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1.

_____________________”Seu Jeito honesto de denunciar mexeu


na posição de alguns privilegiados..."
(Pe Zezinho: Um certo Galileu)

Reza o senso comum que toda e qualquer (es) história deve conter um início, o
desenvolvimento, o clímax e o desfecho. Assim sendo, nenhum texto – pelo bem da
compreensão dos futuros leitores – deve escapar à esta regra - que também é
perfeitamente aplicável em muitas outras construções redacionais, como este
despretensioso ensaio sobre as mal-aventuranças do evangelho lucano. Entretanto, a
rigidez da norma cede espaço à criatividade quando a personagem abordada é de tal
modo apaixonante e imbricada com a história dos demais seres humanos que chega a
tocar incondicionalmente – individualmente e universalmente – a epopéia secular.
Alguém, por acaso, é capaz de redigir uma biografia sobre Napoleão Bonaparte isenta
de implicações pessoais? E sobre Hitler, ou qualquer outra figura histórica?
O mesmo fenômeno ocorre com Jesus de Nazaré. Diante de sua figura é
impossível a imparcialidade ( Lc 12, 51-53), ou alguma biografia desinteressada,
tamanha é a sua identificação com a nossa condição humana, embora revelasse-se o
próprio Deus (Fil 2, 6-7). Tampouco é possível descontextualizar algum instante
particular de toda a sua curta, mas frutuosa existência. Mais: provavelmente, traçar um
suceder cronológico de sua vida seja uma tarefa deveras exigente – ou potencialmente
impossível – por tratar-se de uma figura pincelada em diversas camadas – em
molduras igualmente múltiplas – às quais denominamos Evangelhos. Por isso, analisar
um episódio descrito no Evangelho implica num dinâmico movimento – que inclui idas e
vindas literárias – até desvendar-se o sentido correto do próprio.
Os leitores devem estar perguntando-se, qual é o porquê de todo este
interminável balé de palavras que preenchem quase esta folha inteira de papel e
praticamente nada dizem? A resposta é evidente (para esta besta que vos escreve): o
trecho bíblico que será estudado nas páginas seguintes – para ser apreendido –
exigirá, inicialmente, um retroceder de páginas até o instante em que um certo Jesus
de Nazaré, retornou a sua terra natal e... Calma! Ainda não é o momento...Por ora,
focalizemos nossa atenção neste trecho:
E, descendo com eles, parou numa planura onde se encontravam
muitos discípulos seus e grande multidão do povo, de toda a Judéia, de
Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sidom, que vieram para o ouvirem e
serem curados de suas enfermidades; também os atormentados por
espíritos imundos eram curados. E todos da multidão procuravam tocá-
lo, porque dele saía poder; e curava todos. Então, olhando ele para os
seus discípulos, disse-lhes: Bem-aventurados vós, os pobres, porque
vosso é o Reino de Deus. Bem-aventurados vós, os que agora tendes
fome, porque sereis fartos. Bem-aventurados vós, os que agora chorais,
porque haveis de rir.   Bem-aventurados sois quando os homens vos
odiarem e quando vos expulsarem da sua companhia, vos injuriarem e
rejeitarem o vosso nome como indigno, por causa do Filho do Homem.  
Regozijai-vos naquele dia e exultai, porque grande é o vosso galardão
no céu; pois dessa forma procederam seus pais com os profetas. Mas ai
de vós, os ricos! Porque tendes a vossa consolação”Ai de vós, os que
estais agora fartos! Porque vireis a ter fome. Ai de vós, os que agora
rides! Porque haveis de lamentar e chorar. Ai de vós, quando todos vos
louvarem! Porque assim procederam seus pais com os falsos profetas.
(Lucas 6, 17-26)

O discurso acima descrito está simbioticamente relacionado ao discurso


inaugural da atividade apostólica de Jesus, proferido em Nazaré (Lc 4, 14-17). Naquela
ocasião, o jovem profeta Galileu apresentou uma suma de seu programa atribuindo a si
mesmo uma passagem do terceiro Isaías (Is 61, 1-2), misturado com Isaías 35,5 (“aos
cegos a recuperação da vista”) e Isaías 58,6 (“para libertar os oprimidos”). Jesus é o
profeta que recorda o “Servo do Senhor” (Is 42,7) ao receber a missão de proclamar a
Boa-nova da libertação aos pobres, ou seja, àqueles que não possuíam recursos
econômicos e eram explorados pelo império romano e indiretamente pelos falsos
líderes populares que compactuavam com esta situação.
César – título próprio para o imperador romano - arrogava para si o status de
divindade a ser adorada e impunha às regiões dominadas a famosa “pax romana”, a
paz sem voz (a paz que não é paz, mas medo!). Jesus apresenta-se como o profeta
ungido pelo Senhor que irá contrapor-se ao poderio de Roma anunciando uma boa
notícia aos pobres: os verdadeiros líderes populares serão libertos para retornarem ao
meio dos seus e motivá-los a livrarem-se das correntes que aprisionam e da cruz da
opressão (que não deve ser carregada) a fim de ser finalmente instaurado o ano da
graça do Senhor – o dia da vingança do verdadeiro Deus, segundo o terceiro Isaías (Is
61,2b).
O ano da graça do Senhor é uma antiga utopia judaica. Refere-se ao ano do
Jubileu, celebrado em Israel a cada 50 anos (Lv 24, 10-13). Sua finalidade era dar a
possibilidade de reiniciar a vida para todos aqueles que, por um motivo ou outro,
tinham se endividado a tal ponto que haviam perdido a propriedade da família e até a
própria liberdade. Nesse ano, todos podiam recuperar os direitos perdidos e recomeçar
uma nova vida. Noutras palavras, o ano do jubileu, representaria um reiniciar histórico
do povo.
Entretanto, o ano do jubileu tornou-se mera letra morta. Os interesses pessoais
dos mais ricos sempre prevaleceram sobre a tentativa de equiparação entre as classes
sociais. Com Jesus, porém, a história é bem diferente. Já no seu discurso inaugural,
garante: “Hoje se cumpriu esta escritura que acabais de ouvir” (Lc 4, 21). O profeta
ungido pelo Senhor não está apenas lendo, mas também tornando real a utopia,
evidentemente dentro de um contexto de tensão escatológica (Já, mas ainda não!). A
reação dos habitantes de Nazaré diante deste anúncio é negativa. Perplexos, admitem
desconhecer o Jesus que se apresenta em meio a uma Assembléia Litúrgica
anunciando:
 Que o reinado de Deus sobre a terra estava próximo!
 Que ele é o profeta ungido pelo Espírito do Senhor que porta consigo a
mensagem de salvação.
 E que ele é o próprio objeto desta mensagem.
Seus compatriotas pedem milagres que legitimem-no como este profeta. Jesus
recusa tal intento. Afinal, a mensagem é muito mais importante do que milagres e não o
contrário. Além disso, a incredulidade dos seus patrícios era marca histórica de Israel
com relação aos profetas de outrora, como atesta o evangelho lucano num trecho bem
mais adiante: “È necessário, entretanto, que caminhe hoje, amanhã e depois de
amanhã porque não é admissível que um profeta morra fora de Jerusalém” (Lc 13, 33).
Compreende-se, desta forma, a resposta de Jesus aos nazarenos: “Eu vos asseguro,
nenhum profeta é bem recebido em sua terra” (Lc 4, 24).
O resultado de tamanha ousadia foi o quase assassinato do jovem profeta (Lc 4,
28-30). Algo que aconteceria anos mais tarde, em plena atividade apostólica
libertadora. Seu “erro”? Possuir uma língua afiada como uma espada (Is 49,2) e
praticar o que dizia.
E como uma espada afiada em duplo gume ele anunciou uma boa notícia aos
pobres que - ao mesmo tempo - era uma má notícia aos ricos.
“Seu jeito honesto de denunciar, mexeu na posição de alguns privilegiados”...
(Pe Zezinho: Um certo Galileu)
2. ____________________________Pobres: os preferidos de Deus.

O núcleo da mensagem de Jesus em Lucas é a boa notícia em favor dos pobres.


Não é por mero capricho que o evangelho lucano é conhecido como “evangelho
socialista” ou “evangelho dos pobres”.
O sentido do termo “pobre” é prevalentemente social em Lucas; designa uma
pessoa ou categoria de pessoas destituídas de bens e que dependem da assistência
pública ou de esmola privada. A boa notícia, desde o começo, é dirigida a esta
categoria de pessoas (Lc 4, 14-21). A dois enviados de João batista que pedem a
Jesus sinais e credenciais de sua tarefa messiânica, ele responde: “Ide comunicar a
João o que vistes e ouvistes. Os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos ficam
limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados”.
(Lc 7, 22).
Curioso notar que, apesar de carregar consigo um valoroso significado teológico
e sociológico, o vocábulo “pobre” tem sido relegado a segundo plano na atualidade
devido ao estourar de expressões “pseudo politicamente corretas” resultantes de
masturbações sociológicas aliadas a clichês esquerdistas, como: excluídos,
socialmente vulneráveis, pessoas em situação de vulnerabilidade social etc. Na
tentativa de resgate da dignidade de outrem, extrai-se dela justamente a expressão que
põe em relevo a sua relação com o transcendente. Obviamente, aplicações
terminológicas não influenciam negativamente nesta relação. Mas contribuem para o
enfraquecimento ideológico dos setores da sociedade civil e da Igreja comprometidos
com os pobres. O Concílio latino-americano de Puebla – realizado em 1979 - não
vacila no uso do termo: a opção da Igreja latino-americana é em favor dos pobres.
Digressões à parte, redirecionemos o foco para o evangelho lucano. Sendo
construído a partir de uma perspectiva social, é sob este ponto de vista que deve ser
considerado. Se há um projeto de Deus para este mundo, tal projeto implica em
promoção social das classes desfavorecidas, empobrecidas. Desvela-se, então, uma
cortina que encobria a plenitude da mensagem acerca do Reino de Deus. Esclarece-
se, também, o teor do Sermão da Planície, quando aborda as Bem-aventuranças: Bem-
aventurados são os pobres, herdeiros do Reino de Deus.
Eles, que passam fome, choram de aflição e encontram-se entristecidos devido
à sua situação, serão saciados e sorrirão porque assim Deus quer. Mais ainda: toda
luta pela justiça será recompensada, mesmo que haja perseguição. A perseguição
confirma o testemunho. O pobre equivale a um profeta quando lança mão da luta por
seus direitos (Lc 4, 22-23) e sofre represálias por causa desta posição de resistência.
Nunca é demais recordar o próprio Jesus e sua afiada língua (Lc 4, 14-21). O fato dele
ter sido hostilizado pelos seus é prova inconteste de que realizou a vontade do Pai. É o
preço a ser pago pelo ingresso no Reino. O projeto de Deus é um projeto, sobretudo,
de inclusão e revolução social (Lc 1, 52-53). Felizes aqueles que possuem os pobres
como projeto. É sinal de que compreenderam exatamente o teor da boa-notícia que,
repito, era uma má-notícia para os ricos .
Ricos estes que tiveram de escutar da conversa afiada de Jesus uma série de
maldições...
3. __________________________________As Mal – Aventuranças!

Todo aquele que se opõe ao projeto de Deus à humanidade é cúmplice da


manutenção da injustiça. Não é um Bem-aventurado!
Na Palestina da época de Jesus era possível identificar três classes sociais
distintas: os ricos, a classe média e os pobres. Os ricos eram uma minoria constituída
pelos altos funcionários que gravitavam ao redor do governo central do tetrarca ou do
governador; pelos grandes comerciantes que controlavam o tráfego das mercadorias
entre os grandes centros urbanos; pelos latifundiários que exploravam a mão-de-obra
local nas férteis planícies da Galiléia (Esdrelon) e, enfim, pelos altos funcionários do
templo para onde afluíam as ofertas, taxas e dízimos religiosos.
Os ricos possuíam um nível de vida ostentoso: luxuosas moradias e roupas,
desperdício nos banquetes e recepções de grande pompa, atitudes esnobes etc.
No extremo oposto aos ricos encontravam-se os pobres, uma multidão
constituída por trabalhadores, assalariados, escravos e mendigos que viviam da
assistência pública ou privada. A média salarial era um denário por dia (pouco se
comparado aos gastos supérfluos dos ricos e à alta taxa inflacionária da época). Além
disso, não havia garantias jurídicas para os pobres como há, mesmo que deficitária,
nos dias atuais.
Na classe média estavam, sobretudo, os artesãos e pequenos burgueses.
Também minoritária economicamente, nesta classe social podia-se encontrar
funcionários ou dependentes da administração, sacerdotes e ajudantes do templo. A
qual classe pertencia Jesus e seu movimento? O Evangelho insinua uma pertença à
classe média, se tomarmos em consideração sua atividade profissional que - segundo
a tradição evangélica - era a marcenaria, ou qualquer outra atividade própria de um
artesão (bem remunerado na Palestina do século I). Pedro, André, Tiago e João eram
pescadores; Levi-Mateus era funcionário público.
Por outro lado, estes dados por si próprios, não servem para posicionar Jesus na
classe média (o que seria frustrante para alguns aficionados do cristianismo libertador).
Não se deve esquecer a origem de Jesus: originário de Nazaré, uma cidade sem
importância da Galiléia a ponto de nem ao menos ser citada na história da salvação do
Antigo Testamento; habitante da Galiléia, distrito rico em recursos econômicos, mas
paupérrimo devido à injusta distribuição de renda e oprimido pelas forças de ocupação
romanas. Os grandes generais romanos, ao vencerem batalhas em nome do Império,
recebiam como recompensa de César grandes latifúndios normalmente localizados na
Galiléia. Os proprietários autóctones era simplesmente expulsos de sua terra e, em sua
maioria, recorriam à pesca no Mar da Galiléia como meio de sobrevivência. A pesca,
portanto, não era apenas uma iniciativa profissional, mas um refúgio para muitos “sem-
terras”. Pedro, Tiago e João, quem sabe, talvez pertencessem à esta categoria de
marginalizados.
Diante desta pluralidade de hipóteses, uma certeza: Jesus e seu movimento não
pertenciam à classe abastada e, por isso, possuíam suficiente auto-coerência para
denunciar toda e qualquer forma de exploração dos pobres pelos ricos. Desde o início
de sua atividade pública, conforme vimos em capítulos anteriores, a boa-notícia está
endereçada aos empobrecidos pois é favorável a eles. E a boa notícia aos pobres é
uma má-notícia para os ricos: esgotou-se a paciência de Deus; é chegado o momento
da instauração do “Ano da Graça do Senhor”. Sob este plano de fundo social, Jesus
reuniu uma multidão e explanou as quatro Bem-Aventuranças aos pobres (Saciedade,
festa e o Reino de Deus, mas mediante um compromisso com a militância social) e
quatro sentenças de condenação aos ricos:

“Mas ai de vós, os ricos! Porque tendes a vossa consolação”


Ai de vós, os que estais agora fartos! Porque vireis a ter fome. Ai
de vós, os que agora rides! Porque haveis de lamentar e chorar.
Ai de vós, quando todos vos louvarem! Porque assim
procederam seus pais com os falsos profetas.”
( Lc 6, 24-26)  

Na “Parábola do Rico e do pobre Lázaro” (Lc 16, 19-30) há uma amostra da


lógica de justiça da teologia lucana. Antecedida pela parábola do administrador que faz
amigos com as riquezas injustas que acumulou (Lc 16, 1-12), a “Parábola do Rico e de
Lázaro” destrói a concepção farisaica de que a boa vida dos ricos é prova de sua
amizade com Deus. Pelo contrário, é fruto de injustiça social! Há ricos devido à
existência de pobres. E qual será o destino dos ricos? A condenação eterna (Lc 16,22).
Por quê? Porque são incapazes de deixar de servirem a dois senhores antagônicos:
Deus e o dinheiro (Lc 16, 13 c). É preciso que amem o primeiro e abandonem o
segundo (Lc 16, 13 b). Algo que nunca conseguiram! Por isso, “È mais fácil um camelo
entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Lc 18,24).
Por isso, os ricos, que levam vida farta e satisfeita graças à exploração e
pressão do povo (reduzido à miséria e insignificância) terão sorte infeliz. Para Lucas,
há uma relação aproximada entre a opulência dos ricos e a existência de pobres: um
não existe sem o outro: a pobreza da maioria é conseqüência imediata da riqueza de
uma minoria. Há um agravante: essa classe privilegiada impede uma organização dos
oprimidos em prol da luta por justiça minando suas força de mobilização através de
falsos líderes e falsos profetas, elogiados pelos mantenedores do status quo social
palestino (Lc 6,22). Todo aquele que parcializa suas expressões políticas em favor dos
ricos é contra o projeto do Reino de Deus. Não é concebível que alguém veja a
desigualdade social e fique calado, consentindo com a situação ou tenha a ousadia de
distorcer a verdade em favor daqueles que já possuem privilégios em excesso.
Diante desta disparidade social Jesus proclama as Mal-Aventuranças: uma
inversão de situações já anunciada no Magnificat (Lc 1, 52-53), mas agora expressa
publicamente e de modo incisivo. Curioso notar que o Sermão da Planície realça a
figura profética da Mãe de Jesus, pois - com suas Bem-Aventuranças e Mal-
Aventuranças – apresenta-se como a explicitação da inversão de situações anunciada
no canto de Maria (Lc 1, 46-56).
No Sermão da Planície, Os saciados economicamente (Lc 6, 24-25a),
afetivamente (Lc 6, 25 b) e socialmente (Lc 6, 26) serão condenados à fome (LC 6, 25),
à dor (Lc 6, 25 b) e ao afastamento do Reino de Deus.
Segundo o Magnificat, os orgulhosos serão dispersos (Lc 1, 51 b); os poderosos
perderão sua força (Lc 1, 52); os ricos serão despedidos despidos (Lc 1, 53 b). E
quanto aos pobres? Serão exaltados - enquanto permanecerem humildes (Lc 1, 52b) -
e cumulados de bens (Lc 1, 53 a). Noutras palavras, uns serão bem-aventurados e
outros mal-aventurados.
A justiça de Deus difere-se em muito da concepção de justiça humana. Para os
homens (e mulheres, se preferirem uma linguagem inclusiva), justiça é dar aquilo que
cabe ao outro vislumbrando um ajustamento social (aos ricos, a riqueza; aos pobres, a
sobra), senão ocorrerá uma desordem e conseqüentemente não haverá espaço para o
progresso econômico. Para Deus, o conceito de justiça consiste em dar ao sujeito
aquilo que lhe pertencer, dentro de uma perspectiva de equiparação social. Como
canta Dom Hélder Câmara em sua famosa “invocação a Mariama”:
“Senhora Nossa, Mãe querida, nem precisa ir tão longe, como no
teu hino. Nem precisa que os ricos saiam de mãos vazias e o
pobres de mãos cheias. Nem pobre nem rico. Nada de escravo
de hoje ser senhor de escravo de amanhã. Basta de escravos.
Um mundo sem senhor e sem escravos. Um mundo de irmãos.
De irmãos não só de nome e de mentira. De irmãos de verdade,
Mariama.”

Jesus Cristo não era, definitivamente, um falso profeta em busca de aplausos ou


reconhecimento da mídia como muitos buscam hoje em dia (cantar no Domingão do
Faustão ou no Domingo Legal; presidir Celebração Eucarística na Rede Globo etc.). Ao
usar o termo “vós”, o texto indica que Jesus estava diante de uma multidão de ouvintes,
mas não se intimidou diante dos poderosos que - em meio ao povo simples –
escutavam-no. O profeta existe para anunciar a Boa-Nova aos pobres e denunciar os
mantenedores da opressão. Existe para colocar-se do lado daqueles a quem todos
viraram as costas.
O verdadeiro profeta não permanece omisso perante à calamidade social, mas
brada corajosamente:
“Onde tu dizes lei, eu digo Deus
Onde tu dizes paz, justiça, amor, eu digo Deus
Onde tu dizes Deus, eu digo liberdade, justiça, amor"
(D. Pedro Casaldáliga)
A recompensa para tamanha ousadia é um espaço cativo no Reino de Deus. O
Reino de Javé, o Deus libertador dos pobres.
Ai de vós que se opõem ao reino de Deus!
Estatutos do Homem

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade. para sempre desfraldada na alma do povo.
agora vale a vida,
e de mãos dadas, Artigo VIII
marcharemos todos pela vida verdadeira. Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
Artigo II não poder dar-se amor a quem se ama
Fica decretado que todos os dias da semana, e saber que é a água
inclusive as terças-feiras mais cinzentas, que dá à planta o milagre da flor.
têm direito a converter-se em manhãs de
domingo. Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
Artigo III tenha no homem o sinal de seu suor.
Fica decretado que, a partir deste instante, Mas que sobretudo tenha
haverá girassóis em todas as janelas, sempre o quente sabor da ternura.
que os girassóis terão direito Artigo X
a abrir-se dentro da sombra; Fica permitido a qualquer pessoa,
e que as janelas devem permanecer, o dia qualquer hora da vida,
inteiro, uso do traje branco.
abertas para o verde onde cresce a esperança.
Artigo XI
Artigo IV Fica decretado, por definição,
Fica decretado que o homem que o homem é um animal que ama
não precisará nunca mais e que por isso é belo,
duvidar do homem. muito mais belo que a estrela da manhã.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento, Artigo XII
como o vento confia no ar, Decreta-se que nada será obrigado
como o ar confia no campo azul do céu. nem proibido,
tudo será permitido,
Parágrafo único: inclusive brincar com os rinocerontes
O homem, confiará no homem e caminhar pelas tardes
como um menino confia em outro menino. com uma imensa begônia na lapela.

Artigo V Parágrafo único:


Fica decretado que os homens Só uma coisa fica proibida:
estão livres do jugo da mentira. amar sem amor.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio Artigo XIII
nem a armadura de palavras. Fica decretado que o dinheiro
O homem se sentará à mesa não poderá nunca mais comprar
com seu olhar limpo o sol das manhãs vindouras.
porque a verdade passará a ser servida Expulso do grande baú do medo,
antes da sobremesa. o dinheiro se transformará em uma espada
fraternal
Artigo VI para defender o direito de cantar
Fica estabelecida, durante dez séculos, e a festa do dia que chegou.
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos Artigo Final.
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de Fica proibido o uso da palavra liberdade,
aurora. a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
Artigo VII A partir deste instante
Por decreto irrevogável fica estabelecido a liberdade será algo vivo e transparente
o reinado permanente da justiça e da claridade, como um fogo ou um rio,
e a alegria será uma bandeira generosa e a sua morada será sempre
o coração do homem.
(Tiago de Mello)
Instituto Santo Tomás de Aquino
Curso de Gestão Pastoral
Disciplina: Evangelho de Lucas
Professora: Aila

As Mal- Aventuranças

Irmão Marciano de Brito Silva, fms

Belo Horizonte
Abril/2006
__________________________________________________Introdução.

Em que consiste, afinal, o teor da mensagem de Jesus em Lucas? Ou


melhor,em que consiste o teor de sua mensagem? Afinal, são tantas as manipulações
- freqüentemente presenciadas em diferentes situações - que é missão equiparável a
um trabalho de Héracles separar o joio do trigo e perceber o que é evangélico e o que
reza o contrário.
O Jesus apresentado por Lucas é comprometido com a causa dos pobres. É um
Jesus que anuncia uma boa-notícia a eles e despeja uma má-notícia para os ricos. Não
é um profeta elogiado pelos membros de classes mais abastadas, mas por elas
criticado e perseguido porque insiste em permanecer pobre e atuar em favor deles.
Nas páginas que seguem a esta, uma breve reflexão sobre esta relação de
Jesus com as classes sociais de seu tempo demonstrará o quanto de atual a sua
mensagem porta. Antes mesmo do marxismo bradar pelos quatro cantos do planeta a
descoberta da luta entre classes como força dinâmica que move a humanidade, Jesus
já havia detectado esta particularidade humana e proposto uma tomada de
posicionamento de todos aqueles que presenciavam a dominação de uma sobre a
outra.
As “Mal-Aventuranças” talvez seja um tema pretensioso demais para ser
analisado por um estudante de teologia em início de carreira. Contudo, não há como
evoluir sem desafios, sem provocações e sem pretensão. O mesmo espírito daquele
jovem galileu que assombrou sua região há dois mil anos atrás, impulsiona à
descoberta do improvável, do novo, do fora do senso comum.
Senso comum é o local para onde retornamos após passearmos pelas
possibilidades.
Mas, não deixa de ser excitante este passeio...
__________________________________________________Conclusão

Nem sempre o planejado é o alcançado. Percalços imprevisíveis e limitações


esperadas atrapalham os planos de qualquer um. Mesmo assim, é possível colher
frutos adocicados e saborosos. Deste trabalho sobre as Mal - Aventuranças há de
permanecer muita coisa.
Primeiro a convicção de que o mesmo Deus que revelou-se na história, ainda
atua na história e liberta na história. O compromisso assumido por Jesus de Nazaré há
dois mil anos atrás – e tragicamente interrompido por uma morte prematura e
desnecessária – deve ser tomado como bandeira de luta dos cristãos do século XXI,
pois representa a última esperança daqueles que nada possuindo, nada têm (nem
mesmo quem lute por seus direitos.
O segundo ponto a ser considerado é
__________________________________________________Bibliografia

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