio íínio
nio da apar
aparêência,
com frequência em casinos de
Las Vegas, simulações da cida- mas da simulação” . 62
de de Veneza ou da Torre Eiffel
em Paris. Em Portugal, pode-
mos considerar o Portugal dos Imagens - representação de 1º e 2º grau Imagens - simulacro de 3º e 4º grau
Pequeninos, em Coimbra dentro
desta categoria

>fig.22 diagrama de relações dos 4 graus de imagem definidos por Baudrillard

Para o autor, a simulação é um processo de produção do real, cada vez mais inte-
grado no nosso quotidiano, extensamente disseminado, através dos mass media e
todo o tipo de dispositivos de sedução lançados pela MáM quina Capitalista63.
>fig.21 Venetian Resort Hote
Hotell em Las
Vegas, simulacro da arquitectura veneziana
Se o berço do hiper-real, é o sistema económico-cultural americano, a verdade,
é que através de processos de globalização,64a hiper-realidade se alastra hoje por
63
entenda-se por Máquina Capi-
talista, o poder ubíquo e invisível todo o Mundo.
(inominável) de megacorpora- O conceito de simulacro, definido por Baudrillard, surgirá como elemento estrutura-
ções alocalizadas que dominam
e sustêm a economia de merca- dor da interpretação da produção cultural da sociedade tardocapitalista, não só em
do global tardocapitalista.
64
provocada pela maior fácil posteriores ensaios do autor, mas para todo um grupo de pensadores que se debru-
mobilidade de pessoas e bens,
pela deslocalização, internacio- çarão sobre o fenómeno.
nalização e corporativização do
poder industrial e pela facilidade
de transmissão e recepção de
signos pela rádio, televisão e
Internet.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 22

5. Indigest
Indigestão ou Esquizofrenia

65
e com menor impacto os seus Depois de o Movimento Moderno65tentar desenvolver um discurso crítico usando a
renovadores como o Team X,
entre outros; bem como a Inter- arquitectura como instrumento de acção e de realização de um ideal social, grande
nacional Situacionista
parte da classe arquitectónica rende-se à evidência do poder capitalista. De repente
vê-se despojada de discurso, de ideais e de uma meta-linguagem semântica. De-
sorientada, abraça por um lado a cultura popular da sociedade de consumo, cada
vez mais intoxicada pelo espectáculo e pelo lazer, e por outro lado tenta recuperar
desesperadamente alguns valores simbólicos clássicos da composição arquitectóni-
ca, numa possível tentativa de aproximar a linguagem simbólica da arquitectura a um
>fig.23 Hotel Luxor, Las Vegas
imaginário colectivo mais abrangente66.
66
nomeadamente o do poder Dentro deste contexto a espacialidade dos parques temáticos como a Disneylân-
capitalista, em geral estetica-
mente conservador e tradicio- dia, dos casinos de Las Vegas ou dos centros comerciais, ou seja a hiperespaciali-
nalista, bem como das massas,
mais facilmente seduzidas pelo dade, comentada por Eco e Baudrillard, servirão de modelo bastardo à arquitectura
imediato e pelo familiar do que
pelo elemento de ruptura e pro- de finais anos 70 e até finais de 8067. É a partir de inícios de 80, que a produção
vocador da arte e arq. de inter-
venção ou de vanguarda cultural se assume cada vez mais submissa ao poder governante, perdendo toda a
67
será dificíl de legitimar este
limite cronológico, devendo ser linguagem utópica e contestatária que a caracterizou nas décadas de 60 e 70. En-
entendido como referencial; sob tramos pois na 3ª idade do capitalismo, aquela em a ubiquidade do seu poder tudo
outras leituras a pós-moderni-
dade estende-se até aos dias integra, todo o tipo de produção, aceitando todo o tipo de linguagens e contradições
de hoje
como parte integrada do seu sistema de circulação comercial. Mesmo os críticos
ou contestatários deste sistema, são transformados em símbolos comerciáveis sob
a forma de slogans, bandeiras ou t-shirts. A fronteira entre realidade e ficção, entre
imagem e objecto encontra-se finalmente diluída. Produtores, consumidores e bens,
todos imagem, todos objecto, todos comerciáveis, todos integrados na condição
>fig.24 Piazza d’Italia, Arqtº Charles Moore,
pós-moderna.
New Orleans, 1976-79

68 O termo pós-moderno foi equacionado pela primeira vez num texto do sociólogo
Lyotard, Jean-François, A
Condição Pós-moderna, (1979), francês Lyotard de 197968 e servirá de etiqueta nominal para a pluralidade de lin-
Gradiva, Lisboa, 1989
guagens e estilos da produção cultural dos anos 80, bem como para descrever uma
condição económica assente num poder megacorporativista, multinacional e invisí-
vel; um poder económico superior a grande parte dos estados do planeta.

Lyotard não vê a pós-modernidade como um estilo, um movimento ou uma lingua-


gem, mas sim como uma condição de um sistema de produção cultural incrédulo
das grandes narrativas que caracterizavam a modernidade; o esboroar das metalin-
guagens num grande vazio de fragmentos assignificantes e simultaneamente multi-
significantes. A condição pós-moderna é, segundo Manuel Maria Carrilho, “um cres-
69
Carrilho, Manuel Maria, A Pós- cente e global processo de deslegitimação”69, integrando todo o tipo de incertezas e
modernidade como Condição,
Jornal dos Arquitectos nº208, manifestações intelectuais, científicas e estéticas num todo produtor de ausência de
Novembro/Dezembro 2002
sentido.

Se por um lado esta condição, própria de um período de transição, pode servir


como plataforma de experimentação criativa, por outro lado toda e qualquer mani-
festação manter-se-á transitória e etérea, pela incontornável impossibilidade da sua
legitimação, ou seja fixação. Neste sentido poderemos interpretar as manifestações
culturais pós-modernas como multisignificantes, hiper-reais e hiperficcionais, apre-
sentando estruturas semânticas labirínticas, ahierárquicas e fugitivas. Na arquitec-
tura, a condição pós-moderna conhece um profícuo, quase promíscuo, campo de
experimentação, mas tornando igualmente impossível a sua legitimação. Verificam-
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 23

se, no entanto, alguns traços caracterizadores da espacialidade pós-modernista,


especialmente através da sua intimidade com a indústria de entretenimento e
enquanto representação do poder capitalista. Será através da leitura do ensaio do
americano Frederic Jameson “Pós-modernismo, ou a lógica cultural do capitalismo
tardio”, escrito em 1986, que tentaremos entender as relações do espaço pós-mo-
>fig.24 Michael Graves
dernista num contexto económico-cultural.70
70
Jameson, Frederic The
cultural logic of late capitalism
(1986), in Rethinking Architec- O pós-modernismo na arquitectura chegará logicamente a um nível de uma esté-
ture, Routledge, Londres, 1997, tica populista, como o manifesto venturiano sugere; interpretada como uma crítica
pp. 238-247
implacável ao alto modernismo arquitectónico e ao chamado Estilo Internacional.
71
exclusiva de um discurso
académico e intelectual Não pretendendo avaliar a retórica populista, é merecido, no mínimo, salientar o
72
Este fenómeno de quebra ou seguinte fenómeno: a dissolução da fronteira entre a alta cultura71 e a cultura de
talvez de fusão, entre uma cultu-
ra de elite e a cultura de massas massas, e o aparecimento de novos tipos de formas e textos da mesma industria
anuncia o surgir de um novo
tipo de sociedade, geralmente cultural denunciada pelos ideólogos do moderno72. É o fascínio pela paisagem
apelidada de “sociedade pós-in-
dustrial”, mas também de socie- “degradada” do kitsh, séries de TV e Reader’s Digest, da publicidade e motéis, dos
dade de consumo, sociedade
dos media, informacional, elec- filmes serie B, da chamada paraliteratura ou romance de cordel, dos policiais e
trónica, high-tech, entre outras.
Todas estas teorias sociológicas ficção científica, entre outros, material incorporado na própria substância do traba-
que tentam interpretar esta nova
configuração social, convergem lho criativo73.
na demonstração de esta já não
responder às leis do capitalismo
clássico, nomeadamente na As condições socioeconómicas, que acompanham o emergir do pós-moder-
primazia da produção industrial
e na omnipresença da luta de nismo, conduzem o autor, a analisar o pós-modernismo como uma dominante
classes. Jameson adopta a tese
do economista Ernest Mandel, cultural, subordinada a diversos vectores, e não como um estilo, como Lyotard já
segundo a qual esta nova for-
mação social corresponde a um sugerira.
3º terceiro estádio na evolução Segundo Jameson, a produção estética tornou-se, em termos gerais, parte inte-
do capital, demonstrando ser
este o momento de mais pura grante do bem produtivo/produzido: a urgência económica de produzir frenetica-
expressão, se comparado aos
que os precederam. Ibid., p.239 mente novidades, novas tendências, etc.. assume uma função estrutural essencial,
73
Ibid., p.239
74
Ibid., p.240 Numa época em posicionando-se a favor da inovação estética e experimentação. Estas neces-
que o poder privado domina sidades económicas encontram reconhecimento nas variadas formas de apoio
financeiramente a máquina de
estado, grande parte do espaço institucional para as novas artes, como fundações, empresas e outras formas de
público e social produzido hoje
em dia, está submetido às leis patronato.74 De todas as artes, a arquitectura, é pela sua natureza contratual, aque-
do poder capitalista. Assistimos
já à privatização do espaço pú- la mantém uma dependência mais próxima do campo económico; não sendo por
blico, como é o caso da Praça
Sony em Lisboa ou de Potsda- isso surpreendente que o surgimento da arquitectura pós-modernista esteja base-
mer Platz em Berlim.
75
O autor foca neste ponto ado no mecenato de corporativas multinacionais, cuja expansão e crescimento é
um aspecto que lhe parece contemporâneo do desabrochar desta arquitectura.75
evidente; nomeadamente que
toda esta cultura pós-moderna
e global, de origem americana,
é a expressão interna e supe- Frederic Jameson abordará de seguida alguns dos aspectos constitutivos do
restrutural de uma nova vaga de
domínio militar e económico dos pós-modernismo: uma nova superficialidade, que tem a sua extensão na teoria
Estados Unidos pelo mundo:
neste sentido, o reverso desta contemporânea e em uma toda nova cultura da imagem e do simulacro; um con-
cultura é sangue, tortura, morte sequente enfraquecimento da historicidade76, tanto na nossa relação com a história
e terror, Ibid., p.241
76
associada à crise na historici- pública, como nas novas formas de temporalidade privada, cuja estrutura “esqui-
dade está o que Jameson cha-
ma de pastichização. O pastiche zofr nica”77 determinará novos tipos de sintaxe ou de relações sintagmáticas nas
zofré
é, tal como a paródia, a imitação
de um peculiar ou lírico estilo artes temporais; todo um novo tipo de campo emocional ou “intensidades”, que
idiossincrático; o vestir uma
máscara linguística, o discurso pode ser resumido a um regresso a velhas teorias do sublime; e por fim as profun-
numa língua morta. Esta situa-
ção determina o que os Histo- das relações constitutivas de tudo isto com uma a alta tecnologia, representativa
riadores de arte denominam de de um novo sistema económico mundial78.
“historicismo”, nomeadamente
a canibalização a de todos os
estilos do passado; o jogo de
aleatórias alusões estilísticas, Considerando que é na arquitectura que a pós-modernidade tem uma influência
e em termos gerais aquilo a
crescente primazia do neo. Esta mais representativa, Jameson analisa a sua espacialidade, nomeadamente o Wes-
omnipresença do pastiche não
é incompatível com um certo tin Bonaventure Hotel, desenhado pelo arquitecto e empresário John Portman, se-
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 24

humor, contudo também não é gundo ele paradigmático de uma série de características espaciais que caracterizam
inocente de uma certa paixão:
é pelo menos compatível com uma mutação o do pr
próprio espaço construído
í . Segundo o autor este caso é problemá-
ído
a adição- com um todo e histo-
ricamente original apetite dos tico e sintomático de uma mutação espacial, não acompanhada ainda pela equiva-
consumidores por um mundo
transformado em imagens de lente mutação no sujeito. Nós não desenvolvemos ainda as ferramentas preceptivas
si próprio, pseudo-eventos e
espectáculos. Para tais objectos que equivalem este “hiperespaço”, por estamos ainda habituados ao tipo de espaço
reserva-se a concepção platóni-
ca de simulacrum, a cópia idên- do alto modernismo. Como muita da actual produção cultural, também a nova arqui-
tica, do qual nenhum original tectura surge como um imperativo ao crescimento de novos órgãos, à expansão do
existiu. A cultura do simulacro
vem ao de cima numa socieda- nosso campo sensível e à encarnação de novas, ainda inimagináveis, possivelmente
de onde todo o valor de troca
é generalizado ao ponto de a impossíveis, dimensões79.
própria memória do valor de uso
ser apagada. Um dos aspectos mais interessantes do pós-modernismo é, para o autor, a defesa
77
Esquizofrenia (segundo J.
Lacan) como modelo estético e de uma retórica populista integrada no quotidiano, ao contrário da imposição herói-
interpretativo: Lacan descreve a
esquizofrenia como uma ruptura ca, universalista e utopicizante do moderno. E neste aspecto o edifício de Portman
da cadeia de significantes, que responde aparentemente aos seus desígnios retóricos: é realmente um edifício bas-
constituem um sentido. Com a
quebra da cadeia de significan- tante popular, visitado com entusiasmo por locais e turistas. No entanto, começando
tes o esquizofrénico está redu-
zido a uma experiência de puro por analisar a entrada no hotel, verifica-se uma configuração espacial, que nada vai
material significante, ou seja,
uma série de puros e arrelacio- buscar à típica e característica entrada de hotel. No fundo existem 3 entradas, sendo
nados presentes no tempo.
78
Ibid., pp. 241-242. O estilo duas delas a níveis diferentes e conduzindo de forma indirecta e pouco clara ao lo-
high-tech e os grandes arranha-
céus, são hoje, em dia, símbolos bby.
do poder privado.
79
Ibid., p.242 Os comentários
de Jameson, relativamente à O autor crê, que com um certo número de outras características, edifícios pós-mo-
arquitectura pós-modernista
assemelham-se aos de Benja- dernistas como o Beaubourg em Paris, o Eaton Centre em Toronto e o Bonaventure,
min ao ler a cidade moderna, aspiram a um espaço total, a um mundo completo, uma espécie de miniatura de
nomeadamente a incapacidade
de percepcionarmosuma espa- cidade; entretanto a este espaço total corresponde também uma nova prática colec-
cilidade hiperestimulante senso-
rialmente tiva, um novo modo de como os indivíduos se movem e se congregam, algo como a
prática de um novo e historicamente original tipo de hipermultidão80. É neste sentido
que as entradas edifício se multiplicam e conduzem ate ao interior, tentando quebrar
a relação do edifício com o espaço publico exterior, tentando tornar-se independente
da cidade que o envolve.
Este diagnóstico é confirmado, segundo o autor, pelo o uso de vidro reflector como
pele do edifício, cuja função é interpretada como um elemento de repulsa da cida-
de81. A pele de vidro tem também um papel de dissociação do Bonaventure do seu
entorno; por mais que se tente ver o interior do hotel, vemos apenas uma imagem
distorcida do circundante.82
>fig.25 Centro Georges Pompidou, Paris,
Renzo Riano e Richard Rogers, 1971-77

80
Ibid, p.243
81
tendo como analogia os
óculos escuros, que impedem
de ver os olhos do interlocutor,
ganhando consequentemente
uma certa agressividade e poder
sobre o Outro
82
Ibid, p.243

> fig.26 uma das entradas exteriores ao Westin Bonaventure Hotel > fig.27 o efeito relector do vidro
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 25

Considerando agora as escadas e os elevadores, estes são desenhados pelo ar-


quitecto como “grandes esculturas cinéticas”, tendo de ser vistas como algo mais
significante que as suas meras funções e componentes mecânicos. No Bonaventure
Hotel, as escadas e elevadores, alem de substituírem o movimento, são acima de
tudo, novos sinais reflexivos e emblemas do próprio movimento, sendo uma máqui-
na de transporte que se torna no significador alegórico do velho passeio ou prome-
nade, que já não temos o direito de o fazer por nossa conta; e isto é a intensificação
dialéctica da autoreferencialidade de toda a cultura moderna, que tende para se virar
para si mesma e designar a sua própria produção cultural como o seu conteúdo83.
Ao descrever o átrio, o autor revela a imponência de um grande espaço vazio de 6
>fig 28 acessos verticais
83
Ibid, p.244 pisos, centrado por um lago e circundado de colunas, elevadores e balcões, confi-
guração de proporções e geometria tal, que dificulta a leitura do espaço total. Para
Jameson uma pessoa está imersa neste hiperespaço de forma total; propondo que
a supressão de profundidade que se verifica na pintura e literatura pós-modernista
tenha como equivalente formal na arquitectura esta imersão sensacional no novo
medium. Continuando a descrever o átrio central, o autor descreve ainda a descida
dramática, a chegada a um espaço hiperconfuso e de difícil orientação, onde se per-
dem as coordenadas espaciais e reina a desorientação. Jameson termina o ensaio,
confirmando assim a disjunção entre o corpo e o meio envolvente do hiperespaço
pós-modernista, interpretando-a como símbolo e analogia de um dilema ainda mais
grave que é a dificuldade de as nossas mentes, pelo menos para já, cartografarem
>fig 29 lounge
a grande, global, multinacional e descentrada rede comunicacional, na qual nos en-
84
Ibid, p.245 contramos apanhados enquanto sujeitos individuais.84

>fig 30 >fig 31

Embora alguns críticos interpretem a arquitectura pós-modernista como uma lin-


guagem arquitectónica, esta não deverá ser lida como um estilo ou corrente, mas
sim como o produto de uma condição económico-cultural. Neste sentido, mais do
que os seus códigos semânticos, que são variados, é o tipo de espacialidade que
encerra que a caracteriza como tal. Evocando a influência ilegítima
í
ítima da espacialidade
lúdica de massas, como os casinos ou centros comerciais, uma das suas principais
características é a construção de espaços centrífugos e hipersensoriais, catalisando
todo o espaço público para o seu interior. São portanto, bolhas de imanência, como
85
Uma cidade dentro da cidade já sugerindo anteriormente, miniaturas de cidade85, onde todo um novo palco social
era o famoso slogan de promo-
ção do Amoreiras Shopping é encenado.
86
mais uma vez o Shockerle- À semelhança dos casinos, como forma de persuasão a arquitectura pós-moder-
bniss
nista brinca livremente com todo o tipo de símbolos e alegorias, cativando os seus
visitantes num espectáculo ofuscante. A obra de autores como Michael Graves, Ro-
bert Venturi, Frank Gehry ou Renzo Piano, apresenta entre si poucos traços formais
em comum, podendo ser, no entanto, lida à luz de uma espacialidade pós-moderna.
Usando linguagens e discursos diferentes, uns mais populistas que outros, depen-
dendo do público-alvo, a arquitectura pós-moderna é baseada quase exclusivamen-
te no seu poder de sedução e de representação, prestando serviço a todo o tipo de
poder institucionalizado.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 26

5. M
Máquina de Estética - Efeitos Espaciais

“The cosmetic is the new cosmic….” Rem Koolhaas

Como vimos, a condição pós-moderna carrega consigo uma produção cultural


estetizada, apoiada na imagem e no simulacro, superficial mas sensitivamente hi-
perestimulante, ao ponto de desafiar no indivíduo a sua capacidade cognitiva de
percepção86. Associada a esta produção, promovida pela Má M quina Capitalista, estão
uma série de mecanismos que penetram no inconsciente do indivíduo, explorando
o desejo, o sonho e a ilusão, viciando o consumidor numa infinita e insaciável sede
de estímulos. A este mecanismos é que se dedicam o marketing e a publicidade,
recorrendo ao poder de sugestão e a mensagens subliminares, signos que atingem
> fig.32 Times Square, Nova Iorque.Espaço
público privatizado pela Disney directamente o nosso ID87, sem serem filtrados pela razão, ou seja dos quais não
87
termo freudiano para designar tomamos consciência. Nesse sentido a Má M quina Capitalista é uma Má
M quina de Ilu-
o Inconsciente. É no ID que se
processam as nossas pulsões sões, alimentada num circuito integrado de permanente produção e consumo de
mais primitivas, como o desejo e
a raiva. É também no ID que se hiperrealidades; uma rede de fluxos libidinais em que todos estamos mergulhados.
processam os sonhos.
88
uma economia sustentada e Poderemos interpretar este fenómeno, esta manipulação consciente do inconsciente,
orientada para a libido. Entenda-
se por libido a energia psíquica como a consolidação de uma economia libidinal88.
associada às pulsões vitais, que
para Freud está particularmente
associado ao desejo sexual, Praticamente toda a produção cultural, nomeadamente quando orientada para um
embora possa ser entendido
neste contexto segundo a visão grande público, está sujeita às leis do mercado libidinal, inclusive a produção espa-
de Jung, que a entende como
energia psíquica ou desejo, cial, desde a arquitectura mais corrente à suposta arquitectura de autor. Na impossi-
independentemente do objecto.
Uma economia libidinal é uma bilidade de conseguir legitimar uma meta-linguagem, quanto muito desenvolvendo
economia que explora e vive
dos desejos e pulsões vitais do determinadas tendências linguísticas89, a arquitectura agarra-se agora à experimen-
indivíduo. tação de efeitos, quer sejam espaciais, materiais, ambientais ou meramente visuais.
89
o historicismo, o desconstru-
tivismo, o minimalismo, o blob-
morfismo, entre outras
À semelhança da indústria cinematográfica, em que aliada ao poder privado e
capitalista as grandes superproduções possibilitam um desfilar opulento de efeitos
especiais, também a arquitectura quando ao serviço do poder privado e orientada
para o grande público desenvolve uma espacialidade sustentada exclusivamen-
te nos seus efeitos espaciais. Podemos encontrá-la no seu estado mais bruto em
centros comerciais, casinos e todo o tipo de estruturas de entretenimento para as
massas; ou de forma mais depurada em edifícios que pelo seu desenho procurem
>fig.33 Museu Guggenheim, Bilbao ser representativos de uma política cultural baseada no ícon e na imagem. É o caso
do Museu Guggenheim de Bilbao, do arqtº Frank Gehry, ou da Casa da Música no
Porto, do arqtº Rem Koolhaas. Independentemente da qualidade espacial deste tipo
90
e que ultrapassa os valores de intervenções e da utilidade do programa que oferecem, estes projectos têm a
que sempre legitimaram a práti-
ca arquitectónica, nomeadamen- priori, que cumprir sobretudo um programa ainda mais ambicioso90, nomeadamente
te, a solidez construtiva, a capa- a construção de um ícon, de um logo espacial. Nestes casos, o arquitecto perde
cidade de um edifício resistir ao
tempo, a integração semântica quase a sua relação com a matéria, estando mais próximo de um cenógrafo ou or-
num contexto local,
91
princípios desde sempre questrador de ambientes e sensações do que de um organizador de espaços. Se do
estruturadores da prática arqui-
tectónica, resumidos pela fór- programa arquitectónico clássico prevalecia o exercício equilibrista entre a estrutura,
mula vitruviana: firmitas, utilitas,
venustas, solidez construtiva, programa e forma91 à luz de uma meta-linguagem interpretativa, o palco de entreteni-
utilidade programática e conforto
estético mento contemporâneo, especificamente quando dirigido a grandes públicos, é cada
92
Tematização é um termo vez mais uma experiência autocontida, centrífuga e imersiva; recriando todo um novo
utilizado por Michael Sorkin no
artigo The theming the city in mundo de efeitos espaciais, distinto e paralelo ao real quotidiano. É a interiorização
Lotus n.109, para designar um
sintoma retórico, fruto da privati- e compactação do espaço social urbano em contentores tematizados92 de experiên-
zação do espaço público. Sorkin
verifica o recurso à tematização cias sensitivas.
como forma de valorizar simboli-
camente determinados espaços
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 27

de lazer. É o caso paradigmático Em “Project on the City 2: Harvard Design School Guide to Shopping”93, um grupo
dos parques temáticos, cada
um explorando um universo de estudo de Harvard, sob a orientação de Rem Koolhaas, compila uma série de
ficcional diferente ou dos casi-
nos de Las Vegas, em que cada análises e ensaios sobre o fenómeno da indústria do entretenimento e respectivas
hotel tem um tema de referência
diferente, as termas romanas, manifestações arquitectónicas.
os meandros de Veneza ou o
Egipto dos Faraós. O mesmo
tipo de estratégia é aplicado no
desenho espacial de centros
comerciais, como por exemplo
a simulação da baixa do Porto
no Via Catarina ou a referência à
Indústria Nortenha, com as suas
Máquinas expostas no Nor-
teshopping. O fenómeno não
seria tão grave se restringisse a
esses espaços. Sorkin verifica o
alastramento do desenho tema-
tizado a bairros e cidades resi-
denciais. É o caso de condomí-
nios fechados desenhados para
determinados estilos de vida,
como para comunidades gay,
comunidades yuppie ou para
comunidades de reformados
endinheirados. A empresa Walt
Disney é pioneira em estratégias
de tematização, aplicando os
seus conhecimentos adquiridos
nos parques temáticos para de-
senvolver cidades privatizadas.
É o caso de Celebration, nos Es-
tados Unidos, a cidade Disney,
onde os seus habitantes têm de
aceitar viver segundo o estilo > fig 34 centro comercial
de vida Disney, incluindo horas
de recolha à noite e a selecção Entre o “entertainment design” e o “corporate design”, o fenómeno responde a uma
da sua casa num catalógo de
habitações de estilos revivalistas manifesta e submissa vassalagem às leis do mercado e do merchandising94, colabo-
predefinido. Sobre este assunto rando de forma integrada com todos os campos da produção cultural, num prolífico
recomenda-se igualmente o livro
editado por Sorkin Variations on e apoteótico expressionismo do denominado capitalismo tardio. Neste volume, no
a Theme Park Hill and Wang,
Nova Iorque, 1992 único texto publicado por Koolhaas95, o autor ilustra, no seu estilo marcadamente
93
AAVV, Project on the City 2: irónico e alegórico, as principais características daquilo que designa por Junkspace,
Harvard Design School Guide
to Shopping, Taschen , Colónia, terminologia que dá nome ao ensaio.
2001
94 Percorrendo os meandros de aeroportos, centros comerciais, hotéis, casinos, cen-
1. conjunto de técnicas de
promoção de venda de um tros de congressos, museus, etc.., o autor vai observando e dissecando ao longo
produto através da sua apre-
sentação, disposição nos de do texto a retórica estratégica e sedutora deste tipo de espaço virológico, ubíquo e
venda e meios de distribuição 2.
propaganda não declarada feita viciante.
através de referência a um pro-
duto, serviço ou marca durante
um programa de televisão ou A terminologia utilizada por Koolhaas para denominar este tipo de espacialidade,
de rádio, um espectáculo, em
peças de vestuário, etc. in Dic- encerra, em si, pelo menos 3 sentidos que se complementam na descrição do fenó-
cionário da Língua Portuguesa,
Porto Editora, 2003 meno. O termo inglês Junk significa literalmente tralha, resíduo, objectos sem valor
95
Ibid.., pp. 408-422 , publicado
igualmente em Content, por ou utilidade. Junkspace remete então, desde logo, para uma espacialidade residual
OMA-AMO, Taschen Verlag,
Colónia, 2004, pp. 162-171 e inútil, sem espessura nem conteúdo, supérflua.
96
acordo contratual no qual uma Mas Junkspace recorda-nos também o termo americano junkfood, que designa
parte cede a outra o direito de
uso da sua marca ou patente, comida “descartá
“descart vel” de concepção industrial e massificada, que apesar das suas
associado ao direito de comer-
cialização de bens e serviços qualidades gustativas duvidosas destaca-se pelo seu consumo rápido e intenso. A
numa determinada área e,
eventualmente, também o direito Junkfood prolifera em aeroportos, centros de negócios, centros comerciais; em todo
de uso de tecnologias desen-
volvidas pela primeira mediante o tipo de espaços de circulação de massas. Associado a estratégias de frenchising
remuneração directa ou indirecta
in Diccionário da Língua Portu-
96
e revelando-se um fenómeno de popularidade em todo o mundo tardocapitalista,
guesa, Porto Editora, 2003 não deixa de ser no fundo, comida-simulacro.
Junkspace, é neste sentido, uma extensão das características da junkfood; um es-
paço de concepção e consumo rápido e intenso, de qualidades hápticas duvidosas,
mas por isso recheado de ornamentações e artifícios apelativos. Orientado para o
consumo de massa, o Junkspace, é concebido pelos melhores especialistas da re-
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 28

97
entenda-se merchandising tórica de tendências, e estruturado segundo as leis da psicologia comportamental
do marketing. É o rendimento final da artes do espaço às artes do mercado97, verifi-
cando-se o que os ingleses Archigram já desde os anos 60 andavam a anunciar – a
arquitectura como objecto de consumo.

Com a Junkfood, assim como no Junkspace, nunca se sabe muito bem o que se
está comer ou a experimentar, mas sim aquilo aparenta ou representa, induzindo
pela sugestão visual a sensação de prazer. Dentro deste contexto nunca se é um
verdadeiro cliente da Junkfood, mas mais propriamente um viciado, seduzido pela
imagem e simulacro, seguindo o princípio do comodismo e do prazer imediato, en-
contrando-se por fim imerso num grave processo psicometabólico de habituação, á
semelhança do junky, enganchado ou agarrado.
Através desta interpretação, chegámos ao 3º sentido, que a terminologia Junkspa-
ce engloba: o espaço-droga, o espaço adictivo; que vicia. Junk, além de significar
tralha, é um termo do slang para denominar um tipo de droga altamente viciante, ge-
ralmente referente à heroína, ou a drogas de efeitos e consequências similares (todo
o tipo de opiáceos)98.Neste sentido na terminologia Junkspace estão incluídas as
98
Embora utiliza o termo Junk,
como alegoria a substâncias ou suas principais linhas definidoras: um espaço instável, em constante mutação, defi-
elementos viciantes, deveremos nido pelos sazonais updates estéticos, make-ups; um espaço artificial e intoxicante,
considerá-lo para além das
substâncias químicas. Consi- mas que citando o slogan que Fernando Pessoa compôs para Coca-Cola: “Primeiro
derando o ensaio de Terence
McKeena O Pão dos Deuses, estranha-se, depois entranha-se”.
verificamos que toda a História
e evolução da Humanidade foi
marcada e determinada pelo
consumo de substâncias into-
xicantes e alteradoras da cons-
ciência, desde as plantas psi-
coactivas, passando pelo ópio,
álcool, café, tabaco até às novas
drogas sintéticas, como determi-
nados medicamentos e drogas
recreativas. No final, McKeena
faz uma breve alusão à televisão
como um meio de intoxicação e
controle político da população.
Sabemos hoje, que diversos
estudos científicos corrobam
esta posição, analisando os
efeitos hipnóticos sobre as on-
das cerebrais que a visualização
da televisão e da navegação na
Internet provocam no indivíduo,
potenciado através do exercício
do zapping. Esta está relacio-
nada não com o conteúdo, mas
com a forma rápida como lemos
imagens, que caminham direc-
tamente para o nosso incons-
ciente, posicionando o ser num
estado vulnerável próximo da
hipnose. Neste estado hipnótico
cria-se uma espécie de catar-
se, que nos impela a estarmos
viciosamente horas seguidas
a consumirmos imagens atrás
de imagens, sem chegarmos
a tomar consciência do seu
conteúdo. Devemos considerar
ainda, que perante um emissor,
que apenas pretende instigar o
instinto consumista, utilizando-se
das mais recentes descobertas
sobre o inconsciente humano e
o comportamento de massas, o
conteúdo do que consumimos é
configurado de forma a viciar o
espectador. Poderemos alargar
esta hipótese e interpretá-la á
luz de toda produção cultural, ao
serviço da Máquina Capitalista,
inclusive a produção de espaço,
a arquitectura.
>figs. 35 e 36 fotografias de Andreas Gursky
> fig. 37 Still do filme Videodrome de David Cronenberg

1.2 A EVASÃO AO ESPECTÁCULO


“ O significado de contemporaneidade surge inequivocamente associado à noção
da busca dos “mundos” desconhecidos dentro ou fora de nós, a uma noção de
sobrememória, de mistura virulógica; a uma noção de urgência de sair de um beco
sem saída
íída e ao mesmo tempo de aí entrar.”
entrar Dinis Guarda1
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 31

1. Síntese:
ííntese: Mediação, produção e hibridização do real

1
Dinis Guarda in “Entre o linear e
Desde a sua origem a humanidade sempre viveu entre várias dimensões do real.
o subterrâneo-o rizoma-mundos Realidades ficcionalizadas, imaginárias ou oníricas que complementam e inter-
estéticos de Chris Marker” para
revista Número 04 pretam a sua relação com o mundo. Verificamos que nas sociedades arcaicas,
estas realidades se manifestam sobre a forma de rituais, originando o que hoje
interpretaríamos como manifestações artísticas: cantares, dançares, indumentárias,
narrativas, pinturas e construções. Cada cultura desenvolve então todo um mundo
estético-simbólico, que caracterizará a forma como se posiciona perante o cosmos.
Se nas sociedades arcaicas encontramos uma linguagem muito próxima da lingua-
gem simbólica e irracional do mundo onírico, a invenção da escrita veio estruturar e
institucionalizar todo esse fluir imaginário: surgem as mitologias e todo um mundo
cantado, dançado e musicado é fixado e sintetizado em narrativas escritas.
À passagem da palavra oral para a palavra escrita, corresponde o nascimento
das primeiras grandes cidades e à institucionalização do poder e de diversas áreas
de conhecimento. O Real Imaginário que agregava socialmente uma comunidade,
partilhando do mesmo mundo estético-simbólico, é agora institucionalizado enquan-
to religião e manipulado pelos orgãos de poder como mecanismo de regulação mo-
ral das massas que habitam a urbe.
As religiões monoteístas, como Cristianismo e o Islamismo vêm reforçar este cami-
nho, transpondo os mitos para evangelhos e os rituais para liturgias. Ao fixarem os
comportamentos e costumes, este tipo de religião veio também separar o indivíduo
da relação íntima que mantinha com o sagrado, regulamentando a sua liberdade
natural de expressão dos seus impulsos simbólico-alegóricos. O indivíduo já não
interpreta criativamente a sua relação com o mundo, limita-se a seguir uma doutrina.

Mas se até aos séculos XVI, XVII sobrevive uma visão mágico-simbólica mediadora
da realidade, a entrada na Idade Moderna marcará definitivamente a ruptura das
manifestações criativas de uma ordem cosmológica. O Racionalismo irá comparti-
mentar a experiência do mundo em áreas de conhecimento e de produção. A Con-
tra-Reforma, aliada ao poder capitalista, então emergente, irão tornar a experiência
sagrada do real numa espécie de consumo de um real sagrado. Entramos, com o
Barroco, no domínio exclusivo da produção de imagens, de estética, da produção
de um real. O indivíduo agora desiste de se posicionar perante uma ordem global e
cosmológica da experiência, limita-se a embriagar-se com o consumo do que lhe é
mais apelativo.

Vimos, no capítulo anterior, a forma como a Revolução Industrial veio acentuar este
processo de ruptura do indivíduo na sua relação com o meio. Se o Real Imaginário,
já não é produzido em comunidade, mas consumido em massa, a Indústria Cultu-
ral veio oferecer aquilo que o indivíduo entretanto perdeu enquanto experiência, a
cultura.
Considerando a necessidade imanente ao homem de vivenciar Realidades
Imaginárias, poderemos interpretar a produção da Indústria Cultural como a
produção de mundos, de ficções, de realidades alternativas e fantásticas, cujo
consumo massificado é potenciado pela especialização e mecanização da realidade
laboral a que o indivíduo está sujeito. Faltam-lhe sonhos, fantasias, lendas, símbolos,
magias, mundos de escape e de prazer, que a Indústria Cultural providenciará como
objectos de consumo imediato.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 32

A Arquitectura, será talvez, a disciplina com maior capacidade de transformar a


experiência estética e simbólica do real, sintetizando espacialmente várias áreas
de conhecimento. Verificamos a forma como a Arquitectura se manifesta, quando
associada à Indústria Cultural e de Entretenimento. Se esta propõe Mundos Imaginá-
rios, a Arquitectura constrói-os.
Neste sentido, proponho, como síntese do capítulo anterior, a leitura da produção
arquitectónica à luz de estratégias de Construção do Real. Identificando a cons-
trução de Mundos Possíveisí
íveis a uma linguagem do espectá
espect culo, à construção de
Mundos de Substituição corresponderá a pós-modernidade e a linguagem espacial
hiper-realista. Por fim, para sairmos deste imenso espectáculo, em que nos encon-
tramos emaranhados, proponho uma terceira leitura na construção de espacialida-
des lúdicas, ao que designo de Mundos Híbridos ou Aumentados.
Será esta terceira estratégia projectual, que estimulou a pesquisa que apresento no
próximo capítulo, nomeadamente sobre o jogo e o labirinto.

2. Mundos possíveis
í
íveis

Por Mundos Possíveis, entendo uma experiência lúdica baseada na linguagem


do espect
espectáculo. A construção de mundos fantásticos e sedutores, perante o qual
o consumidor se rende hipnotizado. Explorado massivamente na primeira metade
do século XX através do cinema, da televisão e pela estetização da experiência, a
linguagem de espect
espectáculo apresenta um mundo imaginário, o qual o espectador
contempla passivamente, reconhecendo neste um mundo fictício, mas apelativo.
Uma característica fundamental na construção de Mundos Possíveis é a clara frontei-
ra entre ficção e realidade.
Na continuidade do espírito romântico de finais do séc.XIX, na primeira metade do
século XX assistimos a toda uma cultura que explora e vive de ideais e utopias. Este
espírito idealista irá desenvolver sistemas político-simbólicos, que desencadearão
em regimes políticos marxistas, por um lado, e fascistas por outro.
Também a Indústria Cultural irá explorar conteúdos que exprimem a procura do
indivíduo por ideais; ideais de beleza, ideais de sociedade, ideais de vida. Será
através do cinema, da televisão, da propaganda política e da publicidade que este
Mundos Possíveis
í
íveis serão difundidos.
Estes podem ser enquadrados, segundo a teoria das imagens de Baudrillard, em
simulacros de 2º grau e eventualmente de 3º grau; ou seja mundos que apresen-
tam uma visão melhorada ou estetizada da realidade ou mundos que simulam uma
realidade aparente, mas que não existe.
>fig.38 fotomontagem de Superstudio,
escritório de arquitectura italiano associado
à arquitectura radicalle
Embora dissociados dos mecanismos de persuasão capitalistas, ou seja sem
assimilarem uma linguagem do espectáculo, surgem na primeira metade do século
XX alguns movimentos arquitectónicos, que legitimam a sua procura de renova-
ção semântica em ideais sociais. É o caso do expressionismo alemão, associado
aos ideais socialistas da República de Weimar, do Futurismo, ligado ao Fascismo
Italiano, do Construtivismo Russo como expressão do regime leninista e finalmen-
te do Movimento Moderno como expressão espacial de uma sociedade universal,
progressista e mecanizada.
Embora Mundos Possíveisí
íveis sejam ainda hoje construídos, principalmente explora-
dos pelos mass media; a partir dos anos 70, com a pós-modernidade os metadis-
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 33

> fig.39 fotomontagem da artisita Mariko Mori

cursos utópicos e idealistas dissolvem-se, abrindo lugar para uma cultura do simula-
cro e do hiper-real.

3. Mundos de Substituição

" Como nos novíssimos filmes de horror, não há distanciação, não se assiste ao
horror alheio, está-se dentro do horror por sinestesia total, e se houver um terramoto, a
sala cinematográfica também deve tremer" Umberto Eco

2
de Ersatzwelt Chamo Mundos de Substituição2 a Realidades Imaginárias construídas através de
uma linguagem de simulacro. Nestes Mundos, o sujeito já não procura esgazear-
se com realidades possíveis, procura viver realidades impossíveis, simuladas. É o
caso dos parques temáticos, como a Disneylândia ou os Casinos de Las Vegas,
ao que Eco, Baudrillard e Jameson apelidam de hiper-realidades. Estamos perante
simulacros de 4º grau, ou seja simulações de realidades ficcionais. Os Mundos de
Substituição convidam o consumidor a entrar e participar do seu mundo fantástico,
oferecendo uma verdadeira realidade paralela ao quotidiano. Aqui tudo funciona
bem, tudo é belo e higiénico, todo o local é ubiquamente videovigiado, impedindo
qualquer tipo de crimes ou distúrbios à ordem. Ao contrário dos Mundos Possíveis,
nos Mundos de Substituição a fronteira entre realidade e ficção desaparece, o su-
jeito outrora espectador é agora uma espécie de actor passivo, um figurante entre
figurantes, imerso neste mundo virtual.
>fig.40 Environment Bubble, Reyner
Banham
Nestas hipertopias3 a estratégia de persuasão já não passa pela visualização de
imagens, mas pela imersão multisensorial dentro das imagens. Para acentuar este
sentido de imersão em mundos paralelos, os mundos de substituição afastam-se
geograficamente dos meios urbanos ou fecham-se fisicamente para estes4.
3 Podemos interpretar então os Mundos de Substituição como experiências multisen-
lugares hiperbolizados ou
hiper-reais soriais, onde a fronteira e ruptura com a realidade se pretende total. Não há por isso
4
esta estratégia é evidente em
centros comerciais e até condo- uma experiência, que aumenta, densifica ou distorce a nossa leitura do real, mas que
mínios residenciais, videovigia-
dos. Jameson alerta-nos para a substitui, neutralizando-a; mantendo a fronteira entre os dois meios, hermeticamen-
esta estratégia de alienação
urbana na sua análise ao HoTel te cerrada.
Westin Bonaventure Este fenómeno tende a alastrar-se em todos os campos e suportes da produção
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 34

fig.41 fotomontagem da artisita Mariko Mori

cultural de massas tardocapitalista, por ser o processo mais eficaz, de persuadir


e agarrar o sujeito numa passividade contemplativa, e viciante, sendo facilmente
manipulado a consumir voluptuosa-e-compulsivamente. Os Mundos de Substituição
são também a resposta mais radical à ânsia insaciável do homem tardomoder-
no pela experiência última; pela celebração e fruição de um mundo de evasão,
onde a materialização de todos os desejos é compactada (género kit de alegria) e
extrapolada (até à uma implosão interminável).

4. Mundos Híbridos
ííbridos ou Aumentados

The theater is closed/ There is no place else to go/ The theater is closed
Cut word lines/ Cut music lines
Smash the control images/ Smash the control machine. William S. Burroughs

Vimos como nos dois casos anteriores, que a construção do Real se baseia na
realização de Mundos de Escape, de fuga. Esta constatação, leva-nos a assumir
que o indivíduo vive num permanente estado de insatisfação, trabalhando como uma
máquina durante a semana, para poder embriagar-se em formas de escape ao fim-
de-semana. Estimular este tipo de produção cultural só pode conduzir o indivíduo a
afastar-se cada vez mais de si próprio e do seu posicionamento perante o mundo,
vivendo sob uma espécie de estado de letargia.
Sob o nome de Mundos Híbridos
ííbridos ou Aumentados, procuro delinear uma estratégia
deconstrução do Real que desperte a participação activa e criativa do indivíduo na
experiência de Realidades Imaginárias. Através da participação e interacção subjec-
tiva na construção do Real, pretende-se recuperar a simbiose perdida entre o Mundo
Imaginário e o Mundo Quotidiano, daí o termo de Mundos Híbridos
ííbridos ou Aumentados.
Nesse sentido, pensei em substituir a produção e o consumo de objectos de entre-
tenimento por dispositivos lúdicos, em que o sujeito participe activamente como um
actor jogador. Através do jogo, pretende-se recuperar também uma certa ideia de
ritual colectivo, de interacção numa comunidade através da qual é projectado e reali-
zado o conjunto de subjectividades participantes.
Falamos, portanto de espacialidades que estimulem e vivam do poder criativo e
interactivo dos seus habitantes.
De certa maneira, podemos observar o reinsurgimento deste tipo de ludismo pelos
meandros do ciberespaço. Para aí entrarmos, não basta pararmos e observar o es-
pectáculo, a participação e interacção são mecanismos essenciais para aí sabermos
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 35

>fig.42 fotomontagem de Superstudio

navegar e socializar ludicamente. Neste momento, o ciberespaço está povoado de


comunidades virtuais, plataformas lúdicas multijogadores e mundos paralelos em
5
os denominados MUDs,
permanente transformação5. São portanto mecanismos despertados recentemente,
comunidades de jogadores que mas que legitimam a sua aplicação na construção do espaço real. Neste sentido
constroem através da interpreta-
ção de um papel social, mundos surge termo Realidade Aumentada para designar dispositivos que fundem dados
fantásticos, com arquitecturas e
bestiários próprios. digitais do espaço virtual com dados materiais do espaço físico.
Se o objectivo é transportar conceitos como o jogo e a interacção para a prática ar-
quitectónica, surge naturalmente a figura do labirinto como a estrutura espacial que
melhor interpreta a experiência lúdica.
Será através do estudo das características e propriedades do jogo e da estrutura
labirintíca, que pretendo identificar elementos operativos, simbólicos, técnicos e esté-
ticos, que me orientem para o desenvolvimento projectual de Mundos Híbridos
í
íbridos .
Mundos Possíveis Mundos de Substituição Mundos Híbridos ou Aumentados
(Ersatzwelte
(Ersatzwelte)

Domínio do espectáculo Domínio da hiper-realidade Domínio do lúdico


Limite entre ficção e real Dissolução do limite entre Interacção e hibridização entre
ficção e real ficção e realidade
Contemplação da encenação Imersão e participação passi- Imersão, participação activa e
de narrativas, fantasias va num mundo de ficção ou construção de um mundo híbri-
simulação do entre a ficção e a realidade
Sedução pela utopia (lugar Sedução pela imersão - hi- Sedução pela hibridização-
que não existe) pertopia (lugar que existe ou ludotopias
aparenta existir em todo o
lado, ubíquo)
Sujeito enquanto espectador Sujeito enquanto “actor figu- Sujeito enquanto “actor joga-
(hipnotizado) rante” dor”
Interacção solitária com o meio Interacção multipessoal (em
comunidade) com o meio
Simulacro de 2º ou 3º grau Simulacro de 3ª ou 4ª grau
Meios de difusão: televisão, Meios de difusão: parques Meios de difusão: telemóveis e
cinema, paineis publicitários temáticos, Expos,museus, sistemas GPRS, Internet,
cinema ou teatro interactivo museus e feiras de arte (expe-
riências de arte digital), e espa-
ços públicos urbanos
> fig. 43 diagrama comparativo das principais características das 3 estratégias de contrução do Real
MOMENTO 02 > CARTOGRAFIA ESPECULATIVA
>fig. 44 Marcel Duchamp jogando xadrez diante do Grand Verre

2.1 HOMO LUDENS


“ A vida deve ser vivida como um jogo, jogando certos jogos, fazendo sacrif
sacrifíícios,
ícios,
cantando e dançando,
ando, e assim o homem poder
poderá conquistar o favor dos deuses e
defender-se de seus inimigos, triunfando no combate”, assim “os homens viver
viverão
de acordo com a natureza, pois sob muitos aspectos eles são como fantoches, e só
possuem uma pequena parte da verdade.”

Platão in Leis 803-4


Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 39

1. Definição,
o, caracter
caracterííísticas
sticas e valor simbólico

1
Huizinga, Johan Homo Ludens Embora tão presente no quotidiano do ser humano ao longo de toda a História,
: O jogo como elemento da cul-
tura (1958), Editora Perspectiva, o jogo só recentemente foi objecto de estudo quanto à sua natureza e significado
São Paulo, 2001
2
Não querendo fazer desta no quadro cultural. A principal obra de referência, e a primeira a debruçar-se
nomenclatura uma condição exclusivamente sobre este tema, data de 1938 e foi escrita pelo antropólogo
universal, o autor menciona
ainda a relatividade dos termos holandês Johan Huizinga sob o título “Homo Ludens: o jogo como elemento da
Hommo Sapiens e Hommo Fa-
ber. Se o raciocínio é exclusivo cultura”1. Neste trabalho o autor defende a ideia, algo controversa para a altura, do
do homem, esta não é condição
por excelência definidora da jogo como elemento indispensável a qualquer actividade humana, condição inerente
nossa espécie, visto sabermos
hoje que a razão é apenas um à génese e evolução da Humanidade. Verificando a existência da actividade lúdica
aspecto entre outros na defini-
ção do nosso comportamento no reino animal, Huizinga interpreta o jogo como algo anterior à própria cultura,
e identidade. Quanto ao fabrico
de objectos, que remeterá para admitindo a cultura como tendo sido formada e construída a partir do jogo e não o
a expressão Homo Faber, esta
é segundo o autor pouco apro- oposto. É neste contexto que o autor propõe o neologismo Homo Ludens2, termo
priada, pois pode servir para que justificará a leitura das actividades humanas à luz da praxis lúdica. Alertando
designar um grande número de
animais. para o simplismo de se considerar toda e qualquer actividade humana uma
3
daí insistir para o subtítulo “o
jogo como elemento da cultura” actividade lúdica, o objectivo do estudo de Huizinga centra-se em determinar até
e não “na cultura” ibid., in Pre-
fácio que ponto a própria cultura possui um carácter lúdico.3

Independentemente da variedade de formas de manifestação cultural do jogo, há


determinadas características que nos permitem identificá-lo enquanto tal:
Como primeira característica Huizinga identifica o facto do jogo ser livre, ou seja,
uma actividade voluntária, em que se participa por vontade própria e não por dever
4
exceptuando quando este ou obrigação4. Este perderia imediatamente a sua natureza de diversão e prazer
constitui uma função cultural
reconhecida, como no culto ou a partir do momento em que fosse imposto. Associado à liberdade da actividade
ritual
lúdica, o autor identifica uma segunda característica, reconhecendo o jogo como
“uma evasão o da vida “real” para uma esfera tempor
temporária de actividade com orientação
pr pria” . O jogo é então um intervalo na nossa vida quotidiano, capaz de absorver
pró 5

5
Ibid., op. cit., p.11 inteiramente o jogador. Poderemos, neste sentido interpretar o jogo como uma
6
dado o facto de o jogo ser
improdutivo e abstracto do dimensão própria, paralela à vida “real”, o que não invalida a sua importância6, mas
real quotidiano, há quem
o considere como uma a acentua pela complementaridade. Como forma de mediação, o jogo complementa
actividade meramente supérflua,
desconhecendo o seu papel e amplia o “real” quotidiano, respondendo a uma necessidade básica animal
estrutural na organização da
vida social e psicológica do comparável á do sono e do sonho7. Enquanto dimensão paralela à da vida “comum”,
indivíduo.
7 o jogo encerra, então, uma delimitação o espacio-temporal pr
própria, estabelecida
igualmente complementar do
nosso quotidiano e de certa previamente pelo “tempo de jogo” e pelo “campo” onde este se desenrola8,
forma semelhante enquanto
dimensão paralela estabelecendo a sua 3ª característica. Só no interior de fronteiras bem definidas é
8
quer seja um tabuleiro de xa-
drez, um campo de basquete ou que o jogo pode tomar lugar, ultrapassando essas fronteiras quebra-se a sua ordem
o cenário de uma peça teatral
implícita.
9
Ibid., op. cit., p.13 É exactamente este aspecto, o facto de que “o jogo cria ordem e é ordem”9, que
Huizinga identifica como uma quarta característica. À manutenção desta ordem está
implicado não só a permanência incondicional no interior dos seus limites espacio-
temporais, mas também o cumprimento zeloso das regras e convenções que a
definem. Quebrar as regras do jogo, equivale a quebrar a “bolha” de ilusão (ilusão
10
Ibid., p. 14 provém do latim in ludere significa literalmente em jogo10) que o envolve e o mantém
vivo.

11 Huizinga considera que o jogo lança sobre nós um “feitiço”11, tal á a sua
Ibid., p.13
capacidade de absorção e de “ilusionismo”. Durante este estado “enfeitiçado”, o
autor reconhece como essencial a tensão que este provoca no jogador, que percorre
todo o jogo desde o início e termina apenas com a sua conclusão. Essa tensão
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 40

psíquica
í
íquica assume então um papel estrutural para manter viva e dinâmica a ordem
que o jogo estabelece. Dependendo da natureza do jogo, este é definido por regras
e convenções, seja recorrendo à regulamentação (como no caso do xadrez ou
do futebol) ou à ficcionalização (como no caso do teatro ou do faz-de-conta das
12 crianças), embora em muitos casos coexistam ambos simbioticamente (como nos
Huizinga remete para a etimo-
logia da palavra play em Inglês videojogos).
ou Spiel em alemão, que sig-
nificam simultaneamente jogo Considerando essencialmente actividades lúdicas centradas na competição
(jogo num sentido mais livre,
em português mais próximo de (agôn) e na representação dramática12, o autor analisará detalhadamente o
brincar ou brincadeira, enquanto
que para jogo no sentido mais valor simbólico deste nas culturas primitivas e pré-modernas (até ao séc. XVIII),
institucionalizado os Ingleses
usam a palavra game) e repre- verificando com amargura e alguma nostalgia a decadência da simbolização
sentação, interpretação, Ibid., e significação do jogo a partir da Idade Moderna,13 agravando-se até à
pp. 37-50
13
Ibid., pp. 217-236 contemporaneidade.

O jogo adquire nas sociedades primitivas um valor simbólico de culto ou ritual,


enquanto representação dramática ou figuração imaginária de uma realidade
desejada. Nesta primeira fase da evolução humana, o jogo confundia-se com o
culto, funcionando como ritual de passagem ou de integração social. Intensamente
14
o Carnaval enquanto celebra- relacionado com o sagrado, tanto o jogo como a festa, funcionam nas sociedades
ção da vida e do excesso que
comemora o fim das plantações primitivas como momentos de suspensão do quotidiano, em que se celebra a
e que antecede o período de
sacrifício e de jejum da Quares- relação do indivíduo com uma ordem universal ou cosmológica. Tal é o caso nas
ma e o Magusto como celebra-
ção associada ao consumo do sociedades cristãs do Carnaval ou do Magusto, representando através das suas
vinho produzido e que “prepara” festas, jogos e costumes; momentos específicos do ano em clara harmonia com a
o indivíduo para a rigidez do
Inverno ordem simbólica da natureza e da liturgia.14

O insurgimento do pensamento racionalista e positivista a partir do sec. XVIII vêem


alterar a visão cosmológica e sagrada da realidade, retirando por consequência a
simbologia sagrada ao jogo. Este permanecerá como elemento de socialização,
simbolizando o tempo ocioso das classes dominantes e intelectuais num primeiro
momento e posteriormente com o advento da Revolução Industrial, como forma de
15
ocupação do tempo livre da massa trabalhadora. As actividades lúdicas perdem
jogo de palavras utilizado por
Neil Leach referente ao poder o seu carácter livre e desprendido, institucionalizando-se e profissionalizando-se.
anestético da estetização do
real, focando a prática arquitec- Simultaneamente, através da fotografia e da publicidade, a imagem ganha um
tónica. Cf. Leach, Neil La an-es-
tética de la arquitectura, Editorial poder cada vez mais cativante, destituindo gradualmente o elemento lúdico da
Gustavo Gil,Barcelona,2001
experiência do real, para ser substituindo por um entretimento (an)estético15.

> fiig. 45 passagem coberta em Las Vegas


Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 41

2. Taxinomia

Apenas 20 anos mais tarde é que o ensaio de Huizinga encontra as suas


16
Callois, Roger “Os jogos e os repercussões profícuas no campo científico. Refiro-me à obra de Roger Caillois
homens: a máscara e a vertigem”
(1958) Cotovia, Lisboa, 1990 “Os jogos e os homens”16, escrito em 1958, e podendo ser considerado como uma
interpretação crítica de Homo Ludens, onde aprofunda e actualiza as observações
do autor holandês, nomeadamente ao propor um modelo taxonómico da actividade
17
Ibid., pp. 31-47 lúdica. Caillois identifica então o jogo em quatro categorias17 fundamentais, tendo
em conta a sua natureza; acrescentando às manifestações lúdicas competitivas
(agôn) e interpretativas (mimicry) enunciadas por Huizinga, outras duas: os jogos
determinados pelo acaso (alea) e os jogos provocadores de uma sensação de
vertigem (ilinx).

Agôn – Competição
Sob este nome, consideram-se todo o tipo de jogos competitivos, em que a
destreza dos participantes num determinado domínio é posta à prova num cenário
de igualdade ideal de circunstâncias.
“Trata-se sempre de uma rivalidade, que se baseia numa única qualidade(rapidez,
resistência, vigor, memória, habilidade, engenho, etc.) exercendo-se em limites
definidos e sem nenhum auxiliar exterior, de tal forma que o vencedor apareça como
sendo o melhor, numa determinada categoria de proezas.”18
>fig. 46 a maratona, desporto olímpico
retratado num vaso grego Todo o tipo de desporto, por exemplo, é considerado uma manifestação agonística
í
ística
18
Ibid., op. cit, p.34 do jogo. Para cada um dos concorrentes, o interesse do jogo, é ver reconhecida a
19
Ibid., op. cit, p.35
sua destreza em determinado campo. Neste sentido, o agôn, “apresenta-se como
forma pura de manifestação de mérito pessoal.”19

Alea – Acaso
Nesta categoria inclui-se todo o género de jogo baseado, não na destreza pessoal
(como no agôn), mas sim na sorte ou acaso. Neste tipo de jogos, o jogador concorre
contra o destino, man-tendo-se passivo, confiando apenas na sorte.
Ao contrário do agôn, nos jogos de sorte não é avaliada a destreza ou mérito
do jogador, visto estes não dependerem do treino, perseverança ou disciplina do
participante para que seja bem sucedido. O único interesse deste tipo de jogos,
reside na arbitrariedade do acaso e no elevado risco habitualmente envolvido,
>fig.47 Roleta nomeadamente monetário. Confiando apenas na sua sorte, um jogador poderá
20
De certa forma, este tipo de ganhar mais numa jogada, do que um desportista a vida inteira20. Se “o agôn
actividade lúdica, surge como
uma insolente zombaria do reivindica responsabilidade individual, a alea a demissão de vontade, uma entrega
mérito pessoal, reconhecido no
agôn. ao destino.”21 Desta categoria são exemplo os jogos de dados, a roleta, o bingo, a
21
Ibid, op. cit., p. 37 lotaria, o cara ou coroa, etc..
Há que considerar também jogos, onde o agôn e alea surgem combinados.
Tal é o caso de jogos de cartas como o bridge ou o poker e jogos de tabuleiro
como o gamão, onde a destreza e técnica do jogador são importantes, mas
não exclusivamente determinantes, pois cada jogada está sujeita a uma certa
aleatoriedade introduzida pelo lance de dados ou pela sequência aleatória do
baralho de cartas.
Todo o tipo de actividade lúdica, que envolva incerteza de resultado, como é o caso
também dos desportos (agôn), está sujeito a apostas, logo uma modalidade paralela
>fig. 48 jogadores de cartas de alea, que convém não confundir com a natureza do jogo envolvido.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 42

Embora traduzindo atitudes opostas, agôn e alea, partilham a tentativa de


criar situações de igualdade entre os jogadores, que a realidade muitas vezes
impossibilita. Implica que todos possam aceder às mesmas oportunidades de provar
o seu valor, seja através da competitividade, seja ao concorrer ao benefício da sorte
proporcionado pelos jogos alea. Através do jogo, cria-se uma nova ordem, paralela
ao “real quotidiano”, onde cada um tem uma nova voz e uma nova identidade. ”De
uma ou de outra maneira, evadimo-nos do mundo, fazendo-o outro. Também pode
22
Ibid., op. cit., p. 39
haver evasão quando se faz de outro. É a isso que corresponde a mimicry.”22

Mimicry – Simulacro
Esta classe lúdica, identifica todo o tipo de jogo que envolva a encarnação de um
personagem ilusório e respectivo comportamento, tendo como objectivo jogar a crer,
fazer crer a si próprio e/ou aos outros, que é outra pessoa. De facto, como referido
anteriormente, a origem da palavra ilusão deriva de “in lusio” ou “in ludere”, ou seja
“em jogo”. A aceitação de uma ilusão equivale então à entrada do sujeito num ou
>fig. 49 o faz-de conta nas crianças “em jogo”. A mímica e o disfarce surgem como comportamentos essenciais desta
categoria.
Intensamente presente nas brincadeiras das crianças- o faz-de-conta - expande-
se até à vida adulta. Podemos encontrá-lo hoje nas festas de Carnaval, ou no
travestismo, onde através do disfarce, o homem joga com a ordem habitual da
realidade, transformando-a e representando-a. A representação teatral e dramática,
em todas as suas vertentes (tragédia, comédia, ilusionismo, interpretação musical,
entre outras), faz parte desta classe de jogo.

Roger Callois considera ainda o efeito mimicry, em situações específicas de


>fig. 50 a interpretação do xamã espectáculos23, em que o espectador se identifica temporariamente com o actor ou
23
espectáculos agonísticos no perfomer, que se torna automaticamente num ídolo ou vedeta24. Nesse processo
caso do desporto ou mimicry
no caso do teatro, cinema ou de identificação com um atleta ou actor, o espectador está a imitar, a pôr-se no seu
música
24
Ibid., op. cit., pp. 42-43 lugar, entrando num jogo, encarado por Caillois como uma versão particular da
25
Este fenómeno, profusamente mimicry, através de um processo de delegação25.
explorado pela indústria do
espectáculo e dos massmedia, De todas as características definidoras do lúdico26, a mimicry apenas exclui uma,
é o grau primitivo do que
se poderá denominar de nomeadamente a regulamentação. A única regra deste jogo consiste para o actor
experiência lúdica voyeurística,
tema que abordaremos em fascinar o espectador, evitando a recusa da ilusão, e para o espectador em
posteriormente
26
liberdade, convenção, aceitar a ilusão sem recusar os artifícios utilizados (máscara, cenário, etc..), entrando
suspensão do real, limitação
espacio-temporal nesta outra dimensão do real.

Ilinx - Vertigem
27
ilinx significa em grego “tur- Finalmente consideram-se sob esta denominação27, o tipo de jogos que
bilhão de águas”, derivando de
ilingos - “vertigem” “assentam na busca da vertigem”28 e que procuram atingir um estado de transe
28
Ibid., op. cit., p. 43 ou estonteamento através da alteração do estado físico e preceptivo da realidade.
Como exemplo remoto deste tipo de jogo, temos as brincadeiras das crianças,
29
dança centrífuga em progres- quando rodopiam até ao estonteamento, ou quando se lançam em vertiginosas
são de velocidade até atingir um
estado de transe velocidades no escorrega e no baloiço. Encontramos também este tipo de jogo sob
30
lançam-se de 20 ou 30 me- a forma de ritual em sociedades pré-modernas, como por exemplo nos dervixes
tros de altura, suspensos por
uma corda no pé, rodopiando dançarinos29ou nos voladores mexicanos30 , estando também, frequentemente
no ar – o antecedente do bun-
gee jumping associado a rituais e práticas xamanísticas, onde através do estado de transe
31
nalgumas culturas acompa-
nhado da ingestão de substân- provocado pela vertigem da música e da dança31, o feiticeiro “sai do seu corpo”.
cias psicoactivas Hoje em dia, podemos encontrar manifestações ilinx, em grande parte dos
32
como a queda livre, o rafting,
a escalada, entre outros desportos “radicais”32, em que o movimento ou velocidades atingidas induzem
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 43

33
“ hormona segregada pela um certo tipo de pânico e vertigem no corpo do participante, experimentando
medula supra-renal, cuja acção
fisiológica se assemelha à exci- uma sensação de risco, logo atingindo um estado alto de adrenalina33; bem como
tação do sistema simpático” in em determinado tipo de danças34, mas principalmente como atracções de feiras
Dicionário Porto Editora
populares e parques temáticos35. Este tipo de entretenimento, onde a desorientação
dos sentidos é experimentada de forma tão brusca e estimula uma elevada
produção de adrenalina, coloca-nos não só mentalmente, mas também fisicamente
num estado evasivo da realidade, um estado de êxtase, intenso, curto e instantâneo,
exemplar do tipo experiência lúdica em crescente procura na contemporaneidade.

>fig.51 dança-ritual dervixe

34
o vira, a tarantella, a valsa ou
o tango
35
Tendo como antecedentes,
o escorrega, o baloiço ou o
carrossel, a partir do finais do
século XIX, com as primeiras
feiras populares (Luna Park
(1903) e Dreamland(1904) em
Coney island, Nova Iorque,
EUA), surgem inúmeras
máquinas estonteantes,
indutoras de pânico e vertigem,
tendo na montanha russa um
exemplo paradigmático

>fig. 51 feira popular Dreamland em Coney Island, Nova Iorque

36
Rosa, Jorge Martins “No Reino Outro aspecto importante e merecedor de referência, já mencionado por Huizinga,
da Ilusão”, Edições Vega, Lis-
boa, 2000, pp. 49-55 é a tensão psíquica
í
íquica e/ou sensação de euforia provocadas pelo jogo. Estes dois
elementos alternados ou combinados36, manifestam-se em qualquer tipo de jogo
e é através dessa tensão por resolver, que este ganha intensidade, quer para os
participantes, como para os espectadores.
Poderemos considerar essa tensão psíquica, como o elemento que mantém
suspenso o mundo de ilusão criado pelo jogo, que apenas se quebra, quando este
termina. O principal motor provocador dessa tensão, reside inevitavelmente na
indeterminação e incerteza do resultado durante todo o desenrolar do jogo, estando
este permanentemente sujeito a flutuações de performance e oferecendo até ao
momento da sua conclusão a hipótese que o imprevisível
ível aconteça.
ível

37 Independentemente desta categorização, os jogos podem ser ainda interpretados


Caillois, Roger Os jogos e os
Homens, pp. 47-57 em dois pólos antagónicos de modos de jogar37. Num dos extremos reina um tipo
de diversão caracterizado pela turbulência, improviso e despreocupada expansão,
ao que o Callois chamará de paidia. Num outro pólo encontramos uma prática
lúdica, onde essa exuberância alegre e impensada é disciplinada, com objectivos
concretos, subordinada a regras que dificultam e criam obstáculos à realização do
objectivo desejado; domínio a que o autor chamará de ludus.
E é através do ludus e do seu carácter regulamentado, que o jogo adquire aquilo
que o autor chama de existência institucional ou canónica, fazendo a partir desse
momento parte da sua natureza de cultura.
O autor identifica a paidia como manifestações lúdicas características dos
primeiros anos de infância, onde apenas reina alegria e exuberância em
>fig.52 o jogo da macaca
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 44

determinadas brincadeiras, sem existirem regras ou objectivos definidos. Com o


38 crescimento do indivíduo, a paidia vai se progressivamente complexizando em
se excluirmos a mimicry, en-
quanto profissão integrante de ludus, surgindo a disciplina, a competitividade e a destreza. O ludus encontra-se
uma indústria de espectáculo,
altura em que se institucionaliza mais presente em actividades agonísticas
í
ísticas e de alea, estando o ilinx e a mimicry38
e se aproxima claramente do
ludus associados à despreocupação e exuberância da paidia.

É ainda de considerar a associação que Callois faz das classes de jogo,


relativamente à distinção entre a sociedade arcaica e a sociedade moderna. E
neste sentido, assim, como no crescimento do indivíduo, também nas sociedades
humanas assistimos a um processo de transição de jogos de natureza paidia em
sociedades primitivas para jogos de natureza ludus em sociedades mais complexas,
nomeadamente com o nascimento da cidade e das instituições.
Para o autor a parelha mimicry e ilinx, identifica as duas categorias de jogos
mais presentes nas sociedades arcaicas, os dois tipos de jogo igualmente mais
directamente associados com uma experiência lúdica paidia, encarnando um forte
carácter ritual e religioso, representativo e dramático; ao passo que as classes agôn
e alea, caracterizam o tipo de sociedade moderna; competitiva e mecanicista onde
> fig. 53 dragão, máscara chinesa predomina o racionalismo face à visão mágico-simbólica da realidade.

39
Rosa, Jorge Martins “No Nas sociedades pré-modernas o jogo assume-se, juntamente com a festa e o
Reino da Ilusão”, Edições Vega,
Lisboa, 2000, p. 57 sagrado, como um dos três pilares da coesão e organização social39, devendo “ser
40
Ibid., op. cit., p.59 entendido como um elemento de um ritual, quase sempre equivalente à festa, muitas
vezes a ela associado, algumas coincidindo com ela”40. Enquanto rito, forma de
mediação entre o sagrando e o profano, o jogo tinha um papel estruturador de uma
ordem cosmológica do mundo, que com a modernidade se diluiu. Progressivamente
41
principalmente a partir do e ainda numa primeira fase da Idade Moderna41, este começa a ocupar um papel
Iluminismo
meramente recreativo, de diversão das classes dominantes. Perde então a sua
relação com o sagrado, autonomizando-se enquanto modalidade do ócio, e, numa
outra dimensão, mantendo-se intacto como paidia, reservado enquanto actividade
pedagógica exclusiva das crianças.

Mas o jogo sofrerá ainda uma maior metamorfose com a entrada da Revolução
Industrial e as respectivas transformações na estrutura social que esta arrasta. A
especialização e mecanização da vida profissional veio introduzir como contraponto
à repartição do horário laboral a noção de tempo livre. Ao contrário do ócio das
42
classes dominantes, para a grande classe trabalhadora “o tempo não foi sempre
Rosa, Jorge Martins, op .cit
p.65, citando T. Adorno livre, tornou-se livre”42, instaurando a necessidade de o ocupar para combater o
43
Esta é provocada pela meca-
nização e especialização exis- vazio e o tédio provocado pela sua ausência de sentido43. É neste momento que
tente na jornada laboral.. À falta surge a Indústria do Lazer, oferecendo às massas, inúmeras formas de diversão e de
de uma formação e actividade
profissional abrangente e eclé- entretenimento, explorando-as como mecanismos de compensação da actividade
tica, o tempo livre surge para
o trabalhador como um horror mecanizada e impessoal a que se dedicam grande parte do tempo. Orientada para
vacui – o tédio.
44
Ver Momento 01 um grande público, a cultura como produto sofre um processo de nivelamento de
especificidades, processo ao qual denominamos de massificação e que originará
o que Debord intitulou de cultura de espectá
espect culo.44 Igualmente subjugado à
Indústria do Entretenimento, o jogo depois de perder a sua relação com o sagrado
perde gradualmente a sua relevância enquanto actividade livre e improdutiva,
profissionalizando-se e organizando-se como mais uma forma de espectáculo de
massas.
> fig. 54 Dreamland, parque de diversões
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 45

45
Caillois, Roger Os jogos e os
Este fenómeno será traduzido socialmente pelo culto à vedeta, à estrela ou ao
Homens, pp. 143-152 campeão, massivamente explorado pelo cinema, televisão e imprensa, sendo
46
Ibid., op. cit., p. 143
identificada por Roger Caillois como um processo de delegação:45
“A delegação é uma forma degradada e diluída íída da mimicry, a única passível
íível de
prosperar num mundo presidido pelos princípios
íípios do mérito e da sorte, associados.”46

A vedeta e o campeão representam a vitória e o sucesso, realizações a que todos


aspiram, mas que só alguns “eleitos” atingem. Através da delegação , as massas
identificam-se e imaginam-se no lugar dos seus ídolos, acompanhando mais a sua
> fig. 55 o poder sedutor da imagem
televisiva vida pessoal e menos a sua vida profissional, procurando conhecer todos os seus
47
hoje em dia, esse fenómeno é
explorado descaradamente nos segredos e intimidades47.
reality-shows....
Neste sentido, a delegação não deixa de ser uma actividade lúdica da categoria
da mimicry, uma simulação ou representação passiva de uma outra dimensão do
real. Caillois acrescenta-lhe ainda o papel que esta representa enquanto mecanismo
de manipulação e alienação próprio do espectá
espect culo: “esta identificação superficial
e vaga, ainda que permanente, tenaz e universal constitui uma das peças de
compensação o essenciais da sociedade democr
democrática”48
> fig. 56 imagem de reality show
As vedetas e os campeões são assim veículos de mediação e transferência para
48
Ibid., op. cit., p. 145
49
Do Inglês fanatic, fanático. Fa-
a realização de objectivos imaginários e desejados. A situação atinge por vezes
natismo que pode ser por vezes proporções sintomáticas do fanatismo, em que os fans49 imitam ou seguem os
extremo, provocando reacções
radicais como o homicídio ou o hábitos e o visual do ídolo.
suicídio.
Enquanto mecanismo de compensação a delegação torna-se muitas vezes numa
habituação, construindo no sujeito o que o autor reconhece como uma “segunda
natureza”.

No entanto, não é sem algum descrédito e nostalgia, que Caillois reconhece o


carácter superficial desta massificada modalidade do lúdico tão presente na nossa
sociedade:
“...a mimicry surge difusa e adulterada. Privada da máscara,
scara, jjá não conduz à
50
Ibid., op. cit., p. 149 possessão ou hipnose, mas sim à mais vvã das ilusões...”50

3. Novos territórios do jogo

51
Interfaces de visualização O desenvolvimento e popularização das Tecnologias de Informação,
gráficos como o GUI (Graphical
User Interface), desenvolvido nomeadamente do computador pessoal e respectivos interfaces51 vieram permitir a
pela Apple Macintosh em... e fundação de um novo terreno e suporte da actividade lúdica: o espaço virtual52. Ao
interfaces de introdução de
dados como o teclado, o rato contrário de outros dispositivos electrónicos de mediação do real, como a televisão
e aplicado à utilização lúdica o
joystick. ou o cinema, que como vimos promovem uma relação passiva e contemplativa
do sujeito face ao objecto, o espaço virtual exige do usuário a sua participação e
interacção, introduzindo, interpretando e processando dados constantemente. A
caixinha mágica de imagens que nos apresentava outros mundos é lentamente
substituída por uma caixa mágica de ferramentas que nos permite construir
mundos pessoais ou comunitários, interagindo com e dentro deles. É nesse
> fig. 57 Pad , interface de introdução de
dados, usado nos jogos de computador sentido, que o computador veio alterar significativamente a experiência lúdica,
52
Espaço de processamento de
dados digitais, ou o espaço no entretanto degradada desde a Revolução Industrial num crescente processo de
qual e através do qual se proce-
de à mediação digital do real. espectacularização, e do que Caillois denominou de delegação.

Através dos jogos de computador a prática lúdica ganha um novo vigor,


recuperando duas importantes características estruturais: a participação no jogo pela
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 46

53
Recrear (de recreativo) e re- interacção recriativa53 e no que toca à mimicry, a encarnação e representação activa
criar (criar de novo) provêem da
mesma palavra latina recreare de personagens.
A esse respeito, Jorge Martins Rosa propõe a afinação do conceito de mimicry
em três variantes. A primeira variante corresponde à mimicry no seu estado puro,
associada essencialmente a festividades e rituais em sociedades pré-modernas,
como referido na capítulo anterior.
Como segunda manifestação, Rosa apoia-se na noção e terminologia utilizada
por Caillois, considerando o fenómeno da delegação enquanto manifestação
adulterada da mimicry. O autor acrescenta-lhe o termo passiva, para acentuar a sua
natureza e diferenciá-la do que ele considera um outro fenómeno de delegação
54
Rosa, Jorge Martins “No associada por Rosa aos videojogos como uma delegação activa54. De facto, no
Reino da Ilusão”, Edições Vega,
Lisboa, 2000, p. 61-62 caso dos videojogos, o jogador executa as suas acções e jogadas num espaço
virtual, delegadas através de um personagem igualmente fictício, também designado
de avatar. O avatar do jogador poderá conhecer diversas formas, fantásticas ou
humanas, com sexo e idade diferenciadas. Esta personagem, aquele que o jogador
constrói ou escolhe para se representar no campo de jogo irá corresponder ao seu
alter-ego55, personificando virtualmente características com as quais se identifica ou
55
alter-ego é um termo da
piscologia freudiana para gostaria de se identificar.
denominar o outro eu, o
eu idealizado pelo sujeito,
mas que não se manifesta
no espaço real. O espaço
virtual, principalmente quando
conectado em rede, veio
permitir a exploração dos alter-
egos individuais.

> figs. 58, 59 e 60 cibernautas e


respectivos avatares

Este novo elemento lúdico, a delegação activa, irá ultrapassar o campo dos
videojogos, tornando- se num dispositivo de socialização com a instalação e
difusão da Internet. Desde o seu aparecimento mais massificado em meados dos
anos 90, a Internet rapidamente se assume como um dos meios mais populares de
comunicação (e-mails e FTPs) e de socialização, através de canais de conversação
e fóruns. O indivíduo agora socializa com pessoas de todo o mundo, todas
assumindo uma identidade mascarada, imaginária. Sente-se desta forma mais à
vontade numa primeira abordagem social, liberto da intimidação que a imagem hoje
carrega com todos os preconceitos a ela associados. Este mundo fictício, no fundo
> fig. 61 Lan party, uma forma de jogo social, permite-lhe explorar traços da sua personalidade que
56
O ciberespaço é a geografia no real quotidiano não têm oportunidade de se manifestarem, desdobrando-se no
digital de informação que corre ciberespaço56 em múltiplos alter-egos ou avatares.
em redes informáticas

Esta forma activa de delegação verifica-se também nos videojogos. Num primeiro
momento, os videojogos estabeleciam uma interacção biunívoca, ou seja em
dois sentidos (homem-computador/computador-homem). A possibilidade de ter
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 47

57
inspirados nos Role Playing os computadores conectados em rede, seja uma rede restrita, seja a Internet,
Games, como o Dungeos & Dra-
gons, os MUDs são plataformas permitiu desenvolver plataformas lúdicas multi-jogadores. Aqui a interacção torna-se
multijogadores, cujo interesse é
o desempenho de um persona- interpessoal, em que pessoas de todo o mundo participam e interagem partilhando
gem num complexo sistema so-
cial, cultural, político. No fundo, um cenário virtual comum. Neste sentido, o jogador deixa de ter uma máquina como
os MUDs são mundos paralelos
que vivem da interacção dos adversário, a máquina torna-se apenas na plataforma que cria a matriz lúdica e
seus participantes. São por isso regula as condições de jogo entre vários indivíduos. Dependendo da natureza dos
sistemas abertos e indetermina-
dos, crescendo e desenvolven- jogos, há casos57 em que os jogadores constróem o próprio mundo que habitam,
do-se, simulando o crescimento
de uma sociedade real. podendo definir o seu ecossistema, arquitectura, etc.., a personalidade e vida social
58
É o caso do jogo Sims on line,
em que cada personagem simu- do personagem que encarnam58. Aplicados a plataformas multi-jogadores, verificam-
la viver num mundo semelhante
ao nosso. Cada jogador tem de se verdadeiras comunidades virtuais, mundos paralelos ao nosso, nalguns casos
arranjar emprego, comprar casa,
desenvolver amizades e relações desenvolvendo uma economia própria59.
amorosas. Sendo um jogo em
rede, os jogadores interagem
entre eles, desenvolvendo rela-
ções reais num mundo virtual.
59
O Project Entropia é um MUD,
um mundo fantástico, igual-
mente ficcional com monstros
e combates. Distingue-se de
outros por ter um sistema eco-
nómico próprio. Os jogadores
precisam de ganhar dinheiro
para comprar armas. Para isso
têm de trabalhar para outro joga-
dor, numa loja ou café. Conside-
rando que os jogadores podem
trocar dinheiro real na moeda de
câmbio deste mundo virtual, há
jogadores que ganham dinheiro
real, à custa da exploração do
sistema económico do jogo.

> fig. 62 Project Entropia > fig. 63 Sims on Line

Este tipo de dispositivo, que permite uma prática lúdica interpessoal, irá introduzir
uma dimensão humana, que os videojogos não tinham, sendo responsável pelo sua
rápida popularização e crescimento a partir de meados dos anos 90. Os espaço
60
virtual em rede60 é agora um grande palco de representação, um grande jogo, em
quer em plataformas multi-
jogadores quer em canais de que todos encarnam um papel ou personagem. As características da mimicry, antes
conversação
61
dentro da Internet assume-se perdidas na sua forma degrada e passiva, ganham uma nova vida e sentido. Milhões
o Inglês como Idioma universal
62 de pessoas em todo mundo estão conectadas em rede, partilhando e trocando
estou-me a lembrar de deter-
minados meios em que o indiví- informações, jogando e representando, socializando, ultrapassando condicionantes
duo não pode manifestar livre-
mente determinadas opiniões físicas como a posição geográfica, a etnia ou idioma de origem61, a posição social,
ou comportamentos como em
ditaduras políticas, religiosas, a imagem física, a idade ou mesmo situações de controle exterior, como a censura
em meios sociais conservadores
ou em situações de reclusa.. política, familiar, religiosa e social62.

Mas independentemente do seu carácter interpretativo ou dramático no que


toca à sua natureza de interacção, os jogos de computador também podem ser
classificados no que diz respeito à sua concepção. Sendo difícil a taxinomia absoluta
dos videojogos, considera-se a sua classificação em géneros, entendendo o género
como algo não dependente de categorias fixas , mas sim de práticas que o formam
e alteram continuamente.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 48

Jorge Martins Rosa63 irá servir-se de dois estudos distintos na abordagem do


63
Ibid., pp. 93-116
64
Se os primeiros dois, os jogos
problema. David Myers aborda a classificação dos videojogos, considerando os
de arcade e de aventura exigem seus materiais textuais, a estrutura de intriga e os padrões de interacção. Apoiando-
uma interacção baseada na
descoberta e aprendizagem, se nos 6 géneros definidos na revistas da especialidade, arcade, aventura,
a os jogos de simulação e o
role-play acrescentam-lhe a simulação, role-play, wargame e estratégia, verifica-se nesta ordem uma crescente
manipulação, enquanto que nos
jogos de estratégia e wargames complexização dos padrões de interacção.64
permitem ainda o teste.
Mas será a classificação dos autores Alain e Frederic Le Diberdier que nos permitirá
ter uma referência mais operativa quando posteriormente abordarmos questões
relacionadas com a temática. Estes autores consideram três grandes “ilhas”,
correspondendo cada uma delas a uma forma de jogar.
Temos então uma primeira “ilha” denominada de Adaptações, referindo-se a
imitações e adaptações para a plataforma informática de formas de jogo que
existiam antes de os videojogos surgirem. Dentro desta ilha enquadram-se os
> fig. 64 Pong, um dos primeiros jogos de
subgéneros dos jogos de raciocínio í , de sociedade e de aventura.
ínio
computador
A segunda grande “ilha” é a dos Simuladores, mais popular, dado o grau de
interactividade e de representação gráfica hiper-realista. Os autores subdividiram
esta classe em sistemas complexos, a que correspondem jogos de estratégia
(acção reflectida e pensada), simuladores de desporto, de meios civis de transporte
e de veículos
íículos militares, embora entre estes dois últimos subgéneros a diferença seja
pouco ou nada relevante.
> fig. 65 Sims, simulação de uma cidade Por fim, a terceira ilha, mais irregular, mas também mais povoada, comporta os
65
Ibid., p.110 chamados jogos Arcade. A origem deste tipo de jogos, reside , para Jorge Martins
Rosa, nas diversões de feiras populares65; mas enquanto que as adaptações são
tentativas de reproduzir jogos pré-existentes num novo meio, já no caso dos Arcades
se verifica uma enorme afinidade entre este género de ludismo e o suporte digital,
desenvolvendo através deste uma natureza própria. A principal característica deste
tipo de jogo reside na rápida interacção entre máquina e utilizador, apoiando-
se na coordenação olho/mão, ou seja em impulsos reflexivos. Esta “ilha” será
dominada então por jogos de reflexos, podendo ter uma configuração mais pura e
abstracta em jogos como o Tetris ou estar subordinada a determinadas temáticas,
nomeadamente subgéneros como jogos de destreza e velocidade (como o
International Tennis), jogos de plataforma,( como o Super Mario Bros) e ainda os
populares Shoot’em Up (Counterstrike) e Beat’em All (Street Fighter
Fighter), basicamente
> fig. 66 Tetris
jogos de “tiro ao alvo” e de “porrada”.

Há sempre que considerar algumas reservas na classificação de videojogos em


géneros, nomeadamente a de manter uma leitura aberta, permeável e dinâmica
da taxinomia, aceitando a existência de “pontes” entre ilhas e subgéneros, ou seja
fenómenos de hibridização. É o caso de jogos como o Unreal Tournament ou o
Doom, que dentro de uma matriz Shoot’em Up (ilha Arcades), englobam situações
em que o jogador tem de definir estratégias de acção (ilha das Adaptações) ou
> fig. 67 Super Mario
simular a condução de um veículo para se deslocar (ilha dos Simuladores).

A Indústria lúdica dos jogos de computador, tornou-se no espaço de 20 anos


na indústria com maior popularidade e florescimento económico no campo do
entretenimento. A arquitectura e produção de determinados videojogos engloba
orçamentos comparáveis aos de superproduções de Hollywood, anunciando
assim a predominância deste tipo de actividade lúdica nas gerações mais novas.
> fig. 67 Quake A palavra-chave e que marca a viragem de atitude na forma de encarar o lazer
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 49

66
Realidade Aumentada é termo é interactividade e conectividade, ao contrário da passividade, esgazeamento e
técnico utilizado para designar
tecnologias que sobrepõem esvazeamento de consciências das gerações anteriores, sobretudo marcadas
ou hibridizam dados físicos do
mundo real com dados digitais pelo poder da televisão. Começa-se a verificar então a utilização de dispositivos
do mundo virtual. È o caso por
exemplo de programas que nos interactivos em ambientes recreativos e pedagógicos, como nas escolas e museus.
permitem observar no compu-
tador imagens vídeo em tempo Mesmo a própria Indústria televisiva correrá o risco de perder terreno e popularidade
real de um lugar e alterar, por se nos próximos anos não aderir a um modelo interactivo, actualmente em fase de
exemplo as cores da fachada
ou a música de fundo. Outro desenvolvimento.
tipo de aplicação existente são
capacetes com visores, que
além de vermos o espaço real,
sobrepõem informação digital Mas se a interactividade e conectividade vêm alterar a forma como percebemos e
no campo de visão, como por
exemplo o mapa da cidade ou nos encaramos perante o mundo, despoletando uma atitude lúdica e participativa,
as coordenadas geográficas. esta não se esgota no espaço virtual ou em dispositivos electrónicos.
A Realidade Aumentada é um
fenómeno emergente e bastante A Realidade Aumentada66, fundindo e hibridizando o real com o virtual, poderá
recente, vendo já algumas apli-
cações na arquitectura. No en- trazer aplicações inovadoras, inclusive no campo disciplinar da arquitectura,
saio The Poetics of Augmented
Space:Learning from Prada, Lev integrando dispositivos próprios do mundo digital no espaço real, seja no espaço
Manovich interpreta projectos
dos NOX, como o pavilhão H20 urbano como no espaço doméstico. Apoiando-se em sistemas móveis de
e de Rem Koolhaas, como os
dispositivos de exposição das comunicação como o telemóvel e de sistemas de posicionamento, como o GPS,
lojas Prada (desenhados em co-
laboração com a firma Kramde- empresas como a Ydreams ou a Mix Media Lab estão a trabalhar e a explorar
sign) como exemplos recentes
de arquitecturas que integram soluções em que fazem da cidade real o cenário físico dos seus jogos67.
tecnologias de RA.
67
A empresa portuguesa Ydre-
ams, desenvolveu um jogo RA,
baseado na tecnologia móvel da
rede celular Vodafone. Underco-
ver é o primeiro jogo de estraté-
gia multijogador para telefones
móveis. A posição real do
jogador é a principal ferramenta
para o cumprimento de diversas
missões. É um enredo virtual,
fazendo do jogador um agente
secreto num mundo devastado
pelo terrorismo e guerras biológi-
cas, tendo como campo de jogo
o mundo real. Temos também o
exemplo do recentemente lança-
do Human Pac-Man, desenvol-
vido pela empresa de Singapura
Mixedmedia Lab. É uma adap-
tação da tradicional Pacman, > fig. 68 e 69 dispositivos utilizados em jogos de Realidade Aumentada
usando os meandros da urbe
como labirinto. Existem 4 joga-
dores, dois jogadores no espaço
físico, o Pacman e o Ghost, em
que um tem de apanhar o ou-
tro, e os respectivos ajudantes 4. O princípio
íípio lúdico e sua interpretação na composição
o art
artííística
stica e arquitectónica
sentados ao computador. Estes
dois vão acompanhando o jogo
e dando informações. Como forma de síntese ao que neste capítulo foi considerado sobre o jogo,
pareceu-me fundamental definir resumidamente instrumentos de interpretação
e de produção que possam servir o campo disciplinar artístico e arquitectónico.
Nesse sentido procurei interpretar algumas manifestações da História da Arte e da
Arquitectura à luz do que podemos designar como princípioíípio lúdico. Pretende-se
desta forma identificar algumas formas e maneiras de desenvolver situações lúdicas,
como referência a uma possível prática projectual que pretenda encarnar uma visão
lúdica e dinâmica da realidade.
Entenda-se por princípio lúdico, qualquer tipo de dispositivo imagético ou espacial,
que convide o sujeito a participar e interagir numa certa forma de ilusão e de
jogo, desafiando a sua destreza (física ou intelectual - agôn), o seu imaginário e
capacidade de simulação - mimicry ou a experiência de vertigem e de desorientação
(ilinx).
Não incluo como constituinte deste princípio a classe alea ou a experiência da
aleatoriedade e do azar; a não ser que associado às características enunciadas.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 50

Independentemente dos jogos propriamente ditos, definidos e institucionalizados,


poderemos encontrar um princípio lúdico, com maior ou menor presença, em
diversas manifestações de natureza artística ou arquitectónica. Considero como
característica específica do princípio íípio lúdico, o estímulo à participação activa
(cognitiva ou física); ou seja uma experiência interactiva; que peça pelo sujeito, que
lhe apresente um desafio.
Através deste processo, o princípio íípio lúdico estabelece uma ordem própria, nem
sempre imediatamente descodificável (incerteza - tensão), mas que convida o
sujeito a um estado temporário de imersão, a mundo ilusório (inlusio, inludere). A
participação activa do sujeito, encarnando por vezes um outro papel neste mundo
fictício, é o que distingue o princípio lúdico do que chamarei princípio íípio
pio do espect
espectááculo
ou do sublime. Embora partilhe com este algumas características estruturais, como
a imersão e o apelo aos sentidos, o princípio íípio do sublime convida o sujeito a entrar
num mundo fictício, recorrendo frequentemente à hiperbolização e a imagens
68
Existe no princípio do sublime
uma participação do sujeito com persuasivas, mas em que a sua participação é passiva, tornando-se num espectador
o meio ou objecto, recorrendo
por vezes à desorientação como esgazeado. O espectáculo, o mundo em que entrou, é de tal ordem sublime, que
no princípio lúdico, mas não se transporta o sujeito a uma letargia contemplativa. 68
verificando, porém, uma inte-
racção dinâmica entre os dois; O princípio
íípio lúdico e o princípio
íípio do sublime são duas chaves interpretativas de
muito pelo contrário, o princípio
do sublime explora no sujeito a determinadas manifestações artísticas e arquitectónicas, considerando-lhes porém
sua capacidade de ficar estu-
pefacto e hipnotizado, imóvel um valor relativo e não universal. Estes dois princípios não são antagónicos e não
perante o espaço ou objecto
em questão. A denominação de se verificam em toda a história da arte, manifestando-se pontualmente com maior
um princípio subliminal surge
apenas como referencia a um ou menor presença em determinadas épocas ou correntes. A transição da arte
mote compositivo, que poderá
ser superficialmente confun- maneirista para a arte barroca, poderá ser considerada, em termos gerais, ilustrativa
dido com o anterior, mas cujas
divergências devem ficar bem de uma passagem de uma visão lúdica da arte para uma visão artística mais
esclarecidas. representativa ou subliminal.

O Maneirismo manifesta-se essencialmente na sequência do primeiro


69
Checa e Morán apontam para
a década de 1630. Cf. CHECA, Renascimento quatrocentista, durante todo o séc. XVI e até meados do séc. XVII.69
Fernando e MORÁN, José Mi- Interiorizando os instrumentos operativos do Renascimento, principalmente a
guel El Barroco Ediciones Istmo,
Madrid, 1994, p. 18 perspectiva e a representação geométrica, os maneiristas irão explorar a maneira
como percepcionamos o espaço, jogando com distorção sensitiva entre o espaço
aparente e o espaço construído.

O cerne do espírito lúdico presente na arquitectura maneirista reside na


promiscuidade empírica entre uma visão artística e uma visão científica da realidade,
que com o pragmatismo do espírito moderno se viria a perder. Será na construção
dos espaços lúdicos para classe senhorial que o maneirismo se afirma de forma
mais livre e fantasiosa, mais especificamente nos jardins.
70
Idid., p.18 O tratado de Salomon de Caus Les Raisons des Forces Mouvantes, de 1624,
denuncia uma visão da Natureza e da mecânica de chave científica, mas de uma
ciência aplicada a um princípio lúdico, alheia a qualquer pragmatismo.70 O Hortus
Palatinus em Heidelberg é um exemplo da aplicação da tratadística de Caus, um
jardim mágico e maravilhoso, povoado de aparelhos lúdicos, como autómatos
mecânicos ou orgãos musicais hidráulicos. A visão de Salomon de Caus vai beber
influências aos tratados de Robert Fludd (De Naturae Simiae, 1618) ou do jesuíta
Athanasius Kircher, onde é explorado um conceito mágico-simbólico da realidade,
integrando a prática científica numa ordem cosmológica do real.
Esta postura de raíz neoplatónica de conceber a realidade em termos de magia,
> fig. 70 máquina lúdica de Salomon de
Caus considerando a arte e a ciência como meios de acesso a essa realidade, era
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 51

> fig. 71 aspecto de Parco Pratolino, de


Bernardo Bountalenti

> fig. 72 gruta artificial com jogos de água, de Salomon de Caus, projectado para Hortus Palatinus

defendida por autores como Giordano Bruno ou Parcelso, em clara oposição à


postura moderna e racionalista de Galileu Galilei.71 É este ambiente simultaneamente
lúdico/festivo e mágico/esotérico que caracteriza o jardim maneirista. Labirintos,
> fig. 73 visão hermética do mundo,
gravura de Robert Fludd
grutas artificiais, mecanismos lúdicos, monstros e divindades pagãs habitavam estes
71
Idid., p.20 jardins secretos e misteriosos da aristocracia quintecentista72. Podemos encontrar
72
idid., pp. 65-72 exemplos deste tipo de espacialidade lúdica maneirista, de carácter artificioso e
hermético, nos jardins desenhados por Bernardo Buontalenti (Parco Pratolino),
Pirro Ligorio (Vila Lante, Vila d’Este e Vila Bomarzo) ou Salomon de Caus (Hortus
Palatinus-Heidelberg).

Com o Barroco e o posteriormente o Iluminismo, o princípio lúdico desvanece-


se, desenvolvendo uma linguagem baseada no poder contemplativo e ofuscante
da imagem, seguindo claramente o princípio
íípio do sublime. Aqui entra o domínio
da sensação e do espectáculo, mantendo-se o carácter imersivo e por vezes
> fig. 74 má
máquina lú
lúdica de Salomon de
Caus desorientador, mas perdendo-se o estímulo da participação e interacção,
73
A Contra-reforma marcará a favorecendo a estética de uma imagem representacional dos órgãos de poder
transição do Maneirismo para o soberanos73.
Barroco. O Barroco desenvolve
uma linguagem imagética
e excessiva, instrumento e
representação do poder da
Igreja face à aristocracia.

> fig. 75 aspecto do jardim de Vila d’Este


de Pirro Ligorio > fig. 76 aspecto do jardim de Bommarzo de Pirro Ligorio
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 52

Na primeira metade do século XX, podemos encontrar nalgumas correntes de


vanguarda artística, um princípio
íípio lúdico subjacente à procura de renovar o papel e a
linguagem da arte na sua relação com a História e a sociedade.
Movimentos como o Dadaísmo ou o Surrealismo quebram o sentido tradicional da
arte como uma linguagem figurativa e representativa da realidade, para jogarem com
elementos fragmentados e díspares do real de forma descontextualizada, e assim
explorarem a arte como um jogo de construção de outras ordens do real74.
Associada a esta atitude lúdica, está também a vontade de estes artistas se
> fig. 77 colagem de Raoul Haussman
74
Subjacente à descontextua- libertarem de uma série de valores relacionados com a representação figurativa e
lização e construção de outras
ordens do real está associada com o ideal de belo ou sublime. O belo, se existir, é um juízo de valor que pertence
a teoria freudiana do “estranha-
mente familiar”. Publicado em ao leitor subjectivo da obra e não é a obra que representa um ideal de beleza do
1919, neste texto, Freud expõe autor. Esta atitude aproxima-se então do maneirismo, no sentido em que enfatiza
a sensação que se têm ao per-
cepcionar um elemento familiar e joga com a maneira como a obra será lida. Nesse sentido, e numa tentativa de
num contexto diferente do ha-
bitual. O estranhamente familiar explorar novos códigos semânticos, a obra torna-se mais abstracta, por vezes
ou insólito, foi largamente explo-
rado pelos Surrealistas, através conceptual outras vezes simbólica, a manifestação lúdica e dinâmica de uma
de autores como Salvador Dali,
Max Ernst ou Hans Bellmer. A realidade que o leitor terá de interpretar e descodificar.
obra do austríaco Friedrickh
Kiesler é a única que tentará Os Dadaístas, por exemplo, irão explorar a livre associação de elementos retirados
interpretar arquitectonicamente
estes conceitos. de origens diversas, como dos jornais ou da publicidade, usando a colagem ou a
fotomontagem como técnica plástica. Surge também o object-trouvé como matéria
de inspiração ou composição artística, objectos encontrados pelos artistas e que
inseridos noutro contexto ganham uma outra significação. Os Surrealistas, por sua
vez, apoiam-se nas descobertas de Sigmund Freud sobre o sonho e o inconsciente,
para explorarem a realidade onírica, os desejos reprimidos, o erotismo; procurando
recriar uma ordem libidinal e onírica
í
írica da realidade.

É através destes movimentos de vanguarda do início do século, que surgem as


instalações, em que o artista dispõe uma série de elementos num espaço específico,
criando um ambiente, usando a linguagem lúdica da arte para criar um lugar que
> fig. 78 obect trouvé de Marcel Duchamp
vive e manifesta uma outra ordem do real. Surgem também as performances ou
happenings, onde o artista assume o papel de actor e interpreta para uma audiência
determinados movimentos, acções, igualmente no sentido de provocar a construção
de um espaço dramático, recorrendo à participação, por vezes à interacção do
público; um espaço lúdico, próximo do ritual, da mimicry em estado puro. Este
tipo de manifestações artística, a instalação e a performance, embora tendo sido
pontualmente exploradas no início do século, ganharão maior expressão a partir da
década de 50 através de Yves Klein ou do movimento Fluxus.
> fig. 79 boneca de Hans Bellmer

> fig. 80 quadro de Magritte > fig. 81 instalação de Marcel Duchamp > fig. 82 performance de Yves Klein
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 53

75
Autor entre outros textos de Em finais dos anos 50 surge uma organização de artistas e intelectuais, que
A Sociedade do Espectáculo,
obra comentada no primeiro utilizarão a arte, como forma de combate subversivo ao regime capitalista. A
momento deste trabalho
Internacional Situacionista, liderada por Guy Debord75, nasce em 1957 e durará até
1972, resultando da união de três agrupamentos de artistas em dissidência com a
arte: o Comité Psicogeográfico de Londres, a Internacional Letrista e o Movimento
para uma Bauhaus Imaginista.
Este movimento tentará levar a prática lúdica dadaísta e surrealista mais longe,
procurando integrar a arte no quotidiano, entendendo a arte como uma forma
de estar e viver, do ser humano se exprimir, e não como um exercício exclusivo
> fig. 83 planta de New Babylon
76
Aplicando a Teoria da Deriva, de um determinado círculo cultural. Esta formulação é inspirada na leitura do
os Situacionistas passeavam
pela cidade, deixando-se perder livro já mencionado de Huizinga, interpretando-a no sentido de fazer da arte e
por locais inóspitos, à procura da vida um grande jogo, tentando formular uma sociedade, em que o indivíduo
da leitura de uma outra cidade
oculta, uma espécie de cité-trou- interage socialmente e politicamente pelo exercício da prática lúdica. Através do
vé. Os mapas psicogeográficos
são a tentativa de representar desenvolvimento de cartografias psicogeográficas da cidade76 e da formulação de
graficamente, a cidade como
experiência e não como forma, um urbanismo unitário, baseado na construção de situações77, os Situacionistas
cartografando a intensidade
de determinados momentos e criticam ferozmente o urbanismo modernista, zonificado, mecanicista e inumano.
situações, identificados subjec-
tivamente.
77
Inspirada pela Teoria dos O projecto New Babylon do artista plástico situacionista Constant, será a tentativa
Momentos de Henri Levefbre,
onde o espaço é interpretado de materializar uma cidade para uma comunidade liberta do sistema capitalista e
segundo eventos ou momentos
de experiência, a situação orientada para a ludicidade. Inspirado pelos acampamentos ciganos, Constant irá
construída é definida no primeiro
número do jornal da IS como propor uma cidade de crescimento espontâneo, construída pelos seus habitantes,
“um momento da vida, concreta
- e deliberadamente construído que por ela derivam nomadicamente, transformando e (re)criando os ambientes
pela organização colectiva de que habitam. Quer pelas propostas utópicas de Constant, quer pelos exercícios
um ambiente unitário e um jogo
de eventos?” de deriva, desvio e desorientação, para os Situacionistas a cidade é uma enorme
plataforma lúdica, espaço condutor e catalisador de desejos e receios de uma
sociedade orientada para o prazer do jogo, do erotismo e do nomadismo errático.
O princípio
íípio lúdico adquire nos Situacionistas uma força estruturadora de todo o
seu discurso político e artístico. Na arquitectura, apesar das propostas utópicas
de Constant, a tentativa de adoptar um princípio lúdico na construção de espaços,
permanece tímida e pontual.
Será a obra de Cedric Price78 a única a integrá-lo de forma operativa num
dispositivo espacial. À semelhança da New Babylon de Constant, no projecto Fun
Palace, os utentes do edifício manipulam dispositivos transformadores do ambiente
e da configuração do espaço. O edifício é um enorme jogo, um enorme mecanismo,
desenhado e determinado pelo usufruto lúdico dos seus utentes.
> fig. 84 e 86 aspectos da maquete de
New Babylon
78
e paralelamente, sob um
registo mais gráfico e panfletário,
a obra de uns Archigram,
Superstudio e Archizoom

> fig. 87 Fun Palace de Cedric Price


Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 54

79
formado em arquitectura, Mat- No campo artístico, é principalmente entre as décadas de 50 e 70 que se afirma
ta-Clark desenvolve uma prática
crítica e intervencionista, explo- um tipo de prática experimental, que explora ludicamente vários tipos de suportes
rando o conceito por ele criado
de Anarchitecture (Anarchy + e linguagens. Artistas como Gordon Matta-Clark79, Dan Graham80 ou Vito Acconci81,
Architecture).Matta Clark intervi-
nha em edificações abandona- integram na sua obra um discurso que explora o espaço arquitectónico e a sua
das ou neutrais, que passavam
normalmente desapercebidas. percepção. Descomprometida de uma relação contratual com o poder, da qual
Entre 1974 e 1978, data da sua a arquitectura subsiste como instrumento de representação, este tipo de prática
morte, Matta-Clark desenvolve
aí uma série de trabalhos como experimental e crítica do espaço, começará a ter mais influência no campo
Splitting, em que explora as
capacidades expressiva desses disciplinar arquitectónico a partir de inícios dos anos 90.
edifícios ao cortá-los literalmente
em secções, ou abrindo bura-
cos que atravessam o cons-
truído, como que dissecando
cadáveres arquitectónicos.
80
À semelhança de Matta-Cla-
rk, também a obra do artista
americano Dan Graham reflecte
questões de índole espacial e
arquitectónica, desenvolvendo
jogos de auto-percepção do
sujeito no espaço. Numa primei-
ra fase Graham explora o sinal
vídeo, em conjunção com vidros
unireflexivos (translúcidos de
uma lado e reflectores do outro),
> figs. 88, 89 e 90 Dan Graham
numa clara alusão crítica à pro-
fusão de sistemas de videovigi-
lância.. Desta forma, nas suas O reinsurgimento de um princípio lúdico na configuração da experiência espacial,
instalações, transforma muitas
vezes o sujeito que observa ou deve muito ao desenvolvimento de Tecnologias de Informação e da exploração
vigia, num sujeito igualmente
observado e vigiado por outros de dispositivos de interacção e conectividade em rede. Artistas e arquitectos
participantes, invertendo os
papéis audiencia/performer para multimédia como Rafael Lozano-Hemmer, Christian Möller, Rude Architects ou os
performer/audiencia. Posterior- Chaos Computer Club82 enunciam intervenções no espaço urbano, configuradas
mente Graham irá explorar as
capacidades reflexivas do vidro, pela participação de utentes na Internet. Entramos já no domínio da Realidade
jogando com a forma e geo-
metria de pequenos pavilhões, Aumentada e no vasto campo de potencialidades que esta oferece para a integração
procurando criar situações
percepcionais ambíguas entre de um princípio lúdico na disciplina arquitectónica contemporânea. Recentemente
os limites de interior e exterior.
Tendo tido recentemente uma podemos encontrar exemplos na obra dos NOX ou dos Diller + Scoffidio83 de uma
retrospectiva no Museu de Ser-
ralves, podemos encontrar um abordagem projectual que integra dispositivos lúdicos de manipulação e interacção
dos seus pavilhões no jardim
deste museu no Porto. digital homem/espaço na configuração formal e programática do edifício.
81
Igualmente proveniente do
meio artístico, Vito Acconci,
dedica-se há cerca de 15 anos
a projectos e instalações ar-
quitectónicas no meio urbano.
Com um forte carácter lúdico
e descomprometido, Accon-
ci introduz o sentido crítico e
irónico próprio da sua prática
artística no campo disciplinar
arquitectónico.
82
Destes autores, na sua maior
parte formados em arquitectura,
destaca-se uma obra experi-
mental que procura redefinir os
limites da intervenção arquitec-
tónica, explorando tecnologias
de Realidade Aumentada como
mecanismo de configurar o > fig. 91 Vectorial Elevation de Rafael Lozano-Hemmer > fig. 92 Blinkenlichts de Chaos Computer Club
espaço; na minha opinião meios
igualmente legítimos que os
tradicionais, permitindo o de-
senvolvimento de uma estética
digital em fusão com uma estéti-
ca material.
83
Também os arquitectos nova-
iorquinos Diller+Scofidio explo-
ram através da prática artística,
nomeadamente em instalações
multimédia, um discurso expe-
rimental que será aplicado na
construção dos seus edifícios,
como o Blur, na Expo 02 em
Neuchattel ou o EyeBeam, em
Nova Iorque
> fig. 94 corte diagramático dos circuitos electrónicos no projecto
> fig. 93 interior de Eyebeam, proposto por Diller+Scofidio Eyebeam
> fig. 95 Liebeslabyrinth de Vries, labirinto do amor

2.2 ESPAÇO DE JOGO: O LABIRINTO


“O labirinto é a problemática
tica da troca local dos sinais suficientes para dar coer
coerência ao todo”
Pierre Rosenstiehl
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 57

1. Origem, história e simbologia do labirinto

A palavra labirinto tem hoje um significado alargado, denominando, em termos


gerais uma “estrutura (ou edifício) composta por vários caminhos, interligados,
1
in Dicionário Porto Editora 2003
tornando difícil encontrar a única saída”1, sendo em termos figurativos sinónimo de
“confusão ou enredo”. Basicamente um espaço labiríntico é um espaço onde reina a
desorientação, ou para ser mais preciso, uma estrutura espacial fechada regida por
códigos que ultrapassam a forma clássica (cartesiana) de interpretar o espaço e o
seu sentido.

2
Kern, Hermann Labyrinthe, A etimologia da palavra labirinto está ainda por definir, embora alguns autores
Prestel Verlag, 1999, p.17 apontem2 para a possibilidade, de esta devir do termo grego labrys (duplo machado)
e do pos-fixo préhelénico inthos, que significará possivelmente lugar ou casa de.
Sabendo que o duplo machado era o símbolo do reinado de Minos na cidade de
Cnossos em Creta, poderemos interpretar o termo labyrinthos como “a casa do
duplo machado”, remetendo directamente para o palácio cretense de Cnossos.
Embora não provada, esta hipótese permite-nos prever a idade da palavra,
remontando, pelo menos à Idade do Bronze Médio (entre 2000-1600 a.C.), época da
construção dos palácios minóicos ie da consolidação de Cnossos como a primeira
> fig. 96 duplo machado minóico, labrys grande cidade do Egeu.

A civilização minóica e o labirinto cretense

3
embora me foque nas culturas
Entre 3000 e 1000 a.C., o Mar Egeu será o berço das duas primeiras grandes
minóica e micénica, há que culturas europeias3: a cultura micénica, localizada no actual território continental
mencionar igualmente a cultura
troiana, desenvolvida no grego, representada por cidades como Atenas, Esparta, Corinto, Micenas ou
território da Anatólia, tendo
como grandes urbes Troia, Sa- Delfos, e a cultura minoíca, que se desenvolve no arquipélago das Cíclades
mos ou Mileto.
e essencialmente concentrada na ilha de Creta. Tendo nascido e terminado
quase paralelamente e partilhado o mesmo espaço marítimo, a arquitectura
destas duas culturas é de natureza praticamente antagónica. Curiosamente,
enquanto que a civilização micénica desenvolve uma arquitectura composta na
articulação de volumes puros e monolíticos, os megaron, a arquitectura minóica
caracteriza-se desde os seus primórdios pelo oposto, desenvolvendo estruturas
espaciais complexas, orgânicas e fragmentadas; melhor dizendo labirínticas. A
abstracção geométrica e depurada da arquitectura micénica está orientada para
a monumentalidade e representação formal, com volumes puros e fechados,
linguagem essa que terá uma influência determinante na linguagem arquitectónica
grega. Por outro lado, a estrutura e articulação espacial construída pela civilização
> fig. 97 megaron micénico
minóica, é de matriz evolutiva e aberta, aglomerando inúmeros espaços em grandes
massas de construção.

Mas se uma arquitectura labiríntica pode ser encontrada igualmente na arquitectura


árabe, como nos kashbahs, o facto é que os cretenses a exploram em todo tipo
de programa espacial, desde a habitação até ao palácio. Mais interessante ainda é
verificar que o labirinto encarna para esta civilização uma simbologia estruturante e
identificadora da sua cultura, como podemos constatar através das inscrições das
moedas de Cnossos ou em placas de barro (espirais, labirintos, meandros..). Vimos
também que a própria etimologia da palavra labirinto terá tido origem nesta ilha e
> fig. 98 planta do palá
palácio minó
minóico de veremos adiante que estará também relacionada com uma dança-ritual do mesmo
Myrto
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 58

nome. Será também nesta ilha que se desenvolve a figura canónica do labirinto
unicursivo de 7 voltas e que terá lugar a famosa história de Teseu e do Minotauro
encarcerado no famoso labirinto construído por Daedalus. Estamos perante
uma civilização que faz do labirinto a sua cultura espacial, figurativa e sagrada,
possivelmente uma perante cosmologia-labirinto.
> fig. 99 gravura do labirinto cretense

4
Hermann Kern estudará essen-
O historiador Hermann Kern estudará o labirinto cretense, considerando ser esta
cialmente labirintos unicursivos, a sua manifestação figurativa mais antiga. Na sua formulação canónica4, este é
especialmente nas suas mani-
festações gráfico-simbólicas, unicursivo, ou seja não apresenta bifurcações, é fechado para o exterior, tendo
literárias e de funções coreográ-
ficas, considerando os labirintos apenas uma entrada e desenvolve-se pendularmente em 7 voltas até um espaço
espaciais bifurcados sob outra
designação e exteriores central. Esta figura aparece já nas moedas de Cnossos, em forma circular ou
ao seu campo de investigação
quadrangular, a partir do 5º século a.C.. Mantém-se, no entanto, debaixo da dúvida,
a relação directa desta figura com uma edificação, apesar de a palavra labyrinthos
aparecer em fontes escritas associada a espaços ou edificações geradoras de
desorientação, pelo menos desde o tardo-helenismo
5
Ibid., p.23 É interessante salientar a hipótese de Hermann Kern para a origem da figura
do labirinto cretense. Esta terá tido inicialmente funções coreográficas5, fixando
graficamente no chão as pistas de movimentação de uma dança do mesmo
nome Labyrinthos, estando também associada nalgumas gravuras a uma dança
guerreira da época, denominado de Troaie Lusus, executada a pé ou a cavalo e
> fig. 100 Troaie Lusus seguindo igualmente os movimentos marcados pelo labirinto de 7 voltas.6 Esta
6 estranha dança- labyrinthos, provavelmente de carácter ritual iniciático7, poderá
Ibid., pp. 99-112
7
possivelmente de entrada na ser comparável às danças nórdicas, designadas de Trojaburgs, cujos vestígios
puberdade e vida sexual ou na
sociedade civil (alinhamentos de pedras em forma de labirinto cretense) se encontram ainda hoje
8
Ibid., pp. 391-415 na Suécia, Noruega, Finlândia, Islândia, Inglaterra e Alemanha8e que estarão na
origens das conhecidas danças de Maio.
Embora haja vestígios do antigo palácio de Cnossos, cuja reconstrução de Sir
Arthur Evans aponta para uma organização espacial complexa e “labírintica”, não
se encontraram indícios desta época de uma edificação com a planta da figura
canónica cretense, o suposto labirinto que Daedalus terá construído para encarcerar
o minotauro e de onde Teseus escapou graças ao fio de novelo da sua amada
> fig. 101 alinhamento de pedras Trojaburg
Ariana.

Para o autor alemão, o labirinto cretense terá sido apenas a marcação no terreno
dos movimentos da dança do mesmo nome, eventualmente criada e desenhada por
Daedalus no pavimento do Palácio de Cnossos. Poderá ser também interpretada
como uma dança ritual representativa do episódio protagonizado por Teseu,
sabendo-se da existência desta para além do reinado de Minos, nomeadamente
em Atenas, de onde Teseu era originário e igualmente noutras cidades micénicas.9
Não havendo vestígios históricos que provem a existência de tal edifício, ou mesmo
> fig. 102 planta do Palá
Palácio de Cnossos do dito Minotauro e da mitologia associada, sabemos porém que a figura labirinto
9
Ibid., pp. 49-67 cretense era um signo identificador do poder político e económico minóico (gravado
nas moedas de Cnossos), possivelmente da própria cultura; uma figura com forte
carga simbólica, estruturante da vida social e religiosa dos cretenses.

> fig. 103 aspecto da reconstrução do > fig. 104 moedas de Cnossos
Palácio de Cnossos
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 59

Simbologia e significação

Será a figura canónica do labirinto cretense, estudada por Hermann Kern, que
conhecerá uma maior manifestação como valor simbólico, espalhando-se pelos 5
continentes em várias civilizações e culturas pré-modernas. Esta carrega consigo
a imagem de um percurso tortuoso e solitário que é necessário atravessar para
atingir o centro. O centro adquire também, em diversas culturas, o valor simbólico
da ordem, da união entre sagrado e profano, entre o humano e o divino ou da
transmutação. O labirinto surge então como uma mediação tortuosa entre dois
estados, entre o caos e a ordem, o profano e o sagrado, a vida e a morte.
> fig. 105 labirinto hindu, derivado do
modelo cretense

Sendo representado, como vimos, por rituais dançados, como a dança de Teseu
ou dança dos grous, encontram-se nos Trojaburgs nórdicos ou até em danças
chinesas (como o passo de Yu) paralelos de danças labirínticas que representam um
ritual de passagem.
Como ritual inici
iniciático, em que só os eleitos após passarem pela prova do tortuoso
percurso desorientador terão o privilégio de chegar ao centro escondido, o labirinto
será utilizado como símbolo e prova de acesso a ordens secretas como a maçonaria
e outras confrarias de construtores. Nesse sentido, o labirinto surge marcado no
pavimento de catedrais góticas, simbolizando simultaneamente a assinatura da
confraria dos construtores e o percurso peregrinatório à Terra Santa. O crente que
não conseguia fazer a peregrinação real percorria em imaginação o labirinto até
chegar ao centro, aos lugares santos. Fazia o trajecto de joelhos, percorrendo, por
exemplo os 200 metros do labirinto de Chartres.
> fig. 106 as peregrinações virtuais no
labirinto de Chartres
O labirinto era igualmente símbolo de um sistema de defesa, guardando no seu
centro algo de precioso ou sagrado. Será por isso usado como sistema militar para
proteger cidades, túmulos ou tesouros de intrusos e estranhos (como no caso dos
túmulos reais egípcios). Só conhecendo os planos do labirinto é que é possível
aceder ao oculto. Nesse sentido é utilizado como figura simbólica de espanta-
> fig. 107 grafitti encontrado sob a entrada
de uma casa romana, em Pompéia
espíritos
í
íritos em diversas civilizações. É o caso dos mosaicos á porta de entrada de
casas romanas ou do guarda-fogo, colocado no meio da passagem central dos
templos chineses. O labirinto protege assim o centro, a casa, o templo ou o próprio
indivíduo, da entrada de espíritos malignos.

No campo místico, o valor simbólico do labirinto está associado à ascese e


transmutação espritual, representando o caminho tortuoso e cheio de provações
que o asceta terá de superar, descendo ao interior de si próprio e regressando
expurgado para atingir a transcendência ou consciência superior. O mundo material
é visto como um labirinto de ilusões e tentações, procurando seduzir e desviar o
>fig. 108 ritual iniciático
asceta do seu destino iluminado.

10
O sentido do oculto e da descida ao interior de si próprio será analisado por
O Inconsciente ou ID é , se-
gundo a teoria freudiana, um dos Sigmund Freud no início do sec. XX, desenvolvendo teorias sobre o inconsciente10 e
três elementos constituintes da
personalidade, juntamente com o mundo onírico subterrâneo que albergamos. Este mundo paralelo, de linguagem
o Ego e o Superego. É neste
que reside a pulsão libidinal e as simbólica será explorado pelo cientista recorrendo à hipnose e à psicanálise.
pulsões vitais que orientam os
nossos impulsos mais animais. É Através destas descobertas, Freud põe em causa o papel determinante que se
também no ID que se esconde o
misterioso Mundo Onírico atribuía à razão no processo cognitivo humano, desvendando todo um mundo
labiríntico e oculto que se desenrola paralelamente durante o nosso sono e que se
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 60

manifestará inconscientemente no nosso estado de vigília. Se com o Iluminismo


e o Racionalismo, o labirinto tinha perdido o seu valor simbólico, destruturado do
seu poder mágico e oculto, passado 200 anos este é recuperado como símbolo
do Inconsciente Humano e do Mundo Onírico. Será principalmente através do
Movimento Surrealista que o labirinto se reinsurge como simbologia e estrutura de
composição criativa.
> fig. 109 desenho do surrealista André
Masson
2. Morfologia e Tipologia

11
a dupla espiral e a suástica Como antecedentes do labirinto podem ser identificadas formas a que poderemos
- duas espirais duplas sobre-
postas em cruz chamar de protolabirintos. Tal é o caso da espiral e suas variações11, que apesar de
ter em comum o percurso centrípeto e a clausura dos movimentos, distingue-se do
labirinto por ser um percurso contínuo e não pendular, além de não ser uma forma
fechada para o exterior.
> fig. 110 meandro e suástica
12
Mäander ou Flächenmäander Os denominados meandros12, representados com frequência na cerâmica helénica,
13
Veremos adiante, que embora partilham com o labirinto o princípio
íípio do desvio, apresentando geometrias lineares
não devam ser confundidos
com o labirinto clássico, pode- tortuosas e complexas, distinguindo-se deste por não apresentarem qualquer
remos eventualmente enquadrar
os meandros em topologias centro e não serem também necessariamente fechados para o exterior13.
labirínticas de 3º categoria
(estruturas rizomáticas ou em Tipológicamente, podemos interpretar o labirinto em 3 categorias:
rede).

O labirinto cretense ou unicursivo

Constituído por um único caminho, que conduz a um centro, não apresenta


bifurcações, nem cul-de-sacs. O seu princípio compositivo e provocador de
desorientação, baseia-se na quantidade de voltas e reviravoltas necessárias até
atingir o centro. Depois de atingido é necessário percorrer o mesmo caminho
no sentido inverso. Tem como forma canónica, o labirinto cretense de 7 voltas,
profusamente divulgado pelas culturas grega e romana, tendo sido adoptado e
> fig. 111 labirinto unicursivo aculturado por diferentes povos e religiões.14 A partir desta forma, conhecem-se
várias derivações, nomeadamente no que toca ao numero de corredores15 e ao
14
a figura do labirinto cretense desenho.16
pode ser encontrada em toda a
Europa, incluindo Escandinávia,
Índia, Afeganistão, Indonésia
(Java e Sumatra) e na América
do Norte
15
o labirinto representado no
pavimento da Catedral Chartres
em França tem 11
16
redondo ou quadrado, secto-
rizado ou contínuo
> fig. 112 variações do labirinto unicursivo cretense

Para autores como Hermann Kern, defendendo uma perspectiva histórica e


etnológica, só este tipo de estruturas são legitimamente herdeiras da designação
labirinto. Esta posição pode ser aceite, se considerarmos o labirinto enquanto figura
e símbolo num contexto cultural; tal não é caso se o labirinto for analisado enquanto
estrutura espacial. Neste campo deveremos considerar principalmente o labirinto
como uma estrutura provocadora de desorientação, povoada de caminhos errantes
que desviam o percorrente do seu norte.
Para labirintólogos como Pierre Rosenstiehl ou Abraham Moles, o labirinto deve ter
pelo menos um bívio ou bifurcação para ser considerado enquanto tal. Denomino
então este tipo de estruturas como labirintos multicursivos, os quais podem ser
subclassificados em dois tipos: topologias em árvore e topologias em rede.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 61

O labirinto multicursivo centrado ou arborescente

Ao contrário da caso anterior, este tipo de estruturas apresenta bifurcações e cul-


de-sacs, ou seja múltiplos caminhos. Podemos considerar labirintos multicursivos de
uma solução ou em árvore, quando apenas um dos caminhos conduz ao centro ou
saída; e labirintos de n+1 soluções ou em rede, em que vários percursos chegarão
ao lugar pretendido. A relação do número de encruzilhadas com o número de
corredores determina a complexidade de resolução do mesmo, ou seja o grau de
> fig. 113 maze, jardim inglês multicursivo desorientação.
17
Rosenstiehl estabelece dois Pierre Rosenstiehl classifica labirintos em topologia de árvore17, quando este não
teoremas identificadores deste
tipo de topologias: o primeiro comporta ciclos. Segundo o autor um ciclo é “formado por corredores sucessivos
teorema diz que numa estrutura
em árvore todo o caminho impe- que percorridos uma só vez, permitem ao viajante reencontrar os pr próprios passos”18.
dido que percorre um corredor A metáfora da árvore ilustra bem as topologias sem ciclos, em que todos os
uma primeira vez, percorre-o
uma segunda vez em sentido caminhos crescem como ramificações, partindo de um tronco comum. Os
oposto e, no total, um número
par de vezes alternando um e caminhos desviantes não se conectam entre si, crescendo de forma derivativa,
outro sentido e o segundo teore-
ma postula que uma árvore tem comportando uma ordem ciclomática nula. Bastará conectar dois caminhos de uma
sempre mais um corredor que o
total das encruzilhadas (que é o estrutura arborescente e completamos então um ciclo, estando agora perante uma
corredor que leva ao centro ou
saída, já que nenhum dos per- estrutura de ordem ciclomática 1.
mitem lá chegar) in Rosenstiehl,
Pierre Labirinto, Enciclopédia Ei-
naudi, volume 13 Lógica Combi-
natória, Imprensa Nacional Casa
da Moeda, Lisboa, 1998, pp.
18
Ibid., op.cit., p. 251

labirinto de ordem ciclomática 0 labirinto de ordem ciclomática 2 labirinto de ordem ciclomática 9


> fig. 114 diagramas em grafos de labirintos em árvore ou em rede

O labirinto multicursivo policêntrico, reticular ou rizomático

As estruturas em rede são exemplos de topologias carregada de ciclos19. Este é


19
o caso do Palácio de Cnossos, que com as suas várias conexões, tem um número
a qual pode ser represen-
tada como uma árvore à qual ciclomático de várias dezenas. Dentro desta tipologia, o labirinto de Harawa, em
se acrescentam corredores de
circulação Krokodipolis, no Egipto 20, é talvez dos maiores labirintos construídos da História
20
interpretado e reconstruído
por Flinders Petrie em 1911, com um número ciclomático de várias centenas.
recorrendo a fontes literárias e Para o matemático, “o papel psicológico do ciclo no labirinto é importante”, pois
vestígios arqueológicos.
“socialmente, o ciclo amalgama a circulação de uma rede de troca, enquanto as
partes arborescentes da rede geram segregação.” 21
Dentro desta categoria A. Moles propõe ainda a distinção entre labirintos simples
e labirintos múltiplos22. Nos labirintos simples, todas as vias estão conectadas a um
trajecto optimal, indicando na sua estrutura uma hierarquia reconhecível. No caso
dos labirintos múltiplos, esta hierarquia desvanece-se, sendo descritos por Moles
como “a condensação num mesmo espaço geométrico trico de vvários labirintos parciais,
> fig. 115 labirinto de Harawa, no egipto
21
Ibid.,op. cit., p. 260 cada um com a sua entrada e saída” í
ída” 23
.
22
Moles, Abraham, Psychologie Deveremos considerar então labirintos multicursivos simples ou fechados,
des labyrinths in http://www.
ifrance.com/micropsy/espace/ em que só alguns nós têm propriedades conectivas, muitas vezes com limites
chapitre%20VII.htm
23
Ibid., op. cit., p.3 exteriores fechados; e a derivação para labirintos multicursivos abertos, em que
24
ver Castells, Manuel “A Era existem múltiplos pontos de entrada e de saída, considerando que qualquer nó
da Informação: Economia, So-
ciedade e Cultura. Volume I: A é multiconectável. Este tipo de estruturas tem uma natureza aberta e evolutiva,
Sociedade em Rede” (2000),
Fundação Calouste Gulbenkian, aproximando-se da noção de rede ou de rizoma. Estas topologias multiconectáveis,
Lisboa, 2002
25
ver Deleuze, Gilles+Guattari, policêntricas e relativamente a-hierárquicas tornaram-se para autores como Manuel
Felix Mil Platôs, vol. 1, Editora 34,
Castells24 ou Deleuze e Guattari25 num modelo de interpretação da actual Sociedade
da Informação.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 62

São Paulo, 1996 ou “Rhizom” Se na modernidade, a rede multicursiva apresenta ainda uma estrutura policêntrica
Merve Verlag, Berlim, 1997
26
ver Revista de Comunicação com diversos graus de hierarquia, com a Sociedade da Informação, também
e Linguagens, n. extra, “A cultura
denominada de Sociedade de Redes26, esta torna-se cada vez mais extensa,
complexa e descentralizada nomeadamente através do desenvolvimento de meios
de transporte e de comunicação que permitiram o estabelecimento de redes de
circulação de bens e de informação a nível global.
Podemos encontrar este tipo de estrutura na cartografia das conexões feitas
pela Internet ou telemóveis, nas redes de transportes e de circulação, no sistema
das redes”, Relógio d’Água, nervoso central e nos processadores de computador, ou ainda nos formigueiros e
2002
27
como é o caso dos bairros sociedades humanas espontâneas27.
de lata e das favelas na periferia
das cidades e de campos de É neste contexto que os pensadores Deleuze e Guattari se referem ao rizoma28,
como modelo de construção e interpretação da realidade contemporânea. Descrita
em 1976, na introdução ao livro “Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia”, a estrutura
rizomática é explorada como alternativa ao modelo cognitivo moderno, linear,
dedutivo, contínuo e centralizado, tendo como figura estrutural a raiz fasciculada29.
> fig. 116 rizoma
Da mesma forma Jacques Attali30 irá assumir, pelas mesmas razões, o labirinto
refugiados em terrenos frontei-
riços como modelo de referência da contemporaneidade e emergente para o futuro
28
o rizoma é a raiz dos tubércu-
los, subterrânea , multiconectá- próximo; reconhecendo perante o reinsurgimento de uma prática social e cognitiva
vel e policêntrica, surge como
modelo estrutural alternativo à nomádica, a necessidade do regresso a um “pensamento labiríntico”, fundado na
raiz das árvores, que deriva de
um tronco comum e não esta- intuição e na memória.
belece conexões com outros
ramos da raiz
29
O modelo rizomático explo-
rado pelos autores na própria
estrutura do livro que escreve-
ram, descontínuo, disjuntivo e
heterógeneo. Deleuze e Guatari
estabelecem então 6 princípios
caracterizadores do rizoma. O
primeiro e segundo princípios
são a conexão e a heterogenei-
dade, considerando que qual-
quer ponto do rizoma pode e
deve ser conectado a qualquer
outro ponto. Através da conec-
tividade desenvolve-se uma > fig. 117 representação cartográfica de ligações na Internet > fig. 118 rede neuronal
realidade heterogénea. Como
terceiro princípio, os autores
defendem a multiplicidade. A 3. O corpo e o labirinto
multiplicidade é a expressão da
natureza, e só através da indife-
renciação e a-hierarquização do Relações
rizoma é que ela se pode ver-
dadeiramente realizar. O quarto
princípio postulado é o da rup- O labirinto representa a estrutura espacial que mais pede pelo corpo, não apenas
tura a-significante, defendendo,
à maneira dos dadaístas ou em termos físicos, mas também em termos psíquicos.
surrealistas, modelos cognitivos
que cortem com estruturas sig- Caracterizando-se, essencialmente pela complexidade dos seus percursos e
nificantes, desterritoralizando-as conexões, o espaço labiríntico tem como princípios espaciais a desorientação e a
e assim poder conjugá-las e
hibridizá-las noutros contextos. clausura. Estes dois princípios fundamentais provocam no percorrente estados de
Por fim surgem os princípios
da cartografia e decalcomania, desejo e ansiedade alternados com os de desespero e frustração. Todo o percurso
sugerindo a cartografia como
um meio de produzir conexões labiríntico é solitário e desgastante, bem como enigmático e delirante, estimulando
e relações entre campos distin-
tos, permitindo assim a criação todos os nossos sentidos - capacidades físicas (motoras e preceptivas) e psíquicas
de novas realidades. Por outro
lado a decalcomania surge (racionais e intuitivas)- numa coreografia combinada. Dentro do labirinto apelamos
como modelo arborescente de
reproduzir uma realidade como em simultâneo ao corpo, mente e espírito, utilizando o nosso organismo total como
ela é, sem nada acrescentar
ou transformar. Ver Deleuze, única matéria e instrumento para a sobrevivência.
Gilles+Guattari, Felix Mil Platôs, Tentei, assim, enunciar resumidamente algumas da características que definem a
vol. 1, Editora 34, São Paulo,
1996, pp. 11 - 37 íntima relação da experiência corpórea com a experiência espacial no labirinto.
30
ver Les labyrinthes de
l‘Information, jornal Le Monde,
9 de Novembro 1995, p.18 ou
www.synec-doc.be/doc/attali.
htm
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 63

Desorientação
31
Como já referido no capítulo A desorientação corresponde basicamente a um estado físico ou psíquico de
anterior, o percurso labiríntico
simboliza, através da desorienta- perda de sentido, encontrando-se o sujeito à deriva, sem referências ou signos que
ção e da reorientação, um ritual possa identificar dentro de um sistema semântico (ou sistema de significação).
de passagem, em que o sujeito
morre de um estado e renasce Como vimos anteriormente, o estado de desorientação é explorado como actividade
num outro estado; ou seja ne-
cessita de destruir ou esquecer lúdica na classe dos jogos de vertigem ou ilinx. O espaço labiríntico tem como
determinados códigos semânti-
cos, para renovar-se e ascender princípio e propósito compositivo a provocação de desorientação espacial, estando
a um estado superior onde
impera um sistema semântico associado enquanto ritual a uma prova de destreza à capacidade de superar a
distinto. O caso particular dos
ritos iniciáticos de determinadas sensação de pânico e desamparo induzida pela desorientação. Neste sentido o
seitas secretas como a franco-
maçonaria é um exemplo con- percurso labiríntico pode ser considerado uma situação particular de uma actividade
temporâneo desta simbologia.
âgon, associada a um espaço ilinx.31

Clausura e Alienação – Imersão


O percurso no labirinto é solitário e alienante, provocado pela condição de
desorientação e de clausura. Dentro do labirinto abre-se uma nova dimensão
espacio-temporal, construída com base na memória dos momentos passados desde
a sua entrada, a cartografia cognitiva. São estes momentos, aliados à consciência
da solidão e do desgaste físico do corpo, que marcam a noção espacio-temporal de
um espaço completamente cerrado para o exterior.
A alienação em relação a qualquer outro tipo de realidade, converge o percorrente
para uma intensa experiência interior com o meio directo que o envolve.

Interactividade
Uma das características essenciais da experiência lúdica, e por conseguinte do
percurso labiríntico é a condição de permanente interactividade entre o sujeito e o
seu meio. Através da experiência interactiva com o espaço, completamente adversa
à experiência passiva do espectador, o sujeito toma consciência da sua existência
corpórea total, numa dialéctica pendular, saindo e entrando de si próprio.

Sensorial
Em nenhum outro tipo de espaço, estamos tão receptivos a todo tipo de estímulos
sensoriais, podendo ser elementos da chave que procuramos para decifrar o
enigma.....
O labirinto é por isso um espaço extremamente sensório, onde a consciência do
corpo subjectivo adquire a sua expressão máxima na sua relação com o meio.
Por esta razão o labirinto é para autores como Bernard Tschumi, ou A.Moles, o
arquétipo arquitectónico da experiência espacial

Desejo e Erotismo
“A solução do mistério é sempre inferior ao pr
próprio mistério. O mistério é que tem a
ver directamente com o divino; a solução com um truque de prestidigitador.”
J. L. Borges in Aleph

Além de apresentar um desafio à mente e aos sentidos, o labirinto também pode


ser interpretado como a figura espacial da sedução ou erotismo, no sentido em
32
que joga com o seu percorrente, ocultando e revelando alternadamente o caminho
este apenas imaginado e
idealizado, não tendo sido ainda para o espaço desejado32. O facto de nunca lermos a totalidade do espaço faz
visualizado ou penetrado
do labirinto um espaço semi – oculto, tornando o seu percurso uma permanente
e interminável descoberta. Através desta condição de semi-ocultação, o labirinto
provoca uma tensão de erotismo e fascínio. O “centro” do labirinto, real ou
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 64

33
o qual para Freud representa simbólico, é aquilo que esperamos encontrar, algo desejado33; inatingível sem a
a descida do eu consciente ao
encontro do seu inconsciente. realização do dito percurso pelo labirinto. A relação do oculto com o nosso corpo
Neste contexto, o labirinto ad-
quire o valor simbólico do oculto remete-nos directamente para o desejo e para a pulsão libidinal, residente no ID, o
e irracional dentro de nós; do
mundo inconsciente e onírico nosso Inconsciente.
que fabricamos e habitamos
diariamente e que com a Idade
Moderna sofre uma ruptura de Categorização fenomenológica
significado total.
Influenciados pelos estudos
sobre o inconsciente de S. O sociólogo e fenomenologista Abraham Moles e a psicóloga Elisabeth Rohmer,
Freud e do papel estrutural que
este tem na nossa percepção exploram no livro “Labyrinthes du VVécu”34 as características fenomenológicas do
do real, surge um movimento de
artistas plásticos e escritores no labirinto enquanto figura arquetípica da experiência espacial.
início do séc. XX, que procura-
rão descer ao seu inconsciente Segundo o autor é a complexidade do labirinto, que conduz o indivíduo à errância,
e recuperar a ligação perdida
entre o mundo dos sonhos e o desorientado por ter um conhecimento fragmentado e visualmente limitado do
mundo da vigília, fazendo desta
experiência a matéria-prima das espaço. É recorrendo à memória e ao mapeamento cognitivo que o percorrente do
suas criações artísticas – os
surrealistas. labirinto se pode orientar, estabelecendo constantemente uma correlação espacial
34
Moles, Abraham e Rohmer, entre o seu passado e o seu devir motor.
Elisabeth “Labyrinthes du Vécu:
l’espace: matiére d’actions”, Moles estudará as propriedades de estruturas labirínticas, que se manifestam
Librairie des Meridiens, Paris,
1982 no nosso quotidiano, considerando que a experiência espacial da cidade
contemporânea é caracterizada pela deriva do indivíduo em diversos labirintos,
como ruas, galerias, centros comerciais, etc.. Defende ainda, no seguimento de
trabalhos anteriores35, um arte espacial baseada na estética informacional, ou seja
baseada no conceito de que a percepção espacial se organiza numa sequência de
micro-eventos, de ambientes carregados de estímulos sensoriais variados. Neste
> fig. 119 cartoon sobre a cidade enquanto sentido, a estrutura labiríntica surge como a estrutura de referencia na construção
espaço labiríntico
35
Moles, Abraham e Rohmer, de paisagens de micro-eventos, considerando não apenas as suas propriedades
Elisabeth “Psychologie de topográficas, mas igualmente enquanto estrutura organizadora da difusão de
l’espace”, Ed. Casterman, Paris
1972 estímulos sensoriais variados, como símbolos, textos, imagens, sons, cheiros, etc..
Pela intensa relação que o labirinto estabelece entre uma percepção sensitiva e um
36
Moles, Abraham e Rohmer, devir cinético, dinâmico, a arte dos labirintos é uma arte sensorio-motora, arquétipo
Elisabeth “Labyrinthes du Vécu:
l’espace: matiére d’actions”, espacial do desenvolvimento de uma arte espacial mais rica e humana, háptica,
Librairie des Meridiens, Paris,
1982, pp. 82 - 94 estimulante e lúdica.36

No que toca à espacialidade da estrutura labiríntica, Moles identifica 5 categorias


37
Ibid., pp. 81 - 82 dimensionais37.
O primeiro caso é o terreno vago, o deserto ou mar alto, um labirinto
unidimensional, constituído apenas pelo plano horizontal, em que o vazio, a
ausência de quaisquer outras referências coloca o percorrente numa situação de
deriva.
O labirinto mais comum é bidimensional, definido apenas pelo plano horizontal e
vertical. É o caso de meandros urbanos, florestas, ou os jogos de feiras e jardins.
Temos em segundo lugar labirintos tridimensionais, constituídos por vários
pisos, unidos através de escadas, rampas, duplas alturas, adicionando assim um
nível mais de complexidade. É o tipo de estrutura que encontramos em centros
comerciais, hotéis, edifícios de escritórios.
Incluindo a dimensão temporal como um elemento igualmente provocador de
desorientação, Moles considera os labirintos bidimensionais, onde determinados
acessos ou barreiras são definidos por intervalos temporais, logo tridimensionais. Da
mesma forma podemos aplicar a dimensão temporal a estruturas com vários pisos,
definido assim a quarta categoria, os labirintos de quatro dimensões. Segundo
o autor, a complexidade deste último, projecta o percorrente numa vertigem
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 65

existencial. Podemos encontrar exemplos destes dois casos, em edifícios cujas


portas de acesso estão limitadas a determinadas horas de abertura.

38 Considerando a categorização preceptiva de estruturas labirínticas38, Moles


Ibid., pp. 76 - 81
distingue à partida labirintos intrí
intrínsecos
ínsecos de extrí
extrínsecos
ínsecos. Denomina labirintos
intrínsecos
intrí
ínsecos a estruturas topológicas, cujos elementos de composição não tenham
outra qualidade preceptiva para além da sua qualidade de barreira, ao contrário de
labirintos extr
extríínsecos
ínsecos ou estéticos, onde os muros e paredes são igualmente fonte e
suporte de matéria sensorial de outra natureza, como uma estante de supermercado
ou os quadros expostos nas galerias de um museu.
> fig. 120 uma vitrine como labirinto
extrínseco

Ainda relativamente ás qualidades hápticas dos labirintos, Moles distingue três


situações.
O labirinto onde temos a visão global do conjunto, apenas percorrível com o olhar
ou com uma caneta, como é o caso dos labirintos gráficos e lúdicos.
O labirinto de corredores com barreiras impossíveis de atravessar com o corpo
ou com o olhar. No caso de ser intrínseco a situação do percorrente é comparável
à de um cego, em que o olhar não contribui para decifrar a topologia do espaço.
Neste situação, domina a vontade de o percorrente querer ir mais além, estimulando
> fig. 121 Still do filme Playtime de Jacques a capacidade motriz através da sede exploratória de descobrir o oculto, o não
Tati
desvendado.
Por fim, os conjuntos labirínticos com barreiras visualmente transparentes ou
semitransparentes, como estantes de supermercados ou canteiros de jardins. Neste
caso o domínio visual ultrapassa o domínio motor imediato, pois o oculto, o que está
mais além, é anteriormente percorrido com o olhar, antes de ser percorrido com o
corpo.
Se considerarmos que o desejo é antecipação de um futuro que transgride o
presente, então este tipo de labirintos, são bastante estimulantes e apelativos, pois
estimulam o desejo através da visualização do imediatamente inatingível. Neste
sentido o labirinto pode ser considerado como um arquétipo do desejo, estimulando
simultaneamente a vontade de trangressão.
> fig. 122 Still do filme Playtime de Jacques
Tati

Pensando na possibilidade de transgressão, Abraham Moles identifica ainda o


semilabirinto, um sistema topológico de corredores em que as barreiras são apenas
parcialmente impenetráveis; ou seja serão penetráveis através de um esforço por
parte do ser, esforço que ultrapasse os limites normais sua consciência clara.
São, por exemplo, labirintos com barreiras transponíveis, como muros baixos
aos quais podemos subir ou elementos vegetais, que com algum esforço podem
ser destruídos. Este é um caso, que estimula um comportamento transgressivo,
implicando uma certa forma de agressividade contra as condições existentes.

Poderemos considerar no mito dedaliano e na simbologia do labirinto um arquétipo


da transgressão, através da formação de uma mitologia espacial do Imaginário, do
Desejo.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 66

Evasão do labirinto: regra e transgressão

39
segundo a mitologia grega, o
Na mitologia associada ao labirinto de Creta39 podemos ler duas formas distintas
labirinto de Creta foi construído de sair do labirinto. Teseu resolve-o no plano horizontal, percorrendo o labirinto
pelo arquitecto Daedalus, a pe-
dido de Minos, rei de Cnossos. desenrolando atrás de si o fio dado por Adriane, marcando desta forma o percurso
Neste espaço, Minos encerrou
o Minotauro, o fruto adúltero da efectuado. É uma solução “engenhosa”, racional, uma regra encontrada para a
sua mulher Persefone com um
touro branco enviado por Posei- problemática deste labirinto, sugerida, segundo se diz, por Daedalus a pedido de
don. Meio homem, meio touro,
o Minotauro exigia todos os Adriane.
anos o sacrifício de 7 rapazes
e 7 raparigas virgens. Quando
o semideus Teseu chegou à
ilha, a filha de Minos, Ariana,
apaixona-se, tencionando partir
com Teseu. Minos promete a
Teseu a mão da sua bela filha,
se este entrasse no labirinto
e matasse o Minotauro. Não
querendo perder a companhia
de sua filha, Minos encontrou
uma solução adequada, saben-
do que do labirinto ninguém
conseguiria escapar. Quando
Ariana soube dos planos do pai,
implorou a Daedalus que lhe
ajudasse, visto não querer que o
amado se perdesse eternamen-
te nos meandros do labirinto.
Daedalus, afirmando não ter
os planos deste, piscou-lhe o
olho ao olhar para a máquina de
tecer que Ariana tinha no quarto. > fig. 123 Teseu e o Minotauro > fig. 124 Daedalus e Ícaro
Assim Teseu entrou no labirinto,
desenrolando um fio de lã, que
lhe serviu de guia para sair,
depois de ter morto o monstro. E é o mesmo Daedalus, arquitecto do labirinto, que quando se encontra
Teseu partiu com Ariana e Minos encarcerado dentro da própria obra com o seu filho Ícaro, oferece uma solução
ficou irado, culpando Daedalus
pelo sucedido e encarcerando-o que pode ser considerada o paradigma da solução transgressiva. Conhecendo
dentro da própria construção.
40
entregue à aleatoriedade seria bem a complexidade da obra que desenhou, Daedalus não se escapa do labirinto
praticamente impossível de se
escapar percorrendo-o40, mas voando. Sendo este a céu aberto Daedalus constrói dois pares
de asas com penas caídas dos pássaros, galhos de arbustos e cera.
Escapando pela ascensão, Daedalus e Ícaro transgridem a problemática do
labirinto, voando para longe das suas muralhas, elevando-se sobre o caos e a
complexidade.

Mas se consideramos o labirinto rizomático, multidimensional e multiconectável


como o meio de suporte da Sociedade de Informação, torna-se então necessário
uma outra atitude, que não a evasiva ou transgressora; este deixa de ser um
jogo a superar ou decifrar, encarnando agora a estrutura espacial em que nós
nos movemos e navegamos, num constante processo de territorialização e
desterritorialização. Temos de aprender a domesticá-lo e fazer do labirinto o nosso
habitat natural; pois não há evasão possível senão a letargia e alienação.
Autores como Pierre Levy ou Vitorino Ramos procuram ler o fenómeno à luz de
estudos sobre as organizações sociais e espaciais de insectos como as formigas,
que numa constante troca de sinais locais desenvolveram uma forma de inteligência
colectiva em rede. Será através deste tipo de estrutura cognitiva, emergente já
na World Wide Web, que a Sociedade da Informação tende a evoluir, deixando
41
Les labyrinthes de para trás a estrutura cognitiva linear, hierárquica e arborescente do pensamento
l‘Information, jornal Le Monde,
9 de Novembro 1995, p.18 ou racionalista. Jacques Attali41 e Deleuze e Guattari42, alertam-nos para a necessidade
www.synec-doc.be/doc/attali.
htm de desenvolvermos uma estrutura cognitiva rizomática, recuperando capacidades
42
Deleuze, Gilles+Guattari, Felix subestimadas pelo pensamento racionalista, ao sobrevalorizar a memória local e
Mil Platôs, vol. 1, Editora 34, São
Paulo, 1996, pp. 11 - 37 asignificante face à memória global e a intuição face à dedução.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 67

4. O labirinto e jogo

Afinidades

Podemos encontrar entre o jogo e o labirinto uma série características comuns,


que nos permitem interpretar o labirinto como arquétipo espacial da actividade
lúdica. Este pode ser enquadrado pelo menos em duas categorias do jogo:
como espacialidade desorientadora e vertiginosa assume um carácter lúdico ilinx,
sendo nesse sentido explorado como atracção dos jardins maneiristas e em feiras
populares; e enquanto ritual ou prova, o labirinto testa a destreza e capacidades
de quem o percorre, sendo por isso simultaneamente uma actividade agonística í
ística .
No fundo, é um dos raros casos em que a ilinx surge associada ao âgon, podendo
tender mais para o gozo da vertigem ou para um teste à destreza física e cognitiva,
dependendo da sua complexidade e significação cultural.
Se consideramos as características que definem a prática lúdica, verificamos que
também podem ser aplicadas ao labirinto. De igual forma que o jogo, também o
percurso no labirinto é uma actividade livre e voluntária. A segunda característica
do jogo é a sua delimitação espacio-temporal, característica igualmente essencial
para definir o labirinto. A regulamentação de que o jogo é dependente, poderá
ser interpretada pela regra oculta que estrutura as barreiras físicas do labirinto;
de qualquer maneira este é um espaço regulamentado. Por fim o labirinto cria,
à semelhança do jogo, uma ordem própria, paralela ao real. Se considerarmos
ainda a tensão psíquica de que o jogo vive, provocada pela sua natureza incerta e
imprevisível, verificamos que o labirinto reproduz espacialmente todas as principais
características do lúdico.

O jogo como labirinto

A origem do labirinto cretense reside num esquema de movimentos coreográficos


de uma dança ritual pagã. Com uma forte carga simbólico-religiosa associada,
verificamos que a origem do labirinto é de natureza lúdica.
A dança labyrinthos em Creta, a dança do grou em Delos, os Trojaburg nos países
nórdicos, já mencionados anteriormente, estão na origem de actividades lúdicas que
associam a representação (mimicry) a movimentos pendulares e desorientadores
causadores de vertigem (ilinx). Poderemos, então, interpretar estes rituais como
possíveis antecedentes de outras danças como o vira, a tarantella, a valsa ou o
> fig. 125 dança Labyrinthos tango.

Se o labirinto, enquanto actividade lúdica, esteve sempre associado a rituais


43
como figura e símbolo, o
labirinto é representado nos em que este é representado através da dança e do canto; é apenas a partir do
pavimentos de vilas romanas ou
catedrais cristãs, não se conhe- sec. XVI,43 que desassociado do seu valor cultual, é recuperado enquanto jogo
cendo, no entanto actividades espacial. Integrados nos vastos jardins da aristocracia quintecentista e seiscentista,
lúdicas associadas a estas re-
presentações gráficas. o labirinto surge como elemento de atracção lúdica; alegoria à mitologia grega e ao
44
Este tipo de labirintos adquire
a designação maze em Inglês paganismo, e simultaneamente à errância e ao encontro.
(maze = confusão, desorienta-
ção ou espanto) e de Irrgarten Adquirindo já uma estrutura topológica multicursiva, os “Jardins de Err
Errância”44
em Alemão (Irre + Garten =
desorientado, perdido + jardim). maneiristas e barrocos serão objecto de inúmeros desenhos e variações publicados
Construídos a céu aberto com
elementos vegetais como bar- em tratados de arquitectura e de paisagismo (ou de jardinagem, se quisermos usar
reiras (bucho) e fechados para o a expressão da época).
exterior com uma única entrada,
albergavam frequentemente no No caso dos jardins maneiristas, o labirinto integra-se num sistema paisagístico
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 68

seu centro uma pequena torre interpretado através de uma narrativa unificadora de carácter mitológico e simbólico-
ou pavilhão denominado de
Casa de Daedalus, o qual além religiosa. Tal é o caso da obra de Pirro Ligorio e de Salomon de Caus nos jardins
de servir de ponto de
referência ao percorrente do de Heidelberg o Hortus Paltinus ou os de Vila Lante, Vila d’Este e Bomarzzo e ou das
labirinto lhe permite, uma vez
chegado ao destino, aí subir e propostas não construídas de Athanasius Kircher. Nestes jardins, o labirinto não é
observar a planta do jardim;
percebendo, através de uma só um dos elementos que pontua o jardim, mas todo o jardim tem por matriz uma
vista aérea, o percurso que fez
e as encruzilhadas que errou. topologia labiríntica, pontuado por máquinas, autómatos, monstros, cataratas, etc..
Como tema de composição Como já referido anteriormente, todo o jardim é uma paisagem lúdica, um mundo
ornamental e /ou de atracção
lúdico-recreativa do jardim, o fantástico, integrando paisagem, arquitectura e ficção de forma primorosa. Não
labirinto multicursivo será objec-
to de múltiplos desenhos e querendo com esta afirmação desprestigiar a qualidade arquitectónica do jardim
tratados até meados do século
XIX. Sofrendo variações na sua maneirista, poderemos interpretá-lo como um antecedente dos parques temáticos
natureza tipológica, este come-
ça a aceitar múltiplos fantásticos como a Disneylândia.
centros de hierarquias diferen-
ciadas e mais que um ponto de
entrada e saída. O mesmo não podemos afirmar para o jardim barroco. Usando igualmente o
labirinto como mote compositivo, este perde o seu carácter lúdico, imersivo e
fantástico, instrumentalizando a paisagem e a arquitectura numa atitude mais
representacional. O labirinto surge como elemento de atracção mais visível do que
percorrível, integrado numa paisagem de plataformas ou parterres de vegetação
rasante. É o caso do jardim de Versalhes ou das Tulherias, em França, onde vários
> fig. 126 labirinto com Casa de Daedalus
no centro labirintos se sucedem como padrões gráficos de um tabuleiro.

> fig. 127 labirinto gráfico barroco

45
Entre os quais se encontram
interessantes exemplos portu-
gueses estudados por Anna
Hatherly em “A casa das Musas”,
Editorial Estampa
> fig. 128 jardim de Vila d’Este

É exactamente enquanto representação gráfica que o labirinto conhecerá uma


nova dimensão lúdica a partir dos séc. XVI e XVII. Explorado enquanto enigma
ou charada figurativa ou textual, este tipo de exercícios,45 originarão os jogos de
tabuleiro de matriz labiríntica, como Jogo do Ganso. Com a invenção da tipografia
e da imprensa este tipo de jogos e charadas (como labirintos gráficos, e palavras
cruzadas) sofrem uma divulgação massificada, passando a fazer parte da última
página de qualquer jornal diário.
> fig. 129 palavras cruzadas

Após os “devaneios” maneiristas, o labirinto só voltará a surgir enquanto jogo


46
espacial, a partir do séc. XX, nomeadamente como atracção lúdica de feiras
Embora o visitante percorra
um espaço misterioso, lúdico e populares e parques temáticos. À semelhança de outros aparelhos e jogos que
labiríntico, este não toma qual-
quer partido nos passos que povoam este grandes recintos de entretenimento, o labirinto surge como um jogo
toma, sendo conduzido meca-
nicamente em massa a bordo provocador de desorientação e vertigem (na categoria do ilinx). Tal é o caso da Casa
de um vagão, limitando-se a
percepcionar o espaço como dos Espelhos, onde as superfícies espelhadas sugerem espacialidades infinitas e
um espectáculo em que está
imerso. multidireccionais e de uma forma adulterada o caso do comboio fantasma.46
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 69

Manifestando-se de forma intensa, embora pontual, nos jogos infantis, nos jardins
maneiristas e nas diversões de feiras populares, o labirinto assumirá um papel fulcral
e estruturador como cenário narrativo e espacial dos jogos de computador.
Como cenário e estrutura espacial, surge logo nos primeiros arcades,
nomeadamente em jogos como o Pac Man (1980) ou Donkey Kong (1982). Nesta
primeira fase, durante a década de 80, a estrutura labiríntica é explorada apenas
> fig. 130 Pacman bidimensionalmente , seja em planta, como no Pac Man ou em corte, como no
Donkey Kong ou no Super Mario Bros (1990). O desenvolvimento de motores
gráficos 3D vem alterar significativamente a experiência lúdica espacial dos jogos de
computador. É então a partir de inícios dos anos 90 que surgem os primeiros jogos,
onde o labirinto é vivido e percorrido tridimensionalmente47, como o Doom (1993)
ou o Quake (1996), em o jogador deixa de associar ao labirinto uma representação
gráfica abstracta para nele entrar e o habitar. Esta diferença é significativa, pois se
> fig. 131 Donkey Kong
47
embora o primeiro jogo com no primeiro caso, o jogador tem uma vista “superior” do campo de jogo, movendo-
visualização 3d é o Star Raiders
de 1979 se nele como que “controlando peças num tabuleiro”, já no segundo caso ele
vivencia a experiência espacial de “uma das peças do tabuleiro”, perdendo a visão
de conjunto que tinha, em prol de uma leitura espacial fragmentada e incerta, própria
do percurso labiríntico. Alguns jogos, dada a complexidade do espaço e do enredo,
permitem ao usuário utilizar mais que uma perspectiva do jogo, podendo alternar
entre a visão aérea e carto-gráfica em 2D ou a simulação da visão encarnada no
avatar em 3D.
> fig. 132 Unreal Tournament

Associado ao espaço errante, que garante ao jogo a tensão psíquica de que


vive, surge com os videojogos um dispositivo específico que os caracterizará
48
Rosa, Jorge Martins No reino
– a progressão espacial.48Como sabemos, praticamente todos os jogos de
da Ilusão, pp. 113 - 116 computador apresentam vários níveis de dificuldade. No caso dos jogos de arcade49
49
nomeadamente os shoot’em
up e jogos de plataforma e de aventura, a associação da transposição de nível a uma transposição de
espacialidade é evidente. Terminando um nível, “progredimos” para outro, onde nos
deparamos num cenário espacial distinto. Desta forma, o jogador pode permanecer
horas seguidas errando de ambiente em ambiente, á medida que vai concluindo as
diversas etapas. A alteridade, variedade e qualidade gráfica dos cenários existentes
é um dos meios de cativar o jogador, para além do mero princípio agonístico
í
ístico (de
ultrapassar níveis de dificuldade); explorando através do jogo o prazer individual de
errar, explorar e descobrir. A vontade de saber o que está “para além de”, essa sede
exploratória acaba por se tornar no verdadeiro leit motiv dos jogos de aventura e de
50
e nalgumas variações híbridas plataforma50 , numa altura em que o potencial gráfico destes nos transporta para
entre aventura e shoot’em up ou
aventura e estratégia verdadeiros mundos de imersão.

Jogos como o Wolfenstein 3D ou o Doom são verdadeiras obras-primas no


desenvolvimento de arquitecturas, dentro das quais, o jogador por muitos espaços
que percorra, dificilmente chega a desvendar todos os espaços que existam.
Há sempre compartimentos secretos, portas invisíveis que nos conduzem para
ambientes oníricos ou painéis deslizantes onde se escondem armas especiais e
tesouros religiosamente guardados.
> fig. 133 Wolfenstein Não será por acaso que umas das empresas melhor sucedidas no desenho de
jogos de computador se denomine ID, numa clara alusão ao mundo inconsciente
definido por Freud.
Nos seus jogos, como o Doom ou o Quake, a relação entre a tensão do jogo
e a topologia labiríntica, associada á carga erótica de desvendar o oculto e à
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 70

representação de ambientes “estranhamente familiares” ou insólitos absorve o


jogador num mundo fantástico e emocionante, provocando simultaneamente temor
e fascínio.

Para além do cenário espacial, onde nos movemos, também podemos considerar
a estrutura narrativa de alguns videojogos como labiríntica, nomeadamente
51
um hipertexto, é um texto
rizomática. Derivado da noção de hipertexto51, surge o termo hiperficção para
construído com hiperligações, designar tramas narrativas onde o leitor ou jogador poderá desenvolver dentro de
ou seja, determinadas palavras
dentro do texto, permitem-nos uma matriz, diversas estórias diferentes, consoante as opções que for tomando. É
aceder instantaneamente a
outros textos. o caso de jogos como o Dungeons & Dragons, bastante populares na década de
52
Multi User Dungeons, desig-
nação actual para plataformas 80 e 90, em que a trama narrativa se cria e desenrola, segundo as jogadas de cada
multijogadores, cujo mundo é
definido através participação e participante. Estamos perante estruturas hiperficcionais, indeterminadas e evolutivas,
interacção dos seus habitantes. logo rizomáticas, que influenciarão o desenvolvimento dos chamados MUDs52 em
plataformas virtuais.

> fig. 134 Anarchy Online

> fig. 135 Project Entropia


Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 71

5. Sensibilidade e ordem labir


labiríííntica
ntica na composição espacial

“H um tipo de apreciação espacial, que nos faz invejar os pássaros


“Há ssaros no seu voo. HHá ainda
outro tipo, que nos faz recordar o abrigo enclausurado da nossa origem. A arquitectura falhar
falhará,
se negligenciar um ou outro tipo (prover para Cliban, significa prover para Ariel também).

A claridade labir
labiríííntica
ntica canta os dois.” Aldo van Eyck

Depois de enunciadas as diferentes topologias e interpretadas as principais


características do espaço labiríntico, resta-me o desafio de tentar identificar uma
possível ordem espacial em arquitecturas de sensibilidade labirlabirííntica
íntica.
Podemos encontrar uma sensibilidade labirlabirííntica
íntica em diversas obras ao longo da
História, sejam, por exemplo, as gravuras de Piranesi, os Merzbau de Kurt Schwitters,
as megaestruturas dos Team X, algumas peças de Siza Vieira e os recentes
exercícios arquitectónicos em torno da linguagem desconstrutivista e de superfícies
não orientáveis.

Para alguns autores, a história da arquitectura pode ser lida à luz de uma
polaridade entre o caos e a ordem, manifestando-se espacialmente entre a
racionalidade abstracta e o emocional concreto. Jacinto Rodrigues recorda-nos a
> fig. 136 Merzbau de Kurt Schwitters
mitologia grega para ilustrar esse dualismo:
53
Rodrigues, Jacinto Álvaro Siza: “o Minotauro genésico e criador (instinto e emoção) e Dédalo- a lógica operativa
Obra e Método, Livraria Civili-
zação Editora, Porto 1992, op. do arquitecto construtor; o labirinto mediatiza e estabelece a relação ambivalente do
cit., p.34
caótico. Eros-Minotauro com «Thanatos »- ordem e poder do rei Minos.”53
Perante a perspectiva moderna e nietzschiana de uma dicotomia entre a razão e
a emoção, entre o espírito dionísiaco
í
ísiaco (criador, empírico e embriagado) e o espírito
apolíneo
apolííneo (racionalista, metódico e controlado), parece-me interessante encontrar
o labirinto como seu elemento mediador. De facto, e como referido anteriormente,
no labirinto coexistem duas categorias lúdicas de natureza antagónica: a ilinx ou
vertigem, associada à embriaguez, à vertigem e ao transe, estados incarnados pelo
espírito dionisíaco
í
íaco e o agôn, actividade lúdica caracterizada pela disciplina, método
e competitividade, próprias de um espírito apolí
apolíneo
íneo. Será então através do labirinto
que se realiza o equilíbrio entre a razão e a emoção, entre a arte e o engenho,
legitimando assim o seu criador Daedalus como o primeiro arquitecto da História.

Porém, apesar de a natureza da arquitectura se basear na mediação dos


contrários, fundindo e hibridizando o génio criativo com o rigor matemático, na
busca de características que definam a sensibilidade labir
labirííntica
íntica ao longo da sua
54
Louis, Pierre André Le História, é raro encontrar leituras que não sejam meramente dicotómicas. É o
labyrinthe et le mégaron - caso do ensaio de Pierre André Louis “Le labyrinthe et le mégaron”54, utilizando os
l’architecture et ses deux natures,
Mardaga Editeur, Sprimont, 2003 dois sistemas espaciais pré-helénicos, o minóico e o micénico como referência
a uma natureza bipolar da forma arquitectónica. Como chave interpretativa, a
arquitectura e urbanismo megarorianos apresentam, em termos gerais, composições
autónomas, estáticas, finitas, abstractas e rígidas; e em oposição a arquitectura e
urbanismo de natureza labiríntica manifesta-se de forma heteronómica, dinâmica,
extensível, orgânica e viva. Associando a arquitectura megaron à representação do
poder (monumentalismo) e à expressão de um espírito racionalista e esteta, esta
encontrará a sua expressão formal na arquitectura grega, no primeiro Renascimento,
no Iluminismo e no Neoclacissismo. Enquanto que a arquitectura de expressão
labiríntica manifesta-se em períodos históricos de transição como a Idade Média e o
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 72

55
funcionalismo/organicismo, Barroco. Já no século XX podemos observar diversas flutuações e correntes opostas
purismo/expressionismo, mini-
malismo/desconstrutivismo coexistentes55, muitas vezes originando linguagens híbridas.

Considerando a natureza da arquitectura labiríntica bastante mais subtil do que


uma mera dicotomia formal entre ordem e caos, regular e irregular, estático e
dinâmico, simples e complexo, tentarei, de forma sucinta, interpretar algumas
estratégias de desenho nas construção da ordem labiríntica:

Variações
es da ordem labir
labirííntica
íntica
O elemento definidor de uma espacialidade labiríntica é essencialmente a
sua capacidade de provocar desorientação e inquietação. Simultaneamente,
encarnando o princípio lúdico, o espaço labiríntico goza de um certo poder de
fascinação, estimulando no indivíduo sensações ambíguas e indeterminadas.
Para a leitura de uma sensibilidade espacial labiríntica na arquitectura, apoiei-
me principalmente na forma como os limites espaciais são configurados física- e
visualmente, entendendo o grau ou tipo de desorientação dependente da maneira
como estes são percepcionados.

1. Repetição e diferença – rede e momentos


56
O rei da Babilónia, orgulhoso
Numa das estórias de Jorge Luis Borges56, são confrontadas duas noções de
do magnífico labirinto que cons- labirinto. Uma delas, uma construção magnífica
í , cheia de portas, corredores e
ífica
truíra, disputou um dos seus
hóspedes, um rei árabe, convi- escadas, um labirinto caracte-rizado pela multiplicidade repetitiva de limites - o
dando-o a aí entrar, onde este
vagueou humilhado e confuso excesso. O outro labirinto, a inexistência absoluta de construção, o deserto, senda
até implorar socorro divino e
encontrar por fim a saída. Antes esta noção caracterizada pela ausência total de limites – o vazio. Poderemos
de regressar ao seu país, o rei
Árabe prometeu ao Rei da Babi- dizer que ambos os conceitos são expressões radicais de uma mesma expressão
lónia, que um dia lhe mostraria
um labirinto melhor. Passado labiríntica – o ciclo; a noção de se caminhar perpetuamente em círculo, provocada
algum tempo, irado, regressa à
Babilónia com os seus homens pela ausência de referências que nos permitam cartografar momentos e traçar
fazendo daquele que o humi- direcções.
lhara seu prisioneiro. Levando-o
para o deserto aí o abandona,
onde este morrerá de fome e
sede. Antes de o deixar entre- O deserto ou o mar alto são lugares, onde nos encontramos à deriva, e onde a ilha
gue ao vazio, rei árabe pro-
clamou: “Ó rei do tempo e da ou o oásis surgem como pontos de referência e de reencontro enquanto elemento
substância e símbolo do século:
na Babilónia quiseste perder-me de uma ordem relacional. Da mesma maneira poderemos considerar a clareira,
num labirinto de bronze com como um momento de excepção numa floresta povoada de árvores. Se no deserto
muitas escadas, portas e muros;
agora o Poderoso achou por e no mar alto, a desorientação é provocada pelo vazio, já no caso da floresta, este é
bem que eu te mostre, onde não
há escadas a subir, nem portas definida pela repetição múltipla e matricial (igualmente distribuída) de um elemento
a forçar, nem cansativas galerias
a percorrer, nem muros que de composição, a árvore. Desta forma, podemos considerar, que todo o tipo de
te impeçam os passos” in “O
Aleph”, Editorial Estampa, 1988, estruturas espaciais, definidas pela repetição múltipla e ambivalente de um ou mais
“Os dois Reis e os Dois labirin-
tos”, pp. 141-144 elementos compositivos provoca uma leitura a-hierárquica do espaço, logo deriva e
57
o excesso de limites, quando desorientação57.
não permite distinguir valores
hierarquicamente, torna-se
também numa repetição cíclica
das mesmas imagens, impe-
dindo-nos de traçar linhas ou
direccções
58
como as do Templo de Amun
em Karnak ou de Hatsepsut em
Deir el Bahari

> fig. 137 Cubic Space Division, gravura de M.C. Escher > fig. 138 sala do Purgatório do projecto Danteum de Guiseppe Terragni
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 73

A arquitectura irá explorar a retícula para desenvolver este tipo de espacialidade, de


certa forma dinâmica, jogando com momentos de excepção, para pontuar lugares
de encontro ou de paragem. As salas hipóstilas egípcias58e sistemas de catacumbas
subterrâneos, bem como as gravuras das prisões de Piranesi, e alguns desenhos
de M.C. Escher ilustram bem a aplicação deste tipo de estratégia na construção de
espaços de sensibilidade labir
labirííntica
íntica.

2. Aglomeração, colagem e superposição


A impossibilidade de discernir os limites de um espaço pode também ser
provocada pelo excesso de elementos diferenciados. Perante uma paisagem
saturada de elementos de excepção, sobrecarregada de símbolos e de direcções,
torna-se igualmente difícil estabelecer uma hierarquia orientadora. Algumas gravuras
de Piranesi ilustram bem este tipo de espacialidade, que pela sobrecarga de
elementos de referência se torna labiríntica. É caso das gravuras Campo de Marzio,
em que num local histórico de Roma, Piranesi faz uma colagem e sobreposição em
planta de uma série de edifícios públicos de excepção. É impossível estabelecer
valores de alteridade, aparentando um kashbah onde todos os volumes se
agregam numa grande massa construída. Desta forma Piranesi joga com o valor do
monumento e a sua relação no tecido urbano.

> fig. 139 Antiquitá


Antiquit Romana, gravura de
Piranesi

> fig. 141 Campo di Marzi de Piranesi


> fig. 140 Projecto de Michael Graves
É através da colagem, da aglomeração e da sobreposição que a linguagem
arquitectónica irá explorar espacialidades excessivas, multidireccionais e
multisignificantes. Se o Barroco utiliza esses instrumentos, definindo contudo uma
ordem unificadora, normalmente orientada verticalmente através de elementos
abobadados, já a arquitectura pós-modernista e desconstrutivista servem-se da
sobreposição e da aglomeração de uma maneira praticamente a-hierárquica. O pós-
modernismo irá recorrer essencialmente à colagem e aglomeração de elementos
construtivos alegóricos e simbólicos, desenvolvendo uma linguagem espacial
multisignificante e multisensitiva. A obra de Michael Graves, Charles Moore ou de
> fig. 142 projecto para o parque de La
Vilette de Bernard Tschumi Ricardo Boffil caracteriza bem uma abordagem pela colagem e aglomeração. Por
60
“[W]e don’t want architecture
outro lado, os desconstrutivistas, na sequência da arquitectura pós-modernista,
to exclude everything that is dis- irão desenvolver uma linguagem igualmente excessiva, mas apoiando-se nas
quieting. We want architecture to
have more ... Architecture should propriedades geométricas dos elementos construtivos, despojando-se da atitude
be cavernous, fiery, smooth,
hard, angular, brutal, round, alegórica dos seus antecessores. Neste sentido, irão utilizar a sobreposição como
delicate, colorful, obscene, vo-
luptuous, dreamy, alluring, repel- instrumento compositivo, programático e formal, procurando encontrar geometrias
ling, wet, dry and throbbing.”
(Himmelblau 1988: 95) híbridas, inquietantes e estranhas. É o caso da obra de Rem Koolhaas, de Bernard
Tschumi, de Coop Himmleblau60 ou de Peter Eisenmann.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 74

Em ambas as correntes, a proliferação de elementos excepcionais, justapostos ou


sobrepostos, é utilizada de forma premeditada como busca formal e experimental de
direcções, exprimindo assim, um tempo em que os metadiscursos estão terminados
e a pluralidade de linguagens artísticas se dissemina de forma fluída e rizomática.

3. Indiferenciação entre interior e exterior


Depois de identificarmos situações que exploram a incapacidade de reconhecer
e assimilar limites espaciais, tentarei definir situações que exploram a natureza
material desses limites, jogando com a sua indefinição. Neste caso, os limites são
claramente reconhecidos, a sua natureza é que permanece ambígua, nebulosa ou
fluída, dificultando a percepção de reconhecermos se estamos no interior ou exterior
destes. Esta condição ambígua provoca igualmente desorientação e estranheza,
podendo ser igualmente considerada como labiríntica.

Este tipo de instrumento compositivo é frequentemente explorado, recorrendo a


materiais translúcidos e reflectivos, como o vidro ou a efeitos de dissimulação e
camuflagem, como a matéria vegetal ou o vapor de água.

> fig. 143 pavilhão de Barcelona de Mies van der Rohe > fig. 144 Fundação Cartier de Jean Nouvel

A arquitectura do Movimento Moderno, ao libertar a fachada da sua carga


estrutural, usará as propriedades do vidro para explorar efeitos de continuidade e
ambiguidade entre interior e exterior. A obra de Mies van der Rohe é neste contexto
determinante, sendo o Pavilhão de Barcelona, a obra construída do autor que
provavelmente explora de forma mais intensa a dissolução e ambiguidade dos
limites materiais.
A partir do Movimento do Moderno, o vidro tornou-se num dos elementos
construtivos mais populares na arquitectura, conhecendo até hoje diversas
aplicações no desenvolvimento de efeitos de translucidez, opacidade e reflexividade.
A obra do artista Dan Graham é um testemunho crítico interessante dos diversos
efeitos ilusórios que o vidro pode provocar na percepção do espaço.
Mas serão autores como Jean Nouvel, que procuram desenvolver uma
linguagem arquitectónica baseada no conceito de desmaterialização, que irão
recorrer a artifícios materiais que exploram a fusão e dissolução, a transparência
e imaterialidade, o desaparecimento e a reflexão ou a ocultação. É o exemplo
da Fundação Cartier, em Paris, onde Nouvel joga com a duplicação de limites
transparentes, ou do recente projecto dos Diller+Scoffidio para a Expo 02, The
Cloud, em que o edifício se encontra imerso numa verdadeira neblina, artificialmente
produzida máquinas de vapor de água.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 75

Outra forma de explorar a indefinição do valor dos limites, baseia-se nos estudos
topológicos sobre superfícies não orientáveis. Estas apresentam a propriedade
de serem ciclicamente contínuas e transformáveis, sem terem interior e exterior
definidos, ou seja não são orientáveis. É o caso da espiral de Moebius ou da garrafa
> fig. 145 garrafa de Klein de Klein.
Embora nos anos 60, Friedrich Kiesler, tenha já experimentado as potencialidades
deste tipo de geometria na arquitectura, nomeadamente na Endless House; só
recentemente, graças aos avanços tecnológicos em programas de desenho e
modelação por computador, é que a geometria topológica tem sido fonte de
inspiração para a renovação do repertório formal arquitectónico. A Moebius House
dos Un Studio, a Torus House de Preston Scott Cohen, mas principalmente o
> fig. 146 Endless House de Friedrich
Terminal de Yokohama dos FOA, são exemplos construídos de edificações, cujos
Kiesler limites se exprimem fisicamente ambíguos, deformados, fluídos, e contínuos.

> fig. 147 escultura de Max Bill > fig. 148 Moebius House de Un Studio > fig. 149 Torus House de Preston Scott Cohen

> fig. 150 cinta de Moebius > fig. 151 e 152 Terminal de Yokohama dos FOA

4. Mutabilidade e transfiguração

“Architecture has indeed become recombinant, as has culture and identity, but
recombination soon leads to mutation, mother of monsters and angels. Reality will be
much more alien than we expect.”
Marcos Novak Transarchitectures

Por fim resta-me enunciar aquela que eu considero como a quarta forma de
61
Natali, Vincenzo “Cube”,
Canadá, 1999 provocar desorientação, a permanente mutabilidade ou transfiguração dos limites.
No filme The Cube, de Vicenzo Natali,61 7 personagens vêem-se subitamente
imersos num gigantesco labirinto matricial, uma enorme estrutura cúbica,
subdividida em vários compartimentos espaciais, igualmente cúbicos. Todo o filme
se baseia nas tentativas destes personagens, desvendarem pouco a pouco, a
chave para a saída. Após terem conseguido calcular as dimensões dos limites do
edifício, e definir as suas coordenadas relativas ao perímetro, quando pensavam
terem atingido a saída, verificam que esta não se encontrava onde todos os cálculos
indicavam. Veêm posteriormente a descobrir, que a sala que dá acesso á saída,
se desloca a determinados intervalos de tempo, percorrendo todo o perímetro do
edifício. Bastava que os 7 personagens se mantivessem na sala onde começaram,
e esperar que esta completasse o seu ciclo de mobilidade, para que acedessem
> fig. 153 Cube de Vicenzo Natali
finalmente à saída.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 76

Este filme, ilustra bem, a desorientação que limites móveis ou em constante


transfiguração podem provocar. O marketing utiliza esta estratégia em lojas,
supermercados, alterando ciclicamente a disposição dos produtos de forma a
obrigar o cliente, a percorrer desorientado por zonas que não procura e assim
estimular o consumo de produtos que aparentemente não necessita. No caso
do desenho de centros comerciais a situação é semelhante, mas aplicada á
disposição das escadas rolantes. Estas estão colocadas separadamente em pontos
estratégicos, alterando ciclicamente o seu sentido, de forma a que o peão tenha de
percorrer a quase totalidade das lojas para descer de um piso a outro.
62
Casa Schröder- Schräder, Neste tipo de situação, a configuração dos limites está submissa a um
Utrecht, 1924
63
Edifício plurifamiliar em
compromisso temporal, sendo por isso limites efémeros, mutáveis e relativamente
Fukuoka, Japão, 1989-91 e indefinidos. Alguns arquitectos, como Gerrit Ritveld62 ou Steven Holl63 exploraram
galeria de arte em Nova Iorque
dispositivos móveis de configuração espacial, permitindo configurar um mesmo
64
Neste contexto interessa-me espaço pelo menos de duas formas diferentes. Mas talvez tenham sido as utopias
mencionar a obra do artista
alemão Gregor Schneider. de Constant ou a arquitectura cibernética de Cedric Price, que melhor exploram as
Este autor faz da sua obra, as
constantes alterações que vais potencialidades de desenvolver espacialidades indeterminadas, sujeitas ao livre
fazendo na casa onde vive. Ao
longo de vários anos, Schneider arbítrio dos seus utentes. Nestes dois casos, o edifício ou a cidade, são sempre
explora a espacialidade do seu obras inacabadas, verdadeiros work in progress, que catalisam e materializam
habitat e a capacidade de o
transformar constantemente, espacialmente, os usos e os desejos de um ou vários usuários num determinado
criando e destruíndo divisões,
pintando, raspando, abrindo e momento64. Nestes labirintos de fluxos, a cidade ou edifício é um jogo, e
fechando vãos, etc..
desorientação só ocorre a quem nele não participa.

> fig. 154 secção do projecto Fun Palace de Cedric Price

>figs.155-57 Casa Ur, intervenções do


artista Gregor Schneider > figs. 158 e 159 galeria de arte no Soho de Steven Holl e Acconci Studio
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 77

Mas para além dos limites poderem mudar de forma, devemos considerar também
que estes se podem transfigurar, ou seja mudar de figura, podendo induzir, de igual
maneira, confusão e desorientação no indivíduo. É também uma estratégia utilizada
pelo marketing, alterando ciclicamente as cores, formas e símbolos dos espaços
comerciais. Através desta estratégia, garantem que os clientes não se irão cansar
dos produtos que compram, que embora sejam praticamente os mesmos, vão
sendo constantemente reciclados em termos de imagem.
Na arquitectura, só recentemente é que este tipo de situação está a ser
explorada, nomeadamente associada a materiais reactivos ou inteligentes. Com
o desenvolvimento de dispositivos de interactividade em tempo real, estão a sair
no mercado materiais, que reagem cromaticamente, graficamente ou mesmo
fisicamente a qualquer tipo de estímulos exteriores. Neste campo, procura-se
desenvolver um conceito lúdico de uma arquitectura sensível, que como um
organismo manifesta visualmente (output) determinado tipo de variações dos dados
(input) que a configuram. Penso ser este o caminho que permitirá a construção
de uma estética informacional, espacialidades interactivas e conectadas em
rede, definidas por uma matéria híbrida entre o real e virtual, corpos sensíveis que
exprimem a condição fluída e reticular da Sociedade da Informação. É o caso
de experiências como a Torre dos Ventos e a Mediateca de Sendai de Toyo Ito, a
Hipersuperfície dos Decoi, e de grande parte da obra dos NOX ou de Kas Osterhuis.

> fig. 160 Hypersurface dos Decoi

> fig. 161 4 metamorfoses da Torre dos Ventos de Toyo Ito

> fig. 162 e 163 2 metamorfose de D-Tower


> fig. 164 aspectos do interior reactivo do Pavilhão
Pavilh H20 dos Nox
dos Nox
>fig.165 Still do filme Alphaville de Jean Luc Godard

CONSIDERAÇÕES FINAIS
The highest purpose is to have no purpose at all. This puts one in accord with nature,
in her manner of operation”

John Cage
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 80

Será talvez demasiado precipitado avançar com notas conclusivas, numa fase em
que me encontro ainda em pleno exercício de digestão do material recolhido ao
longo destas errâ
err ncias.

Tendo reunido material no sentido de o aplicar num corpo projectual, os frutos deste
trabalho só começarão a fazer-se visíveis a posteriori , mediados pela tremura da
mão e pela inquietação da linha.

Posso, no entanto, afirmar que algo em mim mudou no que respeita à forma
como entendo e principalmente naquilo que procuro na arquitectura. Talvez não
propriamente uma mudança, diria quase como uma clarificação de postura,
princípio e intenções pessoais. Identifiquei alguns vícios e deixei-os, libertando
espaço para o desenvolvimento de um corpo mais sólido.

Percebi que a arquitectura pode ser muito mais do que um mero exercício formal
e estético em torno de questões espaciais e programáticas. Como prática pode
ser entendida sobretudo como uma linguagem de programação, organizadora
de eventos, estímulos e espaços. Liberta de filiações estéticas ou estilísticas, a
arquitectura poderá aceitar e encarar a beleza da sua nudez, para finalmente
assumir uma postura mais relacional e menos exposicional.

Nesse sentido, estou agora, mais próximo de encarar a arquitectura como uma
espécie de dispositivo interface. Neutral enquanto afirmação, mas rica enquanto
mediação, uma arquitectura que viva da interacção e participação dos seus
habitantes, corpo - labirinto que recebe e provoca, que seduz e é seduzido.
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 81

> fig.166 imagem do filme Hackers

DADOS DE APOIO
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 82

Microdiccionário Daedalus de algum vocabulário utilizado


(in Diccionário da Língua Portuguesa Porto Editora 2003)

adicto A adj. 1 dedicado; 2 inclinado; 3 adjunto; 4 dependente B s.m .MEDICINA indivíduo dependente de uma
droga (Do lat. addictu-, «dedicado»)

alegoria s.f. 1 representação de uma realidade abstracta através de uma relidade concreta, por meio de
analogias, metáforas, imagens e comparações,; representação simbólica; 2 obra de arte que representa uma
ideia abstracta; 3 expressão verbal ou plástica de uma coisa, com o fim de que as palavras ou imagens usadas
sugiram outra coisa; 4 concretização por meio de imagens, pessoas e figuras de ideias ou entidades abstractas
(Do gr. allegorí
allegoría,
ía, pelo lat. allegorí
allegoría-
ía-, «id.»)

Arcádia s.f. planalto da Grécia em que poesia se tornou símbolo da simplicidade pastoril (Do lat. Arcadia-,
«Arcádia», top. região do Peloponeso)

aventura s.f. 1 acção arriscada, perigosa ou fora do comum; 2 acontecimento extraordinário ou imprevisto; 3
acaso; sorte; 4 perigo; 5 ligação amorosa passageira (Do lat. vulg. adventura, «coisas que estão para vir», pelo fr.
aventure, «aventura»)

aventureiro A s.m. 1 aquele que procura a aventura; 2 aquele que vive de expedientes 3 [ant.] cavaleiro andante
B adj. 1 que procura a aventura; 2 temerário; 3 incerto; arriscado (De aventura + -eiro)

avatar s.m. 1 RELIGIÃO (hinduísmo) materialização de um ser divino; 2 [fig.] transformação, metamorfose; 3
INFORMÁTICA (Internet) representação gráfica de um utilizador numa comunidade virtual(Do sânscr. avatá
avat ra,
«descida», pelo fr.avatar
avatar «metamorfose»)

ciberespaço s.m. INFORMÁTICA espaço virtual constituído por informação que circula nas redes de
computadores e telecomunicações (Do ing. cyberspace)

cibernauta s.2gén. INFORMÁTICA pessoa que utiliza a Internet regularmente; infonauta

cibernética s.f. 1 ciência e técnica do funcionamento e do controlo dos comandos electromagnéticos e das
transmissões electrónicas nas máquinas de calcular e nos autómatos modernos; 2 estudo das conexões
nervosas nos organismos vivos ou nos grupos humanos;
3 ciência que estuda os mecanismos de comunicação e de controle nas máquinas e nos seres vivos (Do
gr.kybernetiké, «a arte de governar»)

ciborgue s.m. ser humano fictício cujas funções fisiológicas vitais são comandadas por meio de dispositivos
mecânicos (Do ing. cyborg, «id.«)

criptografia s.f. escrita codificada ou cifrada por meio de abreviaturas ou sinais convencionais (Do gr. kryptós,
«secreto» + graphé,«escrita»+-ia)

criptograma s.m. 1 escrito em cifra; 2 representação de sentido oculto (Do gr. kryptós, «secreto» +
gramma,«escrita»)

dedáleo adj. 1 relativo a dédalo; 2 engenhoso; hábil; 3 complicado; intrincado; labiríntico; 4 artificioso (Do lat.
daedaleu-, «de Dédalo», antr.)

dédalo s.m. 1 lugar em que os caminhos estão dispostos de modo que é fácil alguém perder-se; labirinto; 2
coisa intrincada (Do gr. Daídalos
í
ídalos , mitol. «Dédalo», arquitecto, construtor do labirinto de Creta pelo lat. Daedalu-
,«id.»)

deambular v.intr.1 vaguear 2 passear (Do lat. deambulare, «passear»)

deambulatório A adj.1 relativo a passeio; 2 [fig.] erradio; desnorteado B s.m.1 nave de igreja que rodeia o coro
e o altar mor; > charola ; 2 galeria coberta para nela se passear (Do lat. deambulatoriu-, «galeria»)

diagrama s.m.1 representção gráfica das relações entre as partes de um todo; 2 representação gráfica das
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 83

variações de determinado fenónemo; 3 MÚSICA quadro que mostra a extensão máxima de toda a variedade
de sons do sistema musical; 4 bosquejo, delineamento (Do gr. diá
di gramma, «desenho», pelo lat. diagramma,
«traçado; desenho»)

dispositivo A adj. que encerra disposição, ordem ou preceito B s.m. 1 mecanismo ou arranjo adaptado para
determinado fim 2 MILITAR disposição, no terreno, das fracções em que uma unidade militar se articula, de
acordo com a sua utilização prevista (Do lat disposîtu-,
î
îtu-, part.pass.de disponêre, «dispôr; distribuir» +-ivo)

distopia s.f. lugar imaginário onde tudo é negativo (Do ing. dystopia, «id.»)

diversão s.f.1 acto ou efeito de divergir; 2 mudança de direcção; 3 desvio; 4 [fig.] distracção; 5 recreio; 6
MILITAR operação de objectivo limitado destinado a, durante o ataque, iludir o inimigo, desviando a sua atençaõ
e as suas forças doa atque principal; 7 finta (Do lat. med. diversione-, «id.». de divertere, «desviar, distrair»)

entretenimento s.m.1 acto ou efeito de entreter ou entreter-se; 2 aquilo que serve para distrair ou para ajudar a
passar o tempo; 3 divertimento; passatempo;
4 conjunto de actividades e espetáculos relacionados com áreas do teatro, cinema, música, televisão; 5
retardamento propositado; 6 engano;logro; 7 disfarce
(Do cast. entretenimiento,«id.»)

entreter A v.tr 1 interessar ou divertir; 2 demorar com promessas, esperanças, etc; 3 iludir B v.refl. 1 ocupar-se
por distracção; 2 divertir-se; 3 deter-se; ficar parado 4 demorar-se (Do cast. entretener, «id.»)

entropia s.f. 1 FISICA (termodinâmica) função que define o estado de desordem num sistema; 2 valor que
permite avaliar esse estado de desordem e que vai aumentando à medida que este evolui para um estado de
desíquilibrio; 3 medida de perda de informção num sinal ou dao transmitido (Do gr. entropé, «mudança, volta»,
pelo fr. entropie, «entropia»)

errar A v.tr. 1 enganar-se em; 2 cometer erro em; 3 não acertar em B v.intr. 1 cometer erro; 2 enganar-se 3 agir de
forma incorrecta ou pouco adequada; 4 vaguear; movimentar-se sem destino fixo (Do lat. errare, «id.»)

espectáculo s.m. 1 tudo o que atrai o nosso olhar e a nossa atenção; cena 2 contemplação; 3 representação
teatral; 4 diversão; 5 [pop.] escândalo; dar ~ provocar escândalo (Do lat. spetaculu, «id.»)

espectador adj.,s.m. que ou quem assiste a um espectáculo; testemunha (Do lat. spectatore, «id.»)

evento s.m.1 acontecimento; 2 sucesso; êxito; 5 espiráculo (do lat. eventu-, «acontecimento»)

experiência s.f. 1 acto ou efeito de experimentar; 2 conhecimento por meio dos sentidos de uma determinada
realidade; 3 conhecimento de uma realidade provocada, no propósito de saber algo, particularmente o valor de
uma hipótese científica; experimentação 4 conhecido obtido pela prática de uma actividade ou pela vivência; 5
prova; ensaio; tentativa; à ~ para ver se é adequado (Do lat. experimentî
experimentîa
îa, «id.»)

fenónemo s.m.1 tudo o que a nossa consciência ou os nossos sentidos podem apreender; 2 tudo o que
modifica os corpos 3 FILOSOFIA (Kant) tudo o que é objecto de experiência possível, isto é, tudo o que aparece
no tempo e no espaço e que manifesta as relações determinadas pelas categorias; 4 acontecimento raro ou
extraordinário; 5 pessoa, animal ou objecto que são considerados fora do vulgar (Do gr. phainómenom, «coisa
que aparece», pelo lat. phaenomenom, «coisa que causa sensação»)

flanar v.intr. passear ociosamente, laurear; flainar (Do fr. flaner, «andar sem destino»

herói s.m 1 indivíduo que se destaca por um acto de extraodinária coragem, valentia, força de carácter, ou
outra qualidade considerada notável; 2 aquele que é admirado por qualquer motivo, constituindo o centro das
atenções; 3 CINEMA LITERATURA protagonista; 4 MITOLOGIA personagem nascida de um ser divino e outro
mortal (do gr.héros, «chefe», pelo lat.heroe-, «heroi, homem célebre»)

híbrido A adj. 1 BIOLOGIA (ser)proveniente do cruzamento de indivíduos de espécies distintas, ou também,


para alguns autores, de raças ou de variedades (subespécies) distintas;
2 GRAMÁTICA 1 (termo) formado por elementos de línguas diferentes; 3 que resulta da junção de coisas
diferentes B s.m. planta, animal ou palavra híbrida (Do gr. hybris, «injúria», pelo lat. hybrida-, «bastardo; híbrido)
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interactividade s.f.1 comunicação recíproca 2possibilidade de interacção entre indivíduos ou elementos de


um sistema; 3 INFORMÁTICA grau de intervenção do utilizador no sistema informático através da introdução de
dados e comandos (De inter-+actividade, ou do ing. interactive,«id.»)

interface s.f.1 dispositivo de ligação entre dois sistemas; 2 elemento de ligação de dois ou mais componentes
de um sistema; 3 INFORMÁTICA modalidade gráfica de apresentação dos dados e das funções de um programa
(De inter- + face, pelo ing. interface)

ilusão s.f. 1 crença ou ideia falsa; 2 erro de apreciação; 3 erro de percepção que consiste em fazer uma
interpretação visual dos factos que não coincide com a realidade; 4 fraude, logro (Do lat. illusione-, «id.»)

imerso adj. 1 mergulhado; imergido; 2 [fig.] absorto, concentrado (Do lat. immersu-, «id.», part.pass. de
immergere, «mergulhar; imergir»

hiperespaço s.m. MATEMÁTICA designação convencional de conjunto munido de estrutura semelhante à do


espaço ordinário (estrutura vectorial ou métrica) com número de dimensões superior a três (De hiper + espaço)

hiperficção s.f. INFORMÁTICA narrativa desenvolvida segundo uma estrutura de labirinto, assente na noção de
hipertexto, ou texto a tres dimensões no hiperespaço, em que a intervenção do leitor determina um percurso de
leitura único que não esgota a totalidade dos percursos possíveis no campo de leitura (Do ing. hyperfiction, «id.»)

labirinto s.m.1 estrutura composta por vários caminhos, interligados, tornando difícil encontrar a única saída;
dédalo; 2 edifício cujas divisões são tão confusamente dispostas que tornam dificíl a quem esteja dentro dele
encontrar a saída; 3 [fig.] confusaõ; enredo; 4 [fig.] enleio; situação embaraçosa 5 ANATOMIA conjunto das
cavidades que constituem o ouvido interno (vestíbulo, canais semicirculares e caracol 6 ANATOMIA região
superior do rim onde se localizam os corpúsculos e parte dos tubos uriníferos 7 LITERATURA composição
poética, frequente na literatura barroca, que pode ser lida em qualquer direcção 8 PSICOLOGIA dispositivo
experimental para estudar a aprendizagem e as suas condições (Do gr. labyrinyhos, «id.», pelo lat. labyrinthu-,
«id.»)

lazer s.m. vagar; ócio; descanso; repouso(do lat. licere, «ser permitido»)

lúdico adj. relativo a jogos ou divertimentos; recreativo (Do lat. ludicru-,«que diverte;recreativo»)

massificar v.tr. influenciar, orientar e uniformizar, através dos meios de comunicação destinados ao grande
público (mass media) no sentido que convenha, a conduta do maior número possível de indivíduos (De massa +
-ficar
-ficar)

mass media s.m.pl.conjunto de técnicas de difusão de mensagens (culturais, informativas ou


publicitárias)destinadas ao grande público, tais como a televisão, a rádio, a imprensa, o cartaz, meios de
comunicação social (Do ing. mass media)

palimpsesto s.m. 1 pergaminho cujo manuscrito os copistas medievais raspavam para sobre ele escreverem
de novo, mas do qual se tem conseguido, em parte, fazer reaparecer os carácteres primitivos 2 [fig.] texto que
existe sobre outro texto (Do gr. palimpsestos, «raspado de novo», pelo lat. palimpsestu-, «id.»)

palíndromo adj., s.m.palavra ou designativo da palavra, número ou frase cuja a leitura é a mesma, quer se faça
da esquerda para a direita, quer da direita para a esquerda; capicua (Do gr. palindromos, «que corre para trás»)

performance s.f 1 actuação; desempenho; 2 realização; 3 proeza; 4 (ARTES) manifestação artística assente
numa encenção que pode combinar dança, música, meios audiovisuais; 5 LINGUÍSTICA manifestação da
competência linguística de um falante (Do ing. performance, «id.»)

performer s.m. 1 executante; intérprete; 2 artista cuja actuação combina várias artes, como o teatro, a dança, a
música, etc. (Do ing. performer, «id.»)

realidade s.f. 1 qualidade do que é real; 2 o que existe de facto; 3 certeza; 4 veracidade; INFORMÁTICA ~virtual
realidade artificial que introduz o utilizador num espaço de três dimensões criado pelo computador(De real+i-+-
dade)
Errâncias pela Prática Lúdica Contemporânea 85

recrear A v.tr. 1 alegrar; 2 interessar e divertir; entreter; 3 causar prazer a


B v.refl. 1 brincar; folgar 2 divertir-se; 3 deleitar-se (Do lat. recreare, «id.»)

recriar v.tr. 1 tornar a criar; 2 reconstituir (Do lat. recreare, «fazer brotar de novo»)

representar A v.tr. 1 tornar presente; 2 patentear 3 revelar; 4 reproduzir a imagem de; 5 expor por escrito ou
verbalmente; 6 significar; 7 simbolizar; 8 ser procurado ou agente de; 9 pôr em cena; 10 fazer o papel de B v.intr.
1 dirigir uma petição; 2 desempenhar funções de actor C v.refl.1 apresentar-se; figurar-se; 2 imaginar-se (Do lat.
repraesentare, «id.»)

sensação s.f. 1 facto psicofisiológico provocado pela excitação de um orgão sensorial; 2 intuição sensível de
uma qualidade de um objecto; 3 interpretação, feita pelos orgãos nervosos do sistema central, de uma excitação
produzida pelo meio exterior; 4 grande impressão causada por acontecimento excepcional; 5 sensibilidade (Do
lat.med. sensatione-,«id.»)

show s.m.1 espetáculo; 2 [fig.,coloq] divertimento; 3 [fig.,coloq] atitude ou comportamento ostensivo; 4


[fig.,coloq] exibicionismo (Do ing.«mostrar;exibir;expor»)

simulação s.f. 1 acto ou efeito de simular; 2 fingimento; 3 disfarce; 4 diferença entre a vontade e a declaração,
estabelecida por acordo entre as partes; 5 manifestação voluntária, na maior parte dos casos com finalidade
utilitária, de perturbações que se assemelham mais ou menos aos sintomas de uma doença; 6 MATEMÁTICA
representação de um sistema ou de um processo por um modelo estatístico com que se trabalha, como se
tratasse desse sistema ou processo, para investigar os seus efeitos(Do lat. simulatione-, «id.»)

simulacro s.m. 1 imagem; 2 cópia ou reprodução imperfeita; 3 semelhança; 4 aparência sem realidade; 5 acção
simulada(Do lat. simulacru-,«id,»)

utopia s.f. 1. projecto de governo que, a ser exequível, asseguraria a felicidade geral; 2 projecto imaginário, irreal
(Do gr. oû, «não» + topos, «lugar», pelo lat. Utopîa-,
î «lugar que não existe»)
îa-,

virtual adj.2gén. 1 susceptível de se exercer ou realizar; possível 2 que existe em potência;potencial; 3


INFORMÁTICA simulado por programa(s) de computador;
4 FÍSICA diz-se, em óptica, das imagens sempre direitas, obtidas por reflexão (nos espelhos) ou por refracção
(nos dioptros), que não são formadas pelos raios reflectidos ou refractados(conforme os casos), mas pelos
respectivos prolongamentos, e que, por este motivo, não podem ser directamente projectadas (Do lat.escol.
virtuale-,«id»)

voyeur s.m.pessoa que sente prazer na observação, às escondidas, de cenas íntimas ou eróticas levadas a
efeito por outras pessoas (Do fr. Voyeur, «id.»)

voyeurismo s.m .PATOLOGIA tendência para observar, às escondidas, cenas íntimas ou eróticas levadas a efeito
por outras pessoas, com fim de obter prazer sexual (Do fr. voyeurisme)
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