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As faces do Capitão: de General a Cavaleiro da Esperança.


Gilson Moura Henrique Junior
Mestrando PPGH – UFPel.
E-mail: gilsonmhjr@gmail.com

Resumo
A trajetória das representações de Luiz Carlos Prestes em imagens produzem uma linha distinguível de
transformações que passeiam pelas mudanças técnicas e conjunturais pelas quais ele passou e participou. Estas
transformações trazem em si também elementos de permanência de processos de longa duração e suas
renovações, assim como novidades que se adéquam a demandas conjunturais de união da imagem com agências
de discursos específicos.
O artigo pretende recolher indícios e debater possibilidades de investigação das representações de Prestes de
forma pictográfica de fotográfica tentando assim contribuir para ampliar os horizontes da investigação em torno
desta importante figura pública da República no século XX.
Palavras chaves: Prestes; pictografia, fotografia, imagens.

Introdução

O que é uma imagem?


A produção de uma imagem se dá por vários caminhos, pela descrição textual de uma
figura, objeto ou pessoa, pela construção iconográfica e imagética, pela produção de uma
representação gráfica visualmente perceptível de um determinado objeto ou pessoa?
Quais os caminhos necessários para compreender como uma imagem se constrói e
como se organizam as trajetórias de iconografias de figuras públicas?
Categorias como trajetória cabem na produção de uma análise a respeito da produção
de imagens e suas representações possíveis? É possível identificar linhas de discurso nas
imagens?
São várias as perguntas possíveis e este artigo não pretende respondê-las, mas indicar
caminhos possíveis a partir de uma busca de genealogia das representações de Luiz Carlos
Prestes, da construção imagética do rosto do capitão que foi figura pública de renome durante,
pelo menos, a metade do século XX e ícone de rebeldia, de sua participação no movimento
tenentista até sua trajetória como ícone do comunismo brasileiro.
Se pretende aqui identificar caminhos possíveis de análise da produção da imagem
de Prestes e das relações políticas conduzidas em torno dela, a partir do estudo de caso das
representações de Prestes produzidas pelo jornal A Federação, produzindo uma construção
escrita da imagem, até análises da representação gráfica do Capitão em capas de livro,
cartazes e folhetos, passando pelas transformações de Prestes de ícone barbado da rebeldia a
figura identificável como intelectual comunista em seu terno bem aprumado e sua
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participação responsável na política, avesso à barba, identificado com a disciplina diária do


militante urbano.
As pistas que se pretende seguir serão as formas pelos quais o papel do texto para a
formação da imagem, a técnica e sua historicidade, o uso da imagem para propaganda e
agitação pelas correntes ideológicas, serão meios de identificar um quadro verossímil
detalhado das representações de Prestes no recorte temporal escolhido (GINZBURG, 1989,
p.170).
Como Luiz Carlos Prestes se tornou o “Cavaleiro da Esperança” (AMADO, 2002) e
qual a imagem que representa este epíteto?
Como é possível que uma imagem reproduza símbolos diferentes e traduzam
tradições possivelmente em conflito e um elemento simbólico de uma linha se organize como
parte de outra linha possível de simbologia (GINZBURG, 2001, p.100)?
Como o “Cavaleiro da Esperança” trazia elementos simbólicos ligados à Revolução
Francesa (REIS, 2014, p.109) e como esse rosto vinculado ao mito permaneceu inclusive
sendo parte de altares junto à nossa senhora nos anos 1980 (PRESTES, 1989, p.340)?
São perguntas como estas que guiam o texto e se pretendem ser a linha mestra do
apontamento de respostas que tentam indicar como as imagens alimentam uma percepção e
uma permissão de visibilidade de outros elementos incutidos e que até as fazem remeter a eles
(CHARTIER, 2002, p.21).
Os caminhos que se pretendem seguir são os que permitem que os riscos das
hipóteses apontem caminhos (DAVIS, 1987, p.21).
A ideia é estabelecer como meio de investigação um padrão de microanálise das
trajetórias das imagens e de suas mudanças que contemplem uma escala com máximo
detalhamento dos fenômenos de forma a entender as diversas formas de organização do objeto
sob o ponto de vista técnico e teórico (LEVI, 2015, p.247).
O sentido teórico de forma que se perceba as diferentes formas de qualificação das
imagens das mais diversas formas possíveis identificáveis a partir das fontes (GINZBURG,
2012, p.130).
O sentido técnico de forma a se produzir análises a partir das diferentes formas de
representação imagética sob o ponto de vista das diferentes formas de desenhar, das cores
usadas, das técnicas historicamente disponíveis e as opções de uso desta ou daquela forma
técnica (GINZBURG, 1989, p.85).
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Se pretende analisar a imagem enquanto ideia que busca uma emoção e que tenta nos
colocar diante do domínio a partir de elementos criados pós nós mesmos e que nos permita
iniciar a crítica da imagem e das linguagens, inclusive as inseridas nas imagens, na política
(GINZBURG, 2014, p.6).
Quais os ecos as imagens ecoam? (GINZBURG, 2014, p.51).

As faces de Prestes: de Capitão a Cavaleiro da Esperança.

Como se produziram as faces do Capitão? Quais os elementos conjunturais que


organizaram a iconografia de Prestes no contexto da coluna Preste se que se alteraram depois?
É preciso para tentar iniciar um processo de resposta a estas perguntas tentar
estabelecer os parâmetros que organizaram as operações simbólicas que ao fim e ao cabo
produziram as imagens de Prestes.
É possível entender que, tal qual Jacques-Louis David em sua produção da pintura
que retrata Marat, revolucionário francês participante da Revolução Francesa, se usou
referências à iconografia cristã para representar Prestes, assim como David, partidário de
Robespierre e sua construção da política também sob o aspecto religioso, o fez ao pintar
Marat (GINZBURG, 2014, p.38). Especialmente se identificarmos a Prestes a referência a
Tiradentes e sua relação com Jesus Cristo (BALLAROTTI, 2009).
Para seguir este caminho seria fundamental relacionar este tipo de estratégia de uso
de iconografia religiosa para fins políticos com as ações realizadas pela igreja positivista no
Brasil e suas estratégias fora dos templos de ações religiosas com fins políticos (LEAL,
2006).
A inspiração rousseauniana nas ações que utilizam elementos simbólicos para fins
políticos, que entre seus dogmas de exaltação da “religião civil” está a “santidade do social e
de suas leis”(GINZBURG, 2014, p.38), é, no mínimo, um elemento que exige profunda
investigação a partir dos indícios que se organizam e rompem com a opacidade do fenômeno
(GINZBURG, 1989, p.177).
Estes elementos se fazem presentes na iconografia produzida a partir de Luiz Carlos
Prestes, porém, o elemento central foi a identificação das mudanças técnicas que remetem a
uma perspectiva da historicidade da técnica (GINZBURG, 1989).
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Para iniciar esta investigação, ou a pontuação de suas possibilidades, primeiro


tentaremos organizar a percepção nas próprias imagens de representação de Prestes nos idos
dos anos 1920 para depois compará-las com as imagens posteriores, já a partir do retorno de
Prestes ao Brasil depois de estada em Moscou e que se tornaram a nova representação
iconográfica do Cavaleiro da Esperança.
As imagens de Prestes usadas nos anos 1920/1930, especialmente depois da Coluna
Prestes, utilizam, com técnicas diferentes, a representação de Prestes como revolucionário,
portador da rebeldia, identificado pela sua espessa barba que “recordam certas figuras de
revolucionários russos” (A FEDERAÇÃO, 16 de fevereiro de 1929, p.6).A presença da barba
era tão importante que o jornal A Federação noticiou quando Prestes a raspou (A
FEDERAÇÃO, 16 de fevereiro de 1929, p.6).
A ausência dela em dado momento em que as representações de Prestes ganham
corpo é algo identificável e que exige uma análise mais aprofundada.

As barbas do capitão

Figura 1: Cartaz comemorativo


coluna prestes Disponível em
<http://netleland.net/hsampa/ep
opeia1932/Tenentismo_arquivo
s/image001.jpg>. Acesso em
15/06/2018.
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As imagens que referenciam Prestes como um homem barbado com um lenço no


pescoço são muitas e podem ser entendidas como uma busca de manter a mística do Cavaleiro
da Esperança como elemento duradouro, em especial logo imediatamente depois do périplo da
Coluna Prestes ter seu fim e o colocando como figura pública de enorme popularidade.
Mas o fundamental é entender o processo de construção da recepção a partir da
própria imagem, da sua “voz” (MITCHELL, 2015, p.166).
Na imagem de Prestes no cartaz comemorativo do aniversário da colina Prestes
lançado pela Aliança Nacional Libertadora em 1929 é preciso identificar corretamente os
elementos simbólicos presentes.
Prestes está centrado no mapa do Brasil, com rosto imperativo, portando a barba que
o identifica como revolucionário, o lenço no pescoço, o ar sério, dividindo a palavra “Brasil”
e tomando o corpo inteiro do mapa do país.
O ar grave o posiciona como quem exige uma postura de quem o vê, uma postura
que sequer precisava do reforço “O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever” na base
do cartaz, impossível não identificar a similaridade do cartaz com os cartazes de Lorde
Kitchener convocando os britânicos e o do Tim Sam convocando os estadunidenses para a
primeira guerra mundial(GINZBURG, 2014, p.61-100).
A imagem, assim como a de Lorde Kitchener, revela um soldado duro, implacável,
um organizador militar hábil(GINZBURG, 2014, p.64), e é a face de uma máquina militar de
propaganda que inaugura um novo tipo de linguagem visual, com a exigência de um rosto
(GINZBURG, 2014, p.66), exigência que aqui se repete, pondo Prestes no lugar de Kitchener.
As operações simbólicas envolvidas são similares, mas é impossível detectar
concretamente o quanto é possível mensurar da adesão de membros à Aliança Nacional
Libertadora como o cartaz de alistamento com Kitchener produziu na primeira guerra, mas
não é incoerente identificar em ambos os processos a prevalência do representado sobre o real
(GINZBURG, 2014, p.67).
A permanência foi tal que a face barbada do Capitão, tornado general pela
representação, o fez permanecer vivo enquanto símbolo em lares goianos na década de 1980,
alvo de louvor religioso (PRESTES, 1989, p.340).
Um rosto que simbolizava uma presença em votações durante o período da Coluna
Prestes em especial no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul (REIS, 2014, p.111), recebendo
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votos ao senado (A FEDERAÇÃO, 24 de fevereiro de 1927, p.2) e vice-presidente (A


FEDERAÇÃO, 26 de novembro de 1927, p.2), por exemplo.
Não que o processo fosse isolado e não parte de uma tentativa de luta de
representações que identificavam em Prestes uma figura pública capaz de disputar o espaço
simbólico da resistência ao status quo da Primeira República, a ponto de Izidoro Dias Lopes o
identificar já nos idos de 1927 como “Cavaleiro da Esperança”, epíteto inspirado na figura do
Lazare Roche da Revolução Francesa(REIS, 2014, p.109). A tentativa de capturar a rebeldia
de Prestes ocorria a partir de diversas forças, entre elas o Partido Comunista do Brasil, cujo
jornal o entrevistou via Astrojildo Pereira, membro do comitê central do Partido em dezembro
de 1927, entrevista cuja publicação em janeiro de 1928 teve imensa repercussão (REIS, 2014,
p.114).
A questão é que o processo de representação textual e de imposição da presença com
fins de ocupação de espaço simbólico possui um alcance que não condensa tantos simbolismo
quanto o processo de representação imagética em curso.
A barba, a tão importante barba, a representação barbada, era tão fundamental que
levou A Federação a noticiar quando Prestes a raspa, já no processo de aproximação com o
PCB e às vésperas de sua ida à URSS, não à toa a referência na mesma matéria que noticia a
raspagem da barba aos rebeldes russos (A FEDERAÇÃO, 16 de fevereiro de 1929, p.6).
Mas o que a imagem diz? Que elementos ela organiza na percepção de quem a vê, o
que ela, enquanto imagem, livre da imposição de significados que a geraram busca mostrar a
partir de sua produção técnica, da composição de enquadramento, do posicionamento do rosto
do General Prestes no mapa do Brasil, dos olhos de Prestes focados à frente, imperativos?
A barba de Prestes, assim como os olhos de Kitchener (GINZBURG, 2014, p.66), é
tão fundamental que aparece na imagem reforçada, como se gravada a carvão, enfática,
tornando-se como se uma rima gráfica junto ao poder dos olhos e das mensagens escritas.
Assim como os olhos de Kitchener, as barbas de Prestes suplantam a imagem, aparecem em
jornais, em biografias, possuem um elemento vívido de representação.
A postura de Prestes na imagem é um resultado da força da imagem de Lorde
Kitchener, que não só ampliou o alistamento militar para a primeira guerra mundial na Grã-
Bretanha como inspirou imitações e adaptações na Itália, Hungria, Alemanha, União Soviética
e Estados Unidos (GINZBURG, 2014, p.69).
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O resultado do cartaz e sua inspiração introjetou valores e um comando cuja energia


social precisava de uma resposta que identificasse como ela atuava (GINZBURG, 2014,
p.69).

Figura 2: Alfred Leete, “Faça parte do exército do seu


país”, cartaz derecrutamento com o retrato de Lord
Kitchener, Reino Unido, 1914. (GINZBURG, 2014, p.62)

A resposta remete a Warburg e a uma percepção que a imagem de Prestes


representada no cartaz imagem de Prestes, possivelmente inspirada na de Lorde Kitchener,
remete a uma longa duração de técnicas pictóricas que são transformadas e restauradas
sempre que impulsos relativos a estas técnicas surgem ( WARBURG apud GINZBURG,
2014, p.74).
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Estes impulsos são de origem pagã e enfrentaram resistência religiosa da igreja


católica na idade média (GINZBURG, 2014, p.74), mas permaneceram em diversas obras de
artes que se inspiraram em outras anteriores e deixaram um legado de técnicas de
representação pictórica (GINZBURG, 2014, p.76).
E a reação em cadeia a partir destas técnicas em processo e uso pelas necessidades de
propaganda de cada país e movimento político organizado foi produzindo reflexos e
referências, seja no combate simbólico entre as representações colocadas, seja na reprodução
do ferramental simbólico em tempos diferentes.
A face de Prestes no cartaz não era a única nem talvez a mais representada, mas
deixou um legado de imagens que ocupavam diferentes locais e espaços. Sejam panfletos,
capas de livro, manchetes de jornal, adaptada, transformada, mas cujo eixo simbólico
permaneceu extremamente vivo.

Figura 3: Capa do livro A Coluna Figura 4: Capa do livro A Coluna


Prestes: marchas e combates, de Prestes de Anita Prestes (PRESTES,
lourenço Moreira lima (LIMA, 1945) 1989)

A percepção da rebeldia e do uso da barba como símbolos relacionados não é apenas


uma exceção, o valor inerente à rebeldia é reforçado inclusive nos símbolos da mesma
república contra a qual Prestes se rebelara duas vezes.
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A barba aqui, como o dedo de Kitchener (GINZBURGH, 2014, p.88), é um chamado


à rebeldia, a face, o olhar, a permanência simbólica, a referência imagética a um tipo de
percepção que ecoa elementos freudianos, de chamado inconsciente, de sintoma de processos
pré-modernos relativos à imagem (MITCHELL, 2015, p.166).
Prestes, assim como Kitchener, encarna uma longa tradição de personagens que a
tudo veem, e inicia aqui, assim como Kitchener, uma outra tradição que ecoa tanto novas
formas técnicas de uso da arte para fins de propaganda como de renovações de tradições
anteriores.
Prestes remetia a revolucionários russos para A Federação, mas também a toda uma
gama de figuras e símbolos vívidos na imaginação popular do país.
A figura de Antônio Conselheiro deixara marcas na nação, a figura de Tiradentes era
largamente utilizada pela Primeira República como ícone de herói da nação e tinha uma
imagem que remetia a Jesus Cristo (BALLAROTTI, 2009).
A longa duração da representação pictórica, a tradição que traz elementos do
paganismo (GINZBURG, 2014, p.74) para a construção de uma relação com as imagens com
manutenções que remetem ao totemismo recolocadas na sociedade moderna (MITCHELL,
2015, p.170) se misturam com tradições novas, postas na mesa por eventos políticos como
Canudos e por movimentações de construção de um herói republicano como Tiradentes por
parte da elite governante da Primeira República (BALLAROTTI, 2009).
Todos esses elementos em conjunto trazem para a imagem de Prestes um amplo grau
analítico possível de compreensão de significados, assim como os cartazes de Lorde
Kitchener referenciaram uma nova classe de imagens, renovando tradições anteriores e
fazendo parte de uma utilização de uma tradição artística para a produção de propaganda.
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Figura 5: J. M. Flagg, “Eu quero você Figura 6: D. Moor, “VOCÊ se alistou como
para o Exército dos Estados Unidos”, voluntário?”, cartaz de recrutamento do
cartaz de recrutamento, Estados Unidos, Exército Vermelho, Rússia, 1920.
1917. (GINZBURG, 2014, p.73) (GINZBURG, 2014, p.73)

À imagem de Kitchener se seguiram a do Tio Sam ou a referência à Trotski e à


formação do exército vermelho, às imagens utilizadas nas propagandas, mas todas estas eram
referências à produções antigas a uma longa tradição técnica que estava presente no quadro de
Dirk Bouts, Christus Salvator Mundi, por exemplo, ou no Arqueiro da besta.
A tradição técnica se renovava e se fazia presente no século XX, cinco séculos depois
de sua produção tanto nos cartazes de guerra quanto na propaganda como no anúncio dos
cigarros anúncio dos cigarros Godfrey Phillips.
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Figura 7: Dirk Bouts, Christus Salvator Figura 8: Arqueiro da besta, Áustria, c.


Mundi (Vera effigies), c. 1464. 1430. (GINZBURG, 2014, p.81)
(GINZBURG, 2014, p.80)

Figura 9: Anúncio dos cigarros Godfrey


Phillips, Londres, c. 1910. (GINZBURG,
2014, p.89)
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O Cavaleiro da Esperança
Com todo poder simbólico embutido na construção das imagens de Prestes nos anos
1920 o que poderia produzir uma transformação tão radical na representação iconográfica de
Luiz Carlos Prestes?
A barba, com toda a tradição simbólica a ela relacionada, as representações militares,
como líder rebelde, a própria utilização da técnica de representação iconográfica que remetia
aos cartazes de Lorde Kitchener tudo se transforma nas representações fotográficas de Prestes
utilizadas pelo PCB já dos anos 1930 em diante.
À presença firme do herói rebelde que trazia as vestes e o rosto de um revolucionário
se impõe uma face imberbe, vestida no terno do cotidiano urbano, das cidades, da vida de
metrópoles erguidas pelo trabalho de um proletariado que precisava de outros símbolos para
resistir e se organizar.
O Capitão Rebelde ainda era Cavaleiro da Esperança, mas trazia nas faces a
representação de quem vivia o cotidiano da normalidade do sistema, resistindo a ele, mas não
mais montado no lombo do cavalo produzindo revolução.
A tradição aqui é nova, uma nova forma de produção de imagem, não mais a
produção gráfica, a gravura pintada com técnicas artísticas de longa duração, mas a novidade
da fotografia, o registro moderno, urbano, veloz, naturalista.
A fotografia registra um homem novo, o novo homem produzido pela revolução e
disciplina leninista, organizado por um partido que se exigia reconstruir nos marcos da
legalidade (REIS, 2014, p.224).
A nova face do Cavaleiro da Esperança saia da prisão para liderar uma nova fase da
luta política no país, identificado não mais como um símbolo vivo de uma rebeldia que saia
das franjas do tenentismo, que não o permitiu entender a diferença entre os grandes e ricos
proprietários de terras dos pequenos e pobres trabalhadores rurais (REIS, 2014, p. 123).
O novo homem marxista precisava ser a face que combateria o liquidacionismo e
alinharia junto a Vargas um processo de união nacional (REIS, 2014, p.224).
A posição política favorável à democracia, à justiça social, à paz e à ordem (REIS,
2014, p.226).exigia uma face que desviasse das construções pictóricas triunfantes e que
exalavam o rompimento com a ordem social.
O Cavaleiro da Esperança agora precisava parecer um filho dileto da urbanidade
democrática do pós-guerra.
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Figura 10: Prestes em campanha pelo PCB Disponível em


<https://www.cartacapital.com.br/cultura/biografia-restaura-
trajetoria-politica-de-luiz-carlos-prestes-4499.html/luiz-carlos-
prestes/@@images/62475641-3422-49fd-9d9b-889ce2194e5a.jpeg>
acesso em 15/06/2018.

Considerações finais
A análise dos processos de representação imagética de Prestes contemplam
elementos de percepção de tradições antigas, de longa duração, renovadas e partir de novas e
modernas técnicas de produção pictórica e também das transformações necessárias produzidas
pelas demandas de representação ocorridas pelos grupos detentores de mecanismo de difusão
de discursos específicos (CHARTIER, 2002,p.17).
Assim como nas representações textuais produzidas por A Federação, as
representações pictóricas e fotográficas de Prestes sofrem transformações que são
representativas tanto da historicidade da técnica quanto das transformações conjunturais que
Prestes presenciou e fez parte.
A presença de uma iconografia produzida em torno da imagem de Prestes Rebelde
exigia uma nova face, uma transformação a partir da ,mudança de necessidades políticas e
conjunturais do PCB, partido ao qual Prestes se ligou e tornou-se liderança, nas novas e
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específicas condições históricas que fizeram de Prestes não mais um líder rebelde, mas um
líder político de um sistema que aquele momento abria uma oportunidade de disputa
democrática pelo poder.
A transformação conjuntural também, se refletiu numa alteração do espectro de
utilização da arte de representação imagética.
Sai a produção artística que mantém as tradições de longa duração das
representações e entram as novas técnicas de produção de imagem a partir do uso da
fotografia.
Prestes deixa de ser representado por um processo técnico que remete às pinturas
antigas e à renovação delas a partir de técnicas de propaganda, ele agora é retratado,
capturado por modernas lentes, aparelhos que se pretendem capturadores da realidade.
O Capitão ao se tornar o Cavaleiro da Esperança, mas um cavaleiro vestido de
cavalheiro de uma urbanidade que se move nas marchas de um progresso técnico veloz, deixa
de ser representado para ser fotografado, deixa de ser um ícone pictórico para ser uma
imagem capturada, uma fração do real organizada e demonstrada em papel.
A representação de Prestes torna-se uma reprodução de Prestes. O Cavaleiro da
esperança simboliza a ordem demonstrada, real, concreta, mais que um produto de rebeldias
que são gravadas a partir do trabalho coletivo e que remete à tradição do uso da arte, ele agora
é, seu rosto é perceptível como o vemos no cotidiano, não mais como uma imagem produzida
para simbolizá-lo.
A agência da imagem, que tem consigo uma vontade só perceptível na produção da
arte pictórica e uma sedução praticamente inerente a ela, que confere a ela uma personalidade
própria (MITCHELL, 2015, p.181), se torna uma agência do fotografado e dos objetivos
produzidos em torno do representado pela imagem tal como ele é (CHARTIER, 2002, p.21).
Na transição do Capitão Prestes a General Prestes e daí a Cavaleiro da Esperança se
deram muitas mudanças na forma como Prestes foi representado seja de forma textual seja
imagética, mas todo o processo teve em si elementos de profunda mudança na forma como as
técnicas de produção de uma construção da imagem de Luiz Carlos Prestes.
Em cada transformação Prestes adquiria uma faceta duradoura e marcante, que
participava de processos de transformações produzidas em operações simbólicas e em
processos de transformação técnica.
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Seja na trajetória de transformações das representações produzidas por A Federação


ou nas mudanças de representação pictórica e de pictórica para fotográfica ocorridas na
história das representações imagéticas de Prestes o fato é que há elementos o suficiente para a
organização de pesquisas que aprofundem indícios de uma realidade de produção de
imaginário a partir de muitas variáveis de representações possíveis.
O portador de cetro sedicioso (A FEDERAÇÃO, 23 de fevereiro de 1929, p.1) se
transformou em “Hirsuto e Ingênuo Czar mercantil” (A FEDERAÇÃO, 15 de março de 1929,
p.5) se transformou em general “maior que o Brasil (A FEDERAÇÃO, 23 de junho de 1928,
p.9) nas páginas d’A Federação. Da mesma forma a face de Prestes deixa de ser a face do
rebelde representado de forma pictórica para ser um líder político fotografado, capturado em
movimento, imberbe, firme, com seu discurso transformador.
A agência das imagens se fez presente para se transformar em imagens sob agência, e
em comum com a produção de representações escritas, emprestaram uma linha de
identificação de processos de transformação de um líder em Cavaleiro da Esperança.

FONTES
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A FEDERAÇÃO: O Federalismo Assisista. Porto Alegre, 10 jan. 1924. Página 1.
A FEDERAÇÃO. Porto Alegre, 12 jan. 1924. Página 1.
A FEDERAÇÃO: A qualificação eleitoral e a Licção que ella encerra. Porto Alegre, 06
mar. 1924. Página 1.
A FEDERAÇÃO. Porto Alegre, 06 mar. 1924. Página 4.
A FEDERAÇÃO: As simulações do regenerador. Porto Alegre, 08 mar. 1924. Página 1.
A FEDERAÇÃO: As vicissitudes de um comediante. Porto Alegre, 10 mar. 1924.
A FEDERAÇÃO: Cheque ao rei. Porto Alegre, 10 mar. 1924.
A FEDERAÇÃO: Medo ou ameaça? Porto Alegre, 10 mar. 1924.
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A FEDERAÇÃO: O levante na fronteira missioneira. Porto Alegre, 01 dez. 1924.
A FEDERAÇÃO: Roubalheira e Cynismo. Porto Alegre, 02 dez. 1924. Página 1.
A FEDERAÇÃO: Buenos Ayres, Centro internacional de vendedores de munições. Porto
Alegre, 02 dez. 1924. Página 1.
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16

A FEDERAÇÃO: A successão presidencial: Resultado das eleições hontem realizadas. Porto


Alegre, 26 nov. 1927.
A FEDERAÇÃO. Porto Alegre, 23 jun. 1928. Página 9.
A FEDERAÇÃO: Assembleia de Representantes. Porto Alegre, 23 jun. 1928. Página 9.
A FEDERAÇÃO: Assembleia dos representantes. Porto Alegre, 15 out. 1928. Página 58.
A FEDERAÇÃO: Intenções de Pacifismo?. Porto Alegre, 04 dez. 1928. Página 1.
A FEDERAÇÃO: Em que ficamos?. Porto Alegre, 27 dez. 1928. Página 1.
A FEDERAÇÃO: As barbas do Capitão Prestes. Porto Alegre, 16 fev. 1929. Página 6.
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A FEDERAÇÃO: O Sr Luiz Carlos Prestes vae deitar um manifesto à nação. Porto
Alegre, 15 mar. 1929. Página 5.
A FEDERAÇÃO: La forza del destino. Porto Alegre, 23 fev. 1929. Página 1.
A FEDERAÇÃO: À margem do discurso do Sr Assis Brasil no Theatro Guarany. Porto
Alegre, 23 fev. 1929. Página 1.
A FEDERAÇÃO: Uma vela a Deus e outra ao Diabo. Porto Alegre, 23 mar. 1929. Página 5.
A FEDERAÇÃO: Successão presidencial da República: Uma entrevista concedida pelo
presidente Getúlio Vargas ao "Diário da Manhã", do Recife, por intermédio de seu
correspondente. Porto Alegre, 04 set. 1929.

REFERÊNCIAS
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herói cívico na atualidade. Antíteses, vol. 2, no. 3, 2009, pp. 201-225. Editora Universidade
Estadual de Londrina.
FAUSTO, Boris. História Geral da Civilização Brasileira: O Brasil republicano: sociedade
e instituições (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais: Morfologia e História. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 1989.
GINZBURG, Carlo. Medo, reverência, terror: Quatro Ensaios de iconografia política.
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LEAL, Elisabete da Costa. O Calendário Republicano e a Festa Cívica do Descobrimento
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