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CP 125855
CP 125855
VASSOURAS
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2
2009
UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA
COODENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA
VASSOURAS
3
2009
UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA
COODENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA
Elaborada por CARLOS ALBERTO DIAS FERREIRA, e aprovada por todos os membros
da Banca Examinadora, foi aceita pelo Programa de Mestrado em História da Universidade
Severino Sombra, como requisito parcial para obtenção do Título de
MESTRE EM HISTÓRIA
Banca Examinadora:
__________________________________________________________________
Professor Doutor Fábio Henrique Lopes [USS]
Presidente
__________________________________________________________________
Professora Doutora Marilene Rosa Nogueira da Silva [UERJ]
1º Examinador
__________________________________________________________________
Professora Doutora Cláudia Regina Andrade dos Santos [USS]
2º Examinador
VASSOURAS
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2009
AGRADECIMENTOS
Ao ousar produzir este trabalho, tinha consciência de que só poderia explorá-lo, com
ajuda, incentivo, compreensão, colaboração e solidariedade de muitos, envolvendo uma gama
de pessoas, que conscientemente ou inconscientemente, de alguma forma participaram e
contribuíram, através de palavras de apoio, da indicação de bibliografias, fornecendo fontes
ou sugestões de onde procurá-las. Todas estas contribuições, em muito auxiliaram e estão
inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade,
inquietação e solidão. Toda a colaboração e o diálogo realizado com colegas e intelectuais,
dentro das possibilidades, foram aproveitados e inseridos no trabalho.
Estou ciente de que lembrar todos os nomes que participaram de alguma forma dessa
empreitada seria uma tarefa difícil, e provavelmente injusta por deixar algum nome de fora;
além disso, muitos já não pertencem mais ao quadro do Programa de Mestrado da
Universidade Severino Sombra. Dessa forma, agradeço ao quadro de docentes pertencentes ao
Programa de Mestrado da Universidade Severino Sombra, que acreditaram e contribuíram
para a elaboração deste trabalho, além de todo o seu quadro administrativo bem como aos
funcionários das bibliotecas.
Agradeço pela compreensão e por serem muito, muito especiais, a minha companheira
Maria Fátima Barbosa Rodrigues, o meu filho Tiago Rodrigues Fonte e a minha filha
Natshara Carolina Rodrigues Ferreira; concomitantemente, peço perdão pela minha ausência.
RESUMO
Esta dissertação, definida aqui como uma reflexão biográfica, tem como objeto os
caminhos, as relações, as estratégias, as histórias e o contexto histórico de Francisco Paulo de
Almeida, nascido no ano de 1826 e falecido em 1901. Homem negro, que no Brasil Império
iniciou-se, aproximadamente em 1838, como ourives e, posteriormente, já pelos anos de
1842, como tropeiro. Em 1860, já pertencia a oligarquia cafeeira, com fazendas em Valença,
Paraíba do Sul e Arraial de Três Rios, no Rio de Janeiro e na cidade de Mar de Espanha, em
Minas Gerais, além de ter sido Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de
Valença-RJ. Teve participação importante em parte da construção da Estrada de Ferro do
Médio Vale do Paraíba, além de ter sido sócio e fundador de empresas de sociedade anônima
e de ter participado do sistema financeiro de Juiz de Fora – MG, na constituição do Banco
Territorial e Mercantil de Minas Gerais e o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, “O
Credireal”. Entre as propriedades que possuiu, além das fazendas, tinha uma casa na Corte,
situada à Rua Moura Brito e foi dono do Palácio Amarelo, atual sede do Legislativo da cidade
de Petrópolis – RJ.
RESUMEN
Este disertación, definido aquí como reflexión biográfica, tiene como objeto las
maneras, las relaciones, las estrategias, las historias y el contexto histórico de Francisco Pablo
de Almeida, llevado en el año de 1826 y los difuntos uno de 1901. Hombre negro, que en el
imperio inició sí mismo del Brasil, aproximadamente en 1838, como platero y, más adelante,
ya por los años de 1842, como tropero uno. En 1860, la oligarquía del café perteneció ya, con
las granjas en Valencia, Paraíba de Sul y Arraial de Tres Ríos, en Río de Janeiro y la ciudad
del Mar de España, en Minas Gerais, más allá de ser surtidor de la fraternidad del Santo Casa
de Misericordia de Valencia-Rio de Janeiro. Tenía participación importante en la parte de la
construcción del ferrocarril del valle medio del Paraíba, más allá de fundar a socio y de
compañías de la sociedad anónima y haber participado del sistema financiero de Juiz de Fora -
magnesio, en la constitución del Banco Territorial y Mercantil de Minas Gerais y del Banco
del Crédito Verdadero de Minas Gerais, “el Credireal”. Entre las características que poseyó,
más allá de las granjas, tenía una casa en el corte, situado a la calle Moura Brito y era el
dueño del palacio amarillo, jefaturas actuales de legislativo de la ciudad de Petrópolis - el Rio
de Janeiro.
Palabra-llave: Francisco Pablo de Almeida; Valle medio del Paraíba; redes del sociabilidad y
relaciones de poder.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 10
REFERÊNCIAS......................................................................................................124
10
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa teve início a partir de uma provocação, feita por um professor da
graduação. Como aluno do curso de História pertencente a um grupo de pesquisa, procurava
transmitir e aconselhar os demais colegas sobre a importância da determinação do tema para o
TCC, o mais cedo possível. O professor da disciplina, ao escutar aquele “conselho”, lançou
um desafio à turma: escrever sobre “o barão de Guaraciaba”. Mas sua provocação tinha
sentido? Considerando que a Universidade Severino Sombra está localizada “na cidade dos
Barões”, qual o interesse de um trabalho sobre mais um barão?
Instigado por aquele desafio, quis saber o que esse barão teria de “diferente” que
justificasse a tarefa. Inicialmente, o professor informou que se tratava de um negro, que havia
recebido o título de baronato em 1887, que seu nome era Francisco Paulo de Almeida, barão
de Guaraciaba, e que até aquela data “ninguém havia escrito nada sobre ele”, e que essas eram
“todas” as informações/dados que ele tinha sobre o personagem.
Nessa mesma Irmandade, encontrei a Revista [local] Chafariz, de 2004, com matéria
sobre Francisco Paulo de Almeida, extraída do livro A História de Três Rios e seus vultos
importantes 1853-1992, de autoria de Marciano Bonifácio Pinto Filho. Nessa transcrição,
havia informações para dar continuidade à pesquisa sobre o barão: esposa, filhos, fazendas,
negócios, relacionamentos, etc.
1
Jornal Caderno do Interior [CADIN]: Ano IV, n° 46 ─ Rio de Janeiro, outubro/novembro de 2000, p. 1 e
2.Transcrito na integra.
2
COSTA, Elisa Maria Amorim da Costa. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença (1838 –
1889). Dissertação de Mestrado [História Social] ─ USS ─ dezembro de 1997.
12
Através do link da Câmara Municipal de Petrópolis – RJ, descobri que o mesmo foi
dono do Palácio Amarelo, sede do Legislativo, e que, logo após Francisco Paulo de Almeida
adquirir a propriedade, houve uma obstinação [perseguição] pela Câmara, para que o imóvel
passasse a ser sua sede. No período entre 1891 e 1894 o Legislativo aprovou a construção de
um mercado popular, onde hoje é a Praça Visconde de Mauá. Este projeto não prosperou,
porém, logo depois se aprovou a instalação de um “kursal”, que também não se desenvolveu,
e, finalmente, em 25 de abril de 1894, sancionou-se projeto que autorizava a construção,
naquele terreno, do novo Paço Municipal, que ficaria em frente ao solar do Barão. Foi uma
demanda que durou quatro anos, pois em 11 de junho de 1894, o Barão de Guaraciaba
capitularia, propondo ele próprio a aquisição do imóvel pela Câmara.
3
A Nobreza Brasileira de A a Z ─ "Página transcrita do Archivo Nobiliarchico Brasileiro dos barões Smith de
Vasconcellos, com adendas e correções". Autor: Sérgio de Freitas.GUARACIABA: O barão de
GUARACIABA foi Francisco Paulo de Almeida, que era natural de Santa Fé, MG. ─ Adenda: Firmino [*] Paulo
de Almeida - agraciado com o título [Dec. 16.09.1887] de Barão de Guaraciaba. Nasceu em 10 de janeiro de
1826 em Santa Fé - MG e faleceu em 9 de fevereiro de 1901, no Rio de Janeiro, sendo sepultado no cemitério de
Bemposta, município de Três Rios - RJ. Foram suas propriedades as fazendas das Três Barras, no atual
município de Três Rios, e Santa Fé, no município de Chiador, Minas Gerais. Sua esposa, a baronesa, faleceu
13
importância. Nesta obra, organizada pelos barões Smith de Vasconcellos, encontrei algumas
referências sobre Francisco Paulo de Almeida, sendo que consta seu nome como Firmino
Paulo de Almeida [sic.], nascido na cidade Santa Fé [sic] – MG, além do dia mês e ano do
decreto que lhe concedeu o título de barão de Guaraciaba.
vitimada de febre amarela, na Fazenda das Três Barras, em 01.06.1889. ─ [*] O pesquisador nomeia o titular
como Firmino. O ANB e o Dicionário das Famílias Brasileiras o têm como Francisco. ─ Colaborador: José
Roberto de Vasconcellos Nunes - pesquisador. Criador e coordenador da lista Gen-Minas de genealogia.
Disponível em: http://www.sfreinobreza.com/NobAZ.htm, acesso em 02 de julho de 2009.
14
Santa Fé, situada em Mar de Espanha – MG, situava-se do outro lado do encontro dos Rios
Piabanha e Paraibuna, onde existe uma ilha, bem no centro do rio que corre atrás da sede da
fazenda; sua outra fazenda, a Boa Vista em Paraíba do Sul – RJ é separada da fazenda Três
Barras pela Rodovia 040, Rio-Juiz de Fora – MG.
Em julho de 2009, retornei a São João Del Rei e, dessa vez, obtive sucesso. Consegui
no IPHAN os inventários de seu pai, da sua “madrasta” de sua madrinha “avó”, faltando
conseguir o do seu padrinho “avô”, ainda não localizado. Além disso, consegui marcar horário
na Igreja Matriz e fotografei a página onde consta o batismo de Francisco Paulo de Almeida.
Estes documentos forneceram informações e pistas que desconstruíram minha idéia inicial de
que Francisco Paulo de Almeida constituiu sua vida sem nenhum suporte, uma vez que tanto
sua madrasta, quando ele tinha 16 anos, como sua avó, quando ele já contava com 25 anos,
lhe deixaram, através de seus inventários, quantias substanciais, além de fornecer indícios das
redes de sociabilidade de sua família com outras da “elite” na Comarca do Rio das Mortes.
15
Cabe salientar que, embora tenha localizado e tido acesso a diversas fontes, várias outras não
consegui, por se encontrarem em restauração em outras cidades.
Essa foi a trajetória da pesquisa “de campo”, a qual está permitindo a constituição dos
contextos e a problematização de um personagem. Mas é preciso, ainda, salientar a
necessidade de reflexão sobre as diversas abordagens e compreensões da história e da
historiografia, bem como de suas variantes. Dentre elas, a reflexão biográfica, como por
exemplo, aquela apresentada por Vavy Pacheco Borges:
4
BORGES,Vavy Pacheco. Em busca de Gabrielle: séculos XIX e XX. São Paulo: Alameda, 2009, p. 16.
16
A partir dessas reflexões, a trajetória das pesquisas me indicou que o trabalho tratava
da identificação e estudo de um contexto histórico e de uma “reflexão biográfica”. Por isso,
cabe aqui relembrar a lenda oriental dos seis cegos e o elefante, como uma forma análoga do
primeiro impacto ao se fazer a escrita da “reflexão biográfica” e contextos históricos:
“Eram seis homens muito eruditos do Hindustão, todos com a característica comum de
serem cegos de nascença. Tinham ouvido muitos comentários a respeito dos elefantes, mas até
então, não tinham tido a oportunidade de tocar em qualquer deles.
Algum tempo depois, os amigos reuniram os seis cegos eruditos e ficaram assustados
17
com a tremenda discussão que entre os seis surgiu, cada um defendendo ardorosamente seu
ponto de vista, sua convicção, nunca chegando a nenhuma conclusão.
Todos aqueles que presenciaram aquele hilariante debate saíram dali convictos de que,
embora cada um dos seis tivesse uma leve parcela de razão, todos eles estavam totalmente
errados, apenas porque não enxergavam nem jamais teriam condições de ter uma visão
abrangente e total daquilo que todos nós sabemos ser um elefante”.
Essa opção, além de construir o objeto e desenvolver meu trabalho de dissertação pela
História Política, possibilitou considerar o poder como um exercício, encarando-o como uma
relação, porque dessa forma é que consigo construir e definir meu objeto. Para tanto, nada
mais oportuno que a escolha da biografia política, não como uma evolução temporal, como
um encadeamento de causas e efeitos, mas aquela constituinte da chamada “Nova História
Política”.
Dessa maneira é que comecei a buscar novas pistas, além de aprofundar e testar as
conseguidas anteriormente. Assim, pude de início, identificar Francisco Paulo de Almeida
como um negro que nasceu e morreu no Brasil do século XIX, que conseguiu alcançar uma
situação financeira bem acima dos padrões considerados “normais” para um negro naquela e
daquela época5: foi fazendeiro e capitalista, provedor da Santa Casa de Misericórdia de
Valença – RJ e conseguiu um título de nobreza ─ Barão. Confesso que o fato de Francisco
Paulo de Almeida ter conseguido o título de barão e a falta de informações sobre ele, em
vários livros ou em documentos e registros da época, me provocaram e me estimularam para a
pesquisa.
No primeiro capítulo, apresento a trajetória da História Política bem como sua ligação
com a biografia, dentro da visão da “Nova História”. Para dar conta dessa empreitada, busco
inicialmente dar uma visão teórico-metodológica da História Política, explicando seu processo
de “declínio” até seu “retorno”, com suas novas abordagens. Faço a apresentação da biografia
5
No decorrer do trabalho, na p. 44, citarei outros negros que também conseguiram destaque no século XIX, no
Brasil.
18
e de seus usos literário, jornalístico e histórico, bem como suas compreensões, diferenciações
e relações, apresentando o sujeito com suas identidades históricas e não naturais, dentro de
um campo e possibilidades permitidas pelo viver e vivenciar, não sendo “ele” estático, mas
em constante movimento.
Como será notado, neste capítulo trabalho com rastros, pistas e indícios, procurando
relacionar a “reflexão” biográfica e o contexto do protagonista, com indivíduos que tenham
vivido na mesma conjuntura e sejam análogos a Francisco Paulo de Almeida. Entretanto, não
consegui identificar correlação entre outros indivíduos, na área musical e na arte da
ourivesaria. Já o referencial “tropas” e “tropeiros” obrigaram-me ao estudo e compreensão das
relações de poder e dos mecanismos inseridos na abertura de estradas e do comércio em que
eles estão inseridos. Outro fato relevante é que a atuação desse segmento dava-se mais por
motivo econômico, porém fortemente influenciado e conduzido pela política, caracterizando
as relações de poder e os mecanismos e estratégias utilizadas na época. A utilização dessa
estrutura caracteriza a forma de como a ocupação de cargos era apropriada e conduzida por
6
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. Tradução: Frederico Carotti. ─ São Paulo:
Companhia das Letras, 1989, p. 152.
19
esse grupo, bem como as redes de sociabilidade formada pelo núcleo familiar eram
empregadas em proveito próprio. Outro fato caracterizado é que muitos fazendeiros, que
tinham sido tropeiros ou donos de tropas, ao alcançarem posições sociais e políticas de
destaque, omitiam esse período de suas vidas.
Por tudo isso, trata-se de uma reflexão biográfica, de um estudo que busca a
identificação e análise dos contextos de um sujeito: Francisco Paulo de Almeida. Por trabalhar
com enfoque da “Nova História Política”, com suas problematizações propostas e abordagens,
não desprezo nem desconsidero a importância da narrativa para dar conta não só do contexto
geral como do específico do sujeito. Posso afirmar tratar-se de um trabalho inédito, o que
torna impossível sua conclusão nessa dissertação de mestrado.
Deste modo, reafirmo não se tratar do ponto de chegada. Exatamente por ser um
trabalho dissertativo, não uma tese, busco tecer e apresentar reflexões biográficas e de
contextos, indagando sobre os caminhos, a trajetória, as redes de sociabilidade, as relações de
poder, o tempo e suas especificações na vida e nos caminhos de Francisco Paulo de Almeida.
21
A trajetória de Francisco Paulo de Almeida é tomada como eixo do trabalho para com,
e a partir dela, relatar e configurar a sua vida e sua[s] história[s]. Por esta razão, se afigura
necessária a análise de sua vida, sobretudo por meio de suas redes de sociabilidade para que o
contexto de sua vida social, econômica e política seja mapeado e analisado, permitindo,
assim, a abordagem reflexiva biográfica e o estudo do contexto histórico..
7
Dentre estes temas posso citar: A vinda da família Real Portuguesa para o Brasil, a abertura dos portos no
Brasil, o fim das guerras napoleônicas, a Independência do Brasil, a agricultura cafeeira, a implantação da
Estrada de Ferro Dom Pedro II, a abolição da escravatura, a proclamação da República, entre outros.
22
Dessa forma, ao enveredar pelo político, o historiador encontra desafios que só podem
ser vencidos com a clara disposição do rigor com o qual abordará os registros e fontes
relacionados, demonstrando que o discurso se ampara e, ao mesmo tempo, produz dados e
documentos embasados nas percepções dos processos históricos fornecidos por eles [fontes e
registros]. Além disso, deve, o historiador, contextualizar sua abordagem, definindo os dados
temporais e os elementos materiais do trabalho.
dizem os historiadores da “Nova História”, daquela História que busca construir-se como
ciência [mesmo na infância], nota-se que jamais afirmaram tal coisa. Rémond observa que:
É evidente, porém, que essas monografias na área das sínteses históricas, instrumentos
de construção e verificação de teorias, contrapartida necessária das sínteses globalizantes, têm
pouco em comum com o ideal positivista de trabalho monográfico. Hoje, é sabido que a
monografia, tal como é entendida, deve articular-se com a teoria, partir do social, buscando,
sempre, contextualizá-lo [sem ele não seria possível definir adequadamente o aspecto sobre o
qual versa o estudo monográfico].
9
RÉMOND, Réne. Op. cit., p. 16.
10
Entendido, neste contexto, como os rastros, pensamentos e comportamentos marcados e deixados pelos nobres,
fazendeiros e a elite em geral, do século XIX, principalmente, após meados dos Oitocentos.
24
Consciente de que o protagonista pertenceu a tais elites, busquei indagar e relatar sua
trajetória através da correlação do poder dos plantadores, desde sua ascensão no Vale do
Paraíba, até sua aparente queda. Sendo assim, optei, neste trabalho, por um caminho em que
eu consiga explicá-lo, através de pistas e indícios encontradas nas histórias de vida de outros
personagens, que compõem suas redes de sociabilidade.
A opção por este caminho, com todo esse manancial para embates, me fez perguntar:
Por que a trajetória de uma determinada História Política, que teve seu apogeu no século XIX,
passa a ser desprestigiada a partir dos anos 20 até início da década de 60 do século XX? O que
pode ter ocorrido? Neste sentido, as considerações de Rémond sobre Uma História Presente11
são imprescindíveis se se quiser compreender as concepções fundadoras da escrita histórica.
O autor introduz sua discussão sobre os pressupostos teóricos que teriam fomentado a
reformulação do conceito e do papel da História. Tomando primeiramente como foco a
questão que:
Ainda de acordo com Rémond, a dita “História Política” teve seu apogeu no século
XIX, porém, “devido à convergência de vários fatores contingentes, uma geração abre uma
passagem em alguma direção que descortina novas perspectivas e enriquece o conhecimento
global13”. Buscando o enriquecimento e o conhecimento desta “Nova História”, forma-se o
grupo dos Annales, que identifica e direciona a História com a especificidade econômica e
suas consequências sociais, utiliza-se como estratégia para o crescimento e desenvolvimento
da História econômica e social, o descrédito da História Política: “Os historiadores
econômicos foram, talvez, os opositores mais bem organizados na história política 14”. Porém,
o mesmo movimento/escola que acarretou seu declínio, foi resgatado através da “Nova
História”, a partir dos anos de 1960. Segundo Dosse:
A paisagem modifica-se nos anos 60. Os historiadores dos Annales, para resistir ao
novo assalto das ciências sociais, renunciam, então à sua vocação de síntese,
entregam as armas e pensam em termos de novos recortes disciplinares provisórios a
partir das diversas práticas e dos diversos objetos históricos. [...].
Esses historiadores partidários da história global são, hoje, os verdadeiros portadores
da renovação do discurso histórico e da verdadeira Nova História. [...] Para que a
história volte a ser a ciência da mudança, como Marc Bloch a denominava, é preciso
que rompa com o discurso predominante dos Annales do tempo imóvel, com a visão
passadista do historiador, que se precavenha de toda veleidade de transformações ao
apresentar um mundo social dotado de respiração natural, regular e imutável. [...] O
renascimento do discurso histórico passa pela ressurreição daquilo que foi rejeitado
desde o começo da escola dos Annales, o acontecimento. [...] trata-se de fazer
renascer o acontecimento significativo, ligado às estruturas que o tornaram possível,
12
RÉMOND, Réne. Op.cit., p. 16-17.
13
Idem, p. 13.
14
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da historiografia. São Paulo:
Fundação Editora da UNESP, 1997, p. 19.
15
DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à Nova História. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p. 373,
382-383.
26
Estado, do poder, das guerras e revoluções, das instituições e grandes homens ─ manteve seu
prestígio durante longo tempo porque refletia a glória do soberano e a exaltação da
monarquia. A mudança do regime monárquico só alterou o foco para o Estado e a nação, “o
que mostra o quanto é verdade que o historiador de uma época distribui sua atenção entre os
diversos objetos que solicitam seu interesse na proporção do prestígio com que a opinião
pública envolve os componentes da realidade16”.
Para René Rémond, a política é uma das mais altas expressões da identidade coletiva.
Talvez por isso, o autor ressalte a importância do entendimento da História Política para se
compreender o todo social, ou seja: “da participação na vida política e dos processos
eleitorais, integra todos os atores, mesmo os mais modestos, perdendo assim seu caráter
elitista e individualista e elegendo as massas como seu objeto central19”.
Desde então, a História Política não se volta mais somente para a curta duração, para o
tempo do acontecimento, produzindo uma história que se chamaria de événementielle, mas
sim para uma “pluralidade de ritmos que combinam o instantâneo e o lento20”, tornando
possível uma análise das formações políticas e ideológicas com base nesta “Nova História”.
Rémond ainda analisa que só é política a relação com o poder na sociedade como um todo e
que a História Política é necessariamente pertencente a uma perspectiva global, sendo o
político o seu ponto de agregação.
16
RÉMOND, Réne. Op. cit., p. 15.
17
FERREIRA, Marieta de Moraes. “A nova “velha história”: o retorno da história política. In: Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5. n. 10, 1992, p. 265-271.
18
RÉMOND, Réne. Idem, p.29.
19
FERREIRA, Marieta de Moraes. “Apresentação”. In: RÉMOND, Réne. Por uma história política. Trad. Dora
Rocha. ─ 2. ed. ─ Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 7.
20
Idem.
27
No decorrer do século XX, refletir sobre a realidade que cerca e constitui o ser
humano esteve para o historiador, longe de ser uma ação única, cujos procedimentos
buscavam somente uma direção. Muito pelo contrário, essa realidade da constituição do ser
humano insere-se no campo de ação das possibilidades. Filhos da crise dos grandes
paradigmas e dos determinismos que desregularam os mecanismos explicativos do
econômico, social e político, ampliando seu campo de ação, os historiadores aprenderam a
conviver em um universo de novas possibilidades que aumentaram os variados temas,
problemas e abordagens de seus trabalhos.
Porém, nem todas essas possibilidades foram [e ainda não são] bem vistas.
Especialmente os trabalhos realizados pela terceira geração dos Annales, vanguarda da
chamada “Nova História”. Os estudiosos que a propiciaram, envolveram-se e se
comprometeram com o aparecimento de novos objetos, novas fontes e novos temas na
historiografia. Um exemplo dessa posição é fornecido pelo próprio Dosse:
posições hegemônicas21.
Até por volta do início do século XX, estudos associados ao político eram
hegemônicos entre os historiadores. Como já foi dito, dedicavam-se tais historiadores a
compreensão das ações de “grandes homens” [ministros, chefes de estado, imperadores,
chefes religiosos, etc.]; e aos “grandes acontecimentos” [guerras, tratados, revoluções, etc.].
21
DOSSE, François. Op. cit., p.249. [antropologia histórica, entendida neste contexto como a “evolução
histórica” e antropologia estrutural como “característica estrutural”].
28
Foi nos anos 60, quando o marxismo conheceu uma grande expansão na França, e se
aprofundaram os contatos entre esta doutrina e os Annales que a dimensão política
dos fatos sociais foi especialmente marginalizada. Esta postura deveu-se
essencialmente à formulação de inúmeras criticas ao papel do Estado, visto como
mero instrumento da classe dominante, sem nenhuma margem de autonomia. O
político passava a ser um reflexo das injunções econômicas, destituído de dinâmica
própria. Alain Touraine declarou a esse respeito que durante longos anos ocorreu
Por parte dos marxistas, como é sabido, deve-se atentar para a renovação promovida
por um maior diálogo com as ciências vizinhas. Tais autores investiram no político a partir de
um esforço compreensivo das concepções morais e ideológicas que motivaram os grupos
populares e personalidades e, acompanhando Santos:
22
HOBSBAWM, Eric. “O que os historiadores devem a Karl Marx?” In: Sobre história. Trad. Maria Aparecida
Baptista. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000, p. 155-170.
23
BURKE, Peter. Op. cit., p. 113.
24
LEVILLAIN, Philippe. “Os protagonistas: da biografia”. In: RÉMOND, Réne. [org.]. Op. cit. p. 143.
25
FERREIRA, Marieta de Moraes. Op. cit. 1992, p. 265-271.
29
De modo diferente, não apenas entre os marxistas, como entre os próprios autores que
constituíam esse grupo da terceira geração, a investigação do político passou a ser realizado
por meio da interpretação de símbolos, sentidos e valores presentes em rituais, cerimônias,
discursos, etc. Desta feita, memória, identidade, tradição, mentalidade, imaginário,
representação, ideologia, entre outros conceitos-chaves, centralizaram a dedicação do
historiador.
26
SANTOS, Theotonio dos. “A Economia Política Marxista: Um Balanço”. In: Sociedade de Economia Política
e Clássica. [Org.]. CONGRESSO DE ECONOMIA CLASSICA E POLÍTICA, 1. ANAIS. NITEROI: UFF,
1996. Disponível em http://www.nodo50.net/cubasigloXXI/taller/dossantos_290204.pdf. acesso em 23 set. 2008.
27
BERSTEIN, Serge. “A Cultura Política”. In: RIOUX, J; SIRINELLI, J [org.]. Para uma História Cultural.
Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 350.
30
des rites, des symboles, là où règne, croiton, le parti, l’institution, l’immobile. Elle permet de
sonder les reins et les cœurs des acteurs politiques. Son étude est donec plus
qu’enrichissante: indispensable [...]28”.
Para Berstein, História Política é uma “porção de um patrimônio cultural indiviso que
é experimentado no curso de uma existência30”. Portanto, cada cientista a partir de seu olhar
deve experimentar sua análise na tentativa de compreender a complexidade do todo. Trata-se
de “uma espécie de código e de um conjunto de referentes, formalizados no seio de um
partido ou, mais largamente, difundidos no seio de uma família ou de tradição política31”.
Pierre Rosanvalon vai mais longe nesta descrição. Segundo ele, o político não é uma
instância ou um domínio entre outros da realidade. É o lugar onde se articula o social e sua
representação, a matriz simbólica na qual a experiência coletiva se enraíza e se reflete por sua
vez. Com esta demarcação mais ampla do espaço do político, Rosanvalon abre novas
alternativas para o estudo dos fenômenos políticos entendidos como campo de representação
do social:
[...] a história conceitual do político não conduz propriamente a rejeição das vias
tradicionais da história [...], ou aquelas mais recentes da história [...], mas apenas à
recuperação de sua matéria em uma perspectiva diferente. Trabalho de recuperação
Dessa maneira, nas últimas décadas, como apontam Rémond, Berstein e Rosanvalon,
tem-se, não apenas o “ressurgimento” da História Política, mas sim novas possibilidades para
pensarmos a política e o político.
28
BERSTEIN, Serge. “L’historien et la culture politique”. Vingtième Siècle. Revue D’Histoire, n. 35, juil/sep.
1992, p. 67-77. “A cultura política é única chave. Ela introduz a diversidade, o social, ritos, símbolos, lá onde
acredita que reina o partido, a instituição, o imutável. Ela permite sondar os rins e os corações dos atores
políticos. Seu estudo é mais que enriquecedor: indispensável”.
29
BERSTEIN, Serge. Op. cit, 1998, p. 350.
30
Idem, p. 359.
31
Idem.
32
ROSANVALON, Pierre. “Por uma História Conceitual do Político”. Revista Brasileira de História. v. 15, n
30. São Paulo, 1995, p. 09-22.
31
Várias possibilidades se abrem frente aos olhos do historiador, o qual encontra, assim,
uma forma menos arbitrária e determinista de trabalhar com essa “realidade”, que se faz mais
complexa e plural. Ainda assim, algumas questões continuam a instigar-me: como trabalhar a
partir desta linha histórica? O que pesquisar e de que forma?
Dentro dessa “Nova História Política” uma opção é [re]definir o status e o trabalho
com biografias. Como propõe Réne Rémond e seus colaboradores, os novos estudos do
político atribuem importância à compreensão de biografias, estudo de gerações, manipulações
de memórias e de identidade34. Em todos esses casos, ganha fôlego renovado o enfrentamento
do evento/fato, visto não mais isoladamente, mas como um ponto especialmente propício para
que o historiador vislumbre as estruturas históricas e as rearticulações que os atores e grupos
sociais promovem35.
Esse tipo [novo] de biografia pode também revelar constantes, indicar diferenças,
captar a realidade dos problemas sociais através do concreto de uma vida. Tudo
depende do nível significativo do personagem. E é certo que quanto menos ele se
situar entre os protagonistas da história, mais o ensinamento têm chance de ser rico.
33
BERSTEIN, Serge. Op.cit., 1998.
34
RÉMOND, Réne. Op.cit., p. 16.
35
NORA, P. “O retorno do fato”. In: LE GOFF, J; NORA, P. História: novos problemas. Trad. Hilton Japiassú.
3. ed. ─ Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 243-262.
32
A partir dos anos 70 e começo dos anos 80, a reboque das críticas feitas às
interpretações marxistas, estruturalistas e cliométricas, assistiu-se a uma progressiva
valorização do papel do indivíduo e das subjetividades nas análises históricas. Nesse quadro,
ampliaram-se os debates anteriores que chegaram ao século XIX, período de edificação da
História como disciplina ─, qual sejam, da relação entre História e a biografia, que, conforme
Levillain, “mantiveram relações de alternativa e não de hierarquia ou de complementaridade.
36
LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 175.
37
Em relação a GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: Mitos, emblemas, sinais:
Morfologia e História. Tradução: Frederico Carotti. ─ São Paulo: Companhia das Letras, 1989a, p 153. Segue
comparando [ou relacionando] o paradigma venatório ao paradigma implícito nos textos divinatórios
mesopotâmicos no sentido em que: “Ambos pressupõem o minucioso reconhecimento de uma realidade talvez
ínfima, para descobrir pistas de eventos não diretamente experimentáveis pelo observador.” e ainda ressalta que
apesar do “[...] fato de que a adivinhação se voltava para o futuro, e a decifração, para o passado [talvez um
passado de segundos]. Porém a atitude cognoscitiva era, nos dois casos, muito parecida; as operações intelectuais
envolvidas ─ análises, comparações, classificações ─ formalmente idênticas”.
33
O debate tem raízes numa divisão das tarefas atribuídas ao historiador e biógrafo que, fixado
na historiografia grega, cristalizou o gênero biográfico ao longo do século 38”. Contrários a tal
afinidade, alguns historiadores afirmavam que, com esta aproximação, poder-se-ia desistir da
“História-problema” em retorno a uma História cronológica, de grandes homens e seus feitos
fabulosos39.
Brecht42.
38
LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 145.
39
LORIGA, Sabina. “A Biografia como problema”. In: REVEL, Jacques [org.]. Jogos de Escala. A experiência
da microanálise. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998, p.226.
40
Em relação àqueles da Escola de Frankfurt, cito: Henri Lefebvre, Guy Debord, Domenico Losurdo, Slavoj
Zizek, Claude Lévi-Strauss, Bertold Brecht, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Fredric Jameson, Terry
Eagleton, Marshall Berman, Peter Dews, Wilhelm Reich.
41
ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. “La biografía como género historiográfico: algunas reflexiones sobre sus
posibilidades actuales”. In: SCHMIDT, Benito Bisso. O Biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz
do Sul-RS: EDUNISC, 2000, p. 9-48.
42
GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição.
São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 15 [prefácio à edição italiana].
34
prol da diversidade humana, o gênero biográfico não deve ser abandonado. Ainda de acordo
com ele:
A biografia histórica hoje reabilitada não tem como vocação esgotar o absoluto do
“eu” de um personagem, como já pretendeu e ainda hoje o pretende mais do que
devia. E se a simbologia de seus fatos e gestos pode servir de representação da
história coletiva através de um homem, tal como o retrato, ela não esgota a
diversidade humana [...] Ela tampouco tem que criar tipos. Ela é o melhor meio, em
compensação, de mostrar as ligações entre passado e presente, memória e projeto,
indivíduo e sociedade, e de experimentar o tempo como prova da vida. [...] Seu
método, como seu sucesso, devem-se à insinuação da singularidade nas ciências
humanas, que durante muito tempo não souberam o que fazer dela43.
O problema não consiste em negar o individual a pretexto de que foi afetado pela
contingência, mas em ultrapassá-lo, em distingui-lo das forças diferentes dele, em
reagir contra uma história arbitrariamente reduzida ao papel dos heróis quinta-
A biografia política, tal qual a História Política, teve também seu apogeu no século
XIX, como foi explicado anteriormente. Entretanto, hoje, de acordo com Levillain, ela “é um
modo de escrita da história fortemente hierarquizado. Ela pode ser probatória45”. Atualmente,
percebo que, por meio do levantamento bibliográfico e da disponibilidade de novas fontes,
novos sujeitos ganham significados, pois novos métodos, assim como o olhar do historiador,
modificam-se ou se aprimoram, o que justifica os usos e as formas de leitura na composição
da pesquisa e da escrita: eis que o método está indissoluvelmente vinculado à opção teórica do
gênero biográfico! De acordo com Levillain, na biografia, o método legitima a teoria, e desta
43
LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 176.
44
BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: editora Perspectiva, 1978, p. 23.
45
LEVILLAIN, Philippe. Idem. p. 174.
35
O termo invenção tem aparecido com insistência nos títulos de livros, teses e
dissertações que são escritos pelos historiadores, nos últimos anos, substituindo
expressões caras aos profissionais da História como as de: formação,
46
LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 165-176.
47
GINZBURG, Carlo. “Provas e possibilidades à margem de II ritorno de Martin Guerre de Natalie Zenon
Davis”. In: A micro-história e outros ensaios. Lisboa: DIFEL, 1989, p. 179-202.
48
SCHMIDT, Benito Bisso. “A biografia histórica: o “retorno” do gênero e a noção de “contexto”. In:
GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos; PETEREN, Silvia Regina Ferras. SCHMIDT, Benito Bisso e XAVIER,
Regina Céli Lima [Org.]. Op. cit. p. 121-129.
36
historiográfico49.
[...] nesse domínio, tudo é uma questão de ponto de vista, e a hierarquia dos fatos
49
JUNIOR ALBUQUERQUE, Durval Muniz. Historia: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da
história. Bauru, SP: Edusc, 2007, p. 11-12.
37
depende da escolha do autor. Foi por isso que a biografia literária encontrou em
geral sua unidade pelo estilo que consiste em harmonizar o essencial e o acessório
Têm, estes dois gêneros, alguns pontos de interseção com a biografia histórica? É
justamente nas diferenças em que se ressalta o caráter metodológico da biografia histórica,
comprometida com as fontes. A relação da Literatura e do Jornalismo com a História de vida
─ análise e exaltação das características do protagonista, num modo cronológico, visando a
mostrar as relações entre as circunstâncias e a personalidade ─ é menos comprometida com as
fontes que o olhar do historiador:
50
LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 152-153.
51
SCHMIDT, Benito Bisso. “Construindo Biografias... Historiadores e Jornalistas: Aproximações e
afastamentos”. Estudos Históricos. vol. 10, n° 19, p. 03-22. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
52
LEVILLAIN, Philippe. Idem, p. 155.
38
histórias de vida53.
Com base neste raciocínio, a “reflexão biográfica” e histórica sobre Francisco Paulo
de Almeida tem pressuposto “inédito": a “falta” de domínio e exposição de sua História de
vida, a “falta” de informações e significados sobre seu lugar social, contrariando sua intensa
participação política, social, cultural, nos acontecimentos de sua época. Ressalto, claro, que
53
AZEVEDO, Francisca Lúcia Nogueira de. “Biografia e gênero”. In: GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos;
PETEREN, Silvia Regina Ferras. SCHMIDT, Benito Bisso e XAVIER, Regina Céli Lima [Org.]. Op.cit., p. 131-
146.
39
Nessa trajetória de Francisco Paulo de Almeida, vale a pena notar que a reflexão
histórico-biográfica, como opção teórica, abre novas possibilidades para o estudo do
fenômeno histórico social: o indivíduo e seu exercício de liberdade, o homem em série,
sujeito universal, impotente e passivo, como descrito por Levillain: “Precisamente: a história
política, “por excelência domínio aleatório”, como salientava François Furet, podia ter como
função principal, na história contemporânea francesa, narrar a liberdade dos homens 54”. Tal
instrumento, construído com o rigor necessário, é especial e único para a confluência entre a
macro e a micro-história. Ainda segundo Levilain:
Na linha de Levillain, existe, ainda, outro aspecto a ser enfocado como sustentação
teórica do trabalho: o desafio do tempo. A biografia histórica, centralizada no personagem,
assimila/trabalha e analisa o tempo de existência. Mas é necessário enxergar na fonte primeira
da história de vida mais do que o tempo cronológico, para demarcar o tempo vivenciado ─
compreendido e entendido como o tempo compartilhado e arrebatado com e dentro das redes
de sociabilidade, relações de poder e mudanças do personagem, carregado de subjetivações.
Esta distinção, entre o factual e o político, não caracteriza o abandono por parte do historiador
de nenhum dos dois “tempos”, visto que ele trabalha com ambos. Ao contrário, exige a
contemplação da percepção subjetiva do tempo, analisando suas transformações, sem
abandonar a contextualização cronológica. Dessa forma, ainda com ele:
sociedade56.
56
Sobre modernismo e individualismo, ver. LEVILLAIN, Philippe. Op. cit., p. 168.
57
Idem, p. 165.
41
Como é dito por muitos, “no que se refere àquilo que nós mesmos não podemos
vivenciar, devemos recorrer à experiência de outros”. Observações como essas cabem
perfeitamente neste trabalho, se considerar que encontrei poucas referências sobre o
biografado na historiografia nacional.
Com base nas ferramentas e nos dados que possuo, e através do aprofundamento das
pesquisas realizadas, trato de abordar, embora com riscos, inspirado na escrita de Ginzburg e
pelo paradigma indiciário, a trajetória e as histórias de Francisco Paulo de Almeida: “[...] por
trás desse paradigma indiciário ou divinatório, entreve-se o gesto mais antigo da história
intelectual do gênero humano: o caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa58”.
Reconheço algumas limitações quanto ao acesso mais acurado aos documentos, não
disponibilizados nas instituições públicas, onde pesquisei até o momento. Por isso, faz-se
necessário lançar mão de alguns eixos metodológicos, propostos por Ginzburg e que
considero fundamentais para o meu trabalho: identificar e analisar os indícios e rastros
deixados nas relações de familiares e amizades, compondo sua rede de sociabilidade. Essa
opção metodológica requer do pesquisador a observação, a atenção, a valorização e o
questionamento dos chamados fatos miúdos, ínfimos, às vezes obscuros no ritmo do cotidiano
social.
A utilização do método indiciário no cotidiano social pode fazer realçar nas pesquisas
dois eixos de fundamental importância para as análises e significações das ações e situações
observadas: primeiro, permite apreender as relações herdadas e construídas por Francisco
Paulo de Almeida e vários outros capitalistas, fazendeiros, nobres, etc., e as formas de
circulação das redes de poder na organização do cotidiano social; segundo, realça os fatores
socioculturais e históricos que afetam a dinâmica das redes de sociabilidade e das relações de
poder, renegando a idéia de uma instituição, cujas práticas são sempre de fundo mecânico e
reprodutor das relações sociais já legitimadas pelas classes dominantes. Ainda a respeito das
58
GINZBURG, Carlo. Op. cit., 1989a, p. 154.
42
Daí a importante e polêmica idéia de que o poder não é algo que se detém como uma
coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existe de um lado os que
têm o poder e de outro aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente
falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O que
significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E que
funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em
um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social.
Como pode ser percebido, optei por focalizar Francisco Paulo de Almeida através do
olhar do outro, e para tanto, busco nas suas redes de sociabilidade e em suas relações de poder
estudar, analisar e escrever esta ─ reflexão biográfica ─. Também, busco rastros e vestígios
nas relações de parentesco, compreendidas neste trabalho como as consanguíneas, de
sacramento [casamento e compadrio], como também os vínculos societários e de amizade,
componentes das suas relações de poder. Sobre as relações de poder, cabe, mais uma vez,
retomar as palavras de Machado:
[...] sob esta perspectiva, não será indiscutível que aquilo que poderíamos chamar de
condições de possibilidade políticas de saberes específicos, [...], podem ser
encontradas, não por uma relação direta com o Estado, considerado um aparelho
central e exclusivo de poder, mas por uma articulação com poderes locais,
Para esta abordagem, utilizo a noção de “relações de poder”, e para tanto, recorro à
escrita de Foucault, através da formulação introdutória de Machado, que apresenta tais
relações como um instrumento de análise capaz de explicar a produção dos saberes,
descartando, assim, uma teoria geral do poder. Para Machado o poder não é considerado uma
realidade que possua uma essência que ele procuraria definir por suas características
universais. O poder não existe como algo unitário ou global, possuindo formas díspares,
heterogêneas, em constante transformação62.
Porém, discutir essas questões sobre o poder, as relações de poder, suas redes,
mecanismos e estratégias significa sair do terreno do imóvel, do estabelecido, do único e do
indivisível. Significa arriscar-se num terreno movediço, sobre o qual as certezas teriam de ser
implodidas, para dar lugar ao imponderável, ao movimento, ao vir a ser. No rastro de
Machado, muitas vezes, procuro agarrar-me a imagens estáveis, imutáveis, que
proporcionariam maior segurança, entretanto, aprendo que “O poder não é um objeto natural,
uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente63”.
Ocupar posições nos enunciados vazios remete para outra questão discutida por
Foucault: a relação entre discurso e poder, que se dá na perspectiva de não entender o saber
como o outro do poder, mas como seu correlato. O discurso é necessariamente movido por
uma vontade de poder e o poder exige o reconhecimento daquilo e daqueles que devem ser
governados e regulados. Porém, é importante destacar a ressalva feita por Foucault quanto ao
entendimento estreito das relações de poder que as narrativas críticas apregoam e que
atribuem sempre à classe dominante ou ao Estado. Analisando essa relação, ele diz para:
62
MACHADO, Roberto. Op. cit., p. x.
63
Idem, p. x-xi.
44
Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de
exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte, ou consentido do
64
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Org. e Trad. Roberto Machado. ─ Rio de Janeiro: Edições Graal,
1979, p. 183.
65
O leitor entenderá melhor esses exercícios do poder no capitulo três.
66
MACHADO, Roberto. Op. cit., p. xv.
45
nos sugerem e para onde nos remetem sobre essa época, seus costumes e relações sociais?
6) Finalmente, o que significa, ou melhor, o que significou para um negro estar presente nessa
alta-roda política e social? De fato, até que ponto pode-se afirmar que ser barão possibilitou a
integração do sujeito com esses grupos? Ele fazia, de fato, “parte” desses espaços, desses
cenários sociais e políticos da época? Como avaliar a intensidade e o grau de pertencimento e
interação? Como era recebido e como recebia nos nobres salões, por ocasião de eventos
sociais?
Talvez seja mais proveitoso, e está é uma questão para o debate, “deixar-se guiar
pelo indivíduo estudado”. Suas experiências, relações sociais, interpretações do
mundo, metáforas, posturas diante do amor e da amizade, etc. [...], puxando, a partir
dele, outros fios: os espaços de sociabilidade por onde circulava e como estes podem
ter influenciado, as leituras realizadas e sua reelaboração pessoal, os códigos de
Para dar conta desse desafio, parto de alguns documentos: Certidão de Batismo,
inventário de seu pai, sua mãe, seus padrinhos avós, bem como as redes de sociabilidades em
que os mesmos estavam ligados. Para tanto, utilizo, recorrentemente, as pistas e os indícios
67
SCHMIDT, Benito Bisso. Op.cit.2000, p. 121-129.
46
Como pode um historiador biografar um indivíduo, ou narrar sua vida? Esta questão
continua perseguindo a historiografia e, principalmente, os estudiosos que optaram pela
análise de um determinado personagem. Isso pode ser visto e compreendido na vasta
produção acadêmica dedicada ao estudo de indivíduos e nas “pistas” que cada particular
ensaio aponta acerca desse tipo de análise.
Pero el historiador, para acometer una biografía como verdadera ‘obra de arte’ tiene
que tomar aquellos individuos que para ser explicados exigen necesariamente la
explicación de lo que llamaríamos contexto, es decir, de su medio y de su época,
48
reconstruyendo entonces desde estos parámetros lo que sería una estricta biografía
realmente histórica68.
Inicio com informações fornecidas por Marciano Bonifácio Pinto Filho70, médico
memorialista da cidade de Três Rios ─ Rio de Janeiro, fio condutor do começo deste trabalho,
e com dados coletados no decorrer da pesquisa. A partir deles apresento uma síntese
biográfica:
68
AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. “La biografía como género historiográfico algunas reflexiones sobre sus
posibilidades actuales”. In: SCHMIDT, Benito Bisso [Org.]. O biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, 2000, p. 25.
69
GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e
História. Tradução: Frederico Carotti. ─ São Paulo: Companhia das Letras, 1989a, p. 177-178.
70
PINTO FILHO, Marciano Bonifácio. A História de Três Rios e de seus vultos importantes, 1853-1992. Rio de
Janeiro: Netuno, 1992, p. 143-144.
49
Francisco Paulo de Almeida, negro, filho de português com uma negra, nasceu a 10 de
janeiro de 1826, no Arraial de Lagoa Dourada, Comarca do Rio das Mortes, em São João Del
Rei – Minas Gerais e faleceu a 09 de fevereiro de 1901, na casa de sua filha, situada a Rua
Silveira Martins, 81 ─ Catete ─ Rio de Janeiro, aos 75 anos, sendo sepultado no Cemitério
São João Batista71.
Casou-se com dona Brasilia Eugenia da Silva Almeida, com quem teve 19 filhos,
sendo dez vivos por ocasião de seu falecimento, cinco homens e cinco mulheres: Matilde,
Adelaide, Cristina, Adelina, Serbelina, Paulo, Artur, Mário, Francisco e Raul.
Nas palavras de Pinto Filho, “Iniciou sua vida em sua terra natal como ourives,
especializado na confecção de botões de colarinho e como exímio violinista, suplementava
seus ganhos tocando em enterros, ganhando dois vinténs e uma vela de sebo72”.
Dedicou-se ao negócio de tropas, viajando de Minas pela estrada geral que passava por
Valença – RJ. Em 1860, comprou sua primeira fazenda no Arraial de São Sebastião do Rio
Bonito, então 3º distrito da freguesia de Nossa Senhora da Glória de Valença, depois a
fazenda de Santo Antônio do Rio Bonito e Conservatória, e fazenda Veneza, no mesmo
município de Valença – Rio de Janeiro. Posteriormente, a de Santa Fé em Mar de Espanha –
Minas Gerais, Três Barras na atual cidade de Três Rios – Rio de Janeiro, Fazenda Boa Vista
na cidade de Paraíba do Sul – Rio de Janeiro, Santa Clara [sic] e Piracema ambas na cidade de
Rio Preto – Minas Gerais. Na República, adquiriu a fazenda Pocinho, da família Faro, em 14
de janeiro de 1897, por 180:000$000, entre os municípios de Vassouras e Barra do Piraí – Rio
de Janeiro. A fazenda de Três Barras, quando do falecimento da Baronesa de Guaraciaba, por
febre amarela, foi vendida ao Dr. José Cardoso de Moura Brasil, em 19 de abril de 1890. Na
Corte, possuía uma confortável casa na Tijuca [Rua Moura Brito], e em Petrópolis, onde
costumava veranear, um belo palacete [Palácio Amarelo] no centro da cidade, cujo prédio
serve atualmente de sede do Legislativo Municipal.
71
Conforme Registro do Livro 10 de CP folha 75 do Cemitério São João Batista, Jazigo Perpétuo nº 3433P,
Quadra 41.
72
PINTO FILHO, Marciano Bonifácio. Op. cit., p. 143-144.
50
Procurou dar aos filhos a melhor das educações, inclusive, encaminhando alguns a
Paris para estudar. Às filhas fez estudar piano, segundo instrumento de sua devoção. De
acordo com seu inventário, deixou para os filhos somente dinheiro, e para as filhas as duas
fazendas por ele conservadas. A fazenda Pocinho ficou para as filhas Matilde e Adelina [esta
representada pela filha Nair] e a de Santa Fé para as filhas Cristina e Adelaide. Além disso,
deixou netos: Dr. Luiz de Almeida Pinto, cirurgião em Valença [Hospital da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia de Valença], e Dr. Hélio de Almeida Pinto, cirurgião em
Vassouras, diretor do Hospital Eufrásia Teixeira Leite [Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia de Vassouras], falecido em 1979. Em Três Rios, filhos de Mário, nove netos:
73
SÁ, Antonio Lopes. Origens de um Banco Centenário: História econômica, administrativa, financeira e
contábil do Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A. Elaboração e criação de texto Prof. Antonio Lopes Sá.
Fonte de pesquisa: Acervo do Museu do Credireal em Juiz de Fora - MG. Revisão: LєF Publicidade. Versão para
o inglês por Soneide Alves Caetano. Fotos e cromos: Alfredo de Castro. Coordenação Geral: Assessoria de
Comunicação Social Banco de Crédito Real de Minas Gerais – Prof. Marcello Cortizo Sacchetto e equipe. Juiz
de Fora - MG: Credireal, 1989.
51
Mario, Ricardo, Jorge, Eurico, Nilo, Silvio, Geraldo, Marta e Elza. Nilo e Silvio foram
grandes proprietários, donos de várias fazendas e muitas cerâmicas.
Parte do Livro de Registro de Batismo século XIX. Igreja de N. S. das Mercês. São João Del Rei – MG.
Cabe salientar que, embora D. Palolina conste como sua mãe, em sua minuta de
inventário ele se declara filho legitimo de Dona Galdina Alberta do Espírito Santo, primeira
esposa de seu pai. D. Galdina apesar de não ser sua mãe de sangue, assume o papel de “mãe
de consideração”, conforme atesta o documento abaixo:
74
Livro de Registro de Batismo século XIX. Igreja de N. S. das Mercês. São João Del Rei – MG. Certificada as
folhas 135.I do livro nº 8 de assentamentos de batizados.
52
Trecho de uma minuta de testamento feita pelo Barão, datada de 9 de março de 1895 [Rio de Janeiro] 75.
75
Foto cedida por Monica de Souza Destro.
76
Trecho de uma minuta de testamento feita pelo Barão, datada de 9 de março de 1895. [Rio de Janeiro]. [Trecho
grifado por mim].
53
Seus padrinhos de batismo Claudino de Souza e Silva e Bárbara Joaquina [de Jesus]77,
cujas pistas indicam estarem socialmente ligados à família do Marquês de Valença, são pai e
mãe de Dona Galdina Alberta do Espírito Santo, esposa do pai de Francisco Paulo de
Almeida. Ainda a este respeito, observo que ele foi declarado como filho no inventário de D.
Galdina e como neto no inventário de Dona Barbara Joaquina, que faleceu em 02/07/1847.
Em 1842, aos dezesseis anos, Francisco Paulo de Almeida recebeu da partilha de bens
de Dona Galdina Alberta do Espírito Santo a quantia de 257$ 254 [duzentos e cinqüenta e sete
mil, duzentos e cinqüenta e quatro réis]. Nove anos depois, já aos vinte e cinco anos, na
partilha de bens de Dona Barbara Joaquina [de Jesus], ele é contemplado com a quantia de
99$011 [noventa e nove mil e onze réis]. Entretanto, por ocasião da partilha de bens de seu
pai, ele, aos cinqüenta anos, abre mão de sua parte da herança em favor de suas irmãs
Romualda e Anita, além de não receber a quantia de 937$020 [novecentos e trinta e sete mil e
vinte réis]79 da dívida “contraída por seu pai” com ele, conforme abaixo:
77
Em alguns momentos no desenrolar de seu inventário o escrivão acrescenta ao seu nome o sobrenome “de
Jesus”.
78
Inventário de Antonio José de Almeida. 1876, cx. 294. Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional.
São João Del Rei – MG.
79
Idem.
54
Almeida 937$02080.
Nesse sentido, embora ainda não tenha conseguido identificar a atividade do pai, Sr.
Antonio José de Almeida, constato que Francisco Paulo de Almeida nasceu sob o amparo de
uma rede de relacionamento social compartilhando e usufruindo relações com o Judiciário, a
nobreza e os agricultores, tendo seu polo principal na Comarca do Rio das Mortes, Arraial de
Lagoa Dourada, freguesia de São João Del Rei em Minas Gerais.
80
Idem, p. 36, 36v, 39, 43 e 58. [constatei uma diferença de 65$480, que vem a ser exatamente 50% do valor
pago a João Veloso].
81
Sobre essa Irmandade ainda não consegui localizar sua data de ingresso.
82
Posteriormente, retornarei a esse assunto, quando falar do período 1882-1884, em que Francisco Paulo de
Almeida foi Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença-RJ.
55
Embora mulato ─ filho de pai branco e mãe preta ─, termo hoje considerado
pejorativo [filho de mula] por algumas das atuais entidades representativas da etnia negra,
retrato Francisco Paulo de Almeida como um negro retinto83, conforme verificado nas
fotografias de família. Casou-se com Dona Brasília Eugenia da Silva Almeida, mulher branca,
com quem teve 19 [dezenove] filhos. Por ocasião de seu falecimento, em 1901, dez filhos
estavam vivos, cinco mulheres e cinco homens: Mathilde de Almeida [1865 - 1931]; Adelaide
de Almeida [1861 - ?]; Christina de Almeida [1862 - 1944]; Avelina; Seberlina de Almeida
[1880 - 1922]; Paulo de Almeida [Guaraciaba] [1884 - 1935]; Arthur de Almeida
[Guaraciaba] [1878 - 1942]; Mário; Francisco Paulo de Almeida [1873 - 1916] e Raul de
Almeida [Guaraciaba] [1886 - 1946].
De acordo com Pinto Filho85, Francisco Paulo de Almeida iniciou sua vida profissional
como ourives e, posteriormente, como tropeiro. Provavelmente, esta opção se explique pela
influência da rede de sociabilidade na qual ele nasceu, pela exploração aurífera e pelas
passagens de tropas que abrangia a localidade de seu nascimento, e suas adjacências [na
Comarca do Rio das Mortes] ─ Lagoa Dourada, São João Del Rei, Tiradentes, Prados, etc.
Como no século XIX a produção aurífera diminuiu drasticamente, restou como opção para
aqueles que já possuíam algumas posses a criação de gado e a produção agrícola: para outros,
restou a busca na vida campestre, através da agricultura de subsistência, ou a produção de
83
O termo correto a ser utilizado seria de “mulato”, uma vez que, o mesmo era mestiço, porém, de acordo com o
relato de: KAMEL, Ali. Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 24: “[...] É engraçado relembrar um episódio famoso ocorrido em 1994,
no início da campanha eleitoral. Em resposta a Oreste Quércia, seu oponente, que o acusara de ter as “mãos
brancas”, um eufemismo para acusá-lo de nunca ter pego no trabalho pesado, o então candidato Fernando
Henrique declarou: “O candidato disse que eu tinha as mãos brancas. Eu, não. Minhas mãos são mulatinhas.
Eu sempre brinquei comigo mesmo, tenho o pé na cozinha. Eu nunca disse outra coisa, eu não tenho
preconceito”. [...] Ao contrário de gerar solidariedade de “raça”, a declaração de Fernando Henrique caiu como
uma bomba no Movimento Negro, que ameaçou processá-lo por considerar os termos em que se expressou
“pejorativos” e “preconceituosos”. “Só se ele é filho de mula. Mulatinho é o cruzamento com mula, não com
negro”, chegou a declarar Sueli Carneiro, do Instituto da Mulher Negra”. [grifo meu].
84
Informações transmitidas através de Email. De acordo com relato dos mesmos, o processo de litígio, encontra-
se na jurisdição de Juiz de Fora Minas Gerais.
85
PINTO FILHO, Marciano Bonifácio. Op. cit, p. 143-144.
56
trabalho artesanal, uma das opções seguida por Francisco Paulo de Almeida na produção de
botões de ouro para colarinho.
Percebe-se, assim, que escrever biografia não é tarefa das mais fáceis. Nem bem
comecei a escrever e já falei e pesquisei vários Francisco’s Paulo de Almeida ─ homem,
negro, pai, marido, nobre e trabalhador ─, com várias subjetividades e identidades. A esse
respeito, ocorrem-me as palavras de Stuart Hall, para o qual:
Dando continuidade aos laços sociais de berço, o Reverendo Joaquim Gonçalves Lara
e Dona Bernarda de Proença Lara pertencem à árvore genealógica do Bandeirante Sebastião
Raposo Pinheiro Tavares. Quanto ao Coronel Manuel Rodrigues Chaves, descobri que foi
Juiz de Paz na Comarca do Rio das Mortes, freguesia de São João Del Rei, e que pertence a
genealogia das famílias Miranda e Resende.
86
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade / Stuart Hall; tradução Tomaz da Silva, Guaracira
Lopes Louro ─ 11. ed. ─ Rio de Janeiro: DP&A, 2006, p. 13.
57
Normalmente se diz que uma boa biografia é aquela que “insere” o indivíduo no seu
contexto. Mesmo que essa não seja a intenção, tal afirmativa supõe que o biografado
mantenha uma relação de exterioridade com a época em que viveu, como se o
Neste sentido, “se não temos informações mais precisas sobre tal ou qual
acontecimento ou período de vida do biografado, podemos construir hipótese a partir do nosso
conhecimento do contexto89”. Mas qual seria esse contexto? Utilizo, para este capítulo, como
estratégia, o desenvolvimento profissional exercido por Francisco Paulo de Almeida,
buscando nele explicações para os vácuos deixados. Conforme orienta Schmidt:
[...] os biógrafos não devem se fixar na busca de uma coerência linear e fechada para
a vida de seus personagens, mas que precisam sim apreender facetas variadas de
suas existências, transitando do social ao individual, do inconsciente ao consciente,
do público ao privado, do familiar ao político, do pessoal ao profissional, e assim
por diante, sem tentar reduzir todos os aspectos da biografia a um denominador
comum90.
Assim, passo a buscar, na vida profissional exercida por Francisco Paulo de Almeida,
pistas e indícios que me permitam explicar sua trajetória inicial.
87
Para aprofundamento no tema da genealogia consultar: REZENDE, Arthur. Genealogia Mineira; LEME,
Silva. Genealogia Paulistana e LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Nobiliarquia Paulistana histórica e
genealógica.
88
SCHMIDT, Benito Bisso. “A biografia histórica: o “retorno” do gênero e a noção de “contexto””. In:
Questões da teoria e metodologia da história. [Org.], Cezar Augusto Barcellos Guazelli, Sílvia Regina Ferraz
Petersen, Benito Bisso Schmidt e Regina Célia Lima Xavier. ─ Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000a,
p. 123.
89
Idem, p. 126-127.
90
SCHMIDT, Benito Bisso. “Luz e papel, realidade e imaginação: as biografias na História, no Jornalismo, na
Literatura e no Cinema. In: SCHMIDT, Benito Bisso. Op. cit. 2000, p. 63.
58
91
Segundo Sr. Aloysio Viegas, estudioso da História Sacra, funcionário da Igreja Matriz de São João Del Rei –
MG.
92
Inventário da Baronesa de Guaraciaba. 1889, cx. 1435. Museu da Justiça, fl. 47v.
93
BRANCANTE, Maria Helena. Os Ourives: na história de São Paulo. São Paulo: Árvore da terra, 1999.
59
dizer que no Brasil a ourivesaria fosse cópia ou reprodução da portuguesa, porém não posso
também afirmar que tenha tido um estilo original, próprio. De forma geral, os modelos
portugueses eram adotados, embora com adaptações regionais94.
Ainda de acordo com Maria Helena Brancante, no século XVII e princípio do XVIII,
época em que os mestres do Reino aqui aportavam e traziam seus ensinamentos, a cópia era
quase ao pé da letra, o que leva, muitas vezes, a sérias dificuldades de identificação. É
justamente a falta de marca que dá uma pista de sua origem. Porém, no momento em que a
ourivesaria brasileira se viu servida de oficiais e mesmo mestres, cujas raízes mergulhavam
em outras culturas [negra, índia], começam a se acentuar as diferenças. Surgem novas
inspirações, porém sempre sob a tutela dos mestres portugueses. O trabalho brasileiro se
caracteriza por certa ingenuidade de elementos decorativos e arrojo nas proporções, o que
resulta em uma simplicidade e, ao mesmo tempo, maior vigor artístico, espontaneidade e
materialidade. Um bom exemplo eram os paliteiros, nos quais os artífices brasileiros não têm
a preocupação de um acabamento perfeito, porém demonstram uma exuberância de motivos
e concepções. Surgem objetos extremamente típicos como cocos, balangandãs, cuia,
chimarrão com sua bombilha, cabos de rebenque, esporas, cabos de punhais etc.
Pode-se dizer que a prata e o ouro brasileiros, embora não tivesse a finura de
acabamento, a inspiração elevada, a técnica perfeita das pratas e ouros europeus, possuía o
encanto e a graça dessas mesclagem de “raças”, a atração dos trópicos e o charme da
ingenuidade e da criatividade de seus ourives.
Com a abertura dos portos, começaram a chegar não só mercadorias de várias partes
da Europa e Ásia como também conhecimento especializado: profissionais, artistas e técnicos,
que trouxeram o aperfeiçoamento de sua mão-de-obra.
O instituto das corporações de ofício foi transplantado para a colônia e a ele estavam
sujeitos todos os artífices. O aprendizado de um ofício se fazia com mestre, por prazo
94
Idem. 1999, p. 44-45.
95
BRANCANTE, Maria Helena. Op. cit, p.38.
60
A associação nas corporações de ofício, não era rigorosamente seguida, pois muitas
atividades foram praticadas no Brasil fora de qualquer corporação e nem sempre as
autoridades se mostraram severas em fiscalizar as agremiações existentes. Uma das razões
que contribuíram para o desprestígio das ligas era a liberdade que possuía o senhor de
escravos, de ensinar-lhes os artesanatos para os quais demonstrassem maior habilidade,
negociando posteriormente o produto de seu trabalho. Ocorre que muitos oficiais possuíam
escravos que passavam pelo aprendizado e não estavam adstritos ao regimento das
corporações96.
Pinto Filho afirma que Francisco Paulo de Almeida foi ourives na confecção de botões
para colarinho, entretanto, não dá indícios que o mesmo tenha sido “mestre” e, como
apontado anteriormente, as leis que regiam os ofícios não eram seguidas e cumpridas, tão
rigorosamente97.
Na Corte que veio para o Brasil havia artistas, pessoas cultas e letradas, que, com seus
hábitos, culturas e costumes, mudaram a Cidade do Rio de Janeiro, para melhor acolher a
Corte, propiciando a criação de escolas, bibliotecas e museus. Em 1815, O Conde da Barca,
ministro de D. João VI, encarregou o francês Lebreton de organizar a Academia de Bellas
Artes do Rio de Janeiro. Esse contratou vários artistas, que o acompanharam ao Brasil
formando assim a chamada “Missão Francesa”, que chegou ao país em março de 1816. Estava
lançada a semente para o desenvolvimento artístico e intelectual, que se espraiou por todos os
ofícios. Segundo Lyra, a título de exemplificação da atuação da Arte de Ourivesaria no Brasil:
A joalheria era uma atividade em expansão no Brasil naquele início do século XIX.
A transferência da Corte portuguesa em 1808 e a conseqüente abertura dos portos do
96
A respeito das corporações de ofícios leia-se também Sérgio Buarque de Holanda. “A herança colonial ─ Sua
degradação”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de [org.]. História geral da civilização brasileira. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1970, t. II, vol. 1º, p. 26-29.
97
No período que estive em São João Del Rei [março de 2009], o Livro de Registro de Ofícios, do século XIX,
encontrava-se em Juiz de Fora para ser restaurado, o que impossibilitou uma pesquisa mais acurada.
61
Até agora procurei apontar as relações com Francisco Paulo de Almeida, que serviram
de base para suas redes de sociabilidade, bem como a forma com que ele se apropria da arte
musical e da ourivesaria. Entretanto, as pistas me dão informações de que, por exercer uma
profissão, com diversas variantes, na época, tenha se inserido no mundo das tropas e dos
tropeiros, atividade que demonstrava ser mais rendosa e promissora para o alargamento de
suas redes de sociabilidade e relações de poder.
98
LYRA, Maria de Lourdes Viana. Jóia de valor inestimável, o colar da imperatriz simbolizou o ideal de
realização de um Império brasileiro rico, glorioso e imponente. In: Revista de História da Biblioteca Nacional.
Ed. abril de 2007.
62
De acordo com Dias, a valorização das tropas no século XIX são facilitadas pelo
esvaziamento do comércio de abastecimento da Corte ─ falta de estrutura para atender a
demanda ─ e o papel político que os interesses regionais do Sul de Minas desempenharam no
processo de construção do Estado brasileiro, nas primeiras décadas do século, entretanto, esse
processo pode ser analisado, também, a partir de outra variante ─ crescimento da demanda e
conseqüente escoamento da produção mineira ─. Esse processo delimita-se cronologicamente,
de modo a abordar uma conjuntura, curta e transitória, favorável à diversificação da economia
interna do Sul de Minas e, concomitantemente à ascensão social de novos setores das camadas
dominantes, a dos produtores mineiros, que emergem nos primeiros anos da Regência, não
somente na praça, mas também no cenário político da Corte100.
99
LENHARO, Alcir. As Tropas da Moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808-
1842. São Paulo: Símbolo, 1979, p. 83.
100
DIAS, Maria Odila da Silva. Prefácio, in. LENHARO, Alcir. Op. cit, p. 17.
63
O trabalho das tropas muito contribuiu para a abertura de caminhos, ligando o interior
ao litoral e ao centro do país, que contava com poucas opções de acesso. Além disso,
transformaram tropeiros em grandes fazendeiros, chegando alguns a receber título
nobiliárquico, como foi o caso de Francisco Paulo de Almeida. Lenharo destaca outros tantos
homens, que inseridos no tropear, conseguiram burlar e transcender os limites sociais da
época, entre eles:
[...] Domingos Custódio Guimarães, mineiro de São João Del Rey e futuro Visconde
do Rio Preto, no Segundo Reinado. Nos anos 20, formou uma sociedade ─ Mesquita
& Guimarães ─ com o conhecido comerciante, também mineiro, José Francisco de
Mesquita, futuro Marquês de Bonfim. Sua firma fazia descer de Minas grandes
rebanhos destinados ao consumo da Corte. A organização das compras e remessas
ficava a cargo de seu sobrinho, José Cândido Guimarães, que era seu agente de gado
e proprietário na Região do Rio Preto. [...] Ainda antes de abandonar a sociedade
com mesquita, Custódio Guimarães começou a comprar as primeiras terras no Rio
Preto, recomendadas por seu sobrinho. Durante os primeiros anos fez compras de
escravos que chegaram a totalizar 500 deles, com os quais foi se convertendo num
dos maiores cafezistas da região. A enorme soma de capital despendida nestas
compras de terras e escravos saíram, sem dúvida, dos negócios ligados ao
abastecimento no Rio de Janeiro105.
Segundo Lenharo, “os proprietários da região do Sul de Minas tinham suas próprias
tropas e, em geral faziam uso do trabalho dos seus filhos”. Esse empreendimento constituía,
portanto, uma extensão de suas bases familiares, fundamentadas no trabalho dos filhos.
“Numa fazenda ─ relata o autor ─ um dos filhos torna-se o condutor da tropa, outro se
encarrega de cuidar desta, outro das plantações, e todos, indiferentemente, ordenham as vacas
e fazem queijos. Complementava a força de trabalho os agregados, geralmente ligados ao
proprietário por vínculos de compadrio ou parentesco mais afastados106”.
105
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 76.
106
Idem., p. 94, 95: “Os viajantes anotaram sucessivas vezes a existência de grandes famílias, concentradas em
suas próprias terras, tendo à testa a figura soberana do seu chefe. Não raro se tratam de relações patriarcais
rígidas, sobre as quais se definia a organização do trabalho das propriedades. Dª Joaquina do Pompeu constitui
um caso ilustrativo dessa situação. Segundo Eschwege, vivia esta matriarca cercada de filhos, noras, filhas,
genros e netos, totalizando umas 60 pessoas”. Pluto Brasiliensis, 2º volume, s/d, p. 281.
65
“Manuel José da Silva, natural e residente em Minas, de 19 anos, que vive de tropa
solta, estatura ordinária, testa comprida, fina barba, sobrancelhas delgadas, parte
para Minas por Taguahy com 1 camarada e 2 escravos que trouxera...”.
“Antonio Manoel, natural e residente em Minas, de 14 anos, estatura de menor, rosto
redondo, olhos pequenos, sobrancelhas delgadas, parte para Minas por Taguahy com
5 escravos que trouxera...”108.
Pode causar surpresa um jovem tropeiro, de apenas 14 anos, chefiando uma equipe
composta de 5 escravos. Contudo, na organização rural, com essa idade o jovem já se juntava
ao mundo dos adultos, dividindo com eles as tarefas para a obtenção dos meios de sustento.
No caso do tropeiro jovem a iniciação era marcante e definitiva. O tropear era tido como um
trabalho rústico e desgastante e constituía-se na iniciação que possibilitava ao jovem acumular
experiências e poder, estando apto a disputar outras funções a que ainda não tivera acesso109.
Esses relatos, indicam que, Francisco Paulo de Almeida, provavelmente, optou pelos
caminhos das tropas objetivando acumular experiências e alargar suas redes de sociabilidades,
mesmo ainda jovem.
107
Idem, p. 95.
108
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 96.
109
Idem.
66
prosperidade, dessa atividade, o que lhe proporcionou um acúmulo de capital que veio a
facilitar sua participação na oligarquia cafeeira no ano de 1860.
O que fica caracterizado por Lenharo é que no debate público que se abriu com as
crises agudas de abastecimento, a responsabilidade era atribuída aos intermediários,
conhecidos como “atravessadores”, “monopolistas” ou “ponteiros”. Sem a especulação dos
intermediários, o custo final dos produtos não atingiria os excessos. Foram praticantes do
“mercado negro”, estocando produtos e forçando a elevação dos preços112.
110
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 99.
111
Idem, p. 101.
112
Idem, p. 44-45.
113
Nascido em Congonhas do Campo, Mesquita foi para o Rio de Janeiro e ali se empregou na casa comercial de
seu tio, que era abastado comerciante. Xavier da Veiga, Ephemérides Mineiras, volume IV, p. 323. Pela Verba
Testamentária 18, nº 151, que se encontra no Arquivo Nacional, RJ, pode-se observar como o futuro Marquês do
Bonfim manteve sólidos interesses comerciais em Minas.
67
Minas, de onde viera. Daí comprava algodão e outros gêneros. Remetia escravos para o
interior, constituindo-se num dos principais abastecedores mineiros de escravos. Somente no
ano de 1830 e 1831 exportou 94 escravos para o interior de Minas Gerais114.
Francisco Paulo de Almeida, por ter ligações e sociedades com Domingos Custódio
Guimarães, sócio da firma Mesquita & Guimarães, terá proximidades com José Francisco de
Mesquita. Suas redes de sociabilidade, aos poucos vão aparecendo e ampliando-se, tanto que,
no ano de 1870, em razão do falecimento de Domiciano Ferreira Souto e Dona Umbrelina
Rodrigues Nogueira, Francisco Paulo de Almeida, sócio de Domiciano, fica com a tutoria115
de seus filhos: Joaquim Ferreira Souto e Domiciano Filho, assumindo a firma de importação e
exportação, que manterá negócios com a firma Mesquita & Guimarães, como citado
anteriormente.
Segundo Lenharo, não era incomum o setor mercantil tentar o aumento de capitais
para a diversificação dos negócios, como a compra de terras e o investimento na produção
agrícola. No caso do povoamento situado entre o Sul de Minas e a Capital, comerciantes da
Comarca do Rio das Mortes, particularmente de São João Del Rei, e comerciantes do Rio de
Janeiro entraram por ambos os lados da região, convertendo-se nos seus principais
proprietários. Dedicaram-se à produção de gêneros de subsistência, açúcar e, depois, o café117.
114
LENHARO, Alcir. Idem, p. 102.
115
Processo de Tutela, 5779. Museu da Justiça, cx. 1803.
116
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 103.
117
Idem., p. 32.
68
Pode ser caracterizado, segundo Lenharo, que no nível da identificação social, ocorra
o mascaramento dessa categoria menor ─ o tropeiro ─ menos valorizado pela categoria
proprietário rural. Os políticos representantes do setor abastecedor, quando em ascensão
social e política, mostravam-se como proprietários, enaltecidos por títulos acadêmicos ou
eclesiásticos. “O tropeiro e comerciante, que muitos eram ou tinham sido, por ser categoria
social menos nobre, passavam, sub-repticiamente, nos registros da memória histórica, para o
ocultamento119”.
Esta atividade vai assumir um caráter político da integração Centro-Sul. Para Lenharo,
tratava-se do processo de articulação mercantil estabelecido entre a área produtora e o
mercado consumidor, pelas vias de comunicação existentes entre os dois extremos, sendo
efetivada a partir do fluxo regional excedente, absorvido pelo mercado carioca120.
118
Idem.
119
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 32.
120
Idem, p. 28.
121
Idem, p. 29.
122
Disponível:http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.espeschit.com.br/historia/image/cami
nho_novo.jpg&imgrefurl=http://www.espeschit.com.br/historia/historia/caminho_novo/&usg=__qmXuRfTm
f1Zc08wqRMnuFNbVF8g=&h=454&w=374&sz=27&hl=pt-
BR&start=1&tbnid=wOIBsBm91J8NcM:&tbnh=128&tbnw=105&prev=/images%3Fq%3Dcaminho%2Bvel
ho%26gbv%3D2%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DG, acesso em 30 out. 2008.
69
Em relação a essas rotas e caminhos, o início dos Setecentos contava apenas com o
chamado “Caminho Velho”, ou “Caminho das Guaianás”, que, partindo de Parati, atravessava
a Serra do Mar e, passando por Taubaté e Guaratinguetá, alcançava Minas Geais. No século
XVIII, foi aberto o chamado “Caminho Novo”, por Garcia Rodrigues Paes, que transpunha a
Serra do Mar e, através de Pati do Alferes, Paraíba do Sul e Paraibuna, chegava a Minas
Gerais. Esta nova via ganhou inúmeras variantes, como o Caminho de Bernardo Proença e o
Caminho de Terra Firme, entre outras123. Conforme Stein:
O constante movimento das tropas de mulas por essas estradas ─ movimento do qual
Francisco Paulo de Almeida participou e cujos indícios apontam ser dessa atividade a origem
de sua fortuna ─ trouxe inúmeros posseiros à região, atraídos pelas possibilidades de
comercialização de gêneros de primeira necessidade para os viajantes. Conforme citado
anteriormente, nessas estradas surgiram ranchos, estalagens e vendas que floresceram em toda
a sua extensão. Pastagens e roças formaram-se rapidamente, garantindo o milho, alimento
indispensável aos animais de carga, e ainda a cana-de-açúcar, feijão, arroz, mandioca e café.
Essas roças, associadas à criação de porcos e outros animais, asseguraram o abastecimento
das caravanas que levavam produtos importados para a região das minas, de lá retornando
abarrotadas de ouro para a metrópole, a ser escoado através dos portos do Rio de Janeiro125.
Nesse povoamento inicial, em que a região do Vale do Paraíba funcionou apenas como
passagem entre um centro produtor e outro distribuidor, pouco interesse houve por uma
fixação efetiva. As primeiras propriedades foram basicamente essas roças de mantimentos
estabelecidas em posses. Entretanto, Lenharo levanta uma questão:
[...] por que as estradas do Comércio e da Polícia, os projetos mais ambiciosos desta
etapa administrativa, dirigiam-se para a Comarca mineira do Rio das Mortes, e qual
a importância estratégica para a Corte, uma vez seu principal núcleo abastecedor?
[...] Não é difícil perceber-se a importância dessas vias para a normalização do
124
STEIN, Stanley Julian. Vassouras: um município brasileiro do café, 1850-1900. ─ Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1990, p. 129, nota 67.
125
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 46.
126
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 58. A rota principal do Caminho Novo partia do porto de Estrela e passava por
Petrópolis, antes de atingir Encruzilhada, onde as duas outras variantes se encontravam. A estrada ficou pronta
por volta de 1724, sob a orientação do sargento-mor Bernardo Soares Proença, e durante 140 anos tornou-se o
caminho preferido dos viajantes. Após as passagens do Paraíba e do Paraibuna vinha o registro de Matias
Barbosa; Juiz de Fora, Barbacena, de onde se alcançava São João Del Rey e Vila Rica, vinham a seguir.
71
“O rico conhecedor do andamento dos negócios, tinha protetores e podia fazer bons
negócios; pedia-se para cada membro de sua família e assim alcançava imensa
extensão de terras... Manuel Jacinto (futuro Marquês de Baependi), empregado do
tesouro, possui perto daqui (Valença) 12 léguas de terras concedidas pelo Rei130”.
127
Idem, p. 63.
128
Idem.
129
MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Op. cit., p. 6; 26-30.
130
SAINT-HILAIRE, 2ª Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo, Belo Horizonte, Itatiaia/USP,
1974, tradução de Vivaldi Moreira, p. 24. Apud LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 65.
72
Manuel Jacinto Nogueira da Gama, mais tarde vai fazer parte da família dos Carneiro
Leão, composta por Paulo Fernandes Viana, intendente da polícia, proprietário [por
concessão] de grande quantidade de terras na região de Valença. Este clã usurparia imensa
mancha de terras que se estendia do Vale do Paraíba Fluminense até a Zona da Mata
mineira135.
131
NOYA PINTO, Virgilio. Op. cit., p. 128.
132
LENHARO, Alcir. Idem, p. 66.
133
TAUNAY, Afonso de E. História do café no Brasil. v. 5º, tomo III, p. 180-181.
134
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 67.
135
Idem.
73
136
Idem.
137
Idem, p. 67-68.
138
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 68.
74
Muito desta visão está inalterada, até hoje, com origem, em grande parte, nos relatos
de viajantes. As reproduções de suas observações enfatizam o comportamento dos tropeiros
como inferior aos níveis sociais de um proprietário comum. O que explica porque alguns
tropeiros, ao alcançarem posições sociais e políticas de destaque, procuraram de alguma
forma, fazer silêncio sobre sua origem.
Dentro dessa perspectiva, o principal dado explicativo cabe, sem dúvida, ao avanço da
oligarquia cafeeira que passou a ofuscar o setor abastecedor. No plano político, o setor
proprietário de café juntou as principais lideranças e centralizou o poder, passando os outros
setores da classe proprietária a se formarem com ele.
O café, introduzido no país no início do século XVIII, no Estado do Pará, oriundo das
Antilhas, era, até os primórdios do século XIX, cultivado em toda parte ─ não por todas as
famílias ─, porém apenas para consumo interno, em hortas, quintais e pomares. No Rio de
Janeiro foi plantado e aclimatado a princípio nos seus arredores: na baixada fluminense
[Magé, Itaboraí, Maricá, São Gonçalo], nas encostas das montanhas [matas dos morros da
Tijuca e de Laranjeiras], espraiando-se também pelo litoral [Angra dos Reis, Mangaratiba]142.
139
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 73.
140
A pressão sobre a terra tornou-se insuportável para posseiros na medida em que migrantes garantidos com
títulos de sesmarias foram ocupando s região. O atento Saint-Hilaire descreveu com acerto o que estava
pensando: “Os pobres que não podem ter títulos, estabelecem-se nos terrenos que sabem não ter dono. Plantam,
constroem pequenas casas, criam galinhas, e quando menos esperam, aparece-lhes um homem rico, com título
que recebeu na véspera, expulsando-os e aproveita o fruto do seu trabalho”. Saint-Hilaire. Op. cit., p. 24.
141
STEIN, Stanley Julian. Op. cit., p. 12 e 13.
142
CANABRAVA, Alice P. “A grande lavoura”. In: HOLLANDA, Sergio Buarque de. [dir.]. História Geral da
Civilização Brasileira. Tomo II, 4. vol., Declínio e Queda do Império. 1974, p. 85-137.
76
Em busca de tais condições, o café subiu a Serra do Mar, irradiando-se pelas terras
mais altas do curso médio do Paraíba145, em direção às Minas Gerais, e pelas encostas
meridionais da Mantiqueira, tomando, em seguida, o rumo do oeste paulista. A topografia
favorável e as altitudes médias entre 500m e 600m; as temperaturas médias anuais em torno
de 20 graus centígrados; as chuvas bem distribuídas em verões com precipitações fortes, entre
novembro e março, época da floração; e em invernos secos, possibilitando a estiagem
necessária à colheita, a secagem e o beneficiamento; os excelentes solos de massapés, aliados
à disponibilidade de terras, compuseram um quadro extremamente favorável para a expansão
da nova cultura.
A virada do século XIX assistiu à intensificação da procura por terras nessa região.
Dentre os antigos posseiros, alguns obtiveram concessões de sesmarias, outros legitimaram
suas posses, desde que fossem validadas de forma tranqüila, sem distúrbios. Muitas das
143
LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 23-39.
144
STEIN, Stanley Julian. Idem, p. 28.
145
AB’SABER, Aziz Nacib e BERNARDES, Nilo. Op. cit., p. 74-79. “O médio Vale do Paraíba”: “Em sentido
amplo compreendemos por médio Vale do Paraíba toda área drenada por esse rio desde o seu grande cotôvelo,
em Guararema até a zona em que, recebidas os primeiros afluentes de importância [Piabanha-Prêto e Paraíbuna-
Prêto], começam grandes corredeiras denunciadoras de sua rápida descida do planalto”. Utilizo neste trabalho,
parte do conceito denominado pelo autor como “médio vale inferior”, abrangendo somente as cidades
compreendidas da atual Barra do Piraí à atual Três Rios.
77
O Tropeiro, não raras vezes, ou era fazendeiro ou viria a ser. Tratava-se de uma
atividade rendosa. A tendência era de que se constituíssem sociedades para diminuição dos
custos e das perdas, fora que, também, recebiam mercadorias de outros fazendeiros,
aumentando, desta forma os lucros. O que ocorre é que a atividade de tropeiro tinha ou
passava a ter um caráter de complementaridade, pois quando o mesmo não era fazendeiro,
suas viagens pelos caminhos que levavam tanto a Corte como para São Paulo, davam-lhes
oportunidades de conhecerem terras que permaneciam sem “donos”, ou cujos donos não
tinham como mantê-las, com este conhecimento ele logo adquiria terras, preferencialmente
onde fosse passagem de tropas.
A segunda década do século XIX, em todo o Vale do Paraíba, foi marcada por um
notável incremento da produção cafeeira, graças à alta cotação do produto no mercado
internacional, que estimulou consideravelmente o seu cultivo. Se, por volta de 1822, o café
ocupava o segundo lugar nas exportações brasileiras, com 19,6%, precedido apenas pelo
açúcar, entre 1830 e 1840 esse valor subiu para 28,6%, acelerando a cultura intensiva. Em
meados do século chegou a 50%, na posição de primeiro produto de exportação, e entre 1870
146
STEIN, Stanley Julian. Op. cit., p. 33-34.
78
e 1880 alcançou 61,5%. Efetivamente o café se tornara uma nova fonte de riquezas,
possibilitando a recuperação econômica do país.
Uma série de medidas acompanhou e viabilizou esse surto: a abertura das estradas do
Comércio [1813] e da Polícia [1820], garantindo o escoamento das exportações; a fundação
em 1832 da Sociedade Promotora da Civilização e Indústria, na Freguesia de Vassouras; a
elevação de Paraíba do Sul, Valença e Vassouras à categoria de vila, em 1833, quando esta
última já contava com fazendas que possuíam entre 500.000 e 800.000 cafeeiros. Em 1835,
foi autorizada a concessão de privilégios para a construção de estradas de ferro por
particulares. Em 1852, foram inauguradas as primeiras linhas de telégrafos; e, finalmente, em
1854, a tão esperada estrada de ferro, proporcionando rápida ligação com a Corte e fluência
no escoamento do café até os portos de embarque, complementada em 1861 pela expansão
rodoviária, através da abertura da Estrada União Indústria148. Em 1859, foram abertas
sucursais do Banco Comercial e Agrícola em diversas cidades do Vale do Paraíba, ocorrendo
assim a sustentação necessária à nova empresa, dando, de acordo com Stein, destaque para
determinada localidade no Vale do Paraíba149. Segundo Eduardo Silva:
147
Fonte: Singer, 1989, 355 apud Silva, 1953 & Vilela & Suzigan. Apud ARIAS NETO, José Miguel. “Primeira
República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: O tempo do Brasil excludente: da
Proclamação da República à Revolução de 1930. Organização de Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves
Delgado, ─ 2ª Ed. ─ Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. ─ [O Brasil Republicano; v. 1], p. 201.
148
Sobre as estradas de ferro e as S/A, voltarei ao assunto no terceiro capítulo.
149
STEIN, Stanley Julian. Op. cit., p. 14.
150
SILVA, Eduardo. Barões e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: INL, 1984, p. 138-139.
79
Com a vinda da Corte para o Brasil ─ com a economia ainda voltada para a exportação
dos produtos, da agricultura de subsistência, adicionada a monocultura e a alteração dos
costumes influenciados pelo consumo da Corte ─ a produção de gêneros alimentícios torna-se
escassa, aumentando o volume e a movimentação de tropas entre o sul de Minas e o Rio de
Janeiro:
“O fator decisivo para que esta tendência se definisse foi o mercado carioca que,
dilatando-se progressivamente, ainda que de forma lenta, garantiu o movimento de
reorganização interna da economia do Sul de Minas152”.
151
MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Op. cit., p. 22; 43 e 69.
152
MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Op. cit., p. 74.
80
153
MATOS, Maria Izilda S. Trama e poder: um estudo sobre as indústrias de sacaria para o café. 4. ed. Rio de
Janeiro: Sette Letras, 1999. O crescimento da produção cafeeira exigia grande quantidade de sacaria para o café,
isso estimulou a indústria de sacaria.
154
Tema a ser explorado no próximo capítulo.
81
operação ─ itinerário, projeto, custo e viabilização ─, para valorização das suas terras,
escoamento e comercialização de sua produção.
O Caminho Novo, depois de atravessar o rio Paraíba do Sul, dirigia-se para Barbacena
e para as regiões auríferas de Minas Gerais. Ao longo de seu curso, organizaram-se diversos
“registros de controle” em Mathias Barbosa, Simão Pereira e Juiz de Fora, que, nesse início
de século, começavam muito a se desenvolver, com a chegada do café. A paisagem do Médio
Vale do Paraíba, continuava coberta de densa floresta, que valorizava suas terras, propiciando
madeira para a construção de Fazendas e, após o desmatamento, terra de primeira qualidade
para o plantio do café. Por isso, para ela deslocaram-se mineiros, fluminenses ou portugueses
atraídos pela expansão do café. Esses centros, além da cidade de Mar de Espanha, assim como
Além Paraíba, São João Nepomuceno, Sant’Ana do Deserto, localizados na Serra da
Mantiqueira, constituem a região denominada Zona da Mata mineira. Esses núcleos tiveram
grande ascendência, nesse período, graças às fazendas de café, tornando-se vilas, depois
83
cidades. Especial destaque deve ser dado à cidade de Juiz de Fora, cujo crescimento foi
especialmente notável, após a abertura da estrada de rodagem União e Indústria entre
Petrópolis e Juiz de Fora, em 1861, por iniciativa de Mariano Procópio Ferreira Laje155.
Entre eles, se encontra Estevão Ribeiro de Resende, futuro marquês de Valença, vindo
do Arraial de Lagoa Dourada, na Comarca do Rio das Mortes, com fazendas e grande
descendência no município de Valença. Igualmente se estabeleceu na mesma região o
protagonista, futuro barão de Guaraciaba, oriundo do Arraial de Lagoa Dourada. A família de
ambos, Marquês de Valença e Barão de Guaraciaba, têm seus laços a partir da avó do
protagonista. Dessa forma constituíram-se na mesma região, personagens que mais adiante,
compartilharão laços e sociedades com Francisco Paulo de Almeida, entre eles:
– Manoel Jacinto Nogueira da Gama, futuro marquês de Baependi, oriundo de São João
Del Rei, na Comarca do Rio das Mortes. Radicou-se e foi chefe de clã avultado em
Rio das Flores;
– Custódio Leite Ribeiro, futuro barão de Aiuruoca [tio dos irmãos Teixeira Leite, e em
parte responsável por sua vinda para o Vale], personagem com atuação de apoio a
diferentes áreas, organizando fazendas, fundando capelas, casas de caridade e
155
TELLES, Augusto Carlos da Silva. O Vale do Paraíba e a arquitetura do café. Rio de Janeiro: Capivara,
2006, p. 53.
84
156
TELLES, Augusto Carlos da Silva. Op. cit., p. 43-44.
85
Assim, Francisco Paulo de Almeida começa a ser visto e a ganhar destaque na região
do Médio Vale do Paraíba na segunda metade do século XIX, adquirindo as fazendas:
Veneza, no distrito de Conservatória, cidade de Valença - RJ; Santa Fé, na cidade de Mar de
Espanha em Minas Gerais e Três Barras na atual cidade de Três Rios – RJ, todas adquiridas
anteriormente à proclamação da República. Entretanto, o médico memorialista Marciano
Bonifácio Pinto Filho indica que ele também possuía fazendas no Arraial de São Sebastião do
Rio Bonito, além da de Santo Antônio do Rio Bonito. Embora essas propriedades estejam
situadas no distrito de Conservatória, não foram localizados registros que apontem sua
existência, pelo menos até a última década do século XIX, por isso, pressuponho que o
memorialista ao citá-las, confundiu-as com a fazenda Veneza, uma vez que, após a sua venda,
ocorreram desmembramentos de suas terras, das quais surgiram novas propriedades e as terras
citadas são fronteiriças a atual fazenda Veneza.
É certo que todas essas fazendas possuem uma história e um contexto relativo à sua
compra e sua importância produtiva para a região. Por exemplo, a fazenda Veneza será objeto
de exploração quando me referir à construção da Estrada de Ferro, assim como a fazenda
Santa Fé. Por outro lado, a Três Barras permitirá uma forte relação pessoal e social entre
Francisco Paulo de Almeida e o seu dono, o visconde de Jaguari, o que possibilita parte da
proposta do trabalho, ou seja, identificar e analisar as relações de poder e sociabilidade,
exercidas através, com e a partir do compadrio.
157
SILVA, Pedro Gomes da. Capítulos de História de Paraíba do Sul. Rio de Janeiro: Cia. Brasileira de Artes
Gráficas, 1991, p. 158-161.
87
Almeida também participará. Por tudo isso, posso começar focalizando as relações
estabelecidas com o Visconde de Jaguari.
Mas, quem foi esse visconde e qual sua importância? “O barão de Três Barras e 2º
visconde com grandeza de JAGUARI foi José Ildefonso de Souza Ramos, que nasceu na
cidade de Baependi, Minas Gerais, em 28 de setembro de 1812, e faleceu no Rio de Janeiro,
em 23 de julho de 1883, na fazenda das Duas [sic, Três] Barras. Casou-se com Henriqueta
Carolina de Souza Ramos. Bacharel em direito pela Academia de São Paulo, em 1834, foi
Presidente das Províncias do Piauí, em 1843, de Minas Gerais, em 1848, e de Pernambuco,
em 1850. Ministro da pasta da Fazenda no 11° Gabinete de 1852, do Império no 16° Gabinete
de 1861, da Justiça no 24° de 1870. Deputado Geral pela Província do Piauí na 6ª Legislatura
de 1845 a 1847 e pelo Rio de Janeiro na 8ª e 9ª legislaturas de 1850 a 1856. Era Senador por
Minas Gerais nomeado em 1853 e Presidente do Senado de 1874 a 1881. Foi Provedor da
Santa Casa de Misericórdia, sócio do IHGB do Conselho de S. Magestade, Conselheiro de
Estado em 1870, Grande do Império, Grã-Cruz das Imperiais Ordens de Cristo e da Rosa 158”.
[grifo meu].
158
Sinopse biográfica de José Ildefonso de Souza Ramos. Disponível: http://sfreinobreza.com/Nobj.htm, em
22/09/2007.
159
CARVALHO, José Murilo de. In:_____ [Org.]. BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Escolhas de padrinhos e
relações de poder: uma análise do compadrio em São João Del Rei (1736-1850). Nação e cidadania no
Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, P. 338.
160
Idem, p. 332.
88
final dos anos trinta do século XIX161. Após diversas disputas, a propriedade passou a
pertencer ao coronel José Joaquim dos Santos. Após o falecimento desse, a fazenda das Três
Barras passou a José Ildefonso de Souza Ramos, advogado, casado com sua filha Henriqueta.
O Visconde de Jaguari por sua vocação política, pouco tratava da fazenda, que esteve
mesmo alguns anos sem lavouras. Passava a maior parte de seu tempo no Rio de Janeiro e
morreu na Fazenda Três Barras em 1883, deixando-a para a esposa, que não tinha como
dirigi-la. Por isso, conforme salienta Pedro Gomes da Silva:
Por algum tempo tomou a direção da fazenda o compadre e vizinho Firmino [sic]-
[Francisco] Paula de Almeida, barão de Guaraciaba, que morava do outro lado do
Paraíba na fazenda de Santa-Fé, município de Mar de Espanha, e acabou a
adquirindo, desenvolvendo rapidamente lavouras e criações e instalando moderna
aparelhagem para beneficiar café. Mas pouco depois faleceu a baronesa de
Guaraciaba ali de febre amarela e o barão, desgostoso, nunca mais voltou as Três
Barras, vendendo-a ao médico José Cardoso de Moura Brasil a 19 de abril de 1890162
.
Por que, somente por algum tempo, Francisco Paulo de Almeida tomou a direção da
fazenda Três Barras? Como dito anteriormente, “O compadrio estabelecia um vínculo de mão
dupla163”, o que justifica sua intervenção no comando da fazenda, uma vez que, sua comadre,
a viscondessa de Jaguari, não tinha como dirigi-la. Além disso, ele era proprietário da fazenda
Santa Fé, que estava separada da propriedade da Três Barras, apenas pelo encontro dos rios
Piabanha e Paraibuna, o que facilitava a administração e seu transito entre as fazendas.
Posteriormente, constatando-se que a Viscondessa não tinha como comandar a fazenda e não
tendo contraindo novo matrimonio, que pudesse colocar alguém à frente da produção, vende a
fazenda ao compadre Francisco Paulo de Almeida.
161
SILVA, Pedro Gomes da. Op. cit.
162
Idem.
163
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., p. 338.
164
Cópia do Recibo de quitação da fazenda Três Barras, cedida por Mônica de Souza Destro, trineta de
Francisco Paulo de Almeida.
89
A liderança política, no século XIX, era, na maioria das vezes ou quase sempre,
formada por um grupo heterogêneo, constituída por um pequeno mais influente segmento de
fazendeiros. Numericamente insignificante, os fazendeiros e seus parentes dominavam cada
paróquia, efetivamente, através das eleições. Entre os fazendeiros, algumas famílias ou clãs
exerciam um papel dominante nos negócios dos municípíos.
Como já dito, da mesma forma que Custódio Guimarães, Francisco Paulo de Almeida
passa, na segunda metade dos Oitocentos, da condição de tropeiro para a de fazendeiro.
ocorrida graças aos conhecimentos adquiridos e ao acúmulo de capital com o abastecimento
de gêneros para o Rio de Janeiro, obtidos na sua antiga profissão. Adquiriu a propriedade no
“arraial de São Sebastião do Rio Bonito”, “Santo Antônio do Rio Bonito” e Veneza [1860],
todas na freguesia de Valença – RJ; Santa Fé em Mar de Espanha – MG; Piracema – MG;
Boavista em Paraíba do Sul – RJ e Três Barras [1883] em Três Rios – RJ. Nas propriedades
adquiridas anteriormente, somou-se, já na República, da família Faro, em 14 de janeiro de
165
HISTÓRIA DA SOCIEDADE HISTÓRICA DA INDEPENDÊNCIA DE PORTUGAL 1861 a 1940.
Compilada por: E. A. Ramos da Costa. Lisboa 1940, p. 3. Disponível em:
http://www.ship.pt/pdf/ramos_costa.pdf, acesso em 26 de junho de 2009: “A colectividade Comissão Central 1.º
de Dezembro de 1640 iniciou os seus trabalhos patrióticos em 16 de Maio de 1861./Com acentuado e persistente
espírito de patriotismo e de puro nacionalismo, durante uma vida de trabalho ininterrupto de 79 anos, conseguiu
impor-se à consideração dos Altos Poderes do Estado, recebendo este, por vezes, a sua colaboração sincera e
desinteressada, conforme se verifica no decorrer da sua longa história./Em 1927 para que o título não ferisse
certas susceptibilidades foi resolvido, unanimemente pelos seus sócios, modificarem-se os seus segundos
estatutos, datados de 6 de Agosto de 1980, transformando-se na actual Sociedade Histórica da Independência de
Portugal. Durante muitos anos ignorou-se a existência desta tão antiga e benemérita colectividade. Muitos
portugueses e quási toda a geração moderna desconhecem a sua existência e muito principalmente ignoram a sua
acção, altamente patriótica e muito nacionalista, desenvolvida para prestigiar o nome de Portugal, contrariando
todas e quaisquer ideias que tendam a ferir a dignidade da nossa Nação livre e independente”.
166
A falência do Banco Territorial em Juiz de Fora provocou a perda de economias de muitos correntistas. A
corrida aos caixas, na expectativa de retirar algum recurso para amenizar o prejuízo iminente, gerou tumultos e
conflitos, chegando ao ponto de solicitação de reforço policial externo. De acordo com o jornal Pharol, de 12 de
julho de 1892: “Vinda de Ouro Preto ontem a esta cidade uma força do 31º Batalhão, composta de 50 praças,
sob o comando do Capitão Laurindo Costa. Segundo fomos informados, a referida força foi requisitada para vir
garantir o prédio em que funciona o Banco Territorial de Minas Gerais, contra o assalto que, segundo
noticiamos ontem, constava ter sido premeditado por pessoas do povo que têm interesse naquele
estabelecimento”.
167
As sociedades anônimas de Juiz de Fora do setor industrial, inauguradas na conjuntura do Encilhamento se
diferenciaram das outras abertas em outras conjunturas, pois foram pioneiras na formação de sociedades
anônimas industriais com iniciativa de capital local, sendo necessária uma análise mais detalhada para se
verificar quais empresas foram empreendimentos direcionados à prática de especulação, firmas fictícias, ou se
elas foram firmas concretas e produtivas, contribuindo para o desenvolvimento local.
91
1897 por 180:000$000 [cento e oitenta contos de réis], a fazenda do Pocinho, localizada na
Estrada Ypiranga entre os municípios de Vassouras e Barra do Piraí – RJ.
“[...] o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que
se possui ou não. Não existe de um lado os que têm o poder e de outro aqueles que
se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim
práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce,
que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma
máquina social que não está situada em lugar privilegiado ou exclusivo, mas se
dissemina por toda a estrutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas uma
relação168”.
Dessa forma, em função das fazendas muitas relações tornaram-se possíveis no Médio
Vale do Paraíba Sul Fluminense. Em meados dos Oitocentos, essa região encontra-se no
apogeu de sua produção, e as estradas e meios de transportes, as tropas, já não conseguiam
atender a demanda da produção. Buscando soluções, o Império e as oligarquias cafeeiras vão
encontrar nas ferrovias a resposta para o escoamento e agilidade no transporte de suas
mercadorias, centrada, principalmente, no café.
168
MACHADO, Roberto. “Por uma genealogia do poder”. In FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Org.
e Trad. de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, XIV.
92
Como o transporte através das tropas era composto, quase sempre, por escravos, a
escassez dessa mão-de-obra, a partir de 1850, com a Lei Euzébio de Queiroz, deu
embasamento aos fazendeiros para reivindicarem uma estrada de ferro. Concomitantemente,
ao proibir o tráfico negreiro essa Lei possibilitou que o capital empregado nessa atividade
fosse direcionado para outras atividades, a facilitar o escoamento de suas produções.
Internamente, o crescimento de exportações levou à maior atividade econômica, através da
criação de novas empresas comerciais, industriais e de serviços, num momento de liberação
de capitais, até então aplicados no tráfico e na mão de obra escravista, conforme visto, a partir
de 1850.
Não apenas o interesse dos fazendeiros de café, mas também dos exportadores e
comerciantes localizados no Rio de Janeiro, deu sentido às linhas de ferro, isto é, do centro
produtor para o centro exportador, ou seja, da área agrícola produtora de café para a cidade ─
porto exportador e importador de bens de consumo.
Dentro de uma visão ampla, esses foram os fatos ocorridos na constituição da Estrada
de Ferro D. Pedro II. Entretanto, neste trabalho, a proposta é analisar sua ligação
complementar, a Estrada de Ferro no médio Vale do Paraíba, mais precisamente a partir de
1850, quando começaram a surgir as primeiras linhas ferroviárias.
93
Com relação a essa inauguração, pressupõe-se que foi nessa ocasião que D. Pedro II,
referiu-se, pela primeira vez, a Francisco Paulo de Almeida pela alcunha de “Guaraciaba”.
Esse termo, ao pé da letra, significa cabelo de sol ou da cor do sol. Entretanto as fontes
fotográficas não confirmam que Francisco Paulo de Almeida tivesse o cabelo da cor
ferruginosa, que justificasse esse codinome. Ainda sobre tal significado, cabe salientar que, de
acordo com a historiografia, D. Pedro II foi um estudioso do idioma indígena, principalmente
o tupi, conforme constatado por Schwarcz: “O próprio imperador, inspirado por essa voga,
além de propor a criação de gramáticas e dicionários, começa a estudar o tupi e o guarani, que
lhe seriam muito úteis durante os litígios com o Paraguai, [...] 169”. De acordo com Antônio
Geraldo da Cunha170 várias são as conotações aplicadas a esse termo, sendo:
169
SCHWACZ, Lília Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p. 131.
170
Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem Tupi / Antônio Geraldo da Cunha; prefácio-estudo
de Antonio Houaiss. ─ São Paulo: Melhoramentos: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1978.
94
O café, em 1836, tinha seu grande centro no Vale do Paraíba Sul Fluminense. Depois
de uma passagem nos arredores da cidade do Rio de Janeiro, a cafeicultura subiu a serra rumo
ao Vale do Paraíba Sul Fluminense, tanto por esse como, também, pelos seus inúmeros
afluentes, ocupando a paisagem serrana fluminense.
171
FRANÇA, Ary. A marcha do café e as frentes pioneiras. Rio de Janeiro, 1960. Escrito para servir de “guia”
de uma excursão realizada por ocasião do XVIII Congresso Internacional de Geografia [Rio de Janeiro, 1956].
95
o centro urbano, propiciando o aparecimento das ferrovias, criando uma unidade sócio-
econômica bem definida como a fazenda do café172:
Ela [a fazenda de café] não é uma instituição meramente econômica, mas, além
disso é, sobretudo, um traço cultural da vida social [..]. O café não representa apenas
uma riqueza, significa antes de tudo, um sentido de vida. Podemos mesmo falar da
civilização do café, pois ele criou hábitos, fixou aspecto, determinou destinos,
moldou consciências, interferindo, em última análise, de forma decisiva, na
estruturação da sociedade [...] contemporânea173.
O início da segunda fase da História ferroviária do Brasil foi marcado pela Lei nº 641,
de 26 de junho de 1852, sancionada em moldes mais práticos e objetivos que a lei anterior.
Abriu-se uma nova era de prosperidade para o país na segunda metade do século, refletindo-se
nos mais variados setores da vida nacional, alavancando a economia e o desenvolvimento do
país.
172
MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Pulo e o desenvolvimento da
cultura cafeeira. 4. ed. ─ Campinas: Pontes Editores, 1990, p. 56.
173
BAPTISTA FILHO, Olavo. A fazenda de café em São Paulo. Rio de Janeiro: Serviço de informação do
Ministério da Agricultura, 1952, p. 5.
96
A primeira concessão data do mesmo ano de assinatura da lei, 1852, entregue a Irineu
Evangelista de Souza, ligando o Rio de Janeiro ao Vale do Paraíba Fluminense, e
posteriormente, a Minas Gerais, através de um trajeto alternado: por mar, do Rio até o porto
de Mauá na baía da Guanabara; por estrada de ferro, de Mauá até a raiz da Serra da Estrela;
por estrada de rodagem, daí até Petrópolis e novamente por estrada de ferro de Petrópolis em
diante. Não se pensava em vencer a íngreme subida com as máquinas a vapor, pois as
técnicas, existentes ou conhecidas na época ainda não o permitiam, sendo somente conhecidas
essas técnicas no ano de 1853.
174
História das Rodovias. A Estrada União e Indústria: Em 1854, o Comendador Mariano Procópio Ferreira
Lage recebeu a concessão, por 50 anos, para a construção de custeio de uma estrada que, partindo de Petrópolis,
se dirigisse à margem do Paraíba. Nascia assim, a estrada União e Indústria, cujo nome é o mesmo da empresa
que havia sido criada e cuja receita provinha da cobrança de pedágio por mercadoria, mais precisamente por
burro carregado.
Os trabalhos tiveram início em 12 de abril de 1856 e a placa, que registrava a presença do Imperador D. Pedro II
e Família Imperial, ainda pode ser vista no início da atual Av. Barão do Rio Branco. O primeiro trecho pronto
ligava Vila Teresa a Pedro do Rio, numa extensão de 30,865 metros era inaugurado em 18 de abril de 1858. Dois
anos depois, de Pedro do Rio a Posse, numa extensão de 13 km. Finalmente, em 23 de junho de 1861, D. Pedro
II, sua família e vários representantes ilustres da Corte e da Cia. União e Indústria, inauguravam a primeira
rodovia brasileira macadamizada, unindo Petrópolis a Juiz de Fora, percorrendo seus 144 km, à fantástica
velocidade de 20 km/h nas diligências da época.
A importância da estrada gerou o primeiro guia de viagens do Brasil, escrito pelo fotógrafo do Imperador, o
francês Revert Henrique Klumb, intitulado: "Doze Horas em Diligência - Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz
de Fora", editado em 1872, descrevendo com palavras e fotografias a fantástica viagem.
A estrada original foi sendo alterada e absorvida em alguns trechos pela atual BR 040, obrigando o motorista a
alternar trechos da antiga estrada com a nova, para percorrer a União e Indústria. Da antiga estrada ainda restam
várias pontes e construções, com destaque para a Ponte de Santana, em Alberto Torres, recentemente restaurada.
A Ponte das Garças, em Três Rios, e a antiga estação de Paraibuna, em Comendador Levy Gasparian (Mont'
Serrat), construída em 1856 para a muda de animais das diligências, que atualmente abriga o Museu Rodoviário,
onde é possível entender melhor a história da União e Indústria e o rodoviarismo brasileiro. Atravessando a
Ponte de Paraibuna, que une o Rio de Janeiro a Minas Gerais, é possível apreciar o imponente Paredão de
Paraibuna, obra da natureza que testemunhou a epopéia da construção da primeira rodovia brasileira. Disponível
em: http://www.estradas.com.br/histrod_uniaoindustria.htm, acesso em 27 de junho de 2009.
97
interior. Mas a construção dessa estrada demorou em demasia e a ferrovia ficou limitada a
servir apenas o trecho do Rio de Janeiro a Petrópolis, o que, economicamente, não oferecia
interesse em relação aos lucros como também, não atendia ao escoamento da produção
cafeeira. Só a partir de 1863 viu-se prolongada, pois a transposição da serra antes de meados
do Oitocentos era empreitada quase impossível. Mais ainda: além de difícil, não se
recomendava para uma linha que deveria servir à zona cafeeira, uma vez que as maiores
fazendas de café encontravam-se a oeste de seu eixo, localizadas no Médio Vale do Paraíba ─
da cidade de Resende à cidade de Três Rios.
Diante desse contexto surge a idéia e o projeto para outra ferrovia, encabeçada pelo
chamado Movimento de Vassouras, tendo os Teixeira Leite à frente e que se realizou na
Estrada de Ferro D. Pedro II. Acresce-se que, por razões de comercialização com as casas
intermediárias, havia mais interesse em fazer partir a estrada de ferro da própria cidade do Rio
de Janeiro e não de um dos portos do interior da baía da Guanabara, como ocorreu com a
estrada de Mauá.
Dessa forma, de acordo com Taunay, a origem da Estrada de Ferro Dom Pedro II está
ligada aos nomes dos Ottonis e dos Teixeira Leite, que, junto com Mauá, podem ser
considerados os pioneiros da História ferroviária do Brasil, conforme citado por Stein, Odilon
de Mattos, Antônio Raposo, Leoni Iório e outros. Foram, aliás, os Texeira Leite que
reclamaram da Lei 641 de 1852, autorizando a garantia de juros de 5% para uma estrada de
ferro partindo do Rio de Janeiro e bifurcando-se, além da serra, para Minas Gerais e São
Paulo,
175
RAPOSO, Ignácio. História de Vassouras. Niterói, SEEC, 1978, p. 129.
98
Era uma família rica, influente e considerada [os Teixeira Leite] e seus créditos
concorreram para facilitar a associação de capitais. Não pareciam animados do
simples desejo de ganhar dinheiro, mas possuídos de ambição da glória de prestar ao
país um bom serviço. Contando com a concessão, fizeram despesas, relacionaram-se
com capitalistas, fizeram vir dois engenheiros que, à custa deles, futuros
concessionários, instituíram um reconhecimento da Corte até à margem do
Paraíba176.
A essa descrença não fugiam algumas das mais proeminentes figuras da política
imperial. É conhecida a frase de Bernardo Pereira de Vasconcelos: “É a estrada de ouro, não
de ferro: carregará no primeiro dia do mês toda a produção e ficará trinta dias ociosa 178”, ou
então, a do Marquês do Paraná, respondendo aos vassourenses: “Caísse do céu prontinha a
estrada que todos desejam e a renda não seria bastante para o custeio179”.
A Estrada de Ferro Dom Pedro II, que atravessa o Vale do Paraíba Sul Fluminense foi
construída depois de 1855, mas os Teixeira Leite não conseguiram sua concessão, e os
engenheiros americanos decidiram transpor as montanhas costeiras para alcançar as terras
planas ao longo do rio Paraíba em Barra do Piraí, desviando-se do centro do município de
Vassouras. De Barra do Piraí, em direção ao Leste passando pelo município de Vassouras, os
trilhos seguiam as margens do Paraíba com paradas em Ypiranga, Vassouras, Commercio e
Ubá ─ uma série de estações que contornavam o perímetro norte de Vassouras, deixando para
trás o centro comercial e agrícola182.
Essa decisão veio em conseqüência da disputa entre os Teixeira Leite pela vitória do
plano do Morro Azul e os Faro, pela do plano do Ribeirão dos Macacos, cada um com suas
argumentações. Os Teixeira Leite acusavam os Faro de só quererem a realização deste último
plano porque valorizaria as suas propriedades, quase todas localizadas à margem do Paraíba.
Idênticas acusações faziam os Faro aos Teixeira Leite. Mas estes se defendiam alegando que
os primeiros estudos da estrada tinham sido feitos por sua conta, e estavam eles, portanto no
direito de serem beneficiados pela via férrea. Tratava-se de famílias riquíssimas e poderosas,
contando os Teixeira Leite com as famílias Correia e Castro, Avelar, Werneck, Furquim de
Almeida e muitas outras, e os Faro com todos os fazendeiros situados à margem do Paraíba,
com o formidável prestígio do principal Barão do Rio Bonito e a proteção de inúmeros
políticos do império. Como dito, privilegiou-se o trajeto que beneficiava Barra do Piraí e que
fora proposta pela família Faro183.
181
Os membros da família contrataram engenheiros ingleses para fazer o levantamento topográfico de um
possível trajeto. Ottoni, Esboço histórico, p. 6 e José Matoso Maia Forte, “A Fazenda do Secretário”, p. 11-12.
182
STEIN, Stanley Julian. Idem.
183
RAPOSO, Ignácio. Op. cit., p. 129-130
100
De fato, a família Faro contava com o apoio “dos fazendeiros situados à margem do
Paraíba”, sendo um deles Francisco Paulo de Almeida com quem formará sociedade na Cia.
Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto:
184
Para aprofundamento no assunto ver: NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império: Nabuco de Araújo. 4ª
ed. [1 vol.], Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1975; PINTO, Jorge. Fastos vassourenses. [Esboço] ─
Bedesch ─ imprimiu, 1910;
101
Previous (p. 88) | Next (p. 90) | 300-dpi TIFF image | AGRICULTURA 1872, p. 89185
A Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto cortava todo o sudoeste e noroeste do
município de Valença, constituindo o ramal de Barra do Piraí. Essa estrada, dentro do
município de Valença, percorre os distritos de Ipiabas, Conservatória e Santa Izabel do Rio
Preto, numa trajetória total de 85 quilômetros e 500 metros, até a ponte do Zacarias, sobre o
Rio Preto, nas divisas com o Estado de Minas Gerais, de onde prossegue dirigindo-se a Santa
Rita do Jacutinga, município mineiro, ligando o ramal de Valença com os ramais da “Oeste de
Minas”, em Bom Jardim.
A construção da Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto foi realizada por iniciativa
e capitais privados, através de um consórcio fundando a Cia. Estrada de Ferro Santa Izabel do
Rio Preto S/A, tendo Francisco Paulo de Almeida186 como um dos acionistas, assim como
João Pereira Darrigue Faro ─ 2º barão do Rio Bonito.
185
Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto. Disponível: http://wwwcrl-
jukebox.uchicago.edu/bsd/bsd/u1959/000093.html, Previous (p. 87) | Next (p. 89) | 300-dpi TIFF image |
AGRICULTURA 1872, p. 88. Acesso em 21 de outubro de 2008.
186
Inventário da Baronesa de Guaraciaba. 1889. Ministério de Justiça, cx 1435, RG: 13568.
187
RODRIGUEZ, Helio Suêvo. A Formação das Estradas de Ferro No Rio de Janeiro: O resgate da sua
Memória. Rio de Janeiro: Copyright © by Hélio Suêvo Rodriguez, p. 125.
102
Francisco Paulo de Almeida cedeu terras da Fazenda Veneza para colocação dos
trilhos que seguem em direção à Santa Isabel do Rio Preto. Posteriormente, será feita uma
homenagem póstuma ao dar seu nome Paulo de Almeida à estação inaugurada em terras da
fazenda. Esse ato, simbólico, indica certo reconhecimento e valorização da figura do
protagonista, inclusive na República, uma vez que a estação foi construída e inaugurada após
o seu falecimento.
Francisco Paulo de Almeida tem seu interesse voltado para a construção da estrada de
ferro pelo mesmo motivo que outros fazendeiros do Médio Vale do Paraíba, ou seja, o
escoamento da produção de café. Entretanto seu interesse não seguirá somente esta
empreitada: nesse sentido vai associar-se com Manoel Antonio Esteves tanto na firma
exportadora Esteves & Filhos, como também na Companhia Estrada de Ferro União
Valenciana.
188
IÓRIO, Leoni. Valença de ontem e de hoje: subsídios para a História do Município de Marquês de Valença,
1789-1952. Valença-RJ: [s, n], 1953, p. 233-234.
103
189
MATTOS, Raimundo César de Oliveira. Manoel Antônio Esteves ─ o cotidiano de um
comerciante/cafeicultor do Vale do Paraíba fluminense através da Epistolografia. História e-História.
Publicação organizada com apoio do NEE ─ Núcleo de Estudos Estratégicos / Arqueologia. São Paulo:
UNICAMP. ISSN 1807-1783, atualizado em 26 de junho de 2009. Disponível em:
http://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=artigos, acesso em 26 de junho de 2009.
190
IÓRIO, Leoni. Op. cit., p. 80.
191
Idem, p. 218-219.
104
Com a presença do Imperador D. Pedro II, a Estrada de Ferro União Valenciana foi
aberta ao tráfego em 18 de maio de 1871, ligando Valença a Desengano [Juparanã] e daí,
através do ramal da Estrada de Ferro D. Pedro II ao Rio de Janeiro. Essa vitória deveu-se aos
esforços da Câmara Municipal de Valença e a Manoel Antônio Esteves, que viria a ser
condecorado com a Comenda da Ordem da Rosa193.
Como pode ser percebido, Francisco Paulo de Almeida mantinha uma rede de
sociabilidades bem complexa no que se refere ao social, econômico e político, abrangendo,
nesse contexto o perímetro compreendido entre Valença-RJ e Mar de Espanha-MG. Outro
fato que não pode passar despercebido é que a História do Vale do Paraíba Sul Fluminense
carece de uma reformulação. É necessário que ocorra esta revisão ─ da macrohistória para a
microhistória ─ para que outras histórias, olhares, sujeitos e acontecimentos apareçam para
análise e estudo.
192
Conforme ações da empresa listadas no Inventário da Baronesa de Guaraciaba. 1889. Ministério de Justiça, cx
1435, RG: 13568.
193
IÓRIO, Leoni. Op. cit., p. 218-219.
105
Através desse cargo, ele passa a desfrutar, com certa frequência, do contato com D.
Pedro II, a Princesa Isabel e o Conde D’Eu, nas solenidades de inauguração e atos
filantrópicos proporcionados por essa Instituição. Além disso, teve as portas abertas e
facilitadas na elite da cidade e com os nobres da Corte que pertenciam às Irmandades ou as
prestigiavam.
Este prestígio adquirido pelo ingresso na Irmandade agregado à sua ocupação no cargo
de seu Provedor e o incentivo proporcionado por D. Pedro II aos seus membros e benfeitores,
conforme descrito adiante forma um dos meios facilitadores para seu ingresso na nobreza
brasileira.
para o associado194”. O cargo de Provedor geralmente era ocupado por políticos influentes,
nobres titulares ou ricos comerciantes.
194
COIMBRA, Luiz Octávio. Filantropia e racionalidade empresarial (a Santa Casa da Misericórdia do Rio
de Janeiro de 1850 a 1920). Revista do Rio de Janeiro. Niterói, 1, n° 3, p. 41-51, mai/ago. 1986. [BCOC].
195
COSTA, Elisa Maria Amorim de. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença (1838-1889).
Vassouras-RJ: Dissertação de mestrado na Universidade Severino Sombra, 1997, p. 50-90. Ver também:
ZARUR, Dahas Chade. Uma velha e nova História da Santa Casa. 3. ed. Rio de Janeiro: Copyright by Dahas
Zarur, 1985 [1991].
107
Pertencer, no século XIX, a uma Irmandade, e mais ainda à sua direção, proporcionava
ao investidor do cargo grande expressão política, social e econômica, dentro da sociedade, de
acordo com Elisa Maria Amorim de Costa:
“Os irmãos eram obrigados a aceitar qualquer cargo na Irmandade, sem remuneração,
salvo legítimo impedimento. O cargo de Provedor obrigatoriamente cabia a um fidalgo. Era
um meio de se utilizar o prestígio da nobreza, em favor da Instituição 199”. Isso indica que,
mesmo antes de obter o título de nobreza [1887], Francisco Paulo de Almeida, já desfrutava
de certo prestigio no grupo social mais abastado e influente.
197
ZARUR, Dahas Chade. Op. cit., p. 34.
198
COSTA, Elisa Maria Amorim de. Op. cit., p. 18-19.
199
Idem, p. 30.
109
membros da família imperial. Cabe, ainda, ressaltar que o protagonista cobriu, em todas as
ocasiões, as despesas com as visitas, além de cobrir, em diversos períodos, o déficit existente
na contabilidade da Irmandade200.
A relevância social e política de ser membro da Irmandade podem ser ratificadas pela
conclusão de Costa: “... até os dados biográficos de cada Provedor ou Irmão citado, que os
mesmos já eram possuidores de crédito e prestígio, não só social como político. Muitos eram
ricos fazendeiros, nobres, comerciantes e vários chegaram a exercer cargos públicos ou
políticos no município, na Província e mesmo em outras Províncias201”.
200
Ata da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ, biênio 1882-1884. Museu da Irmandade da
Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ
201
COSTA, Elisa Maria Amorim de. Op. cit., p. 92.
202
Correspondência entre Gusmão Lobo e o Barão do Rio Branco Cadernos do CHDD / Fundação Alexandre de
Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática. ─ Ano3, n.5. ─ Brasília, DF: A Fundação, 2004, p.
162-165. Disponível em: http://chdd.funag.gov.br/cadernos/pdfs/cadernos_do_chdd_05.pdf, acesso em
18/06/2009.
110
Paulo de Almeida, obtém o título nesse período, pressuponho estar correta a indagação de
Pinto Filho, sobre sua aproximação com a Princesa Isabel:
Data: 30/06/1888
Meu caro Juca
É esta a notícia do banquete à qual me referi, há dias. Estou que a coisa terá saído
ao seu contento. Mande sempre notícias. Suavizam-me o trabalho e dão interesse ao
Jornal. M[ota] Maia não me escreve, há muito. Sei que lhe terá faltado o tempo e a
vontade, em razão do desastre, mas devia ele lembrar-se da necessidade, agora
mais premente do que nunca, de não consentir que a conjectura ande à rédea solta
em objeto tão melindroso. Tenho procurado disfarçar a coisa, a princípio
transcrevendo o telegrama do Figaro que V. mandou (e do qual suprimi o que era
menos conveniente) e, depois, com duas linhas de pouco valor mandadas pelo Picot,
compondo uma carta que creio ter-lhe mandado. Sem este artifício o Jornal teria
feito mau papel. Não avaliou bem M[ota] M[aia] o alcance da interrupção.
Carapebus tem mandado, dia por dia, notícias para o Diário, não se julgando
portanto obrigado a reservas quanto a fatos de notoriedade. A comitiva errou
sempre com o seu sistema de mentira ou de verdade incompleta e velada, não
pressentindo o médico quanta responsabilidade por tal modo acarretava para si.
Eis agora o triste desfecho!
Ocultou-se o diabetes quando era grave; ocultaram-se perturbações que devem ter
sido numerosas – qual a de Marselha de que ninguém falou – : e de repente
sobrevém a catástrofe que, mais ou menos, Peter tinha anunciado. Nunca me
enganei de todo, meu caro. Sempre tive por autêntica a conversação de Peter com o
Dermeval, o qual não poderia ter a audácia, o despudor nem o talento de inventar
aquilo. Tenho esse Peter por indiscreto e ganhador. Ele queria ter missão do
governo ou do parlamento para aferir da mentalidade do Imperador; é o que se
depreende das suas palavras. Mas a verdade é que se declarou perdido o enfermo e
está perdido. Foi acaso? Foi coincidência triste?
Agora mesmo consta que Charcot declarou destruído o sistema nervoso do enfermo
– e nada sabemos de fonte pura nem saberemos até que nos chegue outro telegrama
como o que nos disse:
Só Deus pode ainda arranjar tudo.
O que fez com que a maluca da princesa ande a repetir que as rezas sempre
valeram ao Pai. Ela e o conde, e a camarilha, estiveram com efeito em oração ao
Sacramento por 24 horas, revezando-se em quartos de ½ hora, preenchidos sobre
joelhos, e confessaram-se e comungaram todos, lembrando cada um a sua mesma
eficaz oração, assim a modo de mezinha de curandeiro.
Toda a camarilha tem sido baronizada com grandeza, Dória, Ramiz, Salgado, e
outro. Tamandaré, conde no seu último aniversário, foi marquês ao cabo de
111
[...]. O decreto imperial não bastava, porém, para que o novo titulado tivesse o
direito de usar o título; o pagamento de taxas para o recebimento da carta de mercê
nova, e seu respectivo registro em livro, era necessário para completar a legalização
dos tramites. [...].
Nessa data, as cartas de mercês para títulos de tratamento custavam pequenas
fortunas: [...]; barão 750$000. [...]. Além disso, gastos adicionais, com papeis e
tramitação, ultrapassavam por vezes o preço do próprio selo, como revela a tabela
209
Conforme consta no documento original.
113
Para proteger esses titulares, o uso indevido dos seus títulos ou brasões foi enquadrado
como crime de estelionato em 1871, dando pena de cadeia para o culpado.
Com a República, associou-se com: José Júlio Pereira de Morais [1º Visconde de
Morais], Marcelino de Brito Ferreira de Andrade [Visconde de Monte Mário], Domingos
Teodoro de Azevedo e Carlos Justiniano das Chagas na constituição da Companhia Agrícola
Industrial Mineira, entre outras, como a Companhia Estrada de Ferro Santa Isabel. Assim, em
1890:
212
Processo de Tutela. Museu da Justiça, Rio de Janeiro, cx. 1803.
115
Considerando que, no final dos Oitocentos, o café no Médio Vale do Paraíba está em
decadência, principalmente pelo esgotamento das terras e da não renovação das matas, muitos
fazendeiros vão diversificar seu capital e Francisco Paulo de Almeida, não fugindo da
tendência, se torna sócio fundador do Banco Territorial e Mercantil de Minas e do Banco de
Crédito Real de Minas Gerais.
213
Efemérides de Juiz de Fora ─ por Antônio Armando Pereira ─ nº 65, ANO DE 1890. Republicação na
Gazeta Comercial, ANO XXXII, Juiz de Fora –quinta-feira, 25 de agosto de 1956.
214
SÁ, Antonio Lopes. Origens de um Banco Centenário: História econômica, administrativa, financeira e
contábil do Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A. Elaboração e criação de texto Prof. Antonio Lopes Sá.
Fonte de pesquisa: Acervo do Museu do Credireal em Juiz de Fora - MG. Revisão: LєF Publicidade. Versão para
o inglês por Soneide Alves Caetano. Fotos e cromos: Alfredo de Castro. Coordenação Geral: Assessoria de
Comunicação Social Banco de Crédito Real de Minas Gerais ─ Prof. Marcello Cortizo Sacchetto e equipe. Juiz
de Fora - MG: Credireal, 1989, p. 40.
116
Percebo, até o presente momento, que a rede de sociabilidades formada por Francisco
Paulo de Almeida estava sempre ligada aos grandes latifundiários, capitalistas, políticos e,
215
SÁ, Antonio Lopes. Op. cit., p. 41.
117
quase sempre, com títulos nobiliárquicos. Entretanto, ao adquirir uma propriedade na cidade
de Petrópolis – RJ, ele irá enfrentar o primeiro empecilho, e, por que não dizer, um grande
enfrentamento público, constatado na presente pesquisa.
Após o falecimento de José Carlos Mayrink da Silva Ferrão, a viúva, Maria Emília
Bernardes Mayrink, vendeu o solar em 13 de fevereiro de 1891 para Francisco Paulo de
Almeida, que mesmo após o advento da República, continuava a ser tratado como Barão de
118
O legislativo fez uma proposta de compra a Francisco Paulo de Almeida que a negou
prontamente. Essa recusa sugere, inclusive nesse embate de forças, não só poder para se
colocar contra a proposta, como resistência ao poder instituído. Lembro que em 17 de junho
de 1891, quatro meses após a aquisição do Palácio pelo Barão, a municipalidade ─ que no
período em que Mayrink era proprietário, nunca havia manifestado sua intenção de adquirir o
imóvel ─ autorizou o Dr. Antônio Neves da Rocha e o arquiteto Achem Naval a constituírem
e explorarem no terreno onde hoje se localiza a Praça Visconde Mauá, um mercado público
para abastecimento da cidade.
Fracassadas suas estratégias para obtenção do imóvel, a Câmara resolveu abalar de vez
as convicções do Barão e, através do vereador José Tavares Guerra, apresentou um projeto de
Lei que autorizava empréstimos para a construção, no terreno em frente ao Palácio, do novo
Paço Municipal.
deixando de ter sentido a sua posse. Entretanto, como afirmei anteriormente, este trabalho foi
construído dentro do campo das possibilidades permitidas, e nesse episódio, pode ficar
demonstrado, também que a venda pode ter sido ocasionada pela impossibilidade de
Francisco Paulo de Almeida dar continuidade a este enfrentamento, falta de forças e de poder
político etc.
A História de vida do Barão de Guaraciaba, pela sua trajetória, aponta rastros que
indicam uma visão apropriada de seu tempo, das relações próprias de sua sociedade e dos
atributos necessários para nela estar e transitar. Nessa sociedade, além do poder econômico,
para se situar, para estar, para se manter e para se relacionar com a sociedade, era preciso se
preocupar com a instrução, com os aspectos culturais e sociais. Por isso, suas filhas, além do
programa de estudos preconizado pela Lei Nacional de 15 de outubro de 1827, que instituiu a
instrução pública para meninas em todo o Império brasileiro [leitura, escrita, quatro operações
de aritmética, gramática de língua nacional, os princípios da moral cristã e de doutrina da
religião católica, apostólica e romana, bem como as prendas que servem à economia
217
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. [org. e trad.] Roberto Machado ─ Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1979, p. 175.
120
doméstica], estudaram piano, o segundo instrumento de sua devoção. Os filhos, como muitos
meninos de famílias abastadas, foram enviados para estudar na França [Paris].
Nos últimos anos de sua vida, Francisco Paulo viajou constantemente para Paris.
Faleceu em 09 de fevereiro de 1901, na casa de sua filha Adelina, situada à Rua Silveira
Martins, 81, foi sepultado no Cemitério São João Batista longe da Baronesa que foi sepultada
no Cemitério de Bemposta, distrito de Três Rios–RJ. Em vida, desfez-se de quase todos os
seus bens, deixando de herança a fazenda Pocinho e a fazenda Santa Fé para suas filhas. Para
os homens deixou dinheiro em espécie.
O caminho até aqui trilhado permite algumas considerações finais sobre as histórias e
os contextos históricos de Francisco Paulo de Almeida [1826-1901]. As informações, dados e
pistas obtidas durante a pesquisa foram cruzadas e articuladas com histórias de vida, com
relações de poder e com redes de sociabilidades, não esquecendo que se trata de uma reflexão
permitida pela História política.
No complexo campo investigativo da pesquisa, pude detectar o que fora percebido por
Foucault: “o objeto não espera nos limbos a ordem de que vão liberá-lo e permitir-lhe que se
encarne em uma visível e loquaz objetividade; ele não preexiste a si mesmo, retido por algum
obstáculo aos primeiros contornos da luz, mas existe sob as condições positivas de um feixe
complexo de relações218”.
ainda, explicações. Olhar para o outro é olhar para si mesmo, no que tenho de igual, parecido
ou diferente, nos mais variados níveis. Dessa forma, os problemas de investigação de uma
vida são riquíssimos, pois defrontam com tudo que constitui a própria existência e a dos que a
cercam. E que obrigam a perceber e aceitar a grande quota de mistério que sempre existe em
cada vida.
Outro fator problemático foi lidar com a “falta” de bibliografia sobre a História da
Ourivesaria no Brasil. Entretanto, vencer estes desafios foi gratificante, considerando que pela
ausência de subsídios, fui obrigado a repensar minha escrita e meu discurso, para que mesmo
de forma coadjuvante não se criasse um lapso na vida do protagonista, fazendo com que ele
surgisse do “nada”. Aliás, ter consciência das minhas limitações, do tempo e da pesquisa,
obrigou-me a buscar novos conhecimentos e a modificar e adaptar a escrita de acordo com os
dados.
Ainda neste segundo capítulo, começo a apontar as pistas e indícios de que Francisco
Paulo de Almeida, assim como outros indivíduos provenientes da Comarca do Rio das
Mortes, no Sul de Minas Gerais utilizaram-se dos diversos mecanismos disponíveis ─
intermediação de mercadorias, especulação, etc. ─ para constituírem seus cabedais.
Falar sobre tropas e tropeiros apontou para os meandros e mecanismos utilizados para
a construção de estradas com importância e destaque para a posição política e cargo público
ocupados, que aprovavam a abertura de rotas, caminhos e estradas, bem como redução de
123
impostos e benesses para os donos de tropas e tropeiros, de acordo com seus interesses
pessoais.
Por fim, no que diz respeito ao capítulo três, lembro as contribuições da pesquisa a
partir da abordagem da participação do protagonista na oligarquia cafeeira, e na construção da
Estrada de Ferro no Médio Vale do Paraíba, desconstruindo o mito e o paradigma de que a
Estrada de Ferro no Médio Vale do Paraíba teve como centro, a disputa entre a família Faro,
de Valença e, a família Teixeira Leite, de Vassouras. O trabalho filantrópico de Francisco
Paulo de Almeida através da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença, sua
participação no sistema empresarial e financeiro, seu pertencimento à nobreza através do
título de baronato e “perseguição” por parte do Legislativo da cidade de Petrópolis – RJ, as
fontes comprovam todo esse envolvimento, mas nota-se, por outro lado, um certo “silêncio”.
Muitas questões merecem um trabalho mais profundo, até porque, algumas delas, por
si já dariam matéria a outras dissertações, como é o caso do sistema bancário e das empresas
de sociedade anônima, que estiveram envolvidas diretamente na política do encilhamento de
Rui Barbosa [onde muitas empresas foram concebidas como fachada] e o caso do Banco
Territorial e Mercantil de Minas Gerais, presidido pelo Sócio de Francisco Paulo de Almeida,
o Visconde de Monte Mário, que decreta falência em 1892, sendo encampado pelo Banco de
Crédito Real de Minas Gerais, presidido, também pelo próprio Visconde de Monte Mário.
Considero cumprida esta etapa deste trabalho, esperando ter contribuído para o debate
historiográfico, entretanto, como foi dito anteriormente, a pesquisa e o trabalho não terminam
aqui, muito pelo contrário, trata-se do início de uma longa jornada.
Não posso negar que Francisco Paulo de Almeida, em sua trajetória, esteve presente
em diversas atividades, iniciando-se como ourives e finalizando sua vida como empresário
pertencente à nobreza e à elite do Brasil do século XIX. Entretanto, a pesquisa me direcionou
124
Finalizando esta etapa, posso concluir que essa pesquisa e o consequente trabalho
produzido possibilitaram conhecer “um pouco” sobre o protagonista. Ainda existem muitos
dados e informações a serem pesquisados e estudados. Sua vida não pode estar simplificada
no trabalho aqui apresentado; ao contrário, pois até onde o tempo, as oportunidades, as fontes
e a memória permitirem, muitos detalhes enriquecedores poderão ser apresentados, muito
falta a ser explorado e muito ainda a ser produzido, visto que nenhuma História está por si só,
pronta e acabada.
REFERÊNCIAS
125
1. Fontes
1.1.Inventários/Processos
Inventário de Antonio José de Almeida. 1876, cx. 294. Instituto do Patrimônio Histórico,
Artístico Nacional. São João Del Rei – MG.
Inventário de Barbara Joaquina [1851]. IPHAN. São João Del Rei – MG.
Inventário de Galdina Alberta do Espírito Santo [1842]. IPHAN. São João Del Rei – MG.
1.2.Documentos manuscritos
Ata da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ, biênio 1882-1884. Museu
da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ.
Cópia do Recibo de quitação da fazenda Três Barras. Cedida pela trineta de Francisco Paulo
de Almeida, D. Mônica de Souza Destro.
Foto do trecho de uma minuta de testamento feita pelo Barão, datada de 9 de março de 1895
[Rio de Janeiro], cedido por Mônica de Souza Destro [trineta de Francisco Paulo de Almeida].
Recibo de quitação da fazenda Três Barras, cedida por Mônica de Souza Destro, trineta de
Francisco Paulo de Almeida.
Registro do Livro de Óbito 10 nº 1617 de CP folha 75 do Cemitério São João Batista. Rio de
Janeiro – RJ.
126
1.3.Periódicos e Jornais
1.4.Dissertações e dicionários
COSTA, Elisa Maria Amorim da. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença
(1838 – 1889). Dissertação de Mestrado [História Social] ─ USS ─ dezembro de 1997.
Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem Tupi / Antônio Geraldo da Cunha;
prefácio-estudo de Antonio Houaiss. ─ São Paulo: Melhoramentos: Ed. Da Universidade de
São Paulo, 1978.
MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Os donos da terra. Um estudo sobre a estrutura fundiária do
Vale Paraíba fluminense, no século XIX. 1979. 185 f. Dissertação de Mestrado [História
Social] ─ Universidade Federal Fluminense ─ RJ, 1979.
1.5.Internet
2. Bibliografia
AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. “La biografía como género historiográfico algunas
reflexiones sobre sus posibilidades actuales”. In: SCHMIDT, Benito Bisso [Org.]. O
biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.
128
AZEVEDO, Francisca Lúcia Nogueira de. “Biografia e gênero”. In: GUAZZELLI, Cesar
Augusto Barcellos; PETEREN, Silvia Regina Ferras. SCHMIDT, Benito Bisso e XAVIER,
Regina Céli Lima [Org.]. Questões de teoria e metodologia da história. Porto Alegre:
UFRGS, 2000.
BAPTISTA FILHO, Olavo. A fazenda de café em São Paulo. Rio de Janeiro: Serviço de
informação do Ministério da Agricultura, 1952.
______. “A Cultura Política”. In: RIOUX, J; SIRINELLI, J [Org.]. Para uma História
Cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998.
BORGES,Vavy Pacheco. Em busca de Gabrielle: séculos XIX e XX. São Paulo: Alameda,
2009.
BRANCANTE, Maria Helena. Os Ourives: na história de São Paulo. São Paulo: Árvore da
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História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, 4. vol., Declínio e Queda do Império.
1974.
CARVALHO, José Murilo de. In:_____ [Org.].BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Escolhas de
padrinhos e relações de poder: uma análise do compadrio em São João Del Rei (1736-1850).
Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2007.
CASTRO, Hebe Maria da Costa Mattos Gomes de. Das cores do silêncio: os significados da
liberdade no sudeste escravista. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1993.
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 7. ed, São Paulo:
Fundação Editora da UNESP, 1999.
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FERREIRA, Marieta de Moraes. “A nova “velha história”: o retorno da história política. In:
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