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INVESTIGAÇÃO

ESTUDO DE ALGUNS ASPECTOS


OTORRINOLARINGOLÓGICOS EM CRIANÇAS ASMÁTICAS
I - PREVALÊNCIA DE RINOSSINUSOPATIA
MAGDA M. S. CARNEIRO-SAMPAIO 1
NILTON S. ZEBRAK 2
EDEVALDO CORADETTE 2
LUIZ CARLOS BOGUS 3
PERBOYRE L. SAMPAIO 4

RESUMO patia alérgica e 47% apresentaram altera-


ções radiológicas de seios paranasais sendo
Os autores estudaram a prevalência de o espessamento da mucosa o achado mais
rinossinusopatia em 70 crianças portadoras comum. O exame citológico de secreção na-
de formas moderadas e severas de asma sal mostrou eosinofilia importante em 76%
brônquica, através de avaliação clínica por das crianças com rinopatia isolada, sem in-
otorrinolaringologista, radiografias de seios dícios de acometimento sinusalt havendo
paranasais e exame citológico de secreção predomínio de neutrófilos em 67% dos ca-
nasal. Setenta e quatro por cento dos pa- sos onde se caracterizou uma sinusopatia
cientes tiveram diagnóstico clínico de rino- associada.

O revestimento das vias aéreas superio- para a elevada freqüência de queixas respi-
res é muito similar ao da árvore respiratória ratórias altas, concomitantes aos problemas
inferior e ambos participam da reação contra do trato respiratório inferior. Esta observação
fatores agressivos, inclusive os de natureza motivou a realização deste trabalho, onde são
alergênica. Os mesmos mediadores químicos apresentados os dados de um levantamento
da resposta alérgica encontrados no pulmão, sobre a prevalência de rinossinusopatia em
assim como eosinófilos, têm sido também crianças portadoras de asma brônquica. Este
detectados no trato superior4. As manifesta- estudo deu origem a uma linha de trabalho
ções clínicas resultantes são diferentes em que, no momento, está sendo aprofundada e
virtude das peculiaridades anatômicas, princi- ampliada no sentido de se avaliar o anel lin-
palmente a presença de musculatura lisa nas fático de Waldeyer e as repercussões para o
vias respiratórias inferiores. ouvido médio.
No seguimento ambulatorial de crianças as-
máticas tivemos nossa atenção despertada
Casuística e métodos
Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo. Unidade de Imunologia.
Entre setembro de 1978 e agosto de 1979,
1 Assistente Doutor. Chefe da Unidade. foi realizado um estudo transversal de 70
2 Médico Adido.
3 Assistente da Seção de Radiologia. portadores de formas moderadas e severas
4 Assistente da Clínica OtorrInolaringológica do Hospital das de asma brônquica, na faixa etária entre 3 e
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Aceito para publicação em 20 de dezembro de 1979. 15 anos, de ambos os sexos (tabela 1), se-
cia respiratória nasal, seguidas de coriza, pru-
rido nasal e espirros em salva. Cinqüenta e
nove crianças (84% do total) apresentaram
alguma queixa, tendo a maioria dois ou mais
sintomas (tabela 2). Apenas cinco pacientes
referiam cefaléia importante: todos estavam
na faixa de escolar e mostraram alguma forma
de acometimento sinusial.
À rinoscopia anterior, 55 crianças (76%
do total) mostraram quadro de rinopatia alér-
gica, caracterizado pelo aspecto pálido e ede-
maciado da mucosa, presença de secreção
seromucosa, hipertrofia de cornetos (Tabela
guídos no Ambulatorio da Unidade de Imuno- 2). Cinqüenta e dois pacientes (74% do total)
logia do Instituto da Criança, os quais foram apresentaram, ao mesmo tempo, queixas e
submetidos a: exame ORL compatíveis com rinopatia alér-
a) avaliação clínica por otorrinolaringolo- gica.
gista (ORL); Em 33 casos (47% do total), foram en-
b) exploração radiológica dos seios pa- contradas alterações radiológicas dos seios
ranasais e maxilares (tabelas 2 e 3, figuras 1, 2 e 3).
c) exame citológico de secreção nasal. As demais cavidades sinusais estiveram pou-
Na avaliação ORL, realizada sempre pelo padas, exceto em um menino de 11 anos que
mesmo médico (P.L.S.), foram considerados apresentou velamento bilateral de seios fron-
os dados do interrogatorio sintomatológico e tais, além de espessamento de 12mm da mu-
da rinoscopia anterior. Interrogou-se quanto a cosa dos seios maxilares. Os achados de opa-
rinorréia, prurido nasal, espirros, insuficien- cificação completa foram mais comuns entre
cia respiratoria nasal, "pigarro", cefaléia, mo- pacientes mais jovens. O acometimento sinu-
dismos. Avaliou-se, na rinoscopia anterior, o sal foi bilateral em 25 dos 33 casos.
aspecto da mucosa (coloração, edema), pre- Quanto ao exame citológico de secreção
sença de rinorréia, de pólipos, hipertrofia de nasal, em 29 pacientes, detectou-se eosino-
cornetos, entre outros sinais. filia igual ou superior a 10%, estando os eosi-
As radiografias dos seios paranasais fo- nófilos mais baixos ou ausentes nos outros
ram realizadas nas posições clássicas de 41 casos. Entre as 52 crianças com sintomas
Caldwell (fronto-naso-placa), de Waters (men- e exames físico sugestivos de rinopatia alér-
to-naso-placa) e de Hirtz (axial). Além da pes- gica, 25 (48% destas) exibiram eosinofilia em
quisa de velamentos, nível líquido, imagens secreção nasal. Das 27 deste grupo sem eosi-
císticas e outras alterações, valorizou-se a nofilia nasal, 16 mostraram algum tipo de alte-
espessura da mucosa dos seios maxilares, ração radiológica sinusial. Em 25 pacientes
medida em milímetros, a partir da parede com queixas e exame ORL de rinopatia alér-
externa, sempre pelo mesmo radiologista gica e sem acometimento de seios, 19 (76%
(J.C.B.). Consideraram-se anormais, espessa- destas), mostraram eosinofilia em secreção
mentos de mucosa iguais ou superiores a nasal. Das 33 crianças com sinusopatia 22
2mm. (67% destas) apresentaram eosinófilos bai-
xos ou ausentes. Analisando em particular, os
A leitura do citológico de secreção nasal
10 casos com opacificação completa de um
foi realizada em microscópio óptico comum,
ou mais seios, em apenas um caso, se detec-
usando objetiva de imersão, com um aumen-
tou eosinofilia nasal, havendo nos demais,
to de 1.000 vezes, após ter sido a lâmina nítido predomínio de neutrófilos.
corada pelo método de Leishmann. Conside-
raram-se sugestivas de acometimento alérgi-
co níveis de eosinófilos iguais ou superiores Comentários
a 10% do total de leucocitos.
Na população de crianças asmáticas ana-
lisada neste trabalho, foi bastante elevada a
Resultados prevalência de rinopatia alérgica (74%). Estes
resultados são muito próximos aos de Smith
As queixas respiratórias altas mais co- & Knowler, que estudando 1.125 pacientes
muns foram as relacionadas com insuficiên- alérgicos com menos de 20 anos de idade,
de manter a criança numa posição ótima po-
dem dificultar sua análise. Em virtude disto,
optamos por não considerar os espessamen-
tos menores que 2mm, os quais foram compu-
tados como patológicos no excelente trabalho
de Rachelefsky & cois., constituindo 6% da
casuística 10.
No presente trabalho, adotamos como cri-
tério de acometimento alérgico, valores de
eosinófilos em secreção nasal iguais ou su-
periores a 10% do total de leucocitos, níveis
também considerados por outros autores 9 e 10.
Este exame mostrou-se de algum valor em
nosso estudo. Encontramos uma eosinofilia
significativa na maior parte dos casos (19 em
25 pesquisados) com rinopatia alérgica isola-
da, sem indícios de acometimento sinusal.
Enquanto isto, em 67% dos 33 portadores de
sinusopatia, os eosinófilos da secreção nasal
estiveram baixos ou ausentes com nítido pre-
domínio de neutrófilos, sendo este achado
referido também por Rachelefsky & cols. 10 . É
possível que este último dado esteja apon-
observaram que 78% dos que tinham asma
tando um componente infeccioso associado.
apresentavam também sintomas nasais 12 .
Observamos algumas crianças com queixas Um aspecto importante ainda a discutir
de rinopatia alérgica, cujo exame ORL não seriam as relações entre as alterações do
evidenciou alterações nasais 12. Talvez este trato respiratório superior e a asma brônquica.
exame, realizado num dado momento, não re- Infelizmente, até o momento, não está muito
flita a situação da mucosa nasal em outros nítido o quanto esta associação teria uma
períodos, ou não consiga detectar alterações implicação causal e o quanto seria simples-
discretas da mucosa. mente a manifestação simultânea de uma
A sinusopatia tem sido demonstrada co- mesma desordem constitucional 4 .
mo uma condição mais freqüentemente en- Tem sido descrito que a patologia rinos-
contrada entre os portadores de alergia res- sinusal agrava a asma e que o tratamento
piratória do que na população g e r a l 2 - 3 - 4 - 6 - 7 - bem sucedido da primeira influência benefica-
8el
°. Nestes pacientes, o achado radiológico mente o curso da segunda 4 - 5 e 10. Alguns me-
mais comum é o espessamento da mucosa do canismos são propostos para explicar esta
s e i o 2 - 4 - 9 6 1 0 . Rachelefsky & cois, analisando observação clínica. Entre as várias funções do
uma população de 70 crianças e adolescentes nariz (quadro 1), algumas tem íntimas impli-
com asma htfônquica e/ou rinopatia alérgica, cações para o trato respiratório inferior 1 . O
detectaram ¿m 55%, alguma anormalidade a aquecimento, umidificação e filtração do ar
nível dos seios da face, sendo que em 21% pelo nariz parece ser de fundamental impor-
dos pacientes, houve opacificação completa tância para a traquéia e bronquios, os quais
do seio. Em todos os casos as alterações se passam a receber um ar de má qualidade,
restringiram aos seios maxilares. Os resulta- quando há uma respiração nasal insuficien-
dos do referido trabalho são muito semelhan- t e 4 ® 9 . Tem-se observado também que, na vi-
tes ao deste estudo, também no que se refere gência de obstrução nasal, existe um aumento
à maior concentração dos casos de opa- significativo da resistência pulmonar, em vir-
cificação completa entre as crianças mais tude do chamado reflexo nasobrônquico 1 3 e 14.
jovens 10. Outro ponto interessante seria o papel de-
Na interpretação destes resultados deve sempenhado por focos infecciosos nasossinu-
estar presente que a radiografia simples de sais sobre a doença asmática. Sabe-se que
seios da face é um exame que tem suas limi- infecções respiratórias altas são capazes de
tações, principalmente em Pediatria, onde as desencadear crises asmáticas e se tem refe-
pequenas dimensões das cavidades, os den- rido que o tratamento da sinusopatia com an-
tes em desenvolvimento, o choro, o problema tibióticos coincide, em muitos casos, com a
asmática. A manutenção das vias aéreas su-
periores tão sadias quanto possível deve be-
neficiar muito o portador de asma e deve
constituir um fator a mais no sucesso do con-
trole desta doença.
Os métodos utilizados neste trabalho fo-
ram bastante simples, acessíveis à maior
parte dos serviços assistenciais do país. Na
nossa opinião, o pediatra, ao lidar com o as-
mático, deveria incluir no seu interrogatório
algumas perguntas dirigidas à patologia do
trato respiratório superior e deveria também
se treinar para a execução rotineira da rinos-
copia anterior. Este exame, realizado apenas
melhora de asma 4 - 5 e 10. Os mecanismos pelos levantando-se a ponta do nariz e iluminando
quais a ¡nfecção exacerba a asma ainda são bem as fossas nasais (usamos normalmente
obscuros. Acredita-se que não se trate de a luz do otoscopio) oferece a um médico aten-
uma contaminação direta do trato inferior to praticamente os mesmos dados que o exa-
pelo superior, mas que provavelmente uma me feito com espéculo e iluminação frontal,
reação generalizada das vias aéreas inferio- como usualmente o realizam os ORL.
res seja estimulada por certos produtos da
infecção talvez através dos chamados irritant Outra sugestão seria reduzir a exploração
receptors4* n. A freqüência de infecções mi- radiológica dos seios da face na criança à
crobianas nas cavidades sinusais radiológica- posição de Waters, uma vez que a quase tota-
mente alteradas é outro aspecto pouco claro. lidade das alterações limita-se aos seios ma-
O espessamento da mucosa sinusal não signi- xilares. Seria uma medida de economia, além
fica necessariamente infecção, podendo tra- de diminuir a exposição da criança à irra-
duzir edema, hiperemia e infiltração celular diação.
próprios da reação alérgica 4 . No entanto, se
aceita que o espessamento da mucosa difi-
culte a drenagem do seio, propiciando a SUMMARY
retenção de secreções e o aparecimento de
surtos agudos de ¡nfecção. Berman & cois.,
usando urna técnica de colheita muito cuida- Study of some otorhinolaryngological
dosa, encontraram infecção bacteriana em aspects in asthmatic children
apenas 20% dos casos de uma população de I — Prevalence of rhinosinusopathy
asmáticos adultos com sinusopatia, diagnos-
ticada pelo raios X, incluindo os portadores
de opacificação completa2. Não se têm dados The authors studied the prevalence of rhino-
sobre outros microrganismos como micoplas- sinusopathy in 70 children with moderate
ma e vírus nestes seios alterados. Rache- and severe forms of bronchial asthma. The
lefsky & cois, optaram por tratar como bacte- patients were clinically evaluated by oto-
rianas todos os casos de velamento completo rhinolaryngologists, the paranasal sinuses
da cavidade sinusal, observando uma melhora were X-rayed and the nasal secretion was
radiológica, passando muitos pacientes a submitted to cytological examination. Seven-
apresentar apenas espessamento da mucosa ty-four percent of the patients presented
e melhora clínica, inclusive da asma permi- clinical diagnosis of allergic rhinopathy and
tindo redução das doses de broncodilatadores 47% radiologic changes in the paranasal
em vários casos 10. sinuses; the most common finding was
thickening of the mucosa. The cytological
Conclusões e sugestões examination of the nasal secretion revealed
serious eosinophilia in 76% of the children
Verificamos que a rmossinusopatia está with rhinopathy only, with no evidence of
muito freqüentemente associada à asma brôn- sinusal attack; a predominance in neutro-
quica e consideramos importante que os pe- phils was observed in 67% of the cases
diatras sejam alertados para a pesquisa da which were characterized by an associate
patologia do trato respiratório alto na criança sinusopathy.
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