Sanitation-Health-Environment Relationship: promotional and preventive discourses
Cezarina Maria Nobre Souza Resumo
Doutoranda em Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), Mestre em Tecnologia Ambiental e Professora do Centro Federal de Educação Diversos discursos podem ser encontrados na litera- Tecnológica do Pará. tura científica, indicativos de como o saneamento vem Endereço: Rua Aguiar, 47/406, Tijuca, Cep 20261-120, Rio de Janeiro, sendo percebido em sua relação com a saúde e o ambi- RJ, Brasil. E-mail: cezarina.souza@oi.com.br ente. Entre eles destaca-se um grupo de discursos ali- cerçados na prevenção de doenças, segundo os quais cabe ao saneamento higienizar o ambiente e com isso evitar as doenças. Há também outro grupo, cujos dis- cursos se aproximam dos pressupostos da promoção da saúde, de acordo com os quais o saneamento assu- me ações para a melhoria da qualidade ambiental e de vida e para a erradicação das doenças. Foi realizada pesquisa em base eletrônica de dados com o fim de identificar artigos científicos publicados em periódi- cos da área de saneamento. A partir destes, foram res- gatados e examinados quatro discursos coletivos so- bre a relação saneamento–saúde–ambiente com o pro- pósito de identificar suas possíveis afiliações a um dos grupos acima citados. Os discursos obtidos reve- laram um viés essencialmente preventivista. Palavras-chave: Saneamento; Saúde; Ambiente; Promoção da Saúde; Prevenção de Doenças; Discursos Coletivos.
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Abstract Introdução Discourses about sanitation, water supply, solid was- O déficit de saneamento no Brasil vem constituindo te, urban drainage, and the relationship between sa- uma preocupação, para o setor considerando a rele- nitation, health and environment can be found in the vância de seu papel na relação que estabelece com a scientific literature. There is a group of them based saúde e o ambiente. Segundo dados da Pesquisa Nacio- on the point of view of health promotion. Another one nal por Amostra de Domicílios (IBGE, 2004), a cober- is based on the diseases prevention approach. Four tura nacional por rede geral de abastecimento de água collective discourses about the sanitation-health-en- é da ordem de 80%; por rede coletora de esgoto sanitá- vironment relationship, captured in specific texts rio é de 48%; e a coleta de resíduos sólidos atende a present in an electronic database, were analyzed. The cerca de 80% dos domicílios. results showed that the prevention point of view was Esse quadro vem sendo enfrentado com a realiza- predominant in this context. ção de investimentos (Ministério das Cidades, 2006). Keywords: Sanitation; Health; Environment; Health Da parte da União, de acordo com dados da Secretaria Promotion; Diseases Prevention; Collective Discourses. Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, os investimentos realizados desde 2003 atin- giram um total aproximado de R$ 850 milhões, corres- pondentes a 2.314 obras de saneamento em todo o país. Além disso, de acordo com essa fonte, atualmente es- tão em andamento outras 2.418 obras, apoiadas ou fi- nanciadas com recursos federais, somando investi- mentos de 11,4 bilhões de reais. Por si sós, sem um parâmetro comparativo, os nú- meros supracitados não são capazes de qualificar es- ses investimentos como altos ou baixos, grandes ou irrisórios. Contudo, independentemente de sua mag- nitude, sugerem um questionamento altamente sig- nificativo, posto que se relacionam aos pressupostos teóricos que estariam norteando a aplicação dos re- cursos, levando em conta a relação saneamento–saú- de–ambiente. A literatura científica revela diversos discursos a respeito dessa relação. Entre eles destacam-se dois grupos: um associado às idéias de prevenção de doen- ças, segundo o qual cabe ao saneamento higienizar o ambiente e com isso evitar as doenças; outro que se aproxima dos pressupostos da promoção da saúde, de acordo com os qual o saneamento assume ações para a melhoria da qualidade ambiental e para a erradicação das doenças. Sendo assim, este artigo visa resgatar discursos presentes na literatura específica da área de enge- nharia sanitária sobre a relação saneamento–saúde– ambiente, a fim de identificar suas possíveis afilia- ções a um dos grupos acima citados. Todavia, é importante destacar, quaisquer que se- jam as aproximações encontradas com esta ou aquela
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visão, elas não revelarão, em princípio, uma afiliação Sob a inspiração dos trabalhos de Buss (2000) e proposital e consciente dos autores consultados a esse Statchenko e Jeniceck (1990), Freitas (2003) apresen- ou àquele pressuposto teórico. Isso porque, possivel- ta dois grandes grupos de conceitos relativos à pro- mente, eles desconheçam a prevenção e a promoção moção de saúde. Para um primeiro grupo ela estaria em sua abrangência e diferenciação, posto que deba- ligada a programas cuja preocupação fundamental tes a esse respeito não estão presentes, em geral, en- seria transformar comportamentos e estilos de vida tre profissionais do setor de saneamento. Pode-se di- dos indivíduos. Sua finalidade seria proporcionar a zer que essas aproximações se dão muito mais pela eles o controle sobre os riscos correlatos, asseguran- simples assimilação e reprodução de discursos circu- do-lhes, assim, uma saúde vista como recurso para o lantes do que como decorrência de um posicionamento desenvolvimento de seu potencial e para o enfrenta- consciente. mento dos desafios do meio ambiente. Por isso, a identificação dos referidos discursos Para o segundo grupo a promoção da saúde iria possibilita uma abordagem diferenciada da relação mais longe. Além de se ater ao desenvolvimento das saneamento–saúde–ambiente, ensejando a captura de potencialidades individuais e coletivas, estaria tam- elementos importantes para sua maior compreensão, bém voltada para a intervenção ambiental. Para isso, feita do ponto de vista qualitativo. Conforme ressal- deveria utilizar-se de meios políticos, legislativos, tado por Borja e Moraes (2003), há uma “realidade invi- fiscais e administrativos, promovendo articulações com outros setores e atuando por meio de políticas sível”, envolvendo crenças, valores, idéias, que esca- públicas direcionadas ao coletivo (Freitas, 2003). pa aos modelos estatístico-matemáticos de mensura- De acordo com a Carta de Ottawa, a saúde não deve ção utilizados tradicionalmente na área do saneamen- ser interpretada como um objetivo de vida, mas como to. O movimento de tornar visível essa realidade é, uma fonte de riqueza da vida, um recurso para a vida, então, fundamental em qualquer tentativa de enten- para o progresso de cada indivíduo, tratando-se, as- dimento dos significados e das cadeias de causalida- sim, de um conceito acima da doença. de nos quais se inserem as práticas humanas ligadas Nesse sentido, a promoção da saúde a compreende ao saneamento e sua relação com a saúde e o ambiente. segundo o chamado conceito positivo preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), ou seja, como Promoção da Saúde e Prevenção de algo que é muito mais do que a ausência de doenças, Doenças uma vez que são levados em conta na abordagem os macrodeterminantes do processo saúde”doença (ali- A Carta de Ottawa (OPAS, 2007), documento elaborado mentação, nutrição, habitação, saneamento, trabalho, na I Conferência Internacional sobre Promoção da Saú- educação, ambiente físico saudável, apoio social, es- de, realizada no Canadá, em 1986, constitui o termo de tilo de vida responsável, cuidados de saúde), com o referência a partir do qual as idéias de promoção da fim de transformá-los favoravelmente (Buss, 2003). saúde se desenvolveram. Conforme afirma Marcondes (2004), saúde não Para Andrade e Barreto (2002), esse documento pode se constituir na ausência de doenças, uma vez teve o mérito de clarificar o conceito de promoção de que há entre ambas uma relação dinâmica, na qual saúde, definida, então, como algo capaz de proporcio- interagem elementos de agressão e defesa, tanto in- nar aos povos os meios necessários para a obtenção da ternos como externos ao organismo (nesse caso liga- melhoria de sua situação sanitária e de um maior con- dos às relações sociais), em uma permanente instabi- trole sobre ela. lidade, sendo impossível alguém estar definitivamen- Segundo Bydlowski e col. (2004), a promoção de te saudável ou totalmente doente. saúde constitui um movimento cuja principal preocu- Segundo esse conceito, a saúde independeria da pação é o desenvolvimento do ser humano num mundo presença ou não de quadros clínicos definidos. Indiví- saudável. Apresenta aos profissionais ligados às ques- duos convivendo com doenças crônicas controladas tões de qualidade de vida uma forma diferenciada de poderiam ser considerados saudáveis, dentro desses pensar e de agir. limites, ao contrário de indivíduos que, mesmo sem
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apresentar doenças, estivessem submetidos a perver- bilidade à infecção e ao adoecimento e maior ou menor sas condições de vida do ponto de vista social, emoci- disponibilidade de recursos para sua proteção, os au- onal e ambiental, por exemplo. Por isso, a saúde não tores afirmam que ele é capaz de embasar o aspecto seria responsabilidade exclusiva dos serviços de as- educacional dos projetos de promoção da saúde. sistência, ou seja, da biomedicina. Como sinônimo de Como decorrência da idéia de vulnerabilidade, es- qualidade de vida, constituiria uma preocupação e uma ses projetos romperiam com a manutenção de práti- busca que permearia todo o tecido social com igual cas modeladoras do comportamento, passando a con- intensidade. correr para que as pessoas tenham acesso a informa- Relativamente à associação entre saúde e qualida- ções, apropriando-se delas de modo a que possam mobi- de de vida como sinônimos, Marcondes (2004) desta- lizar-se e encontrar alternativas práticas de superação ca que, se essa sinonímia trouxe a vantagem de inse- das situações que as vulnerabilizam. rir na discussão sobre o conceito de saúde a questão Nesse sentido, a participação popular, dentro das dos determinantes sociais, trouxe também, uma am- ações fundamentadas na promoção, é destacada por pliação semântica que favorece imprecisões concei- Bydlowski e col. (2004) como um de seus pilares. Se- tuais sobre o termo. Segundo o autor, se o conceito de gundo os autores, a promoção da saúde considera que saúde é colocado nessa perspectiva, devem ser empre- melhores condições de vida e saúde só são atingidas endidos esforços para que a abordagem sobre quali- por meio da participação da população de maneira ati- dade de vida seja efetivamente capaz de contemplar va, o que pressupõe um relacionamento mais horizon- questões como a busca da felicidade, realização de tal e menos submisso entre a população-alvo das in- potenciais pessoais e coletivos, “vida que valha a pena tervenções e seus planejadores e gestores. ser vivida”, entre outras. Para Lefèvre e Lefèvre (2004), o conceito positivo Para Statchenko e Jeniceck (1990) e Buss (2003), de saúde, apresentado pela Carta de Ottawa, deve ser com base no enfoque promocional, saúde representa- interpretado no sentido mais radical, ou seja: saúde ria um conceito multidimensional. As intervenções não é mera ausência de doença, mas, sim, a sua seriam realizadas dentro de um modelo participativo erradicação, o que se obteria operando sobre a socie- que envolveria toda a população no seu ambiente total dade como um todo, uma vez que nela residem os como alvo, sendo voltadas para uma rede de temas de determinantes daquela, e não apenas no setor saúde, saúde e não apenas um, os quais seriam tratados por o qual, entretanto, se manteria atuante no processo. meio de estratégias diversas e complementares, in- Assim, a promoção da saúde levaria à erradicação cluindo abordagens de facilitação e capacitação, ofe- das doenças, ou, no mínimo, a sua eliminação dura- recidas à população sem imposição, com o objetivo doura negando (eliminando) a doença como a negação amplo de fomentar mudanças na situação dos indiví- da saúde. Nesse sentido, como negatividades, as do- duos e de seu ambiente, e não apenas de modelar com- enças seriam sinalizadoras de que algo não vai bem portamentos. com os indivíduos e a coletividade, indicando, portan- A esse respeito, no que tange à educação vista sob to a necessidade de afastar as doenças, erradicá-las a ótica promocional, Bydlowski e col. (2004) afirmam (Lefèvre e Lefèvre, 2004). que, para a promoção da saúde, a educação constitui A prevenção de doenças se apóia no modelo da his- uma forma de desenvolver no ser humano o exercício tória natural da doença. Seu objetivo é realizar inter- da cidadania e, a partir daí, promover atitudes que venções que visem (re)estabelecer o equilíbrio dinâ- levem à melhoria das condições de saúde e vida. mico entre o hospedeiro, o agente patogênico e o meio, Também referenciando a educação no contexto evitando, assim que as doenças ocorram. promocional, Ayres e col. (2003) destacam a contribui- Nesse modelo, diferentemente da forma como a ção que o conceito de vulnerabilidade tem a oferecer. Carta de Ottawa a propõe, a promoção da saúde é tam- Apresentando-o como movimento que considera a bém incluída, mas como algo que deveria ser feito por chance de exposição das pessoas ao adoecimento como meio de medidas de ordem geral, constituindo o nível resultante de um conjunto de aspectos individuais, de prevenção primária das doenças, dentro do período coletivos, contextuais, que lhes acarreta maior susceti- de pré-patogênese (Leavel e Clark, 1976).
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Para Statchenko e Jeniceck (1990) uma interven- Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, por ter inseri- ção pode ser considerada preventiva se ela é capaz de do as questões ambientais na pauta de discussões do impedir ou de reduzir a ocorrência de uma doença ou o setor saúde. A Carta de Sundsvall (OPAS, 2007), docu- agravo da saúde de um indivíduo; se ela interrompe ou mento elaborado na conferência, em adição ao texto retarda o progresso de uma doença; ou se reduz a inca- da Carta de Ottawa, considera que o ambiente não é pacidade residual resultante do adoecimento. restrito apenas à dimensão física ou natural, mas in- Dentro de uma concepção preventivista, para clui as dimensões social (maneira como normas, cos- Statchenko e Jeniceck (1990) e Buss (2003), saúde se- tumes e relações sociais ameaçam a saúde), econômi- ria ausência de doenças, sendo o modelo de interven- ca (recursos para saúde e desenvolvimento sustentá- ção adotado exclusivamente médico e a população-alvo vel), política (participação democrática nas decisões) das ações, constituída por grupos de alto risco em e cultural (utilização da capacidade e do conhecimen- relação a uma patologia específica. A estratégia de to feminino em diversos setores). ação seria geralmente única, direcionadora e persua- Para Lefèvre e Lefèvre (2004), os desequilíbrios siva, com imposição das medidas que fazem parte da ecológico-ambientais, juntamente com os desarran- intervenção, as quais seriam executadas exclusiva- jos gerados pela urbanização, pelo modo de produção mente por profissionais de saúde. urbano e rural e pelo relacionamento do ser humano Lefèvre e Lefèvre (2004) compreendem a preven- consigo mesmo e com seus semelhantes, resultam no ção de doenças de forma semelhante à apresentada na surgimento das doenças. Carta de Ottawa. Para esses autores, prevenção é toda Tomando como fundamento as proposições acima medida que antecede o surgimento ou o agravamento citadas, o saneamento promocional percebe o ambiente de uma doença, tendo por fim afastá-la do doente ou como dinâmico e multidimensional, cujos desequilí- vice-versa para que essa condição não se manifeste, brios geram doenças e agravos à saúde dos indivíduos. ou para que sua incidência seja diminuída, ou para O conceito de saúde também fundamenta o sanea- que, pelo menos, sua manifestação seja o mais amena mento como promoção. Nesse sentido, o saneamento possível, tanto nos indivíduos como na população. não a entende como mera ausência de doenças, secun- Dessa forma, a prevenção se limitaria a criar bar- dando o que preconiza a Carta de Ottawa, mas, aproxi- reiras de contato entre a doença e os indivíduos sus- mando-se da visão de saúde positiva de Lefèvre e cetíveis, enquanto a promoção teria por fim a qualida- Lefèvre (2004), percebe-a como a erradicação das do- de de vida, a eliminação total, ou pelo menos duradoura, enças e de seus agravos, pois pretende ser uma inter- da doença. venção definitiva, e não temporária. Por isso, na ótica da promoção, o saneamento como Saneamento como Promoção e ação positiva para a saúde deve assumir a responsabi- lidade de buscar erradicar determinadas doenças em Prevenção parceria com o setor de saúde e com os demais setores Com base no referencial teórico apresentado na seção ligados aos determinantes da saúde. As doenças, anterior é possível distinguir um conceito de sanea- sinalizadoras do caminho para a saúde, seriam aque- mento marcado pelo enfoque da promoção da saúde de las ligadas à falta de abastecimento de água de boa um conceito alicerçado na prevenção de doenças. qualidade e em quantidade suficiente; de coleta e tra- Para melhor apreensão do saneamento como inter- tamento de águas residuárias; de limpeza pública e venção realizada dentro do enfoque da promoção, pri- manejo de resíduos sólidos com disposição final sani- meiramente, faz-se necessário conhecer as concepções tária e ambientalmente adequada; de drenagem de promocionais sobre o termo ambiente, entre as quais águas pluviais, por exemplo, dentre outras relaciona- há nítida complementaridade. das a outros componentes do saneamento, como o con- A III Conferência Internacional de Promoção da trole de vetores e da poluição do ar e sonora. Saúde, realizada em 1991, na Suécia, segundo Andrade O saneamento como promoção de saúde abrange a e Barreto (2002), pode ser considerada uma espécie de implantação de uma estrutura física composta de sis- prévia da Conferência das Nações Unidas para o Meio temas de água, esgoto, resíduos sólidos e drenagem
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etc., o que o caracteriza uma intervenção no meio físi- de Ottawa. Não se trata, portanto, da utilização de co. Mas, também inclui um conjunto de ações de edu- recursos para a manipulação das coletividades como cação para os usuários desses sistemas; um conjunto massa de manobra, tanto por parte dos governos quanto de políticas que estabeleçam direitos e deveres dos de entidades não-governamentais, instituições que se usuários e dos prestadores, assim como articulações colocam como defensoras de seus direitos. Essas práti- setoriais; uma estrutura institucional capaz de cas, utilizadas na verdade para defender interesses gerenciar o setor de forma integrada aos outros seto- particulares desses setores, costumam inocular no seio res ligados à saúde e ao ambiente. das comunidades idéias, necessidades, reivindicações, Os projetos de saneamento como promoção têm visões da “realidade” que, em vez de proporcionar sua por objetivo contribuir para que ocorram mudanças conscientização, as atiram em movimentos marcados na situação dos indivíduos e de seu ambiente por meio pela violência e pelo desrespeito aos bens essenciais da implantação dos sistemas de engenharia. Contudo, da vida que eles próprios dizem defender, ou as condu- sua preocupação essencial não é propriamente a im- zem para “o nada”, o conformismo e a passividade. plantação desses sistemas, mas, sim, o seu funciona- O modelo de realização das intervenções prevê a mento pleno, duradouro e acessível a toda a popula- participação de outros setores envolvidos e da comuni- ção, irrestritamente. dade-alvo em todas as decisões, desde o planejamento Além disso, essa preocupação não se volta apenas, até a conclusão da obra ou da implantação do serviço. por exemplo, à redução de morbidade por diarréia, ou à As estratégias utilizadas nesse processo são ba- redução da contaminação de recursos hídricos, mas seadas na negociação entre todos os setores e atores também aos impactos sociais. Isso porque, como pre- participantes, privilegiando também abordagens faci- tende contribuir para eliminar a doença, pelo menos de litadoras que proporcionem a capacitação (empode- forma duradoura, erradicando-a, o saneamento como ramento individual e coletivo) da comunidade. promoção está atento ao controle de fatores que pos- São considerados executores todos os atores en- sam comprometer o alcance desse objetivo: emprego, volvidos, em meio a um processo – que pode ser demo- renda, serviços de atenção à saúde, dentre outros da rado e exaustivo – de trocas de experiências, adapta- alçada dos demais setores ligados aos determinantes ção de tecnologias, debates, avaliações, mutirões, den- da saúde. Trata-se, portanto, de uma preocupação per- tro do qual os atores técnicos exercitam e ampliam manente com a sustentabilidade de suas ações e benefí- sua capacidade de negociação com os atores “leigos”. cios ao longo do tempo e com a articulação de políticas. A gestão dos sistemas implantados tem caráter Quanto à política de saneamento, ela deve estar adaptativo, contextualizado e de inclusão social (uni- articulada às políticas dos setores citados acima, den- versalização e acessibilidade dos serviços), havendo, tro da perspectiva de políticas públicas saudáveis igualmente, a participação popular e o controle social. proposta na Carta de Ottawa. Segundo Buss (2003) e O saneamento, sob o enfoque preventivista, é tam- Teixeira (2004), essas políticas abrangem a legisla- bém uma intervenção positiva para a saúde, pois tem ção, medidas fiscais, taxações e mudanças organiza- por fim interromper ou comprometer fortemente o ci- cionais, além de ações coordenadas que apontam para clo vital de agentes biológicos causadores de doenças a eqüidade em saúde, a distribuição mais eqüitativa na população residente no ambiente onde é executa- da renda e políticas sociais. da, entendendo-se este como espaço físico. Além dis- Portanto, a política de saneamento como promo- so, também visa controlar fatores químicos e físicos ção deve estar voltada ao empoderamento individual e desse ambiente que possam prejudicar a saúde da po- coletivo, isto é, à aquisição de poder técnico e consci- pulação, aqui compreendida como ausência de doen- ência política por parte do indivíduo/comunidade para ças e agravos. atuar em favor de sua saúde, com base no fortaleci- Sob o prisma preventivista, o saneamento é uma mento dos recursos humanos e materiais disponíveis. intervenção ambiental da alçada exclusiva da enge- É importante destacar que o sentido do termo em- nharia, uma vez que cabe somente a ela implantar os poderamento aqui empregado está ligado ao que se sistemas responsáveis por manter limpo e salubre o acredita ser a sua acepção original declarada na Carta ambiente, afastando a doença dos indivíduos e, conse-
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qüentemente, melhorando a performance dos indica- suas práticas, marcadas por abordagens políticas, dores epidemiológicos e ambientais na localidade-alvo. gerenciais, sociais, educacionais que se distanciam Há, também, nesse caso, uma preocupação com a largamente entre si. Da mesma maneira, em geral, os sustentabilidade dos sistemas, com vistas a garantir projetos de saneamento, em termos conceituais, refe- seu pleno funcionamento para o alcance dos objetivos a rem-se a modelos de intervenção e gestão participa- que se propõem, assegurando o afastamento da doença. tivos, articulação intersetorial, sustentabilidade dos A política de saneamento, de acordo com essa vi- sistemas, por exemplo, ocasionando indiferenciação são, deve atuar de modo que os objetivos descritos do seu caráter como promoção ou como prevenção. acima sejam atingidos, muitas vezes havendo, para Todavia, entre a base conceitual e a prática é que isso, a preocupação de consorciar-se a outros setores, se estabelece a diferença entre um saneamento preven- num movimento de busca de parcerias. tivista e um saneamento promocional, cada um assu- O modelo de intervenção é centrado fortemente no mindo abordagens próprias e específicas. Deve-se res- conhecimento técnico específico dominado pelos en- saltar, entretanto, que a marca dessa diferença não é genheiros, os quais tomam, senão todas, pelo menos a o antagonismo entre ambos; mas, sim, a ampliação do maioria das decisões. olhar, o aperfeiçoamento e a adequação do fazer coti- As estratégias empregadas são baseadas no con- dianos dentro da engenharia sanitária, visando suprir vencimento da população-alvo a respeito das decisões as demandas crescentes e cada vez mais complexas tomadas. Para isso, a equipe de educação ambiental do mundo atual. que assessora a de engenharia busca transmitir à co- munidade informações e conhecimentos, em geral, li- A Relação Saneamento-Saúde- gados à incorporação de novos hábitos e estilos de Ambiente como Promoção e vida, por meio da distribuição de folders e cartilhas, realização de palestras em centros comunitários, es- Prevenção colas e agremiações. Tendo em vista os conceitos de saúde e ambiente como Melo (2005) oferece significativo exemplo ilustra- promoção e prevenção, assim como o de saneamento tivo a esse respeito. Na avaliação que faz da efetividade proposto sob esse duplo enfoque, é, então, possível de um programa de educação em saúde realizado pela conceber a relação saneamento–saúde–ambiente den- Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) como parte de tro dessas perspectivas. uma intervenção em saneamento, afirma que ele não Segundo a promoção, essa relação ocorre em espa- foge à prática usual das ações educativas, destacadas ço multidimensional e dinâmico, onde diversos atores por Rozemberg (1998) como restritas à realização de sociais interagem – cada um com suas idiossincrasias palestras eventuais e à prescrição de comportamen- – em torno de uma intervenção, também multidimen- tos individuais de higiene. sional, que envolve ações políticas, de engenharia, Os engenheiros são os executores dos projetos e a gerenciais e educacionais que, portanto, atua sobre gestão dos sistemas implantados é centralizada pelo os fatores biológicos, químicos e físicos desse espaço órgão responsável, que estabelece regras e normas de e também sobre as outras dimensões ambientais. funcionamento dentro do que julga mais conveniente Do ponto de vista da prevenção, a relação em estu- para o serviço e para a população-alvo. do ocorre a partir de uma intervenção no ambiente, Comparando-se os dois conceitos de saneamento compreendido como espaço físico, que tem por fim propostos, observa-se que a diferenciação entre eles mantê-lo salubre, livre de agentes transmissores de é, ao mesmo tempo, pequena e radical, tanto quanto o doenças, proporcionando, assim, saúde aos seus bene- é a diferença entre prevenção e promoção, segundo ficiários. Czeresnia (2003). A diferença entre a relação saneamento–saúde– Para essa autora, as duas proposições se apóiam ambiente preventivista e a promocional também está nas mesmas bases científicas – doença, transmissão e ligada ao modo como as ações são realizadas na práti- risco – diferenciando-se radicalmente, contudo, em ca, muito mais do que aos conceitos que as respaldam.
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A prevenção visa obstar a transmissão da doença, de um tema. Os variados discursos coletivos que se como já discutido, conduzindo ao desenvolvimento de pretende resgatar em uma pesquisa são reconstruídos ações educativas voltadas à promoção da mudança de a partir de fragmentos de discursos individuais, como hábitos dos indivíduos e das comunidades, ensinan- um quebra-cabeça, compondo tantos discursos-sínte- do-os a utilizar os novos equipamentos e serviços de ses, quantos necessários forem para expressar a re- que passam a dispor para que a transmissão da doen- presentação social do fenômeno em questão. ça seja interrompida. Nesse sentido, essas ações pou- O universo para captura desses discursos foi defi- co ou nada contribuem para a construção de valores nido com base no seguinte critério: eles seriam obti- sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes, com- dos a partir de artigos científicos publicados em peri- petências e consciência política por parte desses in- ódicos específicos da área de engenharia sanitária, divíduos e comunidades. indexados na base de dados de livre acesso Scientific No que tange ao arcabouço político e institucional Electronic Library Online – SciELO até a data da bus- do saneamento preventivista, o reconhecimento da ca, realizada no mês de novembro de 2005, tendo sanea- importância da intersetorialidade, da participação mento como palavra-chave. popular, do controle e da inclusão social ocorre pela Como resultado da busca, surgiram quatro arti- necessidade de operacionalizar as ações de engenha- gos: 1) Costa e col. (2005); 2) Heller e Nascimento (2005); ria com efetividade para a interrupção da doença, ou 3) Libânio e col. (2005); 4) Nascimento e Heller (2005). seja, para que as ações sejam executadas e atinjam Esses artigos foram examinados para a identificação seu objetivo, é necessário coordená-las com outros de trechos que respondessem à pergunta “qual a per- setores, obter a adesão da população-alvo e alcançar o cepção dos autores sobre a relação saneamento–saú- máximo de cobertura de atendimento. de–ambiente?”, copiando-se esses trechos para um ins- Fica, portanto, em segundo plano, a compreensão trumento de tabulação de dados. de que somente a atuação em conjunto com a comuni- A partir daí, foram identificadas as expressões- dade e com os setores de saúde, educação, trabalho, chave (ECH) de cada resposta, ou seja, trechos do dis- transporte e desenvolvimento urbano, por exemplo, curso de cada autor resgatados literalmente e que fos- além de viabilizar as ações de engenharia e sua efeti- sem reveladores da essência de seu depoimento, cons- vidade, também contribuirá para a melhoria da qualida- tituindo a matéria-prima do DSC. de de vida e para a eliminação da doença, pelo menos A seguir, foram extraídas as idéias centrais (IC) de forma duradoura, tendo como fim sua erradicação. presentes nas ECH, que são o sentido de cada discur- so analisado e de cada conjunto homogêneo de ECH, não se constituindo em interpretações, mas em des- Metodologia crições desse sentido. A pesquisa qualitativa, segundo Minayo (2002), está Na seqüência, foram agrupadas as IC de mesmo voltada para a compreensão de um nível de realidade sentido, equivalente ou complementar, e elaborada não quantificável, por constituir um universo de signi- uma IC-síntese discursiva para cada grupo. ficados, motivações, crenças, valores e atitudes. Não Em seguida, para cada um dos grupos de IC-sínte- se aplica, portanto, conforme afirmam Víctora e col. se, foram reunidas as ECH correspondentes, as quais (2000), à descrição de uma variável quanto às suas me- foram integradas de maneira que formassem um texto, didas de tendência central, dispersão ou freqüência. um discurso, constituindo um único DSC para cada Portanto, por suas características e objetivos, este agrupamento. trabalho reveste-se de natureza qualitativa. Para a Os DSCs então obtidos foram, por sua vez, submeti- captura dos discursos existentes na literatura, foi dos à análise de conteúdo, para que se pudesse verifi- utilizada a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo car se havia alguma aproximação entre o que os autores (DSC), proposta por Lefèvre e Lefèvre (2005), conside- professam sobre a relação saneamento–saúde–ambien- rada indicada para este caso por suas proposições. te e os dois conceitos de saneamento já apresentados. Essa técnica considera que discursos são mani- Foi selecionada a técnica de Análise Temática de festações lingüísticas de um pensamento a respeito Conteúdo, pois, conforme declara Minayo (2004), suas
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proposições se adequam a investigações de material Nele, o reconhecimento de que o saneamento se sobre saúde, como a presente, e também porque, se- encontra como um dos determinantes da saúde, ape- gundo ressalta Richardson (1999, p. 236) “o tema tem sar de considerado bastante avançado, parece ser em sido amplamente utilizado como unidade de registro grande parte marcado por uma visão preventivista, na para o estudo de motivações, opiniões, atitudes, cren- medida em que menciona a relação de causalidade ças, etc.”, aplicando-se convenientemente, portanto, a entre as condições de saneamento e de meio ambiente esta pesquisa. – que podem ser boas ou más, salubres ou insalubres – O primeiro procedimento foi a leitura exaustiva e a ocorrência de doenças. Boas condições seriam fa- do material de análise (cada um dos quatro DSCs). A tores que contribuiriam para a ausência de doenças e, seguir, foi feita a determinação das unidades de re- conseqüentemente, para a saúde, sendo a melhoria gistro, ou seja, das unidades-base para análise. dos indicadores epidemiológicos a preocupação essen- Para a busca de núcleos de sentido, valores de re- cial do saneamento. ferência alusivos às percepções da relação saneamen- O discurso também deixa transparecer que o con- to–saúde–ambiente em estudo, os temas estabelecidos ceito de ambiente que o embasa igualmente se aproxi- como unidades de análise foram extraídos do referen- ma de uma visão preventivista, posto que é colocado cial teórico apresentado, perfazendo um total de 11 apenas como o espaço físico onde a ação do saneamento categorias. São elas: conceito de saneamento; concei- ocorre para torná-lo higienizado. to de saúde; conceito de ambiente; característica das O segundo discurso, apresentado no Quadro 2 e políticas; objetivo dos projetos; preocupação essenci- construído a partir de Heller e Nascimento (2005), al; modelo de intervenção; abordagens; estratégias; reconhece que o saneamento é uma intervenção volta- executores dos projetos; modelo de gestão. Quadro 2 - Discurso 2 Os Discursos sobre Saneamento- A relação saneamento-saúde-ambiente é mediada por fatores Saúde-Ambiente e sua Discussão diversos O primeiro discurso, apresentado no Quadro 1, encon- 2 Entre a solução técnica testada em condições experimentais trado em Libânio e col. (2005), trata do reconhecimen- controladas e a sua aplicação prática, atuam mediadores de to da relação saneamento–saúde–ambiente na legisla- diversas naturezas – operacionais, gerenciais, ção, especificamente na Lei nº. 8.080/90, que dispõe administrativos, econômicos, culturais –, que determinam a sobre as condições para a promoção, proteção e recu- maior ou menor efetividade do dispositivo ou do processo. peração da saúde, a organização e o funcionamento Dentre esses mediadores, relevante e crucial influência é exercida pela gestão dos serviços, podendo tanto potencializar dos serviços correspondentes. quanto restringir os benefícios. Igualmente, tema fundamental nessa discussão é o da apropriação dos serviços Quadro 1 - Discurso 1 pela população, na medida em que, dependendo das características socioculturais da comunidade objeto das A relação saneamento-saúde-ambiente é reconhecida intervenções, freqüentemente não é curta a distância entre as também pela legislação brasileira* soluções concebidas pelos técnicos e a aderência a elas pelos pretensos beneficiários. Nesse particular, o impacto sobre a 3**A relação de causalidade entre as condições de saneamento saúde de uma dada solução tecnológica em muitos casos e de meio ambiente e o quadro epidemiológico é reconhecida dependerá, dentre outros aspectos, do diálogo com a pelos legisladores brasileiros que, por exemplo, na Lei nºº. população durante a concepção das soluções; da proximidade 8.080/90 – que dispõe sobre a prestação dos serviços de saúde entre gestores e população; de um processo continuado de no País – citam tais condições como alguns dos fatores avaliação do serviço; da integração entre a área de determinantes para a saúde pública (art.3º). saneamento e outras áreas afins, sobretudo a de saúde; da * Idéia central do discurso. retro-alimentação pela vigilância epidemiológica; da ** Numeração do texto que originou o discurso, conforme listado na seção Metodologia. facilitação de mecanismos para a participação popular e o controle social; da prática de uma política tarifária inclusiva.
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da para a saúde e mediada por fatores diversos – Quadro 3 - Discurso 3 operacionais, gerenciais, administrativos, econômicos A relação saneamento-saúde-ambiente demanda políticas e culturais –, que influenciam a efetividade das ações integrativas de engenharia que contempla. Esse discurso pode remeter a um auto-conceito de 4 Um dos principais desafios para o setor (de saneamento) é o saneamento mais ligado à promoção da saúde, na me- de atendimento a populações pobres concentradas em favelas dida em que parece descaracterizar as ações de sane- ou dispersas em meio rural. Esses desafios são tanto de natureza econômico-financeira como de tecnológica e amento apenas como intervenções de engenharia, in- gerencial, a serem encarados no conjunto de políticas cluindo no contexto ações ligadas aos fatores citados. integrativas destinadas a combater a exclusão social. Esse discurso também tem pontos de contato com Devem ser políticas coordenadas, que também contemplem a promoção quando se reporta às categorias modelo a habitação, a saúde, a educação, a geração de emprego e a de intervenção e modelo de gestão. No primeiro caso, melhoria da qualidade ambiental (Heller e col., 2002). refere-se ao “diálogo com a população durante a con- 2 No contexto da gestão, necessidade incompletamente cepção das soluções” e à “facilitação de mecanismos satisfeita no setor de saneamento refere-se ao tema do para a participação popular e o controle social”. No planejamento, especialmente incorporando dimensões segundo, evidencia a “integração entre a área de sane- relacionadas à saúde pública. Embora o setor realize amento e outras áreas afins, sobretudo a de saúde”, a cotidianas opções sobre como e onde investir, em uma verdadeira definição de prioridades em tempos de recursos “retroalimentação pela vigilância epidemiológica”, a escassos, tais decisões raramente são lastreadas em critérios “proximidade entre gestores e população”, o “proces- que considerem de forma objetiva os interesses da população so continuado de avaliação e serviço” e a “prática de beneficiada. Felizmente, algumas exceções recentes têm sido uma política tarifária inclusiva”. observadas a essa prática, como o critério de seleção de O terceiro discurso, compartilhado por Libânio e municípios a serem contemplados pelo Projeto Alvorada – col. (2005), Heller e Nascimento (2005) e Nascimento o de apresentarem IDH inferior a 0,50 - e a Portaria 106/2004 e Heller (2005), apresentado no Quadro 3, cita a neces- (Funasa, 2004), que estabelece critérios epidemiológicos para sidade de encarar os desafios para o setor, relativos à aplicação de recursos financeiros. gestão de recursos hídricos e ao atendimento das co- No que tange ao ambiente, por exemplo, especificamente aos munidades pobres urbanas e rurais, “no conjunto de recursos hídricos, 3 a disponibilidade hídrica é condição importante, mas não suficiente para garantir o bem-estar políticas integrativas e destinadas a combater a ex- social, o qual pode ser mais bem apreendido pelo alcance de clusão social”. Destaca ainda a importância da discus- serviços essenciais para a população, tais como os serviços de são sobre interfaces entre a gestão de recursos hídri- abastecimento de água e de esgotamento sanitário. cos, o saneamento e a saúde pública. Ao se referir a 3 Tal constatação evidencia a importância da discussão das todos esses aspectos, o discurso faz clara alusão à interfaces da gestão de recursos hídricos com setores implantação de sistemas como o objetivo dessa inte- dependentes de água de boa qualidade, em especial, com o gração intersetorial, que deverá redundar em melhoria setor de saneamento, sob cuja responsabilidade encontram-se dos indicadores epidemiológicos (ausência de doen- os serviços de água e de esgotos indispensáveis à promoção da ças) e ambientais (limpeza do ambiente físico). Por- saúde pública. tanto, o discurso se aproxima de uma visão preventi- vista da relação saneamento–saúde–ambiente. No terceiro discurso, a categoria modelo de inter- epidemiológicos como critério. Mesmo reconhecendo venção também é abordada e aparece como uma refle- a importância, a utilidade e a aplicabilidade desses xão sobre o processo de tomada de decisões, as quais critérios, não se pode deixar de mencionar que eles “raramente são lastreadas em critérios que conside- não revelam, em todos os casos, “os interesses da popu- rem de forma objetiva os interesses da população be- lação”, conforme cita o discurso. Então, basear deci- neficiada”. Todavia, o discurso prossegue informando sões apenas e tão-somente na sua adoção, sem que a que há exceções, como, por exemplo, o Projeto Alvora- população seja ouvida e igualmente exerça seu poder da e a Portaria nº. 106/2004 da FUNASA, que utilizam de decisão, é prática que se aproxima do conceito pre- o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e dados ventivista de saneamento por caracterizar-se pela
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imposição de medidas, ainda que sob a inspiração de A partir da análise de cada um dos quatro discur- critérios voltados para a saúde e o desenvolvimento sos, pode-se dizer que eles são predominantemente humanos. marcados pelo enfoque da prevenção de doenças, mas O quarto discurso, apresentado no Quadro 4, com- que há aproximações, encontradas apenas no segun- partilhado por Libânio e col., 2005 e por Costa e col., do discurso, com as propostas da promoção da saúde. 2005, aborda o uso de indicadores epidemiológicos, Essas aproximações são, sem dúvida, um avanço, sanitários e de desenvolvimento humano para orientar que, todavia, deve extrapolar o campo das idéias e as intervenções, a partir da avaliação da relação sanea- concretizar-se como ação, cada vez mais e melhor. Isso mento–saúde baseada nesses indicadores. Portanto, quer dizer que a prática do saneamento como promo- também cabe aqui a análise feita para o terceiro dis- ção da saúde é algo que pode e deve ser definido como curso, a respeito do uso do IDH e de dados epidemioló- política, como propósito. Contudo, é algo que se esta- gicos como critérios para a tomada de decisões, consi- belece no dia-a-dia de cada profissional envolvido, in- derando-se, então, que esse discurso igualmente se clusive o engenheiro, seja no escritório de projetos, aproxima de um conceito preventivista de saneamento. seja no canteiro de obras, pois requer, além da incor- poração da idéia, o exercício cotidiano marcado por tentativas subseqüentes em busca do êxito, que é a Quadro 4 - Discurso 4 qualidade de vida com a erradicação, pelo menos dura- A relação saneamento-saúde-ambiente pode ser avaliada pelo doura, das doenças. uso de indicadores A análise dos discursos permite observar-se, tam- bém, que os dois primeiros, que se reportam respecti- 1 Um dos desafios presentes consiste na definição de vamente ao reconhecimento da relação saneamento– indicadores epidemiológicos e sanitários que permitam saúde–ambiente na legislação e à mediação dessa re- nortear as ações e empreender avaliações no campo do saneamento. 1 Tais indicadores, além de seu potencial em lação por fatores diversos, apresentam uma caracte- representar os efeitos da insuficiência das ações de rística semelhante entre si e distinta dos demais, pois saneamento sobre a saúde humana, podem constituir cada um está presente em um único texto apenas. ferramenta para a vigilância e para a orientação de programas Quanto aos outros dois discursos, são mais comparti- e planos de alocação de recursos em saneamento. lhados, embora nenhum deles esteja presente no con- 3 A análise conjunta de indicadores sociais e de saneamento, junto dos quatro textos. no Brasil, inicialmente no nível dos estados, confirma a inter- Somente a título de comentário, sem nenhuma in- relação entre eles e as condições sanitárias prevalecentes. tenção quantitativa de extrapolação, observa-se que o Verifica-se que os estados com piores indicadores sociais – discurso mais compartilhado é o terceiro, cuja idéia menor esperança de vida (60 a 65 anos) e IDH (< 0,6) central se refere à relação saneamento–saúde–ambien- apresentam menores índices de cobertura por rede de esgotamento sanitário (< 50%) enquanto aqueles com te como demandante de políticas integrativas. Em se- melhores indicadores sociais – maior esperança de vida (> 70 guida, está o quarto discurso, alicerçado na afirmação anos) e IDH (> 0,7) – apresentam maiores índices de cobertura de que a relação saneamento–saúde pode ser avaliada por rede de abastecimento de água (> 60%). pelo uso de indicadores. Finalmente, aparecem o pri- 3 Interessante notar que os estados com piores indicadores de meiro e o segundo discursos como “discursos de su- saúde – maior taxa de mortalidade (> 0,07‰) e de morbidade jeito único”. (> 6‰) – apresentam menores índices de cobertura por rede de esgotamento sanitário (< 50%), mas não, necessariamente, menores índices de cobertura por rede de água (< 60%). Por Conclusão sua vez, os estados com os melhores indicadores de saúde – Em função da complexidade de que se reveste a rela- menores taxas de mortalidade (< 0,04‰) e morbidade (< 3‰) ção saneamento–saúde–ambiente, sua abordagem do situam-se entre aqueles que apresentam os maiores índices de cobertura por rede de abastecimento de água (> 60%). ponto de vista qualitativo possibilita a captura de ele- mentos importantes para sua maior compreensão, com-
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plementando as investigações de cunho quantitativo, BYDLOWSKI, C. R.; WESTPHAL, M. F.; PEREIRA, I. M. especialmente epidemiológico, que costumam ser re- T. B. Promoção da saúde: porque sim e porque ainda alizadas para a avaliação de impactos do saneamento não! Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 14-24, na saúde e no ambiente. 2004. Neste caso, esses elementos foram os discursos BORJA, P.; MORAES, L. R. S. Indicadores de saúde apreendidos, que revelaram perspectivas predominan- ambiental com enfoque para a área de saneamento: temente marcadas por uma concepção preventivista, aspectos conceituais e metodológicos. Engenharia a partir das quais o saneamento e sua relação com a Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1/2, p. saúde e o ambiente estão sendo percebidos. 13-25, 2003. Embora não seja possível inferir com base neste trabalho, se os discursos identificados refletirem o BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida. discurso geral circulante – concretizado nas ações Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. práticas do dia-a-dia dos profissionais do saneamen- 163-177, 2000. to, em termos de abordagens políticas, gerenciais, BUSS, P. M. Uma introdução ao conceito de promoção sociais, educacionais –, pode-se supor que seja essa da saúde. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. (Org.). mesma perspectiva reducionista a norteadora da apli- Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. cação dos recursos financeiros disponíveis no setor. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 15-38. Como afirma Carvalho (1996), vale lembrar que as CARVALHO, A. I. Da saúde pública às políticas sociedades e a saúde se complexificaram entrando saudáveis: saúde e cidadania na pós-modernidade. numa era de crise. Aliado a isso, a problemática am- Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. biental eclodiu, as tecnologias de saneamento se de- 104-120, 1996. senvolveram e, conseqüentemente, os pressupostos conceituais que norteiam o setor igualmente precisam COSTA, S. S. et al. Indicadores epidemiológicos mudar. A possível continuidade de um olhar limitado aplicáveis a estudos sobre a associação entre nesse campo já é, em si, preocupante, pois pode estar saneamento e saúde de base municipal. Engenharia comprometendo o êxito dos investimentos realizados. Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro, v. 10, n. 2, p. Todas essas circunstâncias incitam a um debate 118-127, 2005. mais aprofundado a respeito, pois fica evidente o quan- CZERESNIA, D. O conceito de saúde e a diferença to é importante para os setores protagonistas da rela- entre prevenção e promoção. In: CZERESNIA, D.; ção em estudo dialogar dentro do contexto da promo- FREITAS, C. M. (Org.). Promoção da saúde: conceitos, ção da saúde, buscando uma intencionalidade nesse reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. diálogo, a fim de proporcionar à sociedade ações efe- p. 39-53. tivas, voltadas para a saúde pública e ambiental, à FREITAS, C. M. A vigilância da saúde para a altura das necessidades e expectativas atuais. promoção da saúde. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. (Org.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, Referências tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 141-159. ANDRADE, L. O. M.; BARRETO, I. C. H. C. Promoção da FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. Portaria saúde e cidades/municípios saudáveis: propostas de 106/2004. Disponível em: <http://www.funasa.gov.br/ articulação entre saúde e ambiente. In: MINAYO, M. Web%20Funasa/Legis/pdfs/portarias/ C. S.; MIRANDA, A. C. Saúde e ambiente sustentável: port_106_2004.pdf> Acesso em: 17 set. 2007. estreitando nós. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. p. 151-172. HELLER, L.; NASCIMENTO, N. O. Pesquisa e AYRES, J. R. C. M. et al. O conceito de vulnerabilidade desenvolvimento na área de saneamento no Brasil: e as práticas de saúde: novas perspectivas e necessidades e tendências. Engenharia Sanitária e desafios. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. Ambiental, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 24-35, 2005. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 117-139.
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