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Notas teóricas sobre transição socialista: as precondições para a

extinção da lei do valor e do Estado burguês.

Essas breves notas se justificam porque existe hoje um revivido


interesse em segmentos da esquerda pelo tema da transição socialista, isto é,
pela forma social que se revestirá um período de transição para uma sociedade
sem classes.
De início abordaremos as precondições para a transição socialista que
são criadas pelo próprio desenvolvimento contraditório da sociedade
capitalista- Marx certa vez designou o capital como uma: contradição em
processo e, é justamente esse desenvolvimento contraditório que devemos
explorar a fim de encontrar as premissas do novo modo de produção. Para
depois analisarmos como Marx coloca a questão das relações de produção
em período de transição e, por conseguinte, qual o caráter do Estado neste
período.
Marx não nos deixou um conjunto sistemático de textos falando sobre
como seria a sociedade comunista, inclusive ele ficou de escrever um livro na
qual ele se ocuparia da dissolução do modo de produção e da sociedade
baseada na forma do valor de troca1, o referido livro não saiu das intenções de
Marx. Embora, isso não signifique, que Marx não tenha feito aportes
importantes sobre a transição para uma sociedade onde os produtores livres e
associados com meios de produção comum possam definir conscientemente
sobre a forma de produzir e distribuir os produtos do trabalho sem a mediação
fetichista da mercadoria, do dinheiro e do capital. Para Marx, ao contrário dos
socialistas utópicos que propunham sociedades ideais baseadas numa suposta
justiça social, o modo de produção comunista seria produto das contradições
internas da moderna sociedade burguesa e da ação revolucionária dos
trabalhadores.
Neste sentido, devemos recuperar da análise crítica de Marx os
momentos em que se gestam as precondições para a abolição das relações
mercantis. Como nos adverte Rosdolsky é na análise de Marx sobre a
maquinaria nos Grundrisses que encontraremos as precondições para a
superação da lei do valor. É justamente a lei do valor que permite dado o
caráter anárquico e não planejado da economia mercantil regular e equiparar
os produtos do trabalho pelo tempo de trabalho socialmente gasto para
produzi-los, assim a magnitude do tempo de trabalho segue sendo
determinante para a produção da riqueza2.
Em O Capital, Marx demonstra que a maquinaria e a grande indústria –
reduzem o trabalhador a mero apêndice da máquina ao transformar o trabalho
em algo parcelar, rotineiro e mecânico. Já nos Grundrisses, além da função de

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Rosdolsky 345
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Rosdolsky
reduzir o trabalho a algo parcelar, a maquinaria cria também as condições para
a anulação da lei do valor. Vejamos,
[…] à medida que a grande indústria se desenvolve, a criação
da riqueza efetiva passa a depender menos do tempo de
trabalho e do quantum de trabalho empregado que do poder dos
agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho,
poder que – sua |poderosa efetividade –, por sua vez, não tem
nenhuma relação com o tempo de trabalho imediato que custa
sua produção, mas que depende, ao contrário, do nível geral da
ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação dessa
ciência à produção ( Marx, p. 941)

A maquinaria reduz a dependência do tempo de trabalho necessário


individual subordinando cada ver mais a produção de riqueza ao nível de
desenvolvimento da técnica e da ciência aplicados a produção- isto é, quanto
mais o sistema se desenvolve mais ele cria as precondições para a anulação
de suas leis imanentes- entre elas a lei do valor, desse modo, “não é nem o
trabalho imediato que o próprio ser humano executa nem o tempo que ele
trabalha, mas a apropriação de sua própria força produtiva geral, sua
compreensão e seu domínio da natureza por sua existência como corpo social”
–( MARX, p.942 ).
Dessa maneira, como disse Marx: “O próprio capital é a contradição em
processo, [pelo fato] de que procura reduzir o tempo de trabalho a um mínimo,
ao mesmo tempo que, por outro lado, põe o tempo de trabalho como única
medida e fonte da riqueza” (MARX, p.942).
Temos aqui a contradição estrutural das relações capitalista, e essa se
expressa entre a necessidade que o capital tem de desenvolver as forças
produtivas materiais ao máximo, embora esse desenvolvimento se choque
frontalmente com as relações de produção existente- o próprio capital cria as
condições para sua abolição ao reduzir o tempo de trabalho ao mínimo.
De acordo Rosdolsky, tão logo o trabalho, em sua forma imediata, tenha
deixado de ser a grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho deixa de ser sua
medição: e o valor de troca[ deixa de ser a medição] do valor de uso, o mais
trabalho deixa de ser condição para o desenvolvimento da riqueza social[…] é
justamente o desenvolvimento das forças produtivas impulsionadas pelo
desenvolvimento técnico-material que cria as condições para suprimir o “roubo
do tempo de trabalho alheio”.
As condições de destruição do sistema capitalista estão postas pelo
próprio sistema que se desenvolve ao ponto de negar-se a si mesmo, como
vemos na lei da queda tendencial da taxa de lucro ocasiona pela constante
substituição de trabalho vivo pelo trabalho morto. Todavia, este sistema só será
destruído pela ação revolucionária dos trabalhadores que de forma consciente
e organizada edificarão um novo modo de produção.
Vejamos agora, como Marx trata das formas de trabalho e do Estado em
uma sociedade de transição (pós-revolucionária). Existe hoje na esquerda
brasileira, um conjunto de pessoas que a fim de justificar teoricamente o
chamado “socialismo de mercado” defendem que na transição socialista as leis
econômicas da sociedade mercantil permanecem atuantes- assim, o trabalho
assalariado, a mercadoria e o dinheiro etc., continuam a ter vigência e para
legitimar essa tese se recorre constantemente ao famoso texto de Marx, Crítica
ao Programa de Gotha, a parte do texto mais citada é a seguinte:
Nosso objeto aqui é uma sociedade comunista, não como
ela se desenvolveu a partir de suas próprias bases, mas, ao
contrário, como ela acaba de sair da sociedade capitalista,
portanto trazendo de nascença as marcas econômicas, morais e
espirituais herdadas da velha sociedade de cujo ventre ela saiu.
[…]. Aqui impera, é evidente, o mesmo princípio que regula a
troca de mercadorias, na medida em que esta é troca de
equivalentes.

Como vemos na citação acima, a impressão que temos é que de fato em


uma sociedade de transição – assim que ela saiu das entranhas da sociedade
capitalistas impera ainda as categorias econômicas da sociedade burguesa e o
princípio da troca de equivalentes funciona como na sociedade anterior, mas se
recorremos a citação por inteira a impressão é desfeita, vejamos, mesmo que
longa a citação é esclarecedora.
No interior da sociedade cooperativa, fundada na
propriedade comum dos meios de produção, os produtores não
trocam seus produtos; do mesmo modo, o trabalho
transformado em produtos não aparece aqui como valor
desses produtos, como uma qualidade material que eles
possuem, pois agora, em oposição à sociedade capitalista, os
trabalhos individuais existem não mais como um desvio, mas
imediatamente como parte integrante do trabalho total. A
expressão “fruto do trabalho”, que hoje já é condenável por sua
ambiguidade, perde assim todo sentido.
Nosso objeto aqui é uma sociedade comunista, não como
ela se desenvolveu a partir de suas próprias bases, mas, ao
contrário, como ela acaba de sair da sociedade capitalista,
portanto trazendo de nascença as marcas econômicas, morais
e espirituais herdadas da velha sociedade de cujo ventre ela
saiu. […]. Aqui impera, é evidente, o mesmo princípio que
regula a troca de mercadorias, na medida em que esta é troca
de equivalentes.

Alguém poderia dizer que na primeira citação que eu estou recorrendo


Marx se refere a uma sociedade comunista plena e, não a sociedade socialista
tal como ela sai da sociedade burguesa, mas este argumento é falso porque
Marx só vai falar da segunda fase da sociedade comunista na sequência.
Depois de ter demonstrado que o princípio das trocas de equivalente ainda se
impõe nesta primeira fase- mas aqui já com um diferencial, pois, “o produtor
individual – feitas as devidas deduções – recebe de volta da sociedade
exatamente aquilo que lhe deu”. Ademais, na sociedade burguesa a troca de
equivalentes é uma mera aparência da circulação mercantil para ocultar “o
roubo do tempo de trabalho alheio”. Já em uma sociedade socialista (primeira
fase do comunismo) Marx trata justamente da primeira fase da sociedade
comunista, ademais demonstra que se as condições materiais de produção
fossem propriedade coletiva dos próprios trabalhadores, então o resultado seria
uma distribuição dos meios de consumo diferente da atual.

Vejamos agora, quando Marx fala das condições para a segunda fase do
comunismo.

Numa fase superior da sociedade comunista, quando tiver sido


eliminada a subordinação escravizadora dos indivíduos à
divisão do trabalho e, com ela, a oposição entre trabalho
intelectual e manual; quando o trabalho tiver deixado de ser
mero meio de vida e tiver se tornado a primeira necessidade
vital; quando, juntamente com o desenvolvimento multifacetado
dos indivíduos, suas[39] forças produtivas também tiverem
crescido e todas as fontes da riqueza coletiva jorrarem em
abundância, apenas então o estreito horizonte jurídico burguês
poderá ser plenamente superado e a sociedade poderá
escrever em sua bandeira: “De cada um segundo suas
capacidades, a cada um segundo suas necessidades!

Marx.

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