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Análise Psicológica (1998), 3 (XVI): 423-430

Um filho ter ou não ter: O caso de Isabel

MARIA DE JESUS CORREIA (*)

DE ISABEL
i. H I S T ~ R I A indício externo de nos encontrarmos perante
uma grávida.
A Isabel surge no Departamento de Psicologia Apresenta, no primeiro contacto, um sem-
Clínica enviada pela Consulta de Alto Risco do blante triste; chora frequentemente quando se re-
Serviço de Medicina Materno Fetal da Mater- fere a gravidez no entanto, controla o choro.
nidade Dr. Alfredo da Costa após 1." consulta Tem discurso fácil, aborda os assuntos rele-
médica; tinha cerca de 18 semanas de gravidez e vantes de modo conciso; expressa as suas emo-
queixava-se de dores abdominais e perdas hemá- ções de um modo ajustado.
ticas. É secretária numa empresa; casou há cerca de
Na 1 .a consulta, refere que o médico a enviou 1 ano e meio com o João, de 30 anos, engenheiro
de informática, com quem refere ter uma boa re-
ao departamento de psicologia porque a notou
lação.
muito nervosa; quando lho constatou, surpreen-
Quando conheceu o João, teria cerca de 19
deu-se com o facto de «não querer o bebé e de se anos, acabara de entrar para o curso de Secreta-
sentir muito confusa)) refere. riado (área profissional sempre do seu interesse);
Expressou com entusiasmo a ideia de ajuda viveu então uma época que descreve como muito
psicológica pois, segundo diz «não sei como vai importante na sua vida; por um lado ter encon-
ser... não estou a aguentar-me grávida ... ao João trado alguém que gostou dela e de quem gostou
não posso queixar-me; têm sido meses horrí- «a sério)), por outro, a possibilidade de entar
veis)). num curso que sempre lhe interessou e que, na
Isabel, é uma rapariga de 23 anos; figura alta sua opinião, lhe permitiria uma carreira de suces-
e esguia; aspecto geral adequado.Vem vestida a so na área da sua eleição.
moda para a sua idade e de acordo com a sua Há cerca de um ano atrás, ingressa na empresa
situação social e profissional: saia curta, camisa onde trabalha actualmente; profissionalmente
e casaco condizentes, evidenciando cuidados tudo corre muito bem; tem tido oportunidade de
particulares com a sua aparência: cabelo cuida- frequentar cursos de formação, perspectiva boa
do, algum toque de pintura no rosto. Não havia ascenção na empresa.
Seis meses antes de iniciar o trabalho nesta
empresa, casara com João. A vida de casada não
lhe trouxe dificuldades; descreve o João como
(*) Psicóloga Clínica na Maternidade Dr. Alfredo da colaborante nas tarefas domésticas e, a privaci-
Costa, Lisboa. dade e intimidade proporcionados por viverem

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juntos permitiu-lhes um movimento de grande Uma breve abordagem do contexto familiar
aproximação afectiva que Isabel descreve como permitiu perceber que Isabel é a mais velha de
uma experiência muito securizante, gratificante e uma fratria de 3 irmãos sendo a única rapariga.
plena. A relação com os irmãos, descreve-a como
((Sempre nos demos muito bem excepto no «normal». Refere uma maior proximidade com
que se refere a ter filhos!)) diz. Pedro, o irmão mais velho, ((aquele a quem
«Já nos conhecemos há 4 anos e sempre fo sempre contei as minhas coisas ... tambem o aju-
muito bom, quanto aos filhos... o João vem insis-. dei nas tarefas escolares)).
tindo desde o casamento no grande desejo de ser Descreve uma relação complicada com a mãe,
pai ...» com a qual nunca se sentiu entendida nem amada
Este aspecto, já o vinham tocando desde o na- «acho que a minha mãe sempre gostou mais
moro mas a Isabel foi sempre manifestando a sua deles; talvez por serem rapazes, nunca teve pa-
vontade de adiar o máximo o seu projecto de ciência para mim.» «Nunca pude pedir-lhe con-
maternidade antecipando-lhe claramente o pro- selhos ou um miminho ... tinha sempre má cara
jecto de realização profissional (como defesa?): para mim e só me exigia sucesso na escola ...
«Lá para os 30 e tal anos talvez me sentisse pre- nunca tive dificuldade de aprendizagem, sempre
parada para ter filhos ... agora não ...» diz. estudei bastante mas, mesmo assim, nunca era o
Sempre se preocupou em tomar precauções suficiente e, se alguma vez me elogiava era
para não engravidar. Desde o início da sua vida sempre pelas notas ... nunca por outras coisas co-
sexual com o João tomara a pílula mas, por alte- mo estar bonita, ser simpática, ser boa ... nunca!»
rações nos valores da sua tensão arterial (hiper- «O meu pai, estava pouco em casa ... quando
tensão) esta fora-lhe medicamente desaconselha- não estava a trabalhar (funcionário público admi-
da. Há cerca de um ano colocara o dispositivo nistrativo numa escola secundária) estava com os
intra-uterino (DIU) que viria a retirar por incó- amigos no café ou na loja de um colega a ajudar.
modo físico acentuado (dores abdominais + Em casa ainda era o mais meigo, mas quando lá
menstruações abundantes). estava, o que era raro.))
Nos últimos meses, começaram a recorrer a Descreve a relação entre os pais como mor-
métodos anticoncepcionais locais (preservativo + mal»: o pai pouco envolvido nas coisas da casa,
espermicida) até poder voltar a experimentar o a mãe como exclusivamente dona-de-casa, a li-
DIU. derar, mas sem discórdias.
A Isabel refere alguma inquietação na adapta- Sempre aceitaram bem a sua relação com o
ção aos métodos locais ((sempre soube dos riscos João apesar de, frequentemente, a mãe lhe fazer
e da falibilidade destes métodos ... mas ... con- notar o seu pouco jeito para as coisas de casa e,
fiei.. .H quase a criticar pelo seu excessivo investimento
É neste contexto que surge a actual gravidez. profissional, no fundo aquilo a que sempre a in-
Acusa o marido de a ter engravidado sem o centivara.
seu consentimento ((julgo até que me obrigou a Este aspecto, deixava Isabel um pouco confu-
beber uma noite para me pôr grávida...)). «Quan- sa relativamente ao seu ser mulher mas, o João
do me faltou o período nem queria acreditar.)) sempre a apoiara muito, ajudava-a nas tarefas
Conscientemente a gravidez surpreendeu-a. domésticas, entendia e compensava as suas ca-
Mostra-se zangada e triste ao falar deste as- rências afectivas; permitia-lhe mesmo um equi-
sunto. «Ele ocupou o meu corpo com este bebé líbrio que não julgara conseguir e que tornou fá-
sem eu querer...)), diz. «O João ficou contente ... cil a saída de casa dos pais «... melhorei muito o
era o que ele queria ... e eu?» meu equilíbrio afectivo desde que saí de casa dos
Refere que no início da gravidez sentiu vómi- meus pais ... sentia-me mesmo muito bem...))
tos e enjoos ((cheguei mesmo a pensar que talvez Visita os pais algumas vezes pois, actualmente
a gravidez não evoluisse mas não, tem continua- moram a cerca de 1OOkm de distância.
do...)) O grande problema surge com o ter engravi-
A hipótese de IVG não lhe pareceu solução dado sem querer, acrescido da desilusão em rela-
((tinha medo ... e, além disso o João ter-me-ia dei- ção ao marido que Isabel sente como «culpado»
xado ... eu gosto muito dele apesar disto...!)) e traidor da sua confiança. «Ele tem tentado

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aproximar-se de mim; logo que soube da gravi- como ela própria diz, em que encontra uma sa-
dez também ficou surpreendido, diz que não foi tisfação ao nível afectivo.
de propósito! Que sempre tomámos precauções Eis que surge uma inesperada e temida gravi-
de comum acordo! Que apesar de querer ser pai dez (talvez também um pouco ansiada já que se
não o queria contra a minha vontade! Eu, às ve- mais segura dos seus «préstimos» como mulher
zes acredito! Quase que penso que foi mesmo talvez se permitisse emergir o arriscar da falibi-
por acaso ... afinal eu também sei que o método lidade dos métodos contraceptivos) quando pre-
que usávamos era tão falível ... mas, quando me dominam as dificuldades, ambivalências quer no
lembro que a consequência é estar grávida, ir ter desejo da gravidez quer no projecto de materni-
um bebé, ser mãe! Aí não posso acreditar!)) dade.
(Chora). Estas ausências, além de inevitáveis repercus-
sões psicológicas condicionam igualmente a res-
posta dada pelo próprio corpo somático (bem
2. R E F L E X ~ E SPSICOL~GICAS evidenciada pelos sintomas conducentes A con-
sulta médica - doresJhemorragias - Indícios de
Percebida a tempestade emotiva que corria no ameaça de aborto).
interior da Isabel; o jogo conturbado das identi- No espaço uterino da Isabel, fixou-se o seu
ficações com as suas imagens parentais, a sua microscópico óvulo, já transformado em ovo
fragilidade narcísica, no final da primeira con- porque fertilizado pelo espermatozóide do João;
sulta foi-lhe proposto um acompanhamento psi- este movimento irá conduzir Isabel às profunde-
coterapêutico de apoio a que a Isabel aderiu de zas do seu espaço psíquico; trará a superficie
imediato. imagens da sua história mais precoce e mais ín-
Em consultas seguintes tornou-se evidente tima, condicionará os seus sonhos e fantasias,
que a identificação com uma imagem materna acenderá os seus temores e angústias; conhecer-
confiável e securizante não aconteceu; a isto so- se grávida traz ao de cima fragmentos de memó-
mou-se uma figura paterna muito ausente, pouco ria; reacções de processos adormecidos no inte-
interveniente, em nada facilitadora da sua iden- rior da Isabel relacionados com a sua infância,
tificação feminina. com o seu ser menina, com o seu ser filha de sua
Gradualmente, percebeu-se que a sua dificul- mãe.
dade em pensar tornar-se mãe, corporizada num Emerge o viver da encruzilhada entre o passa-
adiar do projecto de maternidade, concomitante do, o presente e o futuro. Uma imensa roda de
com um investimento maciço na vida profissio- impressões e sentimentos entrelaçados, de lem-
nal, se relaciona quer com a inexistência de um branças fagmentadas ressurgem das profunáezas
modelo de mãe gratificante quer com a conse- do seu inconsciente. Emergem os antigos confli-
quente percepção de ausência de recursos inter- tos do seu interior.
nos suficientes para «conceber» uma criança. A 1.a fase do desenvolvimento psicológico da
A sua imagem de mulher é pobre e desvalori- gravidez (incorporação) foi vivida pela Isabel
zada; com algum valor surge apenas o seu lado com vómitos e enjoos intensos, como refere.
profissional, esse sim sempre investido por uma O pólo negativo da ambivalência característi-
mãe (provavelmente também ela com dificulda- ca desta primeira fase da gravidez quase venceu;
des na sua feminilidade) que perante a ameaça no entanto, a gravidez vem prosseguindo até ao
de uma filha mulher, concorrente, ameaçadora, momento em que surge pela primeira vez na
consegue desvalorizar-lhe o lado feminino e consulta de psicologia.
materno incentivando-lhe apenas um préstimo Está no 2." trimestre, fase do desenvolvimento
profissional. psicológico da gravidez denominada de diferen-
Com o João, consegue um grande salto na sua ciação. Surgem dores abdominais e perdas hemá-
valorização narcísica; não só é amável (logo não ticas.
será assim tão feia e tão má!) como também con- Esta fase torna evidente o quanto numa grávi-
segue amar (então, não é assim tão vazia, tão da existem dois corpos, um dentro do outro, duas
apenas competente no trabalho e no estudo). pessoas que vivem sob uma mesma pele, duas
Isto permite-lhe uma fase de vida muito plena, pessoas diferentes. Esta evidência, dada pelos

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primeiros movimentos e pelo crescente desen- poderia, através da sua maternidade, experien-
volvimento do abdómen exacerba o confronto ciar uma relação gratificante, de troca afectiva,
com a inevitabilidade da maternidade e, por ou- com alguém de quem poderia gostar mas que
tro lado, acentua o recordar e o reavaliar da rela- também poderia gostar dela. Seria importante
ção da Isabel com a sua própria mãe desde o conseguir que, ainda no período de gravidez, o
tempo em que era ela a habitante do útero mater- bebé viesse a despertar um desenvolvimento
no. Consequentemente reactivam-se vulnerabili- afectivo e pudesse conduzir a atitudes emotivas
dades e dúvidas angustiantes, agrava-se a sua de natureza positiva.
ambivalência - chega-se a ameaça do insucesso Quando o «intruso» aquele que o marido tan-
de gravidez. to queria, quem sabe na sua fantasia, para com-
Pareceu-nos que enquanto este sentimento de petir com ela no afecto, fosse entendido uma di-
recusa prevalecesse; enquanto o bebé fosse sen- nâmica relaciona1 como alguém potencialmente
tido como incómodo, toda a gravidez seria pro- amante e amado, a sua vivência da gravidez e
blemática quer ao nível psicológico quer ao nível principalmente da maternidade, poderá tornar-se
físico. Teríamos uma gravidez não só de alto ris- uma experiência de vida da qual será possivel
co psicológico mas acrescida da inevitabilidade extrair alguma gratificação.
de um alto risco médico. Os nossos encontros semanais permitiram de
Se, apesar de tudo o bebé nascesse, confronta- facto alguma evolução terapêutica positiva. Uma
da com a maternidade não desejada, não elabora- primeira evidência desta evolução sobressai no
da, para a qual não se sente capaz, Isabel e o seu modo como percepcionava e descrevia pelas 22
bebé corriam fortes riscos de estabelecer uma re- semanas de gravidez os movimentos do bebé.
lação disfuncionante. Fazia-o de um modo mais afectuoso e envol-
vido revelador de um progressivo investimento
emocional, pondo a mão com carinho na barriga
3 . INTERVENÇÃO PSICOTERAPÊUTICA quando o bebé mexia durante as sessões, como
que para o sentir melhor.
Neste contexto, a intervenção psicológica pro- A dificuldade incial em falar do bebé en-
posta a Isabel e na Óptica de um atendimento fo- quanto ser com existência própria foi-se tornan-
calizado, visa essencialmente os seguintes ob- do mais tenue, foi falando dele ao longo da gra-
jectivos: videz, descrevendo-o e permitindo-se explorar os
Por um lado, permitir que se sentisse alvo de seus sentimentos em relação a ele. Foram decres-
um apoio afectivo, ela própria, enquanto ser em cendo as preocupações quer quanto a sua capaci-
sofrimento, proporcionando-lhe (através de dade de manter a gravidez (culpabilidades anti-
características positivas cuidadoras de ser psicó- gas) quer de se imaginar mãe/cuidadora do seu
loga mulher) o sentir de um cuidado maternal a bebé.
ela Isabel, vulnerável enquanto mulher, mais A relação com o João (no início do processo
vulnerável e insegura a respeito do seu próprio terapêutico complicada pela culpa que lhe atri-
valor enquanto grávida. buía pela gravidez) foi melhorando ao longo des-
Por outro lado, através de alguma elaboração ta quer a medida que foi percebendo a gratifica-
da relação negativa com a sua mãe ( o seu mode- ção positiva dada pela gravidez quer com o con-
lo de uma maternidade distorcida) conseguir que comitante readquirir da confiança na relação
a Isabel entendesse que, embora embora não se conjugal. Este aspecto tornou-se evidente pelo
tivesse sentido amada pela sua mãe, ela poderia aumento da qualidade de comunicação entre
amar a sua criança. Isto porque tem recursos ambos, por um lado relativamente as dúvidas e
afectivos que lho permitem, porque tem a seu inseguranças normais de quem tem um filho, e,
lado um companheiro disponível para a ajudar por outro lado na partilha das aulas de prepara-
enquanto mulher e enquanto mãe; porque tem ção para o parto, nas decorações do quarto do
uma psicóloga que a ajuda como suporte reforça- bebé, nas compras do enxoval.
dor na optimização dos seus recursos e defesas A medida que a gravidez e o processo tera-
agora fragilizadas. pêutico se desenrolam, surgem novas e diferen-
Seria importante que viesse a entender que tes complexidades e ajustes inerentes.

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O 3." trimestre de gravidez (preparação para a mo uma fase carregada de significado simbólico
separaçãolparto) foi vivido muito a dois pelo que apela a inúmeros ajustes e transformações
casal Isabel/João. Individualmente, a Isabel ca- internas podendo mesmo funcionar como uma
minhou adequadamente para a chegada do bebé; experiência de reparação de si própria.
a medida que se foi sentindo mais segura, que se
foi permitindo explorar e elaborar as suas inquie-
tações foi conseguindo pensar como tornar-se 4. ENQUADRAMENTO TEÓRICO SUBJACENTE
mãe. A INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA NUMA
Quando soube no início do 3 .O trimestre que ia DIMENSÃO INSTITUCIONAL
ter um rapaz, foi imediato chamar-lhe André
(por escolha do casal) e nomeá-lo sempre que se Apresentado o Caso Clínico, a sua Compre-
lhe referia. De vez em enquanto vinham A super- ensão Psicológica, o modo como se perspectivou
fície inquietações e algumas inseguranças ... ((e o e delineou a Intervenção Psicoterapêutica no
parto? serei capaz?...)) Dúvidas frequentes nas quadro institucional Maternidade Dr. Alfredo
grávidas próximo do fim da gravidez; porque da Costa, parece-me importante evidenciar algu-
não na Isabel com todos os seus antecedentes? mas considerações gerais sobre o entendimento
O parto aconteceu as 38 semanas, foi um teórico subjacente & prática da intervenção psi-
parto eutócico, com analegia epidural por suges- cológica no contexto particular que é uma mater-
tão da equipa médica, já anteriormente pensada e nidade.
discutida durante as nossas sessões.
O André nasceu bem com 3.050 Kg perante 4.1. Reflectindo Sobre os Conceitos Psicote-
um sorriso feliz da Isabel e uma lágrima emocio- rapiaípsicoterapia Institucional
nada no olho do João.
Iniciou amamentação ao peito com sucesso. Várias têm sido as formas específicas de In-
Durante o internamento de dois dias a Isabel tervenção Psicológica surgindo a Psicoterapia
esteve bem, com algumas dúvidas partilhadas como uma especificidade da Psicologia Clínica
adequadamente com a enfermeira, quer no cuidar que, enquanto técnica que usa basicamente o diá-
do bebé quer na sua recuperação. Tivemos um logo, visa um aumento de adaptação individual
encontro durante o internamento em que a Isabel aos estímulos internos e externos. Neste sentido,
se mostrou tranquila e entusiasmada com o seu não podemos considerar a existência de uma Psi-
bebé. Evidenciou alguma preocupação normal coterapia mas de Psicoterapias; em comum, te-
com a chegada a casa mas confiante em si pró- rão fundamentalmente a atitude.
pria e no João. Por atitude psicoterapêutica podemos enten-
Marcámos nova consulta para duas semanas der a disponibilidade interna para escutar o outro
pós-parto. e, em conjunto, experienciar a angústia que ele
Penso termos conseguido movimentar a sua traz para a situação terapêutica.
capacidade elaborativa no que se refere as an- Considerando a existência de várias psicotera-
gústias reactivadas pela crise inerente i gravidez pias com diferentes caracteristicas (exemplo:
(não desejada?) e ter conseguido estabelecer modelos terapêuticos com características tempo-
uma nova dinâmica na sua relação com a sua rais longas) consideramos a intervenção psicote-
própria mãe; deste modo conseguirá sentir e rapêutica numa instituição específica, com parti-
provar a sua própria competência como mulher e cularidades inerentes precisamente ao seu ca-
como mãe, objectivo terapêutico delineado ini- rácter institucional.
cialmente aquando da avaliação e planeamento A psicoterapia institucional, centra-se numa
inicial de intervenção. abordagem que, se por um lado enfatiza também
A elaboração dos seus conflitos internos refe- o tratamento pela palavra, releva, por outro lado,
rentes ao seu ser mulher e mãe permitiram-lhe o aqui e agora do sujeito naquele contexto.
caminhar numa transição do ser criança para o Esta especificidade, relaciona-se claramente
ser mãe. com a evolução do conceito de Sazíde (Saúde-Es-
Com este caso, evidencia-se claramente o tado de bem-estar físico, psicológico e social do
quanto uma gravidez tem que ser entendida co- sujeito, família e comunidade) que possibilitou a

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psicoterapía outras áreas de intervenção não s b serviço de Obstetrícia, onde desenvolvo inter-
relacionadas com a doença mental mas com a venção psicológica, o fundamental será uma in-
saúde na sua globalidade. tervenção de apoio focalizado no suporte a for-
A Instituição de Saúde Geral é, assim, um, necer no decurso de uma situação especifica
contexto específico de intervenção que ganha. (Gravidez e suas vicissitudes) visando, por um
particularidades próprias. Deste modo, podemos lado favorecer a emergência de um novo equilí-
tomar como exemplo dessas particularidades: brio pessoal e, por outro lado, permitir o desen-
volvimento de capacidades que permitam a sua
- Setting Terapêutico: Tem que ser considera-
reinserção social e profissional. Neste contexto,
do de modo diferente do concebido classi-
faz sentido uma intervenção psicoterapêutica na
camente; neste contexto ele será em qual-
linha da Psicoterapia Breve de Orientação Dinâ-
quer lugar, num tempo não definido, de pé,
mica cujos conceitos fundamentais serão abor-
sentado, ou mesmo deitado se se tratar de
dados adiante.
um hospital.
-Pedido: Frequentemente não é dirigido ao
psicólogo mas h instituição; frequentemente 4.2. Uma Instituição - Maternidade
há dificuldade na sua verbalização e no in-
As áreas específicas que envolvem a saúde da
sight para o seu entendimento por surgirem
Mulher são classificadas habitualmente pelo dis-
clientes de classes e grupos culturais menos
curso médico (cuidados obstétricos/mulher grá-
favorecidos.
vida; cuidados ginecológicodcaracterísticas ine-
- Limitação dos Objectivos Terapêuticos: Es-
rentes ao ser mulher).
tes são focalizados num problema especí-
É pois o discurso médico que marca o novo
fico num problema específico do paciente,
espaço de intervenção psicológica a que chama-
pretendendo-se a resolução da área confli-
mos Psicologia da Gravidez e da Maternidade.
tua1.
Por Psicologia da Gravidez e da Maternidade
Concomitantemente a estes novos entendi- entendemos o espaço de saberes e conhecimen-
mentos de Psicoterapia surge-nos um outro con- tos psicológicos que tem como objecto a Gravi-
ceito -Psicologia da Saúde. dez e a Maternidade (I. Leal, 1992), o modo co-
Esta expressão foi introduzida por Matarazzo mo são vivenciados num determinado tempo
(1980) para designar a área disciplinar da psico- por um determinado indivíduo.
logia (ciência e profissão) que tem um papel fun- O que é focalizado, em geral, na nossa clínica
damental nos domínios da saúde e da doença. psicológica é a necessidade de reactualizar de-
Para Weinman (i 990), a Psicologia da Saúde fesas enfraquecidas, de permitir a aquisição de
entende o entrecruzamento do discurso médico um novo equilíbrio pessoal em torno das ques-
com o discurso psicológico. tões da reprodução, nascimento e relação preco-
Para a Psicologia da Saúde, o objecto é o su- ce e não de «curar» situações psicopatológicas.
jeito e a forma como ele vive e experimenta o A Maternidade, enquanto instituição de saúde
seu estado de saúde ou de doença, na sua relação de uma área específica selecciona inerentemente
consigo mesmo, com os outros, com o mundo. os seus clientes da especialidade que serão os
Em Psicologia da Saúde não se define um mo- nossos eventuais clientes para intervenção psico-
delo específico de informação, formação e inter- lógica.
venção (Teixeira & Leal, 1990); podem usar-se Ao procurar uma Maternidade raras vezes se
diferentes modelos de acordo com diferentes si- procura um psicólogo ou um psicoterapeuta;
tuações. procura-se uma Maternidade para ter filhos, para
Assim, se pensarmos em instituições hospi- cuidados ginecológicos, por uma infertilidade ou
talares onde a intervenção psicológica se centre para cuidar de um filho com problemas.
em sujeitos com dor crónica ou preparação para Isto pode tornar pouco claro quem é, de facto,
cirurgia revelar-se-ão mais úteis técnicas tera- o nosso cliente - o sujeito ou a instituição? Do
pêuticas numa linha comportamental e cogniti- nosso ponto de vista temos a instituição como
vo; se pensarmos em instituições como a Mater- primeiro cliente (I. Leal, 1992); é a ela que os
nidade Dr. Alfredo da Costa, concretamente no clientes específicos fazem o seu pedido específi-

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co, focalizado na resolução de um problema Podemos isolar alguns dos conceitos e pressu-
que se localiza no corpo real. postos Psicoterapia Breves que considero subja-
É a instituição quem define os objectivos tera- centes às características específicas da minha in-
pêuticos, os limites de intervenção, os critérios tervenção na maternidade:
de selecção; é a instituição quem obriga a dife-
rentes técnicas e a diferentes settings.
- Atendimentofocalizado (elegendo os confli-
Neste sentido, o papel do psicólogo compre- tos) com tempo e objectivos limitados.
ende-se enquanto membro de uma estrutura toda «Uma das tácticas que muitos autores en-
ela terapêutica cabendo-lhe a ele, pela especifici- contraram para abreviar a duração das
dade técnica e pela natureza relacional, a promo- psicoterapias de relação analítica, foi a de
ção da relação terapêutica (I. Leal, 1992). restingir problemas postos por clientes, a
Numa instituição em que sofrimento psicoló- fim de evitar grandes deambulações temá-
gico é acompanhado de sofrimento físico a fun- ticas que pusessem em causa a eficiência
ção psicoterapêutica cumpre-se na abordagem das sessões, em termos de tempo)) (P. L. Ri-
multidisciplinar da situação (I. Leal, 1992) tendo beiro, 1997).
em conta a particularidade de cada área de inter- Este atendimento dá ênfase quer A eleição
venção caberá ao técnico da respectiva área o dos conflitos que prevalecem (pela urgência
manejo concreto da especificidade da sua inter- e/ou importância) e estão subjacentes ao
venção. problema actual quer as inter-relações pes-
soais presentes quer ainda as resistências
circunscritas às defesas mais superficiais.
4.3. O Modelo Psicoterapia Breve de Orien-
(Braier, 1986).
tação Dinâmica
- A transferência é analisada apenas quando
Como j á foi referido a Intervenção Psicotera- muito evidente ou se se torna impeditiva ao
pêutica num contexto institucional, específica- avanço do processo psicoterapêutico.
mente numa instituição como a M.A.C., reveste- - Não se pretende atingir o inconsciente, re-
se de características específicas e particulares solver conflitos básicos, provocar e traba-
nomeadamente em dimensões como setting te- lhar a neurose de transferência; a razão
rapêutico, limitação temporal, características do principal é que o surgimento da Neurose de
pedido. Transferência obriga a maior consideração
No contexto de Maternidade (Serviço de no tempo na terapia.
Obstetrícia em concreto) trabalhamos como Vera Lemgruber (1 986) define três grandes
também já foi referido questões inerentes a zona conceitos característicos da Psicoterapia Breve
temática Psicologia da Gravidez e da Maternida- que considero fundamentamente subjacentes a
de (exemplo: Desejo/ Não Desejo de Gravidez e intervenção psicoterapêutica na Maternidade:
Maternidade - suas vicissitudes e inerentes cri-
ses). Actividade - A intervenção do terapeuta é
Deste modo, o modelo de intervenção psicote- activa o que leva a trangressão da regra de absti-
rapêutica terá que se caracterizar por tempos li- nência perfilhada pela psicanálise.
mitados e objectivos circunscritos o que na mi- A actividade do terapeuta caracteriza-se por
nha opinião poderá ser conseguido optando pela avaliar e diagnosticar as condições internas do
escolha de um modelo que utilize técnicas pres- sujeito, estabelecer um foco a ser trabalhado no
supostas da Psicoterapia Breve de Orientação processo, planear a estratégia básica a seguir,
Dinâmica com as inerentes adaptações ao con- combinar com o cliente o contracto de duração
texto especifico referido. do processo, discutir com ele o foco escolhido,
Vera Lemgruber (1987) propõe que o nome estabelecer metas e objectivos terapêuticos a al-
Psicoterapia Breve seja substituído por Terapia cançar no fim do processo psicoterapêutico;
Focal pois considera que o foco é a qualidade actuar na linha do foco (interpretar selectiva-
fundamental deste método que define como uma mente; dar atenção e negligenciar selectivarnen-
técnica com características próprias e respectivas te), opor-se ao desenvolvimento da Neurose de
especificidades. transferência.

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Planeamento - O planeamento terapêutico REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
deve ser flexível e a «táctica» empregue durante
a terapia poderá sofrer modificações de acordo Braier, E. A. (1986). Psicoterapia breve de orientação
com as necessidades surgidas. psicanalítica. São Paulo: Ed. Martins Fontes.
Foco - Material consciente e inconsciente do Leal, I. P. ( i 992). Psicologia da maternidade: Alguns
aspectos de teoria e prática de intervenção. Análise
paciente delimitado como área a ser trabalhada
Psicológica, 10 (2), 229-234.
no processo terapêutico através da avaliação e Lemgruber, V. B. ( I 987). Psicoterapia breve. A técnica
planeamento prévios. focal. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas.
Em Psicoterapia Breve define-se um objectivo Ribeiro, P. L. (1997) Psicoterapia breve: Um modelo
terapêutico razoável e circunscrito; a «alta» será integrado. Évora: Ed. SPPB.
decidida em função da resolução do conflito fo- Teixeira, J. A. C., & Leal, I. (1 990). Psicologia da Saú-
cal. de. Contexto e intervenção. Análise Psicológica, 8
Considera-se que as reacções em cadeia ini- (4), 453-458.
ciadas na terapia irão desplotar mecanismos in-
ternos com seguimento no futuro.
RESUMO

5 . CONCLUSÃO Este artigo apresenta um caso clínico ilustrativo da


intervenção psicológica numa Maternidade, particular-
Em jeito de conclusão pode dizer-se que se mente no Serviço de Obstetrícia, numa Óptica da Psi-
cologia da Saúde.
pretendeu com este trabalho, para além da apre-
Evidencia, por outro lado, a necessidade de ajustar
sentação de um caso clínico, ilustrar, através de- a intervenção psicoterapêutica a um modelo institucio-
le, o modo como Psicologia e Obstétricia (Psico- na1 utilizando concretamente pressupostos e técnicas
logia Clínica e Medicina) se podem intercruzar da Psicoterapia Breve Dinâmica.
numa zona de saberes entendida na Psicologia da Palavras-chave: Gravidez, ambivalência, psicotera-
Maternidade considerada enquanto área de inter- pia de apoio, instituição, modelo de intervenção.
venção dentro da Psicologia da Saúde não impli-
cando o entercruzamento dos dois discursos
(médico e psicológico) a perda de autonomia e ABSTRACT
individualidade de cada um mas a valorização e
complementaridade de ambos. Pretendeu-se ain- This article presents a clinical case ilustrating a
da evidenciar a necessidade de flexibilizar a no- psychological intervention in a Hospital, namely in the
obstetrics service, from the point of view of health
ção de intervenção psicoterapêutica ajustando-a
psychology.
as características específicas de uma instituição, On the other hand, it stresses the need to adjust the
concretamente a uma instituição Maternidade; psychotherapeutical intervention to an institucional
neste sentido, enfatizou-se ainda o modo como model, using in effect bases and techniques of Short-
alguns pressupostos e técnicas da Psicoterapia term Dynamic Psychotherapy.
Breve de Orientação Dinâmica podem ser eficaz- Key wouds: Pregnancy, duality, support psychothe-
mente utilizados no contexto referido. rapy, institution, intervention model.

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