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Pelotas, 2017.
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RESUMO
A categoria representação possui uma gama de variáveis que precisa ser debatida e discutida a partir do campo
de debate envolvido ou da variação de escala. Sob o ponto de vista teórico podemos analisar a representação,
apropriação, recepção e prática a partir de, pelo menos, duas grandes vertentes: A de Chartier, especificamente
tratando da representação enquanto elemento de disputa e também como ferramenta de análise das formas pelas
quais a relação entre escrita e leitura se dá. E a de Ginzburg, quando analisa as formas de representação relativas
à circularidade da cultura e de seus valores nas diferentes classes sociais e na forma como a cultura popular se
apropria de signos, símbolos, imagens e as transforma de acordo com suas especificidades e necessidades.
Procura-se aqui analisar estas possibilidades de uso da categoria enquanto ferramenta de auxílio à pesquisa
historiográfica.
Palavras-chave: Representação. Chartier. Ginzburg. Micro-história. Periódicos. Jornais. Quadrinhos.
Super-Homem. Luiz Carlos Prestes. A Federação.
Introdução
Trabalhar com a categoria representação demanda um certo número de cuidados. Se Chartier
é quem melhor define o conceito em suas obras, está longe de ser o único que efetivamente a
aborda.
Ginzburg e De Certeau também trabalham com a categoria de forma efetiva objetivando
outros enfoques, mas também estabelecendo outros tipos de formas de percepção a partir de
outros ramos de construção analítica de objetos de pesquisa.
Para Chartier, representação “No primeiro sentido, a representação é instrumento de um
conhecimento imediato que faz ver um objeto ausente através da sua substituição por uma
imagem” capaz de o reconstituir em memória e de o figurar tal como ele é”. Representação
adquire aqui um caráter de substituição de algo por outra coisa que não apenas remete à ideia
original, mas passa a sê-la em substituição. O objeto que representa algo, substituindo-o, é um
simulacro, assume mimeticamente as características simbólicas do outro e mais que isso,
torna-se o objeto original (CHARTIER, 2002, p.21). Não podemos crer, no entanto, que a
representação seja neutra e não adquira características específicas relacionadas aos grupos
sociais diferentes que a constroem de acordo com seus valores, características, cultura e até
interesses objetivos (CHARTIER, 2002,p.17).
Representação tampouco obedece ao mesmo parâmetro analítico se trabalharmos esta
categoria com enfoques diferenciados em relação à escala de análise e ao campo de
conhecimento com o qual trabalhamos.
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contrariando valores a ele transmitidos por seu pai biológico, o kriptoniano Jor-El, e por seu
pai adotivo Jonathan Kent, que versavam sobe o uso responsável de seus poderes. Na
sequência, Superman 2, Clark Kent chega a abdicar de seus poderes em nome de seu amor.
Figura 2: Super-Homem salvando Lois Lane em Superman: O Filme, de richard Donner, 1978)
Todas estas representações são fruto de uma leitura de cada época do personagem e ocupam
um papel determinado dentro da iconografia e do cânone que o envolve.
De 1938 a 2017, o personagem sofreu diversas reformulações e releituras pela editora que
possui os direitos de publicação nos Estados unidos, a DC Comics. Da fase mais inocente
onde seus poderes eram uma forma de luta contra as injustiças e a densidade do personagem
era menos obrigatória e exigida, dos anos de criação até os anos 1960, a chamada “Era de
Ouro dos quadrinhos”, até um período onde seus poderes eram cada vez mais retratados como
próximos ao divino, com a manutenção, no entanto, de seu caráter humano através de suas
raízes no Kansas , que permeou o período que vai dos anos 1960 até o fim dos anos 1970
(cujo reflexo é nítido na representação do personagem no filme de 1978), foram feitas
transformações na produção dos roteiros das histórias em quadrinhos e na própria
caracterização gráfica do personagem(PEIXOTO, 2013).
Estas transformações se seguiram e foram mais radicais quando nos anos 1980 o evento
“Crise nas Infinitas Terras” foi lançado pela editora com o objetivo de reformular todo o
universo de histórias produzidas pela mesma, incluindo as do Super-Homem. A partir de
1985, o Super-homem passa por uma das mais radicais reformulações onde seus poderes são
reduzidos e suas características humanas foram ressaltadas. Em todo este período seu papel
como representante de uma ideia de nação estadunidense forte e cujo papel era o de proteger o
mundo e os valores estadunidenses se transformaram, porém nunca foi tão forte quanto no fim
dos anos 1980(PEIXOTO, 2013).
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A última grande reformulação, feita em 2011, produz um Super-Homem como que vimos em
“Batman vs Super-Homem: A Origem da justiça”, mais raivoso, impulsivo, porém cujos
poderes o tornam mais divino que homem, aponto de seu interesse amoroso migrar de Lois
Lane para a Mulher Maravilha (PEIXOTO, 2013).
E o que isso tudo tem a ver com a abordagem da categoria representação pelo viés da micro-
história? Tudo, basicamente porque se um personagem ficcional com setenta e nove anos de
publicação tem tantas variáveis de representação, que obedecem às transformações originadas
por inúmeros impulsos, da ação objetiva e consciente de editores areações às recepções pelos
leitores e pelas mudanças de aceitação através da história, imagina a representação do real e
as formas necessárias para que efetuemos a análise desta.
Os exemplos de variações de representação são elementos da própria análise desta e de como
um objeto pode ser representado de formas diferentes com contextos diferentes, motivações
diferentes e frutos de diversas formas da sua recepção e apropriação.
Toda a análise deste processo deve, sob o ponto de vista da micro-história, obedecer a uma
análise profunda e detalhada de como a representação se dá. Antes de analisar a recepção, a
apropriação e a prática, é fundamental analisá-la em toda sua riqueza de detalhes.
No caso do Super-Homem, além das características típicas do personagem, sua representação
gráfica também mudou para se adaptar aos tempos, mas também para interligar, por exemplo,
as representações produzidas pelo cinema e as dos quadrinhos (PEIXOTO, 2013). Estes
processos se dão por razões de mercado, mas não apenas, há a necessidade de se adaptar às
reações, às representações pela existência de versões que remetem a cronologias anteriores e
que produzem uma recepção de crítica e público superiores às novas formas de leitura dos
personagens (MOORE, 2013).
As reformulações de 2011 e representadas no cinema em 2016 são uma reação de mercado à
preferência por uma linguagem sombria na produção dos quadrinhos, mas são apenas isso ou
uma releitura forçada pela recepção, cujo objetivo também é produzir um tipo de narrativa
que promova uma manutenção do cânone com uma adaptação perspicaz à maneira como
como o público leitor se apropria das obras? As representações aqui são de cunho literário, de
como se dão as apropriações de figuras canônicas da modernidade e releituras de arquétipos
universais de divindades e heróis míticos apenas ou são mais que isso são substitutos de
determinados valores, ícones, ideias que se propagam através dos tempos em formas
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variáveis, mas que mantém sua característica original como a cabeça de uma estátua de um
imperador romano no corpo de Santa Fé (GINZBURG, 2001, p.99)?
E a recepção, a apropriação e a prática das representações do Super-Homem, são
estabelecidas sob que parâmetro, o que provocam, o quanto são provocadas pelos interesses
de mercado ou pelas mudanças conjunturais? Como dissecar este processo com o máximo de
detalhes que nos permitam a construção de uma ideia que permita uma visualização
verossímil do quadro geral da realidade refletida pelos espelhos deformantes das fontes
(GINZBURG, 2002, p.44)?
Em primeiro lugar é impossível determinar com precisão onde começa a recepção e onde
termina a reação a ela.
Mesmo com pesquisas de opinião, a análise da recepção de uma obra produzida pela
indústria cultural é, por mais acurada que seja, pouco garantidora de que a reação à recepção
analisada se dê nos marcos específicos da subjetividade das próprias respostas que montaram
o quadro determinado como recepção objetiva de uma obra.
Uma resposta que dê conta da análise do Super-Homem como necessitado de uma
reformulação “mais sombria”, por mais mensurável quantitativamente que venha a ser, não
define claramente os graus diferentes de interpretação possíveis desta demanda. Da mesma
forma a transição para o cinema de uma reformulação feita para as páginas das histórias em
quadrinhos não tem nenhuma garantia de obter a mesma repercussão e apropriação em outro
tipo de mídia.
produção inicialmente de um vilão em 1932 e depois com o uso da ideia para a criação do
herói propriamente dito (SAFIRE, 2003).
E é pelo conjunto de elementos organizados em um processo de análise com amplo uso das
diversas formas de utilização teórica da categoria representação que produzimos elementos
que nos permitam o conhecimento histórico a partir de um processo de análise indireta da
realidade, cujo papel das conjeturas e indícios, pistas, é fundamental para a produção de um
quadro analítico geral (GINZBURG, 1989, p.157). É um processo pleno de “incertezas”, mas
amplo de possibilidades a partir da riqueza de análise possível produzida pelos mais variados
indícios produzidos pelas fontes. As tramas da produção analítica são tecidas fio a fio, ponto a
ponto produzindo uma forma verossímil de percepção do real (GINZBURG, 1989, p.170). A
opacidade da realidade se revela decifrável a partir de sinais encontrados na análise das fontes
e documentos, imagens, filmes e representação pictográfica (GINZBURG, 1989, p.177).
Um tipo de traço ou de tonalidade de uma tinta que representa o Super-Homem pode nos
permitir analisar que pertence a um determinado contexto só passível de produzir aquela obra
naquele período. O Super-Homem de 1938 não pode ser comparável em matéria de produção
iconográfica e de roteiro com o personagem que participou da reformulação da DC Comics
chamada Novos 52 (PEIXOTO, 2013).
As diferentes técnicas de desenho e roteiro disponíveis em cada período de tempo
determinam diferentes formas de representação, cada contexto histórico demanda também
uma forma de produção iconográfica e textual do personagem, sendo através das influências
da conjuntura, da pressão editorial ou da necessidade de mercado e reação à recepção.
Todos estes elementos nos permitem tanto analisar o processo histórico envolvido na
produção do personagem como analisar as variações conjunturais nas quais o personagem
esteve envolvido.
A representação ainda possui uma questão prática: Ela em si, como produto e como causa de
recepções, apropriações e práticas.
1Assisista era o epíteto dado por A Federação aos seguidores de Assis Brasil.
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Luiz Carlos Prestes aqui é um personagem que atua para influenciar na sua própria
representação a partir de suas lutas cotidianas, de suas relações, de suas formas de mostra-se
fisicamente e influenciar o imaginário em torno de si.
A Coluna Prestes é ao mesmo tempo movimento em processo e representação de revoluções
anteriores, com tudo o que o imaginário a respeito delas produz para a que a linha narrativa
escolhida por A Federação se permita nascer e se desenvolver.
Em vez da busca por indícios que produzam uma análise que persiga uma causalidade linear,
é fundamental aqui a descrição minuciosa da produção do jornal e deste como autor de
representações, desde o ponto de vista da linha editorial até o ponto de vista dos
tensionamentos que produzem lutas de representação, passando pelos aspectos contextuais de
uso dos personagens à recepção do jornal, público-alvo, capacidade de produção técnica e
suporte financeiro para a execução de suas ações.
O jornal sendo lido como autor permite que seja feita uma “autópsia” da representação e com
isso que se encontrem indícios para que se amplie a percepção do real no contexto estudado.
A análise técnica aqui pode ser feita da mesma forma como se analisam as diferenças da
produção técnica de quadrinhos em 1938 e 2017. Aqui também é fundamental estabelecer as
diferenças técnicas da produção jornalística nos mínimos detalhes, desde as diferenças
existentes entre dos variados tipos de periódicos até as inúmeras formas de escrita passíveis
nos jornais dentro do contexto.
A Federação, por exemplo, não tem em 1924 um uso constante de fotografias ou de charges
em suas páginas, enquanto desde o fim do século XIX a imprensa brasileira já tem um
processo de modernização cuja utilização de novas técnicas de impressão e o uso de novas
tecnologias avança de forma veloz nas principais folhas das capitais (MARTINS; LUCA,
2012, p.103).
O Jornal do Brasil já utilizava ilustrações em 1900 (BARBOSA, 2010, p.31), o Correio da
Manhã já se utiliza de fotografias em 1902 (BARBOSA, 2010, p.42) enquanto A Federação,
um jornal com recursos econômicos disponíveis a partir de sua característica específica de
jornal partidário e porta-voz do governo do estado e do Partido Republicano do Rio Grande
do Sul, pouco utilizava ilustrações ou sequer utilizava fotografias em 1924. É possível que A
Federação seja entre os jornais um dos últimos do estado a fazer uso das novas tecnologias.
Estas características dão uma dimensão não restritiva à disponibilidade técnica ou do papel
do jornal enquanto porta-voz, mas permitem uma percepção de um indício de
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conservadorismo tal em sua direção que incluía a aversão de elementos que nas demais folhas
eram considerados avanços inexoráveis com uma aura de positividade descrita e utilizada
como publicidade e qualificação valorativa dos demais jornais. Quanto mais utilitários das
novidades tecnológicas, mais orgulhosos de si, e vendedores de si como melhores, estão os
jornais brasileiros do início do século XX (BARBOSA, 2010, p.23).
Paralelo à questão técnica há o contexto histórico político, onde a referência a Assis Brasil
torna claro que a representação de Prestes obedece a um tipo de narrativa considerada passível
de ser utilizada com uma determinada recepção em mente. Assis Brasil era o principal inimigo
do Castilhismo e, portanto, do Governo do Estado do Rio Grande do Sul e da presidência do
Estado com Borges de Medeiros e sua base, que incluía Getúlio Vargas.
Representar Prestes como parte do que significava Assis Brasil e atribuindo a este o caráter
de rompedor de pactos e da ordem era taticamente necessário não só pela defesa do governo
do estado e do Partido Republicano, mas como ataque a um dos principais adversários do
positivismo gaúcho e da forma como o estado se organizava.
Apenas após o avanço paulatino da Coluna Prestes para o interior do país, com seu
afastamento do Rio Grande do Sul é que lentamente se transforma a representação de Prestes
em algo além de um catafalco de Assis Brasil (GINZBURG, 2001, p.86).
Assume aqui o jornal o papel de autor de uma narrativa, cuja produção de personagens
obedece às necessidades táticas do partido muito mais que a necessária produção de uma
tentativa de análise da realidade de cunho que se propõe isento ou que se espelhasse nos
demais jornais do país onde os fatos eram descritos como uma busca de separar a “verdade”
da “opinião” como fazia a Gazeta de Notícias desde 1875 e o Correio da Manhã passa a fazer
desde que surge em 1901 (BARBOSA, 2010, p.41).
A Federação não se furta a misturar opinião e defesa do Partido Republicano e o noticiário.
Põe lado a lado artigos de seu ex-editor Lindolfo Collor com informações a respeito do
avanço da Coluna Prestes pelo país, criticas cotidianas a Assis Brasil e a publicação de
medidas administrativas do governo do estado.
A análise das representações pelos jornais a partir pelo viés da micro-história, portanto,
obedece a uma dinâmica de leitura complexa do jornal enquanto folha, local de trabalho, lugar
de relações de sociabilidade, autor de produções narrativas com utilização de técnicas e táticas
similares às da ficção e porta-voz de grupos sociais que controlam sua produção, ao mesmo
tempo ferramenta que sofre transformações a partir das movimentações da conjuntura. Da
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Considerações finais
Variar a escala de análise para produzir um processo de estudo das representações nos mais
variados meios, é se propor a utilizar a categoria com relação aos diversos objetos de estudo.
Isso exige, antes de mais nada, o cuidado analítico que delimite a perspectiva do processo de
representação.
A delimitação cronológica, o recorte temporal, não é apenas o que se pressupõe como única
definição de recorte possível.
A variação de escala amplifica a quantidade de elementos que perpassam o processo de
análise e a ideia da variação em si é em perspectiva produzir maior grau de complexidade na
observação de elementos outrora tidos como dados, cujo enfoque de investigação tinha
supostamente esgotado as formas de percepção do real a partir daquele ponto de observação.
Tendo isso em mente é fundamental produzir um tipo de construção analítica que permita
uma descrição aprofundada do objeto representado, do meio pelo qual sua representação é
transmitida, as técnicas envolvidas, o contexto de representação e as possíveis variações de
categorização desta representação de acordo com as possibilidades e conjeturas passíveis de
serem estabelecidas a partir dos elementos constitutivos do processo de representação.
A escala de análise aqui permite que se proponha um debate entre formas de utilização da
categoria representação a partir de sua diversidade de diálogo teórico.
Podemos pôr em perspectiva a discussão da representação como lugar de estabelecimento de
uma linguagem de violência (DE CERTEAU, 1995, p.93) que oblitera a alteridade, ou como
forma de criação simbólica de um duplo a partir da substituição do objeto representado por
sua representação, sem obliteração de um pelo outro (GINZBURG, 2001, p.91), ou como
formação de um tipo de simulacro que busca adquirir, e adquire, as características do objeto
representado de acordo com as necessidades do grupo que compõe esta representação
(CHARTIER, 2002,p.17). E estas perspectivas diferentes, podem, sendo complementares ou
não, ser passíveis de utilização em uma mesma análise micro-histórica, diante do quadro
complexo revelado pela variação de escalar pôr o objeto em perspectiva “microscópica”.
Esta articulação teórica permite uma investigação acurada dos elementos constituintes do
quadro detalhado pelos recortes temporais e epistemológicos e permitem uma contribuição
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