Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Carlos Ceia1
1
Disponível em: https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/falacia-
intencional/#:~:text=Erro%20da%20cr%C3%ADtica%20liter%C3%A1ria%20que,Wimsatt%20e%20M.%20
C.
autor pudesse ter qualquer tipo de poder sobre a leitura que nasce a partir do momento
em que o texto literário surge publicado. Se um autor não quiser submeter a sua obra
de arte à soberania (ou tirania, se se preferir) da crítica, então o que deve fazer é
simplesmente deixar inédita essa obra e guardá-la para si, argumenta-se na perspectiva
anti-intencionalista.
Se o New Criticism não soube defender-se de uma censura habitual que lhe foi
dirigida sobre a concepção do texto literário como estrutura verbal independente quer
das intenções do autor quer de condicionalismos históricos, levando a uma
multiplicidade de interpretações, coube sobretudo à crítica pós-estruturalista justificar tal
crença, ao legitimar o texto literário como fonte de sentidos ilimitados. A principal facção
do New Criticism norte-americano, cuja influência ainda se faz sentir fortemente nos
dias de hoje, sempre tentou menosprezar a teoria em favor da prática de interpretação
de textos individuais, por isso não surpreende o desafio que nas últimas décadas as
propostas pós-estruturalistas apresentam ao privilegiar a especulação teórica ao
mesmo tempo que não se negligencia a prática crítica. O ponto em que as propostas
pós-estruturalistas mais se afastam do New Criticism é talvez o que diz respeito à
validade da soberania da crítica que se fundamenta no princípio de que o sentido de um
texto pode, por um lado, ser sempre determinado e, por outro lado, ser determinado
definitivamente. Estes pressupostos discutíveis remetem desde logo para uma espécie
de fatalidade do sentido, que acabará por ser encontrado de alguma forma e para a sua
garantia interpretativa, isto é, qualquer interpretação parece estar garantida por norma.
Ora, o que a desconstrução tem vindo a defender e a demonstrar, pelas inúmeras
leituras profundas de textos sobre os quais se julgava já ter sido dito o que havia a dizer,
é que o sentido de um texto é a última coisa que o crítico pode garantir.
Tudo aquilo que já está dito sobre um dado texto literário tem que estar
permanentemente sob revisão. A crítica de um texto não se constrói de uma só vez: ela
é o resultado do que se escreveu a um tempo mais tudo aquilo que deixar suspenso.
Se transpusermos este princípio para a sala de aula de literatura, devemos ter a
coragem para não apresentarmos a leitura do professor como a última leitura possível.
Mais ainda se a leitura do professor for na realidade a leitura que o professor fez de
outras leituras. Uma das grandes inquietações que ainda hoje atinge os críticos
contemporâneos, qualquer que seja a sua motivação principal, corresponde às relações
estabelecidas no triângulo escaleno: obra/autor/leitor. Entre nós, desde Almeida Garrett,
pelo menos, encontramos defensores da sujeição do leitor à intenção manifestada pelo
autor na sua obra: "Uma obra de arte, seja qual for, não pode ser julgada pelas regras
que à crítica lhe apraz estabelecer-lhe, senão pelas que o autor invocou e tomou para
sua norma." (Doutrinas de Estética Literária, 2ªed., col. “Textos Literários”, Seara Nova,
1961, pp.49-50). Este é ainda contemporaneamente um dos grandes debates teóricos
da crítica, debate que pode ler-se, a título de exemplo, nas posições antagónicas de H.
D. Hirsch, Jr., iniciadas em Validity in Interpretation (1967), que partiu do mesmo
pressuposto de validar como objecto de abordagem textual unicamente a intenção do
autor, e na tese contrária que exige que a hermenêutica do texto literário esqueça
definitivamente a intenção autoral, tese cujo principal divulgador é Hans-Georg
Gadamer, em Wahreit und Methode (1ªed., 1960; 3ªed.revista e alargada, 1972). Ler e
insistir hoje na legitimação da tese romântica de Garrett sobre a questão da
intencionalidade autoral é tão ardiloso como o já era na primeira metade deste século,
quer quando Paul Valéry comentou a análise literária do Cimetière marin realizada por
G.Cohen na Sorbonne, concluindo: “Pas d’autorité de l’auteur.”, quer por Wimsatt e
Beardsley, no célebre artigo onde denunciam a “falácia intencional”. Sabemos que o
contexto histórico que provocou o comentário de Garrett diz respeito a uma prática de
exibição de juízos de valor geralmente depreciativos e superficiais sobre obras literárias,
quase sempre procurando atingir mais o autor do que o texto. Felizmente hoje extinta,
tal prática perdurou até à Geração de 70, incluindo o crítico Eça de Queirós, que não
hesitou em pretender transformar o crítico num gendarme da literatura.
BIBLIOGRAFIA
Berel Lang: “The Intentional Fallacy Revisited”, British Journal of Aesthetics, 14 (1974);
Burhanettin Tatar: Interpretation and the problem of the intention of the author : H.-G.
Gadamer vs. E.D. Hirsch (1988); Gary Iseminger (ed.): Intention and
Interpretation (1995); Morse Peckham: “The Intentional Fallacy?”, New Orleans Review,
1 (1979); Patricia de Martelaere: “The Fictional Fallacy”, British Journal of Aesthetics,
28, 3 (1988); Rosemarie Maier: “ ‘The Intentional Fallacy’ and the Logic of Literary
Criticism”, College English, 32 (1970); W. K. Wimsatt e M. C. Beardsley: “The Intentional
Fallacy” e “The Affective Fallacy”, in The Verbal Icon – Studies in the Meaning of Poetry,
Noonday Press, Nova Iorque, 1964.