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Laís Guaraldo1
Abstract – The easiness of digital graphic programs have A avaliação de Will Eisner, realizada em 2003, a
changed the scenario of creating graphic visual messages. respeito da solução visual criada por ele para o personagem
However, despite these new features, the dynamics between “Ébano”, em 1940, é o ponto de partida da reflexão proposta
the cliché and the new information involved in the aqui. Sessenta e três anos depois de criado o personagem
preparation of message implies a problem that will always jovem e negro que acompanha o investigador Spirit, o
be present, regardless of the tools one uses. The starting criador do gênero graphic novel manifesta sua preocupação
point of this article is a reflection made by Will Eisner in em relação às facilidades e riscos dos estereótipos:
2003, regarding the visual solution created by him for the
character Ebony, the companion of his well-known
character Spirit, the graphic novel he created in 1940. Sixty-
three years later, Eisner expressed his discomfort and
concern about the risks and easiness of stereotyping. Visual
communication usually works with easily recognizable signs.
However, it cannot do without the commitment to the
revitalization of the language, at the risk of losing
perception, which implies the recognition and teaching of
the function of aesthetics in the area of communication.
Os novos aparatos digitais criaram condições No prefácio da Graphic Novel também criada por
excepcionais para a criação de mensagens visuais gráficas, ele, Fagin, o Judeu, Eisner manifesta a sua intenção de
com programas e sites de busca que facilitam largamente mostrar o personagem judeu de Oliver Twist sob outro
pesquisas iconográficas, utilização e manipulação de enfoque, e explica seu antigo personagem Ébano como “um
referências visuais. No entanto, apesar dessas facilidades das jovem afro-americano” que faz “contraponto cômico” ao
ferramentas, no que diz respeito às estratégias expressivas, herói mascarado Spirit.
prolifera hoje em dia a estética (e muitas vezes a falta de “Naquele estágio de nossa história cultural, o uso deformado do
ética) do copy / paste sem critério e sem repertório, e o risco inglês, com base na origem étnica, era considerado humor.
da pasteurização permanece presente e merece a atenção dos Ébano falava o dialeto “negro” convencional, e seu humor leve
contrabalançava a frieza das histórias de crime. Na minha ânsia
pesquisadores e educadores que trabalham com expressão de atrair mais leitores, achei que tinha descoberto um bom
visual, pois são grandes as chances de disciplinas de filão.” [1]
comunicação visual despenderem boa parte de sua carga Eisner prossegue o seu relato, explicando que
horária lidando com o ensino de ferramentas sem entrar no depois de 1945, com a emergência dos movimentos pelos
mérito das problemáticas do campo expressivo das direitos civis, tomou maior consciência das implicações
linguagens em questão. Este artigo defende o ensino da sociais dos estereótipos de raça e passou a tratar Ébano com
comunicação visual focado na expressão e no repertório e mais cuidado. E aponta as edições originais de Oliver Twist
não apenas no domínio das ferramentas digitais, como se como exemplo inquestionável de difamação visual da figura
elas sozinhas produzissem mensagens. Como contribuição de judeus, que foi utilizada posteriormente de maneira
para esse enfoque, o artigo objetiva analisar as escolhas e os grotesca pelos nazistas.
vestígios da ação do comunicador visual, na intenção de “Na América do século XXI, lutamos contra o “perfil racial”.
selecionar e combinar os recursos que são próprios da Vivemos em uma era que requer dos criadores gráficos uma
enorme sensibilidade ante a injustiça dos estereótipos.” [2]
expressão visual gráfica, dando particular atenção ao
Eisner está se referindo às ilustrações de George
problema das escolhas que envolvem clichês.
Cruikshank, publicadas mensalmente entre 1837 e 1839.
Nessas imagens e no texto original, Fagin é mostrado como
Discussão
um judeu inescrupuloso e dinheirista.
1
Profa. Dra. Laís Guaraldo é professora e pesquisadora do departamento de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Brasil.
Atualmente está desenvolvendo pesquisa de pós doutorado na Universidade de Aveiro (Departamento de Comunicação e Arte), com apoio da FAPESP.
CENAS DO VÍDEO “MY AFRICAN MIND”, DE NÁSTIO MOSQUITO [14] Perniola, M. Contra a comunicação. 2005.
[15] Nástio M. Vídeo: My African Mind. http://vimeo.com/14764675
Eisner se valeu de um estereótipo de sua época e
reforçou o imaginário americano branco em relação aos
jovens negros da década de 40. Nástio Mosquito se
apropriou de um manancial de estereótipos dessa mesma
natureza, utilizados originalmente como “códigos fáceis”,
mas para tematizar a sua natureza preconceituosa.
O nome do livro de Otávio Paz, Signos em Rotação,
é talvez uma expressão que define um procedimento
recorrente, na produção contemporânea, que é a apropriação
e ressignificação de velhos memes. O cliché é uma unidade
engessada da memória. No entanto, artistas contemporâneos
como Nástio Mosquito se apropriam desses memes não de
forma passiva, mas problematizadora. Com esse
deslocamento, provoca reflexão (o que o cliché não faz).
Termino esse artigo fazendo referência a esse
trabalho de Nástio Mosquito com a intenção de reforçar a
importância da elaboração estética na área da comunicação.
É a função poética da linguagem que se caracteriza pela
mensagem carregada de significado, e acarreta uma ação de
ruptura em relação ao automatismo perceptivo e também
sensibilidade aos estereótipos de comportamento da cultura.
Num cenário atordoado pelas incessantes novidades
tecnológicas, cabe aos cursos de comunicação a educação
estética de seus alunos, para que a comunicação do futuro
seja mais problematizadora, efetiva e significante, no lugar
de apenas fazer repetir de maneira funcional as moedas
correntes dos valores conservadores. Para que não se festeje
a proliferação de novos aparatos tecnológicos para a
veiculação de velhos clichês.
REFERÊNCIAS
[1] Eisner, W. Faguin, o Judeu. 2003.