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Ao caracterizar o que seria capitalismo, curiosamente, Mészáros remete aquele

conjunto de determinações que Marx, em O Capital, anuncia como traços distintivos do
capital. Seriam eles: “a produção para a troca”, “a própria força de trabalho é tratada
como mercadoria;”, “a motivação do lucro é a força reguladora fundamental da
produção”, “o mecanismo vital de formação da mais-valia, a separação radical entre
meios de produção e produtores, assume uma forma inerentemente econômica”, “a
mais-valia […] é apropriada privadamente pelos membros da classe capitalista”e, ainda,
“a produção do capital tende à integração global, por intermédio do mercado
internacional, como um sistema totalmente interdependente de dominação e
subordinação econômica” (MÉSZÁROS, 2002, p. 736-37).

O que seria necessário, então, para termos uma forma de sociedade baseada na

relação-capital? Mészáros enumera quatro condições:

1.

1. a separação e a alienação das condições objetivas do

processo de trabalho do próprio trabalho;

2. a imposição de tais condições objetivadas e

alienadas sobre os trabalhadores como um poder

separado que exerce comando sobre o trabalho;

3. a personificação do capital como “valor egoísta” […] que

persegue sua própria autoexpansão, com


uma vontade própria (sem a qual não poderia ser

“capital-para-si” como controlador do sociometabolismo);

[…] a forma de capital pós-capitalista herdada e

reconstituída faz emergir sua própria personificação na

forma do burocrata […];

4. a equivalente personificação do trabalho […] o que ocorre

quando pensamos na categoria de “trabalho” como o

trabalhador assalariado sob o capitalismo ou ainda como

o “trabalhador socialista” cumpridor e supercumpridor de

normas sob o sistema do capital pós-capitalista, com sua


forma própria de divisão horizontal e vertical do trabalho.

(MÉSZÁROS, 2002, p. 720-21)


Marx, nos Grundrisse, enumera quatro condições objetivas das quais o trabalhador foi
separado, possibilitando, assim, o surgimento do capital: 1) a relação em que o
indivíduo que trabalha é proprietário da terra enquanto membro de uma comunidade.
2) a relação em que o indivíduo é proprietário dos instrumentos de trabalho. 3) a
relação em que o indivíduo é proprietário do fundo de consumo para sua sobrevivência.
4) relação em que o indivíduo que trabalha faz parte diretamente das condições
objetivas de produção, como o escravo e o servo. (MARX, 2011, p. 408)

O que diferencia a forma capital é justamente o fato dessa dominação não ser direta de
indivíduo para indivíduo, ou implementada diretamente por uma casta ou classe
dotada de poder político, mas econômica, isto é, efetivada sob a mediação das
determinações, a princípio, impessoais do mercado. Nos Grundrisse, Marx diz que a
“troca privada de todos os produtos do trabalho, das atividades e das capacidades está
em contradição […] com uma distribuição fundada na dominação e subordinação
(naturais e espontâneas, ou políticas) dos indivíduos entre si” (MARX, 2011, p. 107).

Em outro momento, Marx inclusive diferencia o “trabalho forçado imediato”, marcado


pela dominação direta, do “trabalho forçado mediado”, típico do capital, marcado pela
dominação indireta, já que existe a mediação do mercado. Diz ele que “riqueza não se
confronta com trabalho forçado imediato como capital, mas como relação de
dominação” (MARX, 2011, p. 256). Como se vê, a existência da dominação, da
imposição, do comando externo sobre o trabalho é absolutamente insuficiente para
fazer de uma relação de dominação uma relação-capital.
Marx: “o capital não inventou o mais-trabalho. Onde quer que uma parte da
sociedade detenha o monopólio dos meios de produção, o trabalhador, livre ou não,
tem de adicionar ao tempo de trabalho necessário a sua autoconservação um tempo de
trabalho excedente a fim de produzir os meios de subsistência para o possuidor dos
meios de produção”. Seja este um “ateniense, o teocrata etrusco, o cidadão romano, o
barão normando, o escravocrata americano, o boiardo valáquio, o senhor rural
moderno ou o capitalista” (grifo nosso) (MARX, 2013, p. 309).

Nesse trecho se diz que, se é verdade que o capital consiste em uma relação social, um
modo de relacionamento específico entre os homens na produção, jamais pode ser
considerado independentemente dos homens que ele pressupõem e reproduz. Não sem
razão, “o capital é ao mesmo tempo necessariamente capitalista, e a ideia de
alguns socialistas, segundo a qual precisamos do capital, mas não dos capitalistas, é
inteiramente falsa” (MARX, 2011, p. 421).

Não é o trabalho excedente puro e simples que a caracteriza, mas o fato do trabalhador
trocar sua força de trabalho por um equivalente em dinheiro (D-M), mas ser o consumo
dessa mercadoria força de trabalho (que ocorre fora da circulação, na esfera de
produção) que valoriza o valor (M-D’). Sem forma-valor que, por sua vez, pressupõe a
troca de mercadorias generalizada, inclusive a mercadoria força de trabalho, não se têm
mais-valia e nem capital.

Mészáros reduz a mais-valia a seu conteúdo a-histórico, o trabalho excedente; reduz o


processo de valorização do valor ao processo material de produção; reduz a forma
social-valor, que pressupõe a circulação geral de mercadorias, a um valor abstrato
(valor egoísta) e, assim, transforma a forma histórica capital em um capital esvaziado
de seu conteúdo essencial. Faz o exato oposto de Marx que caminha de conteúdos mais
gerais para suas respectivas formas históricas específicas.

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