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Mushoku Tensei: Jobless Reincarnation – Volume 1 – Capítulo 10

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Agora eu já tinha sete anos.

Minhas duas irmãzinhas, Norn e Aisha, estavam crescendo bem rápido. Elas
choravam quando faziam xixi, choravam quando faziam cocô, choravam
quando ficavam chateadas com alguma coisa e choravam quando não estavam
chateadas com nada. Choravam de noite, choravam de manhã e, quando ficava
de tarde, soltavam alguns lamentos particularmente cheios de energia.

Em pouco tempo, Paul e Zenith ficaram a ponto de um colapso nervoso em


conjunto. A única que se manteve calma foi Lilia.

— Veja! — disse ela, cuidando habilmente das duas garotas, conforme como
costumava fazer. — Agora sim, isso que é criar uma criança! As coisas com o
jovem Rudeus foram fáceis demais! Aquilo dificilmente poderia ser chamado de
uma verdadeira criação de filho!

No meu caso, eu já estava acostumado com bebês chorões, graças ao meu


irmão mais novo da minha antiga vida, por isso não fiquei tão incomodado. E,
não que queira me gabar, mas tinha experiência em cuidar de bebês – mais
uma vez, graças ao meu irmão – então trocava as fraldas bem rápido e ajudava
a lavar as roupas e com a limpeza. Paul me observava sempre, parecendo
bastante envergonhado de si mesmo. Assim como um japonês nascido antes da
Segunda Guerra Mundial, não sabia como fazer nada dentro de casa.

Claro, suas habilidades com a espada eram incríveis, e as pessoas da cidade o


estimavam, mas ele era um homem com apenas metade do que precisava para
ser um pai.

E esta já era sua segunda vez. Minha nossa.

Paul podia até ter agido como um lixo humano, mas uma coisa poderia dizer:
ele era bom com uma espada. Essas eram as suas habilidades:

Estilo Deus da Espada: Avançado.

Estilo Deus da Água: Avançado.

Estilo Deus do Norte: Avançado.


Sim. Avançado nas três escolas. Colocando isso de forma simples, era dito que
seriam necessários dez anos de dedicação exclusiva para alcançar o nível
Avançado de uma única escola. Comparando isso com o kendô, era algo
girando em torno do quarto ou quinto dan. O nível Intermediário estava entre o
primeiro e o terceiro, e era o nível em que alguém seria considerado um
cavaleiro de pleno direito. Para alcançar o nível Santo, seria necessária a
habilidade equivalente ao sexto dan ou até superior, mas isso não vem ao caso.

Resumindo, Paul possuía habilidades equivalentes a alguém que chegou ao


quarto dan em kendô, judô e karatê – e desistiu de tudo antes de finalizar seu
treinamento. Ele era um fracasso como adulto, mas em termo de força, era um
homem realmente durão. Além disso, para alguém de apenas vinte e poucos
anos, tinha uma experiência de combate real assustadora.

Essa experiência o tornou astuto e pragmático. Era algo intuitivo, então eu mal
conseguia entender metade das coisas sobre isso, mas podia dizer que ele era
um verdadeiro desafio. Nos meus dois anos de treinamento com Paul, sequer
havia saído do nível Iniciante. Talvez isso pudesse mudar após meu físico se
desenvolver em mais alguns anos, mas, por enquanto, não conseguia me ver o
derrotando. Mesmo se usasse toda minha sorte de feitiços e tentasse todos os
truques sujos que conseguisse, a vitória não parecia estar ao meu alcance.

Eu já tinha visto ele lutando com monstros antes.

Na verdade, era mais preciso dizer que Paul me deixou ver. Após receber
alguns relatos de que monstros apareceram, me arrastou para que pudesse dar
assistência à distância, me dizendo que “ver uma batalha é uma ótima
experiência”.

E vou ser bem sincero aqui: aquilo foi incrível pra caralho.

Paul enfrentou quatro monstros. Três eram o que chamamos de Cães de


Assalto, monstros do tipo canino que se moviam como Dobermanns adestrados.
O quarto era um monstro suíno bípede com quatro braços, conhecido como
Javali Exterminador. O javali apareceu de dentro da floresta com três cães
seguindo-o.

Paul lidou com todos sem grandes dificuldades, decapitando praticamente


todos com um único golpe.

E vou repetir: aquilo foi incrível pra caralho.

Seu estilo de luta tinha uma certa beleza – seguia um ritmo misterioso que
fazia o coração de qualquer um disparar, mas ainda deixava todos à vontade
enquanto assistiam. Não havia um jeito bom de explicar, mas se fosse para
resumir em uma palavra, diria que tinha carisma.

O estilo de luta de Paul esbanjava carisma. Ele ganhou a absoluta confiança de


todos os homens sob seu comando, conquistando o coração de Zenith e
despertando a luxúria de Lilia, e até mesmo alimentando as paixões da
Senhora Eto. Era o cara mais desejável de toda a vila.

Deixando o carisma de lado, fiquei grato por tê-lo por perto – por ter alguém
mais poderoso do que eu por perto. Se ele não estivesse ali, poderia acabar
crescendo e me tornando um punk arrogante. Ficaria convencido com minha
habilidade mágica e desafiaria alguns monstros para uma luta e, incapaz de
lidar com uma matilha de Cães de Assalto, acabaria sendo rasgado em
pedacinhos.

E se os monstros não fizessem isso, as pessoas fariam. Se deixasse minhas


habilidades subirem à cabeça, definitivamente acabaria comprando alguma
briga que não poderia vencer. Essa era uma história bem comum, e eu também
mereceria caso acontecesse.

Os espadachins deste mundo tinham habilidades além das quais eu estava


acostumado. Eles podiam correr em uma velocidade próxima a cinquenta
quilômetros por hora, e seus reflexos e capacidade de rastrear movimentos
eram bastante impressionantes. Graças à existência da magia de Cura, a morte
por lesões era algo que poderia ser evitado, então praticavam para matar os
inimigos com um único golpe. Em um mundo onde monstros existem, até que
fazia sentido que as pessoas fossem tão poderosas.

Ainda assim, mesmo Paul, sendo tão incrível, estava apenas no nível Avançado.
Havia muitas pessoas acima dele na estrutura de classificação oficial. E havia
indivíduos e monstros mundialmente famosos por aí, alguns que ele não
poderia derrotar, mesmo se tivesse ajuda.

Afinal, sempre existirá um peixe maior que o outro.

Fiquei grato por ele me ensinar a empunhar uma espada. Fora isso, porém,
não era um bom pai. Era mais como um medalhista de ouro olímpico que
também foi condenado por algum crime.

Um dia estava em minha prática de espadas com Paul, assim como sempre
costumava fazer. Mais uma vez poderia dizer que não o venceria naquele dia.
Eu provavelmente também não o venceria no dia seguinte. Ultimamente, não
sentia que estava melhorando. Ainda assim, se não fizesse nada,
definitivamente não iria melhorar.

Além disso, mesmo que não estivesse tendo aquela sensação de melhora, meu
corpo ainda estava internalizando a prática. Digo, tinha que estar, não?

Enquanto eu refletia sobre isso, Paul rompeu com o silêncio.

— A propósito, Rudy — disse, como se de repente estivesse lembrando de algo.


— Sobre a escola… — E então parou. — Não, você provavelmente não vai
precisar disso. Deixa para lá. Vamos voltar ao que estávamos fazendo. — E
então voltou a posicionar sua espada de treino, como se nada tivesse
acontecido.

Eu não deixaria isso de lado.

— Como assim, escola? — perguntei.

— Existe uma instituição educacional em Roa, na capital de Fittoa, onde


ensinam coisas como ler e escrever, aritmética, história, etiqueta e coisas do
tipo.

— Já ouvi falar sobre isso.

— Normalmente começam a frequentá-la com a sua idade, mas… será que você
precisa? Você já sabe ler, escrever e somar, não?

— Bem, sim.

Deixei todos pensarem que foi Roxy quem me ensinou aritmética. Com duas
novas garotinhas, a situação financeira em casa ficou bastante apertada e, com
Zenith constantemente sofrendo para calcular nossas contas, resolvi ajudar –
para o choque de todos. Parecia que haveria outro alvoroço com aquele papo
de eu ser um gênio, então soltei o nome de Roxy em algum momento para
evitar qualquer problema.

E, cara, se isso fizesse a estima por ela aumentar, melhor ainda.

— Mas ainda estou interessado em estudar — falei. — Lá vai ter um monte de


crianças da minha idade, não? Talvez eu consiga fazer alguns amigos.

Paul engoliu em seco, como se estivesse com um nó na garganta.

— Digo, aquele lugar não é tudo de bom. A etiqueta é só baboseira inútil,


aprender história não vai te ajudar em nada e você com certeza vai ser
intimidado. Um monte de pirralhos nobres com certeza estará lá, e ficam
irritadinhos sempre que não conseguem ser o número um. Com um garoto
como você por lá, provavelmente vão fazer uma quadrilha para pegar no seu
pé. Meu pai era um marquês e, como você tem uma posição ainda mais baixa
do que a minha, será visto como um simples ninguém.

O resumo de Paul pareceu até uma experiência pessoal. Ele fugiu de casa
porque ficou desgostoso com a rigidez de seu pai e com toda aquela nobreza
corrupta. Etiqueta e história eram algo inevitável para se aprender quando
sendo um nobre Asurano adequado, então ele devia ter achado que eram
matérias difíceis de suportar.

Uma inconfundível tensão preencheu o ar entre nós enquanto conversávamos.

— Sério? — perguntei. — Pensei que as mulheres nobres tinham filhas bonitas.

— Deixe-me impedi-lo aí mesmo. Filhas de nobres camuflam o rosto com


maquiagem, fazem penteados exagerados e cheiram a perfume. Digo, claro,
algumas praticam com a espada, mas a maior parte mantém o corpo escondido
sob espartilhos, e você não consegue ver a coisa real enquanto elas não tiram a
roupa. Seu pai foi enganado muitas vezes por causa disso. — Paul falou tudo
isso enquanto mantinha um olhar distante.

Ugh. E lá ia ele novamente. Que pedaço de merda.

— Então talvez eu não vá à escola — disse. Ainda havia muito que queria
ensinar para Sylphie, para começo de conversa. E teria que ser louco para
querer frequentar um lugar onde sabia que com certeza seria intimidado. Não
fui um recluso por quase vinte anos só por frescura.

— Bem dito — disse Paul. — Se você sentir vontade de estudar, pode se tornar
um aventureiro e desbravar alguns labirintos.

— Um aventureiro?

— Sim. Ir para labirintos é ótimo. As mulheres não usam maquiagem, então


você pode logo dizer se são bonitas ou não. E sejam espadachins, soldadas ou
magas, todas mantêm uma ótima forma.

Certo, deixando isso tudo de lado, com base no que li, os labirintos eram um
tipo de monstros por si só. Eles começavam como simples cavernas, mas eram
alterados pelo acúmulo de energia mágica, transformando-se em labirintos.

Na parte mais profunda deles havia um cristal mágico que poderia ser
considerado a fonte de energia, protegido por um chefão que seria o guardião.
O cristal mágico servia como isca, exalando sempre uma energia poderosa e
atrativa. Os monstros eram atraídos por ele e entravam no labirinto, onde eram
vítimas de armadilhas, morriam de fome ou eram mortos pelo chefão; e então o
lugar absorvia a essência mágica dos monstros mortos.

Entretanto, os labirintos recém-formados geralmente tinham seus cristais


mágicos devorados pelos monstros, ou acontecia de ele quebrar durante um
colapso da caverna. Ouvi que alguns tinham finais tão dramáticos que fazia
com que parecessem criaturas vivas.

Mas monstros não eram as únicas coisas atraídas por esses cristais mágicos.
Humanos também achavam eles tentadores. Os cristais poderiam ser usados
como catalisadores para determinados feitiços, e tinham um preço bastante
alto também. O preço subia dependendo do tamanho, mas mesmo um pequeno
renderia o bastante para alguém viver um ano inteiro levando uma vida fácil. E
enquanto esses cristais mágicos eram os únicos tesouros com os quais os
monstros se importavam, não era o mesmo caso para os humanos.

Com o passar do tempo, o equipamento que fora usado pelos monstros e


aventureiros devorados pelo labirinto seria imbuído de energia mágica. E
então tornavam-se um novo tipo de isca: itens mágicos.

Os itens mágicos não eram como os instrumentos mágicos, já que podiam ser
usados sem precisar da energia mágica do usuário. A maioria deles,
entretanto, não possuía habilidades úteis; quase todos tinham poderes que não
passavam de lixo. Ainda assim, havia uma chance de, no meio de tudo,
encontrar algo que daria ao usuário algo como habilidades de um mago de
nível Santo. Itens assim eram vendidos por uma fortuna e as pessoas se
enfiavam em labirintos sonhando com dinheiro fácil.

A maior parte morria antes de conquistar algo que prestasse, entretanto, suas
mortes alimentavam o labirinto, já que ele tomava suas essências mágicas e a
usava para crescer mais e mais. Era assim que os labirintos mais antigos
chegaram a ter suas partes mais profundas repletas de tesouros.

O labirinto mais antigo e profundo conhecido era chamado de Cova do Deus


Dragão, localizado aos pés do sagrado Monte Prantodrago, na cordilheira
Wyrm Vermelho. Pelo que li, já existia há pelo menos dez mil anos, e estimava-
se que possuía cerca de mil e quinhentos andares.

Pelo visto, aquela masmorra colossal estava conectada a um buraco no pico do


próprio Monte Prantodrago. Ao pular para dentro dele, presumivelmente
mergulharia até o andar mais profundo, mas ninguém que tentou isso
conseguiu retornar.

Aquele “buraco” não era uma cratera vulcânica ou coisa do tipo. O próprio
labirinto o criou para devorar dragões vermelhos; quando algum sobrevoava o
local, a Cova o sugava.

Não havia muitas provas para apoiar esse mito em particular. Mas não seria
algo surpreendente, já que a Cova era um monstro verdadeiramente ancestral.

Quanto aos labirintos mais desafiantes… havia o lugar apropriadamente


chamado de Inferno, localizado no Continente Divino, e a Caverna do Diabo,
que ficava no meio do Mar Ringus. Ambos eram brutalmente difíceis de se
chegar, o que significava que seria quase impossível conseguir mais
suprimentos após chegar nos locais. Dadas as enormes profundidades, e
também o fato de não haver tempo suficiente para exploração, acabaram
ganhando a reputação de serem os testes mais difíceis que um aventureiro
poderia enfrentar.

Essa era basicamente toda a extensão do meu conhecimento sobre esse tópico
no momento.

— Eu já li um pouco sobre labirintos…

— Ah. Os Três Espadachins e o Labirinto, né? Explorar uma masmorra lendária


como aquela é um bom meio para colocar seu nome nos livros de história. Já
pensou em fazer uma tentativa pessoalmente?

Os Três Espadachins e o Labirinto era o conto de três jovens guerreiros


brilhantes que viriam a ser conhecidos como Deus da Espada, Deus da Água e
Deus do Norte. O livro começava com o encontro inicial e os seguia através de
uma série de reviravoltas que os levaram a desafiar um enorme labirinto
juntos. Passaram por muitos confrontos, deram muitas risadas e criaram laços
ao longo do caminho, além de terem acontecido algumas despedidas dolorosas;
no final, naturalmente, alcançaram o objetivo e triunfaram.

O labirinto daquele livro só tinha cerca de cem andares, mas já era complicado
o bastante.

— Mas aquilo não é só uma história?

— Não. Dizem que os três grandes estilos que passamos ao longo das gerações
nasceram dentro daquele labirinto.

— Hmm, sério? Mas se aqueles caras eram espadachins de classe Divina, e


passaram por tantos problemas… acho que eu não duraria cinco minutos
naquele lugar.

— Ei, eu costumava entrar em labirintos o tempo todo, sabia? Você se sairia


bem.

Paul começou a contar a história de um jovem homem Oni que se uniu a um


grupo de guerreiros humanos para entrar em um labirinto repleto de homens-
peixe, e sua eventual vitória à custa da vida de vários camaradas.

Antes que eu tivesse tempo para processar isso, ele passou para a história de
um mago incompetente que acidentalmente caiu em um labirinto, juntou-se a
um grupo que perdeu o mago e descobriu seus talentos latentes enquanto
envolvido pelo calor da batalha.

Parecia que ele sempre esteve ansioso por essa conversa.

Parando para pensar nisso… Paul queria que eu fosse um espadachim, não é?
Acho que seu plano era me encher de histórias de aventura e deixar minha
cabeça lotada de sonhos com labirintos e de batalhas dramáticas.

Eu não diria que não tinha interesse, especialmente quando se tratando dos
labirintos. Mas, no geral, pareciam ser perigosos demais.

Por um lado, as pessoas daquele livro tinham a tendência de alcançar seus


objetivos de forma bem abrupta. Os três espadachins não eram os únicos
personagens, claro, mas foram os únicos sobreviventes da expedição.

Um de seus aliados foi queimado no meio de uma conversa, atingido por uma
bola de fogo que apareceu do nada. Outro caiu por um buraco no chão e
sumiu. Ah, e também houve aquele outro cara que foi cortado no meio na
mesma hora que colocou a cabeça para fora de seu esconderijo. Até guerreiros
fortes o bastante para derrotar monstros assustadores foram mortos por
armadilhas no instante em que se descuidaram um pouco.

Sendo os protagonistas e tudo o mais, os três heróis passaram dos obstáculos


ilesos, mas eu duvidava que um cara desajeitado feito eu pudesse lidar com
isso. Afinal de contas, eu era do tipo distraído.

— O que achou? Ir para aventuras parece ser bem divertido, não acha?

— Ah, você não deve estar falando sério.

Por que eu me colocaria em situações de alto risco, de propósito, só para ter


algumas emoções? Uma vida descontraída cercada de mulheres — assim como
a de Paul — parecia muito mais atrativa.

— Acho que estou mais inclinado a passar a vida correndo atrás de rabos de
saias.
— Oho. Acho que você realmente é meu filho!

— Sendo sincero, eu gostaria de construir um pequeno harém, assim como


meu querido pai.

— Sério? Mas é melhor pensar em perseguir uma saia de cada vez, pelo menos
por enquanto.

Paul apontou para trás, sorrindo. Eu me virei para ficar cara a cara com uma
Sylphie muito mal-humorada.

Que timing perfeito, seu idiota.

Recentemente passei muito tempo no meu quarto, com Sylphie, conduzindo-a


nos conceitos básicos de matemáticas e ciências. Parecia ser o modo mais fácil
de ajudá-la a entender como os feitiços silenciosos realmente funcionavam,
tudo detalhadamente.

Infelizmente, na minha outra vida, saí da escola após chegar ao ensino médio.
Embora tenha tecnicamente sido aprovado apenas para uma escola de idiotas,
eu desisti quase na mesma hora.

Assim sendo, havia um limite real para o quanto poderia ensinar. O


aprendizado baseado em livros não era tudo, claro…, mas eu estava
começando a ficar com raiva de mim mesmo por não ter levado meus estudos
mais a sério.

A essa altura, Sylphie já tinha dominado o básico da leitura e escrita, e


aprendera a lidar com multiplicação até mesmo de números de dois dígitos. A
tabela de horários era meio puxada, mas a garota claramente não era nenhuma
idiota. Provavelmente também aprenderia divisão muito em breve.

Eu também estava ensinando algumas ciências básicas, junto com a magia.

— Por que a água se transforma em… vapor quando é aquecida?

— Bom, a água já se dissolve naturalmente e vira ar, mas precisa de um pouco


de calor para isso. Então, quanto mais quente fica, mais rápido ela se dissolve.

Estávamos estudando o ciclo de evaporação, condensação e sublimação.

Pelo olhar no rosto de Sylphie, ficou claro que ela realmente não entendia o
que eu queria dizer. Ainda assim, provou que aprendia tudo muito rápido.
Provavelmente porque sempre prestava muita atenção e se esforçava ao
máximo.

— Uhm… Basicamente, qualquer coisa derrete se você esquentar o bastante,


certo? E se esfriar de novo, volta a ficar sólido.

Eu não era professor nem nada do tipo, então isso era o melhor que poderia
fazer.

Sylphie era mais inteligente do que eu, de qualquer forma. Ela provavelmente
tentaria algumas coisas por si só até que tudo começasse a fazer sentido.
Graças à magia, realmente não seriam necessárias ferramentas para a maioria
dos experimentos.

— Qualquer coisa pode derreter? Até coisas como pedras?

— Sim. Mas vai precisar de um calor bem intenso.

— Você pode derreter uma, Rudy?

— Claro. — Mas não é como se já tivesse tentado.

E mais, quando eu começava a me concentrar de verdade, agora poderia meio


que distinguir os diferentes elementos no ar ao meu redor. Provavelmente
poderia apenas bombear oxigênio e hidrogênio em uma rocha até que ela
derretesse.

Aliás, também existia um feitiço chamado Veio de Magma, que permitia criar
uma erupção espontânea de lava. Achei que devia ser uma mistura entre magia
da terra e de fogo, mas estava classificado como um feitiço de fogo de nível
Avançado.

Gostavam de dividir as coisas direitinho em disciplinas diferentes por aqui,


mas no final estava tudo inter-relacionado. E colocar mais poder mágico nos
feitiços não era a única maneira de torná-los mais fortes; manipular gases
combustíveis, por exemplo, poderia produzir calor intenso com muito mais
eficácia.

Eu já tinha descoberto esse tanto até agora. Mas não muito além disso.

Minha habilidade como mago não melhorou desde que Roxy partiu. Só acabei
encontrando algumas formas para combinar meus feitiços atuais, usá-los com
mais eficiência e aumentar seu poder fazendo alguns ajustes científicos.

À primeira vista, provavelmente parecia que eu estava ficando mais forte…


mas parecia que chegara a um beco sem saída. Dado meu nível de
conhecimento, talvez nunca conseguiria fazer algo mais desafiador do que
aquilo que já poderia.

Na minha outra vida, era fácil encontrar todo tipo de informação que precisava
na internet, mas não havia algo tão conveniente assim neste mundo.

Talvez realmente precisasse de alguém para me ensinar…

— Hmmm. Escola, hein…?

Roxy mencionara que as escolas mágicas tendiam a ter regras e padrões muito
rígidos, mas talvez eu pudesse encontrar um meio de entrar em uma.

— Você vai para uma escola, Rudy?

Pelo visto acabei pensando em voz alta. Sylphie virou-se para olhar para mim,
demonstrando uma expressão ansiosa no rosto.

O movimento deixou seus cabelos verde-esmeralda balançarem levemente. Ela


tinha deixado eles crescerem um pouco nos últimos tempos… provavelmente
porque eu continuava casualmente sugerindo para fazer isso, mais ou menos
uma vez por mês. No momento, estava bem curtinho, mas já dava para ver
alguns cachos reagindo a cada movimento de sua cabeça.

Logo chegaríamos ao ponto de poder amarrá-lo em um rabo de cavalo.

— Não, não estou. Meu pai disse que eu seria intimidado o tempo todo e que
não aprenderia nada.

— Mas você começou a agir meio estranho de novo…

Espera, sério?

Isso era novidade para mim. Estraguei tudo de novo? E estava me esforçando
tanto para atuar como alguém “totalmente distraído” quanto a tudo que estava
ao redor…

— Sou meio estranho desde que era um bebê, de acordo com meus pais.

Eu estava tentando usar isso como uma piada, mas Sylphie franziu a testa e
balançou a cabeça.

— Não é disso que estou falando. Parece que você anda meio triste.
Ah. Ufa.

Eu estava preocupado em ter feito algo para voltar a aborrecê-la, mas, pelo
visto, ela estava é preocupada comigo.

— Bem, recentemente não consegui fazer muito progresso, sabe? Não estou
melhorando nem com magia nem com espada.

— Mas você já é incrível, Rudy…

— Para a minha idade, talvez sim.

É verdade que provavelmente não existissem muitas crianças no meu nível


neste mundo. Mas, dito isso, eu ainda não havia conquistado nada.

Minha “habilidade” com magia era parcialmente graças às minhas lembranças


da vida anterior, e parte do meu avanço inicial com o lançamento de feitiços
silenciosos se devia a isso. Esses fatores me deram uma enorme vantagem
sobre a maioria das pessoas. Mas agora que cheguei a um impedimento, não
consegui encontrar nenhum caminho. O fato de ainda ter trinta e quatro anos
de vida desperdiçada também não era mais de muita ajuda.

Seria fácil me xingar por não ter estudado quando tive a chance, mas o que foi
feito, foi feito. E, claro, alguns fatos do meu velho mundo não seriam
necessariamente aplicados a este, de qualquer forma. Este lugar tinha seu
próprio conjunto de regras que eu precisava desvendar.

Não poderia confiar nas minhas velhas memórias para sempre.

Magia era a lei fundamental daqui. E para entender isso, precisaria


compreender este mundo.

— Ainda assim, acho que já está na hora de dar o próximo passo adiante, sabe?

Sylphie estava melhorando sua magia constantemente, e ficava mais esperta a


cada dia que se passava. Observar seu progresso estava começando a fazer eu
me sentir meio patético. Comparado a ela, não estava fazendo nada além de
ver o tempo passar.

No momento, eu ainda podia meio que me considerar o protagonista dessa


história, mas a menos que movesse meu traseiro arrogante, essa garota algum
dia me colocaria para comer poeira.

Franzindo o cenho, Sylphie me pressionou ainda mais.


— Você vai a algum lugar?

— Bem, talvez — respondi. — Meu Pai disse que eu deveria tentar explorar
alguns labirintos, e não há muito que eu possa fazer aqui na vila…
provavelmente vou acabar indo para uma escola ou vou fazer algumas coisas
de aventureiros, acho.

Falei bem casualmente, sem nem pensar muito. Mas, por alguma razão…

— N-não! — gritou Sylphie, jogando os braços ao meu redor.

Oho. O que é isso, hein? Chegou a hora de uma cena de confissão?!

Mas, enquanto esse pensamento corria por minha mente, percebi que ela
estava tremendo.

— Uh… Sylphiette?

— Não… Não… Não!

A garota estava me apertando com tanta força que ficou difícil até respirar.
Não tendo certeza de como reagir, fiquei em silêncio por um momento.

— Não… Não vá, Rudy! Hic… Waaaaaah!

Pelo visto, tendo interpretado tudo de modo negativo, Sylphie começou a


chorar. Seus ombrinhos estremeceram, e ela enterrou o rosto no meu peito.

Hein? Sério? O que está havendo aqui?

Por um momento ficou claro que ela precisava ser consolada, então acariciei
sua cabeça e esfreguei suas costas. Depois coloquei meus braços em volta de
Sylphie.

Quando enterrei meu rosto no cabelo dela, descobri que o cheiro era muito
bom.

Será que posso… ficar com ela? Por favor?

— Hic… Por favor, Rudy.. Não… Não vá embora…

Opa. Larga dessa, seu estúpido.

— C-certo…
Parando para pensar, até que fazia sentido, sério.

Por um tempo, Sylphie começou a vir para a nossa casa em quase todas as
manhãs. Ela ficava feliz ao me ver praticando com a espada, e depois
passávamos para seus estudos e para a magia.

Se eu simplesmente partisse, toda a rotina diária dela desapareceria e ela


voltaria a ficar sozinha. Agora poderia até afastar os valentões com sua magia,
mas não era como se tivesse feito outros amigos.

Quanto mais eu pensava nisso, mais carinho demonstrava. Eu era o único com
quem Sylphie se importava tão profundamente. Ela era minha, só minha e de
mais ninguém.

— Eu entendi a mensagem, tá bom? Não vou a lugar nenhum.

Como poderia pensar em deixar uma doce garotinha dessas de lado e sair
vagando pelos lugares? E para fazer o quê? Melhorar minha magia?

Que se dane tudo isso. Eu já podia conjurar feitiços de nível Avançado e Santo.
Isso seria o suficiente para ganhar a vida como tutor, assim como Roxy. Então,
por que não poderia ficar com Sylphiette até termos idade suficiente para
sobreviver por conta própria?

Isso soou muito bom para mim.

Nós cresceríamos juntos… e ela se tornaria minha mulher perfeita.

Merda! Não. Não. Pensamentos ruins. Pensamentos ruins. O que aconteceu


com toda aquela coisa sobre ser um amigo “distraído”, hein, parceiro? Você
está fora de si. Mas, ainda assim… no livro de regras não há nada que diga que
um protagonista distraído não possa construir um romance com sua amiga de
infância, não é?

Gah! No que é que estou pensando?!

A menina só tinha seis anos de idade. Claramente gostava muito de mim, mas
ainda não sabia o que era um romance.

Então, uh… é. Vamos deixar isso em modo de espera.

E se nós acabássemos nos separando? Seu medidor de afeição estava no


máximo por enquanto, mas não havia qualquer garantia de que continuaria
assim para sempre. Eu poderia suportar mesmo se ele caísse para zero?
Não. De forma alguma! Sério, ela é tão macia, quente e fofinha! E cheira tão
bem!

E está me mostrando sua alma agora mesmo, devo só ficar sentado aqui com a
boca aberta?! Mas que bobeira! Nós dois sabemos como nos sentimos, então
devíamos confessar! Por que deveria me forçar a perder uma chance dessas?
Por que só não admito que fiz uma jogada errada?!

Isso mesmo. Já decidi!

Eu… eu não consigo mais ser um distraído, Sylphieeeee!

— Ei, Rudy… carta para você.

Nesse momento, Paul entrou no quarto, me tirando à força do meu mundinho –


e não foi em um momento ruim. Assustado, me afastei de Sylphie.

Meu querido pai provavelmente merecia alguma gratidão por isso. Estive a
dois passos de fazer uma confissão bem patética.

Ainda assim, a resistência de um homem possui seus limites. Consegui resistir


a esta tempestade, mas não havia como dizer o que viria a acontecer da
próxima vez.

A carta que recebi naquele dia, por acaso, era de Roxy.

Querido Rudeus,

Como vai você?

É difícil de acreditar, mas suponho que já passaram dois anos desde que nos
separamos.

As coisas finalmente ficaram um pouco calmas por aqui, então pensei em


aproveitar a oportunidade para escrever para você.

No momento estou na capital real do Reino de Shirone. Estou explorando


vários labirintos, e parece que acabei criando certo renome, então acabei
sendo contratada para ser a tutora de um certo príncipe.

Educar ele me traz de volta memórias de todo o tempo que passei na casa dos
Greyrat. Por um lado, o príncipe é realmente muito parecido com o jovem que
ensinei aí. Embora não seja tão talentoso quanto você, é um garoto perspicaz e
também um jovem mago em ascensão. Lamentavelmente, também é propenso
a roubar minhas calcinhas e me espiar enquanto estou me trocando, assim
como certo alguém. A personalidade dele é meio pomposa, e é
consideravelmente mais enérgico, mas no geral, seus padrões de
comportamento são bem semelhantes. Talvez homens ambiciosos sejam todos
bestas loucas por sexo, não?

Hmm. Talvez eu não devesse ter escrito isso. Se alguém lesse poderia me jogar
em algum calabouço por manchar a honra da família real.

Mas só preciso abrir um caminho se isso acontecer. Não é como se eu quisesse


dizer essas coisas de maneira ruim, sério.

De qualquer forma, parece que a corte real planeja me nomear como “maga da
corte” enquanto eu estiver aqui. Ainda há muita pesquisa mágica que anseio
por fazer, e isso deve servir perfeitamente para isso.

Ah, isso me lembra de uma coisa – finalmente consegui pegar o jeito para
lançar feitiços de água no nível Real. A biblioteca real daqui tinha alguns livros
com um conteúdo bastante útil.

Quando dominei a magia de nível Santo pela primeira vez, achei que era o
melhor que seria capaz de fazer, mas parece que um bom tanto de esforço
ainda foi de grande ajuda.

Não ficaria surpresa se você já estiver lançando feitiços de nível Imperial,


Rudeus. Ou talvez você tenha ampliado seus horizontes e alcançado o nível
Santo em outras escolas, não é? Sei quão voraz é sua sede por conhecimento, e
evidentemente também pude ver seu interesse por Cura e Invocação.

Então, novamente, talvez você tenha optado por se concentrar no caminho da


espada. Seria um pouco decepcionante, para ser honesta, mas tenho certeza
de que você deixará sua marca no mundo, seja lá como for. Pessoalmente,
pretendo me tornar uma maga de água do nível Divino.

Como mencionei antes… se você acabar se deparando em um beco sem saída


enquanto estuda magia, vá para a Universidade de Magia de Ranoa. Você
precisará passar para um teste de admissão caso não tenha uma carta de
recomendação, mas acho que isso não deve ser nenhum obstáculo para você.

Bem, nos vemos uma hora dessas.

Roxy

P.S. É bem possível que eu já tenha deixado a corte real quando sua resposta
chegar, então não precisa responder.

Nossa, caramba. Mas que hora ideal.

Levou um momento para encontrar o Reino de Shirone no mapa. Era um país


pequeno na parte sudeste do continente central.

Não ficava tão longe em linha reta, mas a cordilheira no meio do caminho
estava infestada de dragões vermelhos, tornando-a totalmente intransitável.
Seria necessário percorrer o caminho mais longo, pelo sul, para chegar lá.

Resumindo, Shirone era uma terra distante.

E quanto a Ranoa, lar daquela universidade de magia… precisaria dar uma


enorme volta pelo noroeste para chegar até lá

— Hmm…

Agora eu pelo menos sabia por que Roxy nunca me disse nada sobre magias
acima do nível Real. Ela não conhecia nenhum feitiço mais avançado naquele
momento.

Decidi escrever uma resposta bem breve à carta, que foi um tanto vaga. Não
havia necessidade de explicar a triste verdade sobre a minha atual situação. A
garota parecia já me ver como um tipo de gênio, e eu não queria decepcioná-la.

Enfim… a Universidade de Magia de Ranoa, hein?

Roxy sempre fazia aquele lugar parecer incrível. Mas não era lá muito perto de
casa, e eu não poderia simplesmente abandonar Sylphie.

O que faço?

Bem, no momento terminei de escrever a carta, parei, e depois adicionei uma


nota.

P.S. Desculpe por roubar suas calcinhas.

No dia seguinte, esperei até que minha família estivesse reunida à mesa de
jantar e depois fiz meu movimento.

— Pai, posso fazer um pedido egoísta?


— Sem chances.

E fui abatido no mesmo instante.

Felizmente sua resposta apenas o rendeu um bom tapa na cabeça, dado por
Zenith, que estava sentada ao seu lado, e um chute de Lilia, que estava
sentada do outro lado.

Desde que aconteceu toda aquela bagunça a respeito da gravidez, Lilia


começou a se juntar a nós na mesa de jantar, em vez de apenas esperar, assim
como uma empregada. Parecia que agora oficialmente fazia parte da família.

Poligamia… era permitida neste país?

Ah, bem, isso não é problema meu!

— Apenas diga ao seu pai o que você quer, Rudy. Ele fará o que você pedir —
disse Zenith, com um olhar de canto de olho na direção de Paul – que estava
segurando a cabeça com as duas mãos.

— O jovem mestre nunca pediu muita coisa. É uma oportunidade de ouro para
mostrar alguma dignidade paterna, Mestre Paul — disse Lilia em apoio.

Depois de se arrumar na cadeira, Paul cruzou os braços e levantou o queixo


imperiosamente.

— Olha, o garoto quer algo tão fora da casinha que pediu até permissão só
para tocar no assunto. Seja lá o que for, é bem provável que seja impossível.

Esse comentário rendeu-lhe mais dois golpes que quase o jogaram debaixo da
mesa. Era só a mesma palhaçada da nossa rotina familiar.

Certo, vamos direto ao ponto.

— O problema é que recentemente cheguei a um beco sem saída em meus


estudos sobre magia. E, por isso, quero frequentar a Universidade de Magia de
Ranoa…

— Hã?

— Mas quando mencionei isso para Sylphie, ela começou a chorar e pediu para
eu não deixá-la.

— Ah, mas que destruidor de corações! De quem você herdou isso, hein? — E
mais uma vez ele levou dois daqueles golpes, claro.
— A solução ideal seria nós irmos juntos, mas a família de Sylphie não é tão
bem de vida quanto a nossa. Eu queria perguntar se você não poderia pagar
para nós dois.

Apoiando os cotovelos na mesa, Paul me lançou um olhar penetrante que me


lembrou um certo comandante que usa óculos. Seus olhos estavam
mortalmente sérios – do mesmo jeito que ficava quando pegava em uma
espada.

— Bem, a resposta é não.

E, mais uma vez, ele foi parar no chão. Mas dessa vez foi só teatrinho, Zenith e
Lilia não fizeram nada.

— Tenho três razões. Primeiro, você ainda está no meio do seu treinamento
com a espada. Se desistir agora, será um amador para sempre, sem qualquer
esperança de melhoria. Como seu professor, não posso permitir isso. Segundo,
o dinheiro seria um problema. Provavelmente poderíamos pagar para você,
mas não para Sylphie. Escolas de magia não são exatamente baratas, e não é
como se tivéssemos uma árvore mágica que dá dinheiro. Terceiro, você só tem
sete anos. É um garoto inteligente, mas ainda há muito que não sabe e não tem
nenhuma experiência com o mundo real. Seria impossível te enviar para lá
agora.

A recusa de Paul não me surpreendeu nem um pouco.

Entretanto, não iria desistir. Ao contrário de antes, ele fundamentou sua


negação com três pontos racionais e bem definidos. Isso significava que, se eu
cuidasse dos três problemas, poderia conseguir sua permissão.

Não havia necessidade para pressa. Eu nunca esperei que as coisas


acontecessem do dia para a noite, de qualquer maneira.

— Entendo, Pai. Vou continuar treinando com você, claro… mas posso
perguntar quantos anos acha que preciso ter para que isso não seja mais um
problema?

— Vejamos… quinze? Não, digamos que doze. Ao menos isso.

Doze? Hmm. Quinze era a idade em que as crianças chegavam à maioridade


neste país, lembrei.

— Posso perguntar por que escolheu especificamente os doze anos?

— Essa é a idade que eu tinha quando saí de casa.


— Ah. Certo.

Isso não parecia ser algo em que Paul estava disposto a ceder. Não adiantaria
discutir sobre isso ou tentar atar suas mãos.

— Bem, então, mais uma coisa.

— Diga.

— Pode me ajudar a encontrar um emprego? Eu sei ler, escrever e fazer


aritmética, então posso ser um tutor decente. Também não me importaria de
trabalhar como mago. Aceitarei o que pagar melhor.

— Você quer um emprego? Por quê? — perguntou Paul, apertando os olhos.

— Quero pagar as despesas com o ensino de Sylphie por ela.

— Não acho que seja do interesse dela que você faça isso.

— Talvez não. Entretanto, acho que é de meu interesse.


O cômodo ficou em completo silêncio por um breve momento. Eu tive que lutar
contra a vontade de me contorcer sem jeito na minha cadeira.

— Entendo. Então é isso, hein?

No final, Paul balançou a cabeça para si mesmo, pelo visto convencido de…
algo.

— Certo, tudo bem. Nesse caso, vou analisar algumas opções para você.

Enquanto os rostos de Zenith e Lilia demonstraram clara preocupação, o olhar


de Paul me disse que eu poderia confiar em sua palavra.

— Muito obrigado — disse, abaixando a cabeça em gratidão enquanto toda


minha família retomava a refeição.

Ponto de vista do Paul

Bem, não posso mentir falando que esperava por isso.

Eu sabia que meu filho estava crescendo muito rápido, mas a maioria das
crianças não começaria a falar igual a ele antes dos quatorze ou quinze anos,
no mínimo. Até eu não tinha chegado nesse ponto antes dos onze, que foi
quando alcancei o nível Avançado do Estilo Deus da Espada. E algumas
pessoas nunca chegavam a isso.

Como falavam mesmo? “Não corra com sua vida, ou ela acabará antes que
você perceba.” Há muito tempo um certo guerreiro me disse isso. Naquela
época só revirei os olhos. Do jeito que eu via, todo mundo estava tentando
seguir com as coisas devagar demais. Qualquer humano tem um prazo de
tempo limitado no qual pode realizar as coisas, mas ninguém parecia ter
qualquer senso de urgência.

Eu queria fazer tudo o que pudesse assim que tivesse a chance. E se alguém
me criticasse após algo, bem, eu daria um jeito em tudo.

É claro que, graças a “fazer” tudo o que queria, acabei me deparando com uma
esposa grávida em minhas mãos. Acabei saindo do negócio de aventureiros e
me apoiei nas conexões de meus parentes com status elevado para conseguir
um emprego estável como cavaleiro.

Entretanto, por enquanto posso deixar essas coisas de lado. A questão é que
Rudeus estava levando as coisas em um ritmo muito mais rápido que o meu. O
garoto estava correndo tão rápido que me deixou até um pouco nervoso só em
imaginar sua partida.

Tenho certeza de que os adultos ao meu redor pensaram coisas parecidas


quando eu era jovem. Porém, havia uma grande diferença: Rudeus estava
realmente planejando tudo com antecedência, em vez de vagar aleatoriamente
conforme eu costumava fazer. Tenho que assumir que ele herdou isso da
personalidade de Zenith.

Ainda assim, acho que ainda preciso mantê-lo por perto por algum tempo.

Com isso em mente, comecei a escrever uma carta.

Assim como Laws esteve me dizendo outro dia, Sylphie claramente estava
bastante apegada a Rudeus. Da perspectiva dela, ele era seu cavalheiro da
armadura brilhante que a salvou de uma infância miserável, e também o irmão
mais velho onisciente que poderia sanar todas suas dúvidas.

Ela evidentemente o admirava. Recentemente, parecia estar começando até a


ter uma quedinha por ele

Laws, por sua vez, me disse que achava que em algum momento os dois
acabariam sendo esmagados. Na época, fiquei bastante feliz com a perspectiva
de ter mais uma filha fofinha daquelas na minha família… mas depois de ouvir
a proposta de Rudeus, tive que reconsiderar.

No momento, a garota estava basicamente segura em suas mãos. Se os dois


continuassem crescendo juntos, Sylphie ficaria permanentemente sob o
domínio dele. Mesmo quando adulta. Já vi alguns casos assim quando ainda era
da “nobreza”. Vi seres humanos que não passavam de fantoches,
completamente controlados pelos pais.

Essa vida não é tão ruim para o cara que está puxando os fiozinhos, pensei.
Enquanto Rudeus continuasse amando Sylphie, é provável que ficaria tudo
bem. Infelizmente, o garoto também tinha o sangue do pai. Resumindo, era um
mulherengo nato. Havia uma boa chance de sair correndo atrás de qualquer
rabo de saia que chamasse sua atenção.

Uma chance? Nah. O garoto era meu filho. Ele definitivamente faria isso. E
quando a poeira baixasse, poderia acabar não escolhendo Sylphie.

Ela nunca se recuperaria disso. Nunca.

Meu filho poderia muito bem acabar arruinando a vida daquela doce criança.
Não podia permitir que isso acontecesse. Isso com certeza também não era do
interesse dele.

Então, escrevi uma carta. Esperava receber a resposta que queria.

Dito isso… como convenceria aquele garoto com lábia de sobra a concordar
com essa ideia?

Hmm. Talvez isso exija uma abordagem forçada.

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