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O Assassinato Científico de um Revolucionário Sexual: Como os EUA

Interromperam a Utopia Orgásmica de Wilhelm Reich

Será que os EUA mataram o homem que queria tirar o stress de sexo e usar orgasmos
para curar o mundo?

Por Jason Louv


05 Setembro 2013, 2:15pm

Esse foi o maior incidente de perseguição científica da história norte-americana.

Em julho de 1947, o Dr. Wilhelm Reich — um psicanalista brilhante, porém, problemático


que já tinha sido o estudante mais promissor de Freud; que já havia enraivecido os nazistas e
os stalinistas bem como as comunidades psicanalíticas, médica e científica; que sobreviveu
a duas guerras mundiais e fugiu para Nova York — estava morrendo em sua cela numa
prisão em Lewisberg, Pensilvânia, acusado pelo governo de ser uma fraude médica engajada
num “golpe sexual”.

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Esse “golpe” um dia seria chamado de “revolução sexual”. Mas ainda era 1947 nos Estados
Unidos — um país que não estava nem pronto para a psicanálise, uma ciência ainda
nascente que a Harper's e o The New Republic categorizaram, juntamente com as teorias de
Reich, como sendo não melhores do que a astrologia (a Harper's tinha decidido que Reich
era o líder de um “novo culto de sexo e anarquia”).

Se o público norte-americano não estava pronto para o Dr. Freud, imagine para o Dr. Reich
— um homem que pesquisava a força energética do orgasmo em si em seu instituto
Orgonon, próximo de Rangely, Maine.

Reich tinha levado as teorias de Freud mais longe. Longe demais, de acordo com o FDA (a
Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos). Começando com a conexão de
Freud entre repressão sexual e neurose, Reich teorizou que era a inabilidade física de se
render ao orgasmo o que gerava a neurose e, por fim, levava as pessoas ao fascismo e ao
autoritarismo. Reich migrou da cura de Freud pela fala para algo chamado análise do
caráter, uma terapia criada para ajudar seus pacientes a superarem bloqueios físicos e
respiratórios que os impediam de experienciar o prazer. Finalmente, ele afirmou que o
orgasmo era uma expressão do orgônio, uma força cheia de alegria da própria vida. Com
aparelhos do tamanho de cabines telefônicas chamados acumuladores de orgônio, ele
aproveitaria essa força para curar a neurose, doenças e até para afetar o clima e ajudar a
agricultura.

Por causa dessas linhas de pesquisa, o FDA exigiu que Reich comparecesse ao tribunal para
defender a si mesmo em 1954. Ele se recusou, afirmando que alegações da verdade
científica deveriam ser resolvidas pela experiência, não num tribunal. O tribunal respondeu
emitindo uma liminar contra a venda e transporte de seus aparelhos através das fronteiras
dos estados e passou a queimar sistematicamente seus livros e periódicos. Não apenas o
trabalho escrito de Reich, mas qualquer material escrito que contivesse a palavra “orgônio”
deveria ser destruído (paranoico e encurralado, Reich recusou a ajuda oferecida pela ACLU,
a União Americana pelas Liberdades Civis, acreditando que a organização estava cheia de
comunistas subversivos). Agentes da FDA também destruíram seus aparelhos e laboratório
com machados — mas isso não foi tudo. A FDA levaria a perseguição da psicanálise
austríaca muito mais longe.

O que havia nesse homem e em suas teorias que evocou o ódio de quase toda facção política
e científica de sua época? O que havia em sua “revolução sexual” que valeu um arquivo do
FBI de 789 páginas sobre Wilhelm Reich? O que provocou uma campanha sistemática de
ataques que dificilmente faria pensar na América sã e racional que tinha acabado de vencer
uma guerra contra os nazistas queimadores de livros — ataques que fariam lembrar a
Inquisição, a morte de Giordano Bruno na fogueira ou o final de Frankenstein, com aldeões
enraivecidos segurando tochas e forcados queimando o castelo do cientista louco?

O Combate Sexual da Juventude

Reich nasceu em 24 de março de 1897, numa fazenda na Galícia, Áustria-Hungria, no que


hoje é a Ucrânia. Ele abraçou sua sexualidade bem cedo, tentando, sem sucesso, fazer sexo
com a babá de seu irmão quando tinha quatro anos e meio, e finalmente conseguindo com a
cozinheira da família aos 11. Aos 12, Reich descobriu sua mãe fazendo sexo com um de
seus tutores. Quando ele contou ao pai, o homem espancou repetidamente a mãe de Reich
até que ela cometesse suicídio. Reich se culpou pelo caso.

Dos 15 aos 17, ele fez diversas visitas a bordéis e registraria fantasias sexualizadas com sua
mãe em seu diário aos 22 anos (naquele mesmo ano, ele conheceu Sigmund Freud, cujas
teorias do complexo de Édipo podem ter influenciado essa confissão). Lore Reich Rubin, a
segunda filha de Reich, diria mais tarde ao jornalista Christopher Turner que acreditava que
Reich tinha sido vítima de abuso sexual na infância.

Enviado para o Exército durante a Primeira Guerra Mundial, Reich viu “a desumanidade do
homem para com o homem” em primeira mão na frente italiana. Depois disso, ele estudou
medicina na Universidade de Viena, onde ficou insatisfeito com o que considerava uma
abordagem “mecanicista” da vida na dissecação fria de cadáveres por seus colegas
estudantes. Assim, ele começou uma busca pela energia criativa que sentia como sendo
subjacente à vida. Em1919, ele conheceu Sigmund Freud. Bem recebido no movimento
psicanalítico em expansão, Reich recebeu a permissão para começar a atender pacientes aos
22 anos — ele logo ficaria marcado como o pupilo estrela de Freud, alguém talvez
destinado à liderança.

Freud tinha identificado a raiz da neurose na sexualidade reprimida e a força motora da vida
como sendo a libido — afirmando que “nenhuma neurose é possível com um vita sexualis
normal”. Seus dois grandes estudantes, Jung e Reich, deveriam levar sua teoria mais longe.
Entretanto, enquanto Jung abordaria o caminho da mitologia, simbolismo e do oculto, Reich
se aventuraria numa direção completamente diferente: o corpo.

Para além do reino da repressão psíquica, Reich postulou que o trauma também era
reprimido fisicamente. Uma criança que sofreu abuso, por exemplo, e que não possuía o
desenvolvimento emocional para processar tal evento, iria “armazenar” o trauma como
tensão muscular, o que poderia causar dores crônicas mais tarde na vida e formar o físico e
o caráter geral do indivíduo, sua abordagem para a existência. Reich acreditava que o
caráter fascista era criado por um trauma inicial e que uma atitude repressiva ou abusiva
para com a sexualidade se manifestava como uma “rigidez” física e emocional na vida
adulta — Reich se preocupava com nada menos do que a erradicação do fascismo e do
autoritarismo.

A abordagem de Reich da terapia, portanto, iria além da simples cura pela fala: ele também
usaria massagens profundas e frequentemente dolorosas nas áreas de tensão muscular do
paciente para liberar o trauma enterrado e trabalhar com os pacientes para aprofundar sua
respiração e expressar suas emoções ignoradas, até mesmo sua raiva reprimida. Foi essa
abordagem, combinada à atitude pró-sexualidade de Reich, que escandalizou o público e
colocou sua carreira num foguete para lugar nenhum. (Embora bastante conservador em
algumas áreas — ele se opunha à pornografia e à homossexualidade, por exemplo — Reich
teve casos com várias pacientes no começo de sua carreira, ao final das terapias. Isso não
era incomum nos primórdios da psicanálise; mesmo Freud discutiu a inevitabilidade dos
casos amorosos. Em sua busca por liberar a energia da vida, Reich mais tarde receberia
pacientes parcialmente ou totalmente despidos, quebrando totalmente a neutralidade
analítica).

Reich logo descobriu que trabalhar os bloqueios tanto na psique quanto na musculatura
poderia criar uma imensa liberação emocional em seus pacientes, desencadeando inclusive
sentimentos de exaltação física e êxtase (Reich chamou essas sensações físicas de “correntes
orgonóticas”). Conforme sua prática continuou, ele veio a teorizar que, abaixo das camadas
de repressão muscular, havia o que ele chamava de “potência orgástica” e que era a
repressão muscular que blindava seus pacientes da total liberação orgástica — uma
experiência completa de vida.
Um diagrama do funcionamento reativo e econômico-sexual do livro A Função do
Orgasmo.

Em 1948, ele codificaria sua teoria em sua maior obra, A Função do Orgasmo, na qual
afirmava que o orgasmo existia não somente como função reprodutiva, mas como uma
maneira de o corpo regular a tensão e atingir a liberação emocional. A total liberação
orgástica — na qual o indivíduo não procura reprimir a função de forma física e psicológica
— era vista por Reich como uma chave para a saúde mental. Como ele escreveu no livro:
“Doenças psíquicas são o resultado de distúrbios na capacidade natural de amar” (Reich se
casaria e se divorciaria três vezes — com a psiquiatra e ex-paciente Annie Pink, de 1924 a
1934, com quem ele teve duas filhas; com a dançarina Elsa Lindenberg, com quem ele teve
um casamento aberto de 1933 até 1939, e com Ilse Ollendorff, com quem teve um filho,
Peter, de 1946 a 1951. Paradoxalmente, Reich é lembrado como sendo cruel, infiel e
ciumento em seus relacionamentos).

Freud era ambivalente sobre as ideias de seu discípulo. Em 1926, ele escreveu: “Não me
oponho de maneira alguma à sua tentativa de resolver o problema da neurastenia explicando
isso com base na ausência de primazia sexual”. No entanto, ele retirou seu apoio às teorias
mais extremas de Reich dentro da comunidade psicanalítica mais ampla, talvez pensando na
preservação de suas próprias vitórias culturais duramente conquistadas no campo da
sexualidade. Sem o apoio de Freud, a comunidade psicanalítica logo lavou as mãos sobre o
jovem analista.

Então, as coisas deram uma guinada para pior para Reich. Lutando com as reações
contrárias a ele durante 1926, ele pediu para ser analisado por Freud. Seu mentor e figura
paterna recusou seu pedido de ajuda. Reich ficou profundamente magoado. Logo em
seguida, seu irmão morreu de tuberculose; Reich também contraiu a doença e passou um
ano num sanatório em Davos, Suíça. Chocado por essa sequência de eventos, ele se tornou
um radical e logo se juntou ao Partido Comunista. Testemunhando pessoalmente quando a
polícia indiscriminadamente matou 84 trabalhadores e feriu 600 na Revolta de Julho de
1927, em Viena, Reich se convenceu de que havia algo muito errado com o mundo. A
polícia não havia sido somente brutal, segundo ele observou, mas robótica, como se
estivesse num transe — blindados.

Trabalhando nas ruas, Reich fez a conexão entre a repressão sexual com a repressão
econômica que via ao redor. Ele abriu diversas clínicas em Viena, oferecendo análise, assim
como educação sexual e contraceptivos para jovens da classe trabalhadora (na época, os
liberais defendiam o uso de contraceptivos somente para pessoas casadas).
Reich com sua primeira esposa, Annie, que o conheceu como paciente aos 18 anos.

ELE ARGUMENTOU FORTEMENTE CONTRA A MONOGAMIA, DEFENDENDO


“RELACIONAMENTOS AMOROSOS DURADOUROS” QUE NÃO ESTAVAM
CODIFICADOS PELA LEI, MAS UNIDOS PELO AMOR.
Reich se mudou para Berlim em 1930, bem em tempo de testemunhar a ascensão dos
nazistas – o ápice da blindagem de caráter. No entanto, apesar de continuar a desenvolver
suas teorias e a escrever os comunistas também mostravam pouco interesse por seu material.
Seu contrato com os Editores Psicanalíticos Internacionais foi cancelado depois que ele
começou a defender a educação sexual e os contraceptivos para adolescentes em vez da
abstinência – ele chegou a sugerir que a expressão sexual desmistificada para crianças podia
ser crucial para criar adultos saudáveis e que suas perguntas deveriam ser respondidas de
maneira franca. Em 1932, num livro chamado O Combate Sexual da Juventude, o Dr. Reich
protestou contra as mensagens mistas sob as quais os adolescentes lutavam para entender
sua sexualidade.

“Os jovens são contaminados por um lado por moralistas e defensores da abstinência e, por
outro lado, pela literatura pornográfica”, escreveu. “Ambas as influências são extremamente
perigosas, a última não menos do que a primeira.” Naquele momento, na Alemanha, as
apostas eram altas, observou o psiquiatra aos 27 anos: “A miséria sexual dos jovens
modernos é imensurável, mas muito disso está fora de vista, abaixo da superfície”. Seus
oponentes tomaram essa declaração com o significado de que as crianças deveriam assistir o
coito dos pais, apesar de Reich jamais ter defendido isso.

Ele persistiu, argumentando fortemente contra a monogamia e defendendo “relacionamentos


amorosos duradouros” que não seriam codificados pela lei, mas unidos pelo amor; qualquer
outra coisa levaria a um “embotamento sexual”. Ele atacou o status de dependência
econômica das mulheres, que as mantinha presas em casamentos forçados. E, o mais radical
de tudo, ele sugeriu que as crianças deviam ser criadas por uma comunidade estendida,
libertando-as, assim, das neuroses de seus país biológicos. (Essas atitudes eram até certo
ponto influenciadas por experimentos sociais similares que ocorriam na União Soviética.)

Dr. Reich estava entrando num território tabu que poucos ousaram violar, um território que
permaneceria tabu até muito depois dele. Mas suas experimentações – e, particularmente, a
resposta que ele engendrou – o mudaram, para melhor ou pior. Quando ele se encontrou
com Freud novamente em 1930, seu ex-mentor parecia agora diminuído. Dr. Freud,
escreveu ele, era um “animal enjaulado”.

Em 1933, a postura sexual do Dr. Reich levou os nazistas a uma ação. Ele e sua amante
escaparam para a Dinamarca – para serem expulsos pelo Partido Comunista Dinamarquês.
Então, eles partiram para a Suécia, onde Reich foi colocado sob vigilância; depois de a
polícia ver vários pacientes entrando e saindo de seu hotel, eles ficaram convencidos de que
ele era um cafetão. As autoridades negaram sua permanência no país. Mais choques se
seguiriam: não só seu contrato de publicação do livro Análise de Caráter tinha sido
cancelado, como, em 1934, quando ele apareceu na conferência anual da Associação
Internacional de Psicanálise em Lucerna, ele foi informado que tinha sido expulso no ano
anterior. Como convidado, ele apresentou um trabalho na conferência, mas o episódio
marcou o fim de seus laços com a comunidade científica predominante para sempre.

“Disseram-me que meu trabalho em psicologia de massas, que era direcionado contra a
irracionalidade do fascismo, tinha me colocado numa posição demasiada exposta”, ele
escreveria mais tarde. “Por isso, minha filiação [...] não era mais sustentável. Quatro anos
mais tarde, Freud fugiu de Viena por Londres, onde os grupos de psicanálise foram
destruídos pelos fascistas [...] Subsequentemente, evitei contato com meus antigos colegas.
O comportamento deles não era nem melhor nem pior do que o normal em casos assim. Isso
era baixo e desinteressante. Uma boa dose de banalidade é tudo o que é preciso para abafar
um assunto.”

Discussão na conferência de Lucerna, agosto de 1934: Erwin Stengel, Grete Bibring,


Rudolph Lowenstein e Wilhelm Reich.

“Consegui um Acumulador de Orgônio – E Isso Fez Eu me Sentir Incrível”

Foi na Noruega, onde ele se estabeleceu nos cinco anos seguintes, que o Dr. Reich
desenvolveu uma nova teoria: ele passou a acreditar que o orgasmo carregava uma energia
real, batizada de orgônio e expressa não somente pela resposta orgásmica, mas, na verdade,
na energia vital em si. Essa energia, em sua visão, permeava a natureza e o cosmos,
expressando-se em fenômenos atmosféricos como a aurora boreal. (Freud tinha postulado
uma teoria semelhante em 1890, mas desistiu da ideia.) Mais tarde, o Dr. Reich afirmou que
o orgônio poderia ser observado de forma objetiva e que era composto de partículas azuis
chamadas bions que ele havia observado no microscópio. Essa talvez seja a teoria mais
controversa de Reich – uma tentativa de mover a psicanálise para além do reino das
“ciências humanas” e direcioná-la para o campo da física e da biologia. Para a comunidade
de psicanálise, isso era pura heresia.

Depois de enfurecer os psicanalistas, os comunistas e os fascistas, Dr. Reich agora se


preparava para enfrentar o ataque direto da comunidade científica como um todo. Cientistas
noruegueses travaram uma guerra contra ele na imprensa liberal, rejeitando sua pesquisa (e
se recusando a submetê-la a um estudo detalhado de controle) e buscando deportá-lo. O
governo norueguês, que já tinha sido criticado por deportar Trotsky, permitiu a estadia de
Reich – mas o proibiu de praticar a psicanálise.
Quando a Segunda Guerra Mundial estourou, Reich, então com 36 anos, fugiu para os
Estados Unidos, estabelecendo residência em Forest Hills, Queens, e realizando
experiências onde injetava bions em ratos com câncer. Mas Reich continuou a ser um ímã
de infortúnio. No dia 12 de dezembro de 1941, cinco dias antes do ataque a Pearl Harbor e
um dia depois que a Alemanha declarou guerra aos Estados Unidos, ele foi preso pelo FBI
na Ilha Ellis. Mais tarde, isso se revelou um caso de identidade trocada com um dono de
livraria comunista de New Jersey também chamado Wilhelm Reich – mas o FBI só iria
reconhecer o erro dois anos depois, em novembro de 1943. Pelo resto daquele mês, Reich
foi deixado dormindo no chão da cela juntamente com os membros presos do Bund
Germano-Americano, uma organização nazista norte-americana que Reich estava
convencido que queria matá-lo.

O FBI liberou Reich depois que ele ameaçou começar uma greve de fome, mas ele
continuou na “lista de figuras chave” da Unidade de Controle de Inimigos Estrangeiros e
ficou sob vigilância do Estado. O incidente demonstrou a Reich que ele podia ter deixado a
Europa para trás, mas que não havia escapatória da psicologia de massas do fascismo.

Reich se tornou mais comprometido do que nunca com a causa de quebrar a blindagem
emocional da humanidade. Em seguida, ele começaria a projetar o que se tornaria sua maior
controvérsia: uma tentativa de aproveitar e concentrar orgônio com gaiolas de Faraday
adaptadas, que ele chamou de acumuladores de orgônio. Isolados com materiais orgânicos
como madeira e papel, o que Reich acreditava que forçava a energia do orgônio a oscilar
dentro da caixa, o acumulador, segundo ele, podia curar distúrbios mentais e físicos –
potencialmente até o câncer. No dia 13 de janeiro de 1941, Reich levou o dispositivo até
Albert Einstein, que o testou entusiasmadamente e notou que os acumuladores criavam um
aumento de temperatura. Mas quando o assistente de Einstein, o físico polonês Leopold
Infeld, sugeriu que o acumulador de orgônio estava produzindo calor simplesmente por
causa do gradiente térmico da sala, já que isso era elevado do chão, Einstein rejeitou as
caixas e se recusou completamente a admitir novos testes com elas. Para Reich, isso foi um
eco amargo da rejeição de Freud, o desprezo de outro guardião estabelecido e potencial
figura paterna.

Reich adquiriu terras em Rangely, Maine, e abriu seu instituto “Orgonon”, onde ele
continuaria suas pesquisas. Além do orgônio, ele identificou uma segunda força – a DOR ou
“Deadly Orgone Radiation” (“Radiação Mortal de Orgônio”), um tipo de antimatéria
orgásmica presente na (e responsável pela) degradação ambiental, que ele acreditava cobrir
o mundo. Ele logo passou a ver seu trabalho em oposição direta ao que o governo norte-
americano tinha feito em Hiroshima e Nagasaki: ele estava numa corrida armamentista pela
energia da vida, não pela energia da morte.
Foi aí que Reich começou a construir enormes armas de orgônio que ele chamava de
“cloudbusters” e que, segundo ele, podiam reverter a desertificação e criar chuva. Apesar de
o governo usar a tecnologia de semeadura de nuvens desde os anos 1940 para tirar água de
nuvens com iodeto de prata ou gelo seco, Reich usou uma abordagem menos convencional.
Sua técnica de semeadura de nuvens pretendia tirar energia “ôrgonica” diretamente da
atmosfera através de uma série de canos e depositá-la no solo ou num corpo de água, como
um para-raios, criando nuvens na esteira do orgônio canalizado. Fazendeiros começaram a
pagar para que ele produzisse chuva para suas plantações – supostamente com sucesso, pelo
menos de acordo com os seus próprios relatórios.

Durante essa época, Reich afirmou que seus experimentos com as cloudbusters tinham
gerado interesse de visitantes inesperados: ele acreditava que OVNIs alienígenas, ou “alfas
de energia” na terminologia de Reich, estavam atacando a terra com DOR. Reich disse ter
visto várias naves alienígenas sobre o Orgonon; uma vez, segundo o analista, ele e seu filho
usaram uma cloudbuster para defender a Terra numa “batalha interplanetária em larga
escala” no Arizona.

A resposta do FDA aos empreendimentos de Reich foi declará-lo uma “fraude de primeira
magnitude” e obter uma liminar proibindo o envio interestadual de acumuladores de orgônio
e qualquer literatura relacionada. Quando um dos associados de Reich desobedeceu a
liminar, contra a vontade de Reich, e transportou um acumulador através das fronteiras
estaduais, Reich foi preso por desacato e sentenciado a dois anos de cadeia.

Reich sendo escoltado para a Penitenciária Federal de Lewisburg, março de 1957.

Na Prisão Federal de Lewisburg, Reich ficou conhecido entre os outros prisioneiros como o
“homem da caixa de sexo”. Em novembro de 1957, aos 60 anos, ele morreu de ataque
cardíaco, dias antes de ser colocado em liberdade condicional. Nenhuma publicação
psiquiátrica ou científica cobriu seu falecimento. Além de alguns jornais anarquistas, seu
trabalho ganhou um obituário de apenas um parágrafo na Time:

“Faleceu. Wilhelm Reich, 60 anos, psicanalista outrora famoso, depois, mais conhecido por
suas teorias não ortodoxas sobre sexo e energia; de ataque cardíaco; na Penitenciária Federal
de Lewisburg, Pensilvânia; onde ele cumpria uma pena de dois anos por distribuir sua
invenção, o 'acumulador de orgônio' (violando uma liminar do FDA), um aparelho do
tamanho de uma cabine telefônica que supostamente reuniria energia da atmosfera e podia
curar, quando o paciente se sentava dentro dele, gripes comuns, câncer e impotência.”
Uma década depois, no meio dos anos 1960, a Time ponderou que “Dr. Wilhelm Reich
talvez tenha sido um profeta”, e “Agora, às vezes, parece que toda a América é uma grande
caixa de orgônio”. Mas, em 1957, o mundo pouco se importou. Em vez de testar suas teorias
ou simplesmente descartá-las, a FDA queimou Reich numa grande fogueira.

Eu Ainda Sonho com Orgonon

Em sua busca por desenterrar as raízes das neuroses sexuais da humanidade, Reich desafiou
quase todo o tabu da civilização ocidental, enfureceu quase toda força estabelecida da época
e morreu na prisão por seus esforços. No entanto, sua influência pode ser ainda maior do
que geralmente é creditado a ele.

Enquanto Reich definhava na prisão, a revolução sexual que ele tinha ajudado a iniciar
estava começando a se manifestar. Elvis fez sua estreia na TV em 1956, mexendo seus
quadris de uma maneira que, decididamente, irradiava orgônio, demonstrando o tipo de
libertação de blindagem de caráter que Reich provavelmente queria de seus pacientes. No
meio dos anos 1960, com o lançamento da pílula anticoncepcional, a revolução sexual
estava em pleno andamento. (Aliás, “revolução sexual” é um termo cunhado por Reich.)

“QUANDO ENTREI NO ACUMULADOR E ME SENTEI, NOTEI UM SILÊNCIO


ESPECIAL QUE, ÀS VEZES, SE SENTE NAS FLORESTAS PROFUNDAS [...] MINHA
PELE ARREPIOU E EXPERIMENTEI UM EFEITO AFRODISÍACO SIMILAR AO DE
UMA ERVA BOA E FORTE. O ORGÔNIO É DEFINITIVAMENTE UMA FORÇA
COMO A ELETRICIDADE.” – WILLIAM S. BURROUGHS
Estudantes que participavam dos protestos em Paris e Berlim em 1968 jogavam cópias do
Psicologia de Massas do Fascismo de Reich nos capacetes dos policiais. Jack Kerouac e
Allen Ginsberg abraçaram as teorias de Reich; William S. Burroughs investigou os
acumuladores de orgônio por anos e escreveu extensivamente sobre eles em seu trabalho.
Ele chegou mesmo a construir sua própria caixa acumuladora, onde ele entrava para
escrever (enquanto fumava haxixe).

“Quando entrei no acumulador e me sentei, notei um silêncio especial que às vezes se


experimenta nas florestas profundas, às vezes numa rua da cidade, um zumbido que é mais
vibração rítmica do que um som”, escreveu ele em Junky. “Minha pele arrepiou e
experimentei um efeito afrodisíaco similar ao de uma erva boa e forte. Não há dúvida, o
orgônio é uma força definitiva como a eletricidade. Depois de usar o acumulador por vários
dias, minha energia voltou ao normal. Comecei a comer e não consegui dormir mais de oito
horas. Eu estava no período pós-cura.” Assim como fez com a ayahuasca, Burroughs tentou
curar a si mesmo do vício em heroína e da síndrome de abstinência com o acumulador.
(Apesar de tentar quase todas as curas para vício em heroína do planeta, Burroughs nunca
conseguiu permanecer limpo por muito tempo e morreu num programa de manutenção com
metadona.)

Kurt Cobain visitou William Burroughs em 1993. “Sentei na máquina de orgônio e havia
viúvas negras lá dentro, ele [Burroughs] ainda tinha uma e eu estava com medo, porque
tenho aracnofobia. Ele teve que matar todas as aranhas para mim.”

Saul Bellow, J.D. Salinger, Michael Foucault e Norman Mailer também desenterraram
Reich; como Burroughs, Mailer construiu seus próprios acumuladores e saiu em busca de
liberar a si mesmo por meio do que ele descreveu como um “orgasmo apocalíptico” – em
seu ensaio “The White Negro”, Mailer fala do antiautoritário como aquele que “busca amor
[...] amor como a busca de um orgasmo mais apocalíptico do que aquele que o precedeu”.
Mesmo Sean Connery mergulhava em orgônio em seu próprio acumulador enquanto
filmava alguns de seus filmes do James Bond.

O New York Times, numa crítica literária de A Psicologia de Massas do Fascismo, pediu
uma reavaliação séria do trabalho do analista. Reich logo ficou tão em moda entre os
intelectuais que, em 1968, Roger Vadim atormentou Jane Fonda com uma máquina do
prazer criadora de orgônio em Barbarella, e Woody Allen fez uma paródia do acumulador
de orgônio como o “Orgasmatron” em O Dorminhoco, de 1973. Quase uma década depois,
Kate Bush e Terry Gilliam contariam a história de Reich no vídeo “Cloudbusting” de Bush,
onde Donald Sutherland interpreta Reich e Bush faz o papel de seu filho Peter.

Clipe de “Cloudbusting” de Kate Bush, 1986, dirigido por Julian Doyle e concebido por
Bush e Terry Gilliam.
A ambivalência compreensível da disciplina psicanalítica sobre Reich não tinha mudado,
mas a cultura sim. As ideias de Reich encontraram um interesse mais amplo. Como Norman
Mailer resumiria depois para seu analista Walter Kendrick: “O que era importante para mim
era a força, a clareza, o poder dos primeiros trabalhos [de Reich] e a audácia. E também o
fato de que acredito, num sentido básico, que ele estava certo”.

As ideias de Reich nunca foram reavaliadas pela comunidade científica – nem pelos
psicanalistas, que ainda o consideram uma mácula em sua história. Ainda assim, suas ideias
terapêuticas se infiltraram numa comunidade psicanalítica mais ampla e tomaram novas
formas, sob novos nomes, contribuindo para a psicologia corporal, psicologia do ego, a
terapia Gestalt de Fritz Perls (que tenta tratar o paciente como um todo, não só seus
sintomas individuais) e a terapia do grito primal de Janov (que, como a terapia de Reich,
utiliza o grito e a vocalização para abrir a blindagem do paciente).
Em muitos aspectos, a influência de Reich pode ser detectada de modo mais flagrante na
grande variedade de terapias corporais de “bem-estar” e mesmo na grande popularidade da
massagem e da ioga. A ideia de Reich de que o homem era pego na “armadilha” da
blindagem de seu próprio caráter encontrou um lar nos movimentos nascentes da Nova Era
e do Potencial Humano.

A casa, laboratório e escola de Wilhelm Reich é agora um museu em Rangeley, Maine. A


antena astrolábio (esquerda) está montada no topo do observatório para detectar Energia de
Orgônio. O lago Rangeley pode ser visto abaixo. Uma das “cloudbusters” de Reich (direita),
no observatório. Fotos por Michael Kassner, CLUI.

Os livros de Reich continuam sendo publicados pela Farrar, Strauss e Giroux, e o American
College of Orgonomy, em Princeton, Nova Jersey, continua sua linha de pesquisa,
publicando o Journal of Orgonomy, realizando palestras públicas e oferecendo aulas de
sensibilização. Terapeutas reichianos, apesar de em número cada vez menor, continuam a
praticar suas ideias. O mundo dos reichianos, no entanto, continua fechado, seja por falta de
interesse do público ou pela mentalidade de cerco dos defensores restantes de Reich. Alguns
reichianos desonestos, como James De Meo, continuam a tentar novos experimentos, mas
gerando cada vez menos publicidade. Os arquivos do Dr. Reich são mantidos pela Wilhelm
Reich Infant Trust no Orgonon. Seu local de descanso final está na propriedade de 175 acres
de floresta. O local é aberto a visitas.

Apenas 50 anos depois da revolução sexual que Reich previu, vivemos numa sociedade
hiperssexualizada – um lugar onde somos constantemente barrados pelo oposto de repressão
sexual. Tudo à nossa volta parece dificilmente acumular algum orgônio – propaganda,
música pop, televisão, revistas, pornografia na internet.

Mas mesmo que a humanidade do século XXI possa parecer mais sexualmente liberada,
Reich provavelmente teria visto o superestímulo da mídia como somente outra forma de
“fugir” do contato amoroso com outro ser humano. Fervorosamente contra a pornografia,
Reich talvez enxergasse uma civilização debruçada sobre computadores e bancadas de
fábricas exploradoras, trocando a conexão com o físico pela conexão com um smathphone, e
concluiria que a “praga emocional” continua viva e bem. Talvez ele enxergasse uma
população mais blindada do que nunca, imersa num ambiente cheio de variantes da DOR,
fora de contato com a vida, e necessitando talvez de uma liberação sexual completamente
nova – um retorno ao mundo físico.

Jason Louv dirige o blog futurista Ultraculture.org, e canaliza dados do lado negro no
@jasonlouv.

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