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DOCUMENTÁRIO GRAFITE.

MP4: REFLEXÕES SOBRE DIALOGICIDADE NA


INTERFACE COMUNICAÇÃO EDUCAÇÃO1
GRAFITTI.MP4 DOCUMENTARY: REFLECTIONS ON DIALOGICITY IN THE
EDUCATION COMMUNICATION INTERFACE

Resumo:

A partir da tríade Comunicação, Educação e Experiência, propomos analisar os


processos educomunicativos presentes no documentário grafite.mp4, produzido em
2019 nas disciplinas Educação e Tecnologia e Narrativa Ficcional e Documentário do
Curso de Rádio e Televisão. O documentário apresenta o processo de ensino baseado
nas experiências de vida advindas dos educadores e educandos através do ato
comunicativo, onde a arte urbana funciona como meio para pensar a relação dos
campos propostos com a educomunicação. A compreensão dos dados de pesquisa nos
revelou que o uso da arte serve como comunicação dialógica para fins educativos.

Palavras-Chave: Comunicação, Educação, Experiência, Documentário

Abstract:

Based on the Communication, Education and Experience triad, we propose to analyze


the educommunicative processes present in the documentary graffite.mp4, produced in
2019 in the subjects Education and Technology and Fictional Narrative and Documentary
of the Radio and Television Course. The documentary presents the teaching process
based on life experiences arising from educators and students through the
communicative act, where urban art works as a means to think about the relationship of
the proposed fields with educommunication. Understanding the research data revealed
that the use of art serves as a dialogic communication for educational purposes.

Keywords: Comunication, Education, Experience, Documentary

1 Artigo inicialmente integrante dos anais do III Simpósio Internacional VI Nacional de Tecnologias Digitais
na Educação
1. Introdução

Este trabalho é uma reflexão sobre a produção de um trabalho acadêmico


audiovisual feito em duas disciplinas do curso de Rádio e TV da UFMA em 2019. O
“documentário grafite.mp4”2 foi iniciado na disciplina de Educação e Tecnologia, e
retomada para finalização na disciplina de Narrativa Ficcional e Documentário. Essas
duas perspectivas aliadas nos deram a plataforma necessária para projetar o nosso
objetivo com o documentário: procurar caminhos alternativos para obtenção de
informação que não estejam associados aos meios massivos de comunicação de
maneira técnica, social, política ou econômica. Porém, havia uma necessidade também
de explorar a questão da formação do indivíduo, no que se refere a construção de
conceitos, palavras, que definem o mundo ao redor, por isso nos associamos fortemente
à Educação.

O documentário reflete exatamente essa busca por sentido, ao mesmo tempo


em que se tenta imprimir em sua linguagem a instabilidade conceitual do que é o gênero
narrativo documentário, e também a busca por meios de aprendizagem baseados em
experiências de vida. A escolha da escola Centro Educa Mais João Francisco Lisboa,
CEJOL, localizado no “Canto da Fabril”, como in loco da pesquisa para o documentário
foi baseada na hipótese de que os muros externos da escola serem grafitados seria uma
estratégia intencional da administração pedagógica da escola, algo que influenciaria na
sua posição educativa internamente. “Logo quando eu assumi a direção da escola, eu fui
informado que o muro grafitado sofria muito menos agressão por parte das pichações, já
era prática das outras gestões”. Afirma o diretor Fábio Carvalho em entrevista para o
documentário.

Nossa hipótese teve mais sentido ao conversamos com o professor Francisco


José Ferreira Carvalho (Francisco Jansen), que ao comentar sobre suas disciplinas
eletivas utilizam enfatizou que as grafitagens são utilizadas como mediação de uma
experiência educativa e comunicativa com os alunos gerando assim, diálogo, com a
contribuição do professor de artes Gleydson Rogério Linhares dos Santos Coutinho
(Gegê Grafite). Tal metodologia ampliou as perspectivas de compreensão das
disciplinas eletivas no CEJOL e se expandiu para outras escolas também, devido a sua

2 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=U8Hg-8CoWQ4&t=170s


experiência do Hip-Hop como ferramenta educativa e política, impregnada com o
pertencimento da arte educação e militância no Quilombo Urbano 3.

É importante ressaltar que o CEJOL está dentro do modelo de ensino integral,


sendo esta modalidade definida por Guará (2006) da seguinte forma:

Agrega-se à idéia filosófica de homem integral, realçando a necessidade de


desenvolvimento integrado de suas faculdades cognitivas, afetivas, corporais
e espirituais, resgatando, como tarefa prioritária da educação, a formação do
homem, compreendido em sua totalidade” (GUARÁ, 2006 p.16 )

Esse modelo está relacionado às metodologias aplicadas pelos professores e


pela coordenação pedagógica dentro de um tempo diário maior que no modelo parcial,
sendo em vez de um, dois períodos do dia (segunda a sexta 9 horas por dia). Porém,
uma escola pode ser de tempo integral e não aplicar os métodos que atendam às
necessidades, portanto não se adaptando ao modelo de ensino integral. Essa explicação
sobre ensino integral é percebida na fala do professor Francisco quando se observa o
amor dedicado aos alunos e a profissão, o que colabora para a aplicação de uma
metodologia dialógica.
No modelo integral, é aplicada a chamada pedagogia da presença, ela tem
todo um roteiro, desde quando o professor se apresenta, por isso eu falei do
acolhimento, todo dia o professor tem que tá lá antes do aluno chegar. Esse
‘bom dia’ diferenciado que você dá pro aluno já muda o sorriso do aluno,
começa a cativar, tem toda uma metodologia por trás, tudo isso não é a toa,
não foi a gente que criou, não foi a gente que criou na escola, já é um roteiro
pré-determinado essa pedagogia da presença, tanto faz se é no Maranhão,
no Ceará, como em Pernambuco (Professor Francisco Jansen, entrevista
concedida em 16/04/2021)

Portanto, durante nosso percurso teórico-metodológico, concluímos que para


haver uma verdadeira liberdade e transformações dos seres humanos, precisamos lidar
com a comunicação, a educação e a experiência a favor de uma abertura afetiva para
compreender a diversidade da natureza nas trocas humanas. Os personagens do
documentário foram revisitados em entrevista remota no ano de 2021 para nos ajudar a
compreender os impactos da comunicação e educação atravessadas pelas experiências
de vida.

2. Comunicação, Educação e Experiência

3Movimento organizado de Hip Hop que surgiu em 1989 no Maranhão


Logo, nos vimos na necessidade de procurar autores que colaborassem para
compreender as indagações que surgiram no processo: O que eu comunico é o que me
define subjetivamente? É possível educar sem comunicar, ou comunicar sem educar? É
possível ser “imparcial”, no sentido de simplesmente existir e não produzir sentido? Um
deles foi Jorge Bondía Larrosa, quando afirma: “eu creio no poder das palavras, na força
das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras
fazem coisas conosco”. (LARROSA, 2002, pg.21). Portanto, é no campo dos sentidos
que encontramos nossas justificativas.

Delimitando o nosso tripé teórico, iniciamos com Muniz Sodré (2018), quando
esse afirma que a comunicação necessita abranger outras formas de produção e trocas
de sentido, que não sejam por meios puramente mecânicos, pois para ele, comunicar
significa agir em comum, ou seja, vincular, relacionar, e organizar os nossos sentidos
nos voltando para o universo que nos cerca, uma dimensão mais ampla, abundante e
anterior ao nosso ordenamento simbólico. Outro ponto importante que o autor traz é a
necessidade de libertar a comunicação dos processos mecânicos e técnicos, sendo
essa uma das causas da fraqueza de seu corpo científico:

É particularmente visível a urgência de outra posição interpretativa para o


campo da Comunicação, capaz de liberar o agir comunicacional das
concepções que limitam ao nível de interação entre forças puramente
mecânicas e de abarcar a diversidade da natureza das trocas, em que se
fazem presentes os signos representativos ou intelectuais, mas
principalmente os poderosos dispositivos do afeto. (SODRÉ, 2018, p. 12)

Nós observamos esse processo acontecer no CEJOL, onde os alunos se


identificavam com a experiência escolar por serem tratados de forma igualitária diante
da relação que era estabelecida, ou seja: antes de serem alunos, eram vistos com suas
singularidades acessadas e compartilhadas através dos afetos.

Esse processo é demonstrado em entrevista remota devido a pandemia de


covid-19, feita no início do ano para a conclusão da pesquisa. A ex-aluna do Centro
Educa Mais João Francisco Lisboa (CEJOL), Kamila Mirelle Silva Celestina, de 19 anos,
afirma:

Foi uma coisa muito importante porque eu vivia num mundo muito fechado, e
ir pra uma escola em tempo integral e conhecer pessoas diferentes de mim foi
muito importante até pro meu crescimento, falo de cultura, de religiões
diferentes […] A sala de humanas era muito comunicativa, tinha sobre
violência, LGBT, indígena, tudo, todo tipo de comunicação” (Kamila Mirelle
em entrevista concedida em 22/04/2021).

Outra parte importante desse processo de identificação com os alunos foi


fazê-los parte da construção das aulas, decidir os temas e os métodos das disciplinas
eletivas, além de outros projetos como o Projeto de Vida e o Estudo Orientado, que
estimulam o protagonismo do aluno. Esses processos abrem caminho para o novo, o
desconhecido e por consequência, o aprendizado de forma crítica pelos alunos. Jorge
Larrosa é o autor que nos guia pelo abstracionismo da experiência, apresentando os três
princípios da experiência subliminarmente inscritos através de uma frase: “isso que me
passa”.

O primeiro é o princípio de alteridade, que está representado pelo “isso” da


frase, cuja explicação: "Se chamo de ‘princípio de alteridade’ é porque isso que me
passa tem que ser outra coisa que eu. Não outro eu, ou outro como eu, mas outra coisa
que eu. Quer dizer, algo outro, algo completamente outro, radicalmente outro.”
(LARROSA, 2011, p.6). O segundo é o princípio de reflexividade, representado pelo
“me”, ao qual ele explana: “A experiência é um movimento de ida e volta. Um movimento
de ida porque a experiência supõe um movimento de exteriorização [...] É um movimento
de volta porque a experiência supõe que o acontecimento afeta a mim” (pg.6 e7). E por
último, Larrosa apresenta o que ele chama de princípio de passagem, mas também de
princípio de paixão, representado pela palavra “passa” de sua frase, ao qual ele explica:
Se a experiência é “isso que me passa”, o sujeito da experiência é como um território de
passagem, como uma superfície de sensibilidade em que algo passa [...] deixa uma
vestígio, uma marca, um rastro, uma ferida (pg.8).

Portanto, vemos como a experiência pode ser meio de transportar


conhecimentos através das afetações, dos sentidos, sempre dependendo de um “outro”
um “externo”, ideia de extrema importância para pensarmos o campo da comunicação.
Porém, o autor apresenta ainda mais um princípio que nos ajuda a ver na prática os
efeitos da experiência, utilizando como exemplo, a experiência da leitura:

Se um experimento tem que ser homogêneo, isto é, tem que significar o


mesmo para todos os que o leem, uma experiência é sempre singular, isto é,
para cada um a sua. Darei alguns exemplos. Se todos nós lemos um poema,
o poema é, sem dúvida, o mesmo, porém a leitura em cada caso é diferente,
singular para cada um. Por isso poderíamos dizer que todos lemos e não
lemos o mesmo poema. É o mesmo desde o ponto de vista do texto, mas é
diferente do ponto de vista da leitura. (LARROSA, 2011, p. 15 e 16)

É aqui que identificamos a fala de odré (2018) quando ele aponta a


necessidade de ampliar as possibilidades para se fazer comunicação, visto por um ponto
em que se distancie de limitações racionais, não as excluindo, mas optando por
perspectivas que consigam abarcar os verdadeiros sentidos das trocas humanas, melhor
dizendo, estudar os caminhos por onde se produz sentidos além dos meios puramente
técnicos e mecânicos, pois esses, a priori, compreendem mais facilmente as mensagens
fora da singularidade, comum ao conhecimento (como na citação acima, seria o “ponto
de vista do texto”). Por isso, o que se propõe neste trabalho é pensar como a
comunicação possibilita o acesso ao desconhecido, ao novo, ao crítico (“ponto de vista
da leitura”) e, assim, educando.

Devido ao exposto, nos encontramos com uma base teórica que ajuda a ver o
campo da comunicação como ferramenta educativa, visto que essa também está
relacionada com a vida prática, como afirmam Braga e Calazans (2001):

Antes de haver “transmissão de conhecimentos” - e portanto aprendizagem


de conhecimento pronto - o homem depende de um outro aprender,
decorrente de um intercâmbio com o mundo e com as pessoas em ambiente
social, através do qual ‘descobre’ coisas, por meios práticos, por reflexão, por
experimentação - e até por acaso. (BRAGA e CALAZANS, 2001, p. 36)

Os autores também afirmam que a Educação é a sistematização da


aprendizagem, essa que muitas vezes podem ser divergentes das vontades, ou até
mesmo realidades dos alunos. Porém, o que foi analisado no nosso processo de
construção do documentário foi a influência entre os campos de ensino não
institucionalizados e os acadêmicos, como foi a relação do currículo escolar com o
movimento Hip-hop, que é um movimento cultural que surge nas periferias urbanas, e
diante a “mídia burguesa”, como afirma o professor Gegê, é retirado todo o seu aparato
sócio-educador:

Dentro do currículo, dentro dos livros didáticos ele já é apresentado. Agora


tem uma outra problemática, geralmente quando é falado… Aí entra a
questão da comunicação, principalmente a chamada mídia burguesa… Mas
quando se fala em Hip Hop tem aquele estereótipo, o extremo: ou você tá ali
na televisão participando do processo da indústria cultural, ou você tá ali
somente no protesto, então descontextualiza, como se fosse somente ali
protestando, algo muito imediato. E não é! É muito mais que isso, como o
próprio GOG4 fala: ‘o Hip Hop educa’. (Professor Gleydson Rogério Linhares
em entrevista concedida em 08/04/2021)

A arte se mostrou extremamente aliada da comunicação educativa,


exatamente por conseguir abarcar em sua linguagem as complexidades da vida
humana, tornando-as palpáveis aos sentidos para assim, compartilhar e construir de
forma coletiva suas soluções: assim se davam as eletivas.

4. Educomunicação: A interface

De acordo com Ismar Soares (2000), devido às transformações sociais


advindas da pós-modernidade, como a valorização da subjetividade, após as catástrofes
(guerras e crises) causadas pela razão iluminista, a comunicação massiva começou a
ser mais relevante que a educação tradicional no que diz respeito às construções
democráticas e ao progresso da sociedade. As causas desse fenômeno têm explicação
no fato que a Educação (como instituição) ainda representava um modelo geométrico,
inflexível e lógico (“ultrapassado”), ao passo que a comunicação de massa representa o
modelo mais em sintonia com as necessidades sociais, onde impera o pensamento
fragmentado e uma cultura aleatória, essencialmente audiovisual (p.15).

Portanto, o próprio autor afirma que a Educomunicação não busca


sustentação nas filosofias da Educação ou nas práticas da Comunicação, ela busca
autonomia dentro da interface entre os dois campos de conhecimento, ou seja, no
mundo que se revela no encontro desses dois campos tradicionais (pg.24). Sendo
assim, a Educomunicação ressalta a importância de se rever os padrões teóricos e
práticos da comunicação, tornando o exercício da expressão prática solidária de
aprendizagem, ou seja, uma comunicação apta para a educação. Essa comunicação,
por sua vez, torna os sujeitos envolvidos em cidadãos preocupados com o ecossistema
comunicativo em que eles estão inseridos, reconhecendo o direito à comunicação como
parte da vida cotidiana.
Podemos afirmar que o nosso objetivo com esse trabalho é buscar meios de
utilizar o diálogo como prática educativa, entendendo o diálogo como essa comunicação

4Cantor de Rap de Brasília


que não está limitada aos mecanismos técnicos e previsíveis da comunicação massiva
tradicional. Por isso, a perspectiva da Educomunicação é importante pois ela abarca
essa necessidade de repensar os modelos comunicativos se o objetivo do ato seja à
transformação dos sujeitos envolvidos, processo também identificado na tríade que
fundamenta a construção do documentário.

No primeiro semestre de 2019, na disciplina de Educação e Tecnologia, foi a


oportunidade de dedicar-me à uma área de interesse: a arte e expressão popular. A
referida disciplina tinha uma proposta metodológica informativa e educativa, que focava
na discussão sobre a dialogicidade de Paulo Freire (1987). Surge aí, então, as primeiras
noções acerca da “palavra” como prática, de se fazer aquilo o que é falado, de ver a
prática comunicativa como ação e reflexão, ou seja, como fenômeno humano (p. 50).
Sob essa perspectiva, observamos que os artistas entrevistados trazem para
discussões, poéticas de suas próprias vidas, ou seja, suas experiências práticas de vida
são incentivo para o trabalho artístico e expressão. O arte educador Gegê, por exemplo,
leva para sala de aula seus conhecimentos que foram vividos enquanto militante do
Quilombo Urbano.
Esse processo também ocorre na perspectiva do documentário, pois o “fazer”
do projeto é expresso em sua própria proposta, porque o que foi gravado era uma
representação do que eu estava vivendo, experienciado naquele momento. Por isso,
houve a intenção de capturar esse processo na linguagem do documentário, ao começar
pelo seu título, “documentário grafite.mp4”: o que ele é em essência sobressalta
qualquer outra informação contida nele mesmo. Além disso, o fio condutor do
documentário é exatamente essa busca por sentido, como justificamos na chamada do
documentário:

Há um tempo atrás eu havia escrito um programa sobre educação,


comunicação, e arte urbana. Mas o tempo passou, as idéias se modificaram,
eu também perdi alguns arquivos, e por isso eu convido vocês, hoje, pra
revisitar esses lugares, e construir uma ideia nova, pra gente terminar esse
documentário.

Portanto, essa busca, como foi afirmado anteriormente, é representado


imageticamente pelo documentário, onde gravamos, literalmente, os caminhos
percorridos na cidade, mais especificamente no centro da mesma. Além disso, também
foi importante dar ênfase a esse aspecto urbano do assunto tratado, pois além de,
obviamente, serem artes urbanas, essas intervenções artísticas voltam para o sentido de
passagem, instabilidade, pois. elas se materializam exatamente nesses espaços de
passagem da cidade (ruas, avenidas, viadutos, etc).

3. Metodologia

De acordo com Santaella (2001), a metodologia é algo que “brota” dentro de


cada fazer científico: “cada ciência configura esses procedimentos de uma maneira que
lhe é própria, desenvolvendo metodologias específicas e relevantes para determinadas
aplicações de acordo com necessidades que brotam dentro dela e que não podem ser
impostas de fora” (pg. 128). Logo, metodologia na pesquisa seria “um conjunto de
decisões e opções particulares que são feitas ao longo de um processo de investigação''
(pg. 129). O percurso metodológico deste trabalho foi baseado nas seguintes etapas :
contato com a escola; planejamento de visita; entrevista com professor e diretor;
presença nas atividades desenvolvidas que foram feitas por método observação;
gravações complementares e entrevistas remotas para revisitar as experiências vividas.

Por ser uma pesquisa que está na perspectiva das experiências de vida dos
envolvidos, nos preocupamos em gerar dados informais, ou seja, dados que reflitam as
subjetividades dos entrevistados, como afirmas Bauer e Gaskell (2008):

Na pesquisa social, estamos interessados na maneira como as pessoas


espontaneamente se expressam e falam sobre o que é importante para elas e
como elas pensam sobre suas ações e as dos outros. Dados informais são
gerados menos conforme as regras de competência, tais como capacidade de
escrever um texto, pintar ou compor uma música, e mais do impulso do
momento, ou sob a influência do pesquisador. (BAUER, GASKELL, 2008, p.
21)
Para além disso, sob a perspectiva do documentário, foi necessário, devido
aos conteúdos trabalhados em sala de aula, melhor compreender as teorias decorrentes
da Educomunicação que, segundo Ismar Soares (2014), não busca sustentação nas
filosofias da Educação ou nas práticas da Comunicação, ela, portanto, busca autonomia
dentro da interface entre os dois campos de conhecimento, ou seja, no mundo que se
revela no encontro desses dois campos tradicionais (pg.24). Sendo assim, a
Educomunicação ressalta a importância de se rever os padrões teóricos e práticos da
comunicação, tornando o exercício da expressão prática solidária de aprendizagem, ou
seja, uma comunicação apta para a educação.

Essa comunicação, por sua vez, torna os sujeitos envolvidos em cidadãos


preocupados com o ecossistema comunicativo em que eles estão inseridos,
reconhecendo o direito à comunicação como parte da vida cotidiana. Logo, este trabalho
se põe como colaborativo para repensar as práticas comunicativas, de acordo com os
processos pesquisados e apresentados, trazendo um aparato teórico que embasa o
afeto como estratégia educomunicativa, ou seja, o afeto como passagem entre os pilares
comunicativos e educativos.

Portanto, percebemos que ter a educomunicação como método nos ajudou a


identificar a tríade aqui apresentada como ferramenta para o seu próprio objetivo, que é
repensar as práticas comunicativas para o bem educativo. Esse processo foi apreendido
pela direção do documentário através de como as formas comunicativas se davam a
partir das vivências de quem o fazia, e de quem era entrevistado, fazendo referência
também a dialogicidade de Paulo Freire (1987), ou seja, de ver a prática comunicativa
como ação e reflexão, como fenômeno humano (p. 50), logo, essa perspectiva da
palavra prática, reflexiva, nos levou a arte urbana, na intervenção artística.
A experiência artística determinou as formas como os educadores
transmitiram suas aulas de maneira dialógica, assim também como o processo para a
finalização do documentário: a experiência de viver os espaços grafitados, o
deslocamento para as locações de gravação, todos os movimentos teóricos e práticos,
para os fins do documentário foram relevantes para a sua expressão, ou seja, o que é
subjetivamente vivido é base para se pensar uma comunicação apta para a educação.
Portanto, podemos afirmar que a experiência artística também faz parte do corpo
metodológico deste trabalho pois, além de determinar as formas de linguagem, nos
ajudou a descobrir as necessidade metodológicas internas do trabalho

Portanto, podemos inferir que a experiência é tida como parte da metodologia


de construção do documentário, pois não seria possível fazê-lo, ou melhor, concretizá-la
em sua proposta, sem a ligação entre o que era vivido e o que seria “falado”, no caso,
gravado e editado. Essa é uma possível abordagem sobre as linguagens artísticas
serem meio de processos dialógicos, pois foi através do vídeo (edição, roteiro, produção
e tudo que esse envolve) que eu pude unir os afetos ao que era comunicado para um
fim educativo, que era o conteúdo passado para a finalização das disciplinas, sendo a
linguagem artística o meio propício, ou melhor, flexível, para lidar com a abstração dos
sentimentos. Portanto, podemos concluir que arte é a materialização da experiência.

4. Apresentação e Discussão dos Resultados

Ao ser perguntado como foi feita a adaptação das eletivas para o modo
remoto, o professor também mostra como a pandemia interferiu na metodologia do
ensino integral, afirmando que o Projeto de Vida, que tinha total apoio das eletivas,
sofreu com a mudança:

A eletiva serve para isso, para despertar o sonho do aluno, as vocações. Aí


ele faz uma eletiva de humanas, de naturezas e vê o que ele gosta [...] Aí na
pandemia… Quebrou nossas pernas! Como vai funcionar nossos
laboratórios? É uma disciplina que é na prática mesmo. Então é uma coisa
que a gente vai aprendendo, a gente não teve treinamento. (Professor
Francisco Jansen, entrevista concedida em 16/04/2021).

A ex-aluna Jéssica nos explica sobre o projeto de vida:

Desde o primeiro ano, os professores trabalham com os alunos em relação ao


projeto de vida, o que querem fazer. E vamos supor: se um aluno quiser ser
advogado, eles começam a trabalhar nesse projeto de vida, mostrar que tipo
de curso, se é licenciatura, tecnólogo, se é bacharelado, vai ajudando nisso
porque muita gente tem dúvida com esse tipo de coisa (Jéssica Ellen Gomes
dos Anjos em entrevista concedida no dia 22/04/2021)

Podemos perceber o processo dialógico nessa atividade do CEJOL a partir do


momento em que as propriedades pertencentes a vida do aluno, como suas dúvidas e
incertezas quanto a qual carreira seguir, estão impressas na forma de educar e
comunicar, pois, como vimos, é necessária a não centralização dessas formas, nem
totalmente racionais, nem totalmente sensoriais. Sob essa mesma perspectiva, existem
outros projetos apontados pelo professora Francisco, um deles é o Estudo Orientado:

Eu também sou professor tutor, como eles passam o dia todinho na escola,
eles precisam de um horário pra fazer atividade de casa, só que a atividade é
na escola, porque eles chegam cansados em casa e não vão fazer o dever de
casa. É o chamado Estudo Orientado [...] Mas com uma vantagem: na escola
eles têm todos os professores para tirar dúvidas, que em casa eles não têm.
(Professor Francisco Jansen, entrevista concedida em 16/04/2021 )

Essas aproximações representam os afetos, ou melhor, uma relação com os


sentidos pertencentes aos alunos. São esses processos que fizeram com que a longa
rotina do modelo integral fosse produtiva e transformadora para os alunos que
entrevistamos. Um dos momentos que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi a
ex-aluna Jéssica ter demonstrado os efeitos pós-escola que toda a experiência no
modelo de ensino integral causou em sua vida, afirmando:

É muito legal porque hoje em dia eu consigo estudar e trabalhar, não é


uma rotina que me cansa, e a escola integral me ajudou a ajeitar meu
tempo. E também quando eu saísse do ensino médio eu já ia saber o
que eu ia fazer, então eu não fiquei uma pessoa perdida, porque eu
era muito indecisa do que eu ia fazer. Então a escola integral me
ajudou demais. Agora, em relação às críticas, sempre vai existir, né?
Mas quem souber aproveitar a escola integral, vai sair vitorioso.
(Jéssica Ellen Gomes dos Anjos em entrevista concedida no dia
22/04/2021)

Portanto, as entrevistas nos ajudam a compreender a importância do afeto


para alcançar objetivos relacionados à verdadeira educação. Sem a devida aproximação
entre seres humanos, sem a abertura para o vazio da experiência, as diversas
possibilidades que a descentralização da comunicação pode acarretar não serão
aproveitadas e, consequentemente, o potencial dos alunos desperdiçado.

5. Considerações Finais

O que observamos como ponto central dessas reflexões é que o trabalho


empenhado na construção de uma base teórica (o tripé) e metodológica nos leva a
caminhos em busca de tornar acessível o ato dialógico. O diálogo resume uma
comunicação aberta para as atenções e afetações do outro com quem me comunico,
através dos princípios da experiência que me permitem uma travessia rumo ao
desconhecido, para aprender algo novo, por isso sua importância para a educação.
Temos a arte como suporte para esse processo complexo, como motivador de diálogo,
sendo assim possível construir uma relação partindo de uma referência.
Portanto, concluímos que foram confeccionados sentidos de acordo com as
relações analisadas nesta pesquisa, tanto na perspectiva dos entrevistados, quanto na
perspectiva do documentário: o tipo de relação que se tem com o outro, o externo,
determina os sentidos produzidos a partir dessa relação. A dialogicidade da
comunicação depende de uma abertura afetiva para a liberdade dessa mesma, ou seja,
o melhor que um diálogo pode efetivar, é a melhor qualidade das relações que o
envolvem.

Para dar continuidade a importante reflexão, pretende-se produzir mais pesquisas


em outras escolas, onde possam ser ministradas aulas, cursos, para a criação de um
ambiente que envolva comunicação, educação e experiência, e consequentemente
desenvolver uma comunicação sustentável, sensível e inclusiva.

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