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Resumo: Este trabalho visa discutir o envelhecimento feminino na perspectiva dos Estudos Culturais, refletindo acerca
dos discursos que circulam em nossa sociedade – aqueles que informam novas possibilidades de vivenciar a velhice e os
que reiteram concepções já conhecidas. O referencial teórico será articulado à análise do seriado “Grace and Frankie”
(2015), cujo enredo gira em torno de duas mulheres na faixa dos setenta anos, recém divorciadas. A série aborda
questões relativas ao envelhecimento feminino, como as transformações corporais que ocorrem nesse processo e a
vivência da sexualidade na velhice. Parte-se da compreensão de que a cultura é objeto de disputa, pois é através dela
que se disseminam os saberes considerados legítimos em nossa sociedade. Os discursos hegemônicos sobre o
envelhecimento feminino enquadram as mulheres em um aparato regulatório, ditando regras de autocuidado e
gerenciamento da saúde e promovendo certos estilos de vida e comportamentos. Presenciamos também o surgimento de
discursos que apresentam novos olhares sobre o envelhecimento. A análise do seriado, enquanto artefato cultural, pode
contribuir para a problematização de algumas questões. Este trabalho busca debater, principalmente no que diz respeito
ao corpo e à sexualidade, de que modo a velhice feminina retratada em “Grace and Frankie” está ou não capturada pelos
discursos hegemônicos, além de discutir as possíveis resistências e novas possibilidades de vivenciar a velhice
apresentadas na série.
Introdução
Este artigo visa discutir o envelhecimento feminino na perspectiva dos Estudos Culturais
tendo como foco discursos que têm circulado em nossa sociedade acerca dos modos de envelhecer,
sobretudo na mídia. O referencial teórico será articulado a uma análise da série americana “Grace e
Frankie”2, buscando discuti-la e problematizá-la enquanto um artefato cultural e, assim sendo,
transmissora e elaboradora de discursos que informam os significados que fundamentam as
percepções sociais acerca do envelhecimento. Na contemporaneidade assistimos a uma proliferação
de discursos acerca da velhice, sobre quem é esse sujeito que envelhece, sua saúde e seu corpo;
discursos que produzem verdades acerca dos sujeitos idosos e idosas ao enquadrá-los, ditar regras
de autocuidado e de gerenciamento de sua saúde, promovendo determinado estilo de vida e
comportamento.
“Grace e Frankie” é uma série de comédia disponibilizada através do serviço por assinatura
de transmissão online de filmes e séries, Netflix. Lançada em 2015, possui, atualmente, três
temporadas com trinta e nove episódios ao todo. A história gira em torno de Grace (interpretada
1
Mestranda em Estudos Culturais na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-
USP), São Paulo, Brasil.
2
“Grace and Frankie”, 2015-2017. Produção, realização e distribuição de Netflix. Criada por Marta Kauffman e
Howard J. Morris.
1
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pela atriz Jane Fonda, 79 anos) e Frankie (vivida por Lily Tomlin, 77 anos), duas mulheres com mais
de setenta anos de idade que, depois que seus respectivos casamentos acabam, passam a morar na
mesma casa. A série tem como foco a relação de amizade que se desenvolve entre as duas,
acompanhando seu cotidiano e abordando questões próprias do processo de envelhecimento, como
as transformações corporais e sociais imbricadas nesse processo, além de temas que fazem parte da
vida de pessoas de qualquer idade, como sexualidade e relacionamentos.
Ao abordar essas temáticas através do humor, “Grace e Frankie” se constitui como um
espaço que rompe com parte dos discursos hegemônicos acerca dessa fase da vida. Nesse sentido, a
comédia e o humor se tornam artifícios para tratar de questões da velhice até então pouco discutidas
abertamente e também como um modo de romper com determinados estereótipos e preconceitos,
inserindo-se em um contexto no qual as mulheres idosas “se destacam hoje, mais além da imagem
tradicional de ranzinzas ou de doces vovozinhas, como mais dinâmicas, saudáveis, livres, sexuadas
e criativas do que as de sua geração em épocas anteriores” (Britto da Motta, 2011, p. 14).
Parte-se da compreensão de que a velhice é uma “categoria socialmente produzida” (Debert,
1994, p. 8). Nesse sentido, é através da cultura que as sociedades significam as transformações
biológicas pelas quais o corpo passa ao longo do processo de envelhecimento. Além disso, a velhice
é uma categoria que se intersecciona com outras, como classe social, gênero e raça/etnia (Britto da
Motta, 2000).
Entende-se a cultura na perspectiva dos Estudos Culturais, como um sistema de
significações através do qual “uma dada ordem social é comunicada, reproduzida, vivenciada e
estudada” (Williams, 1992, p. 13). Nesse sentido, a cultura também constitui um “campo de luta em
torno da significação social” (Silva, 2005, p, 133), ou seja, os grupos existentes na sociedade
disputam pelo poder de determinar os significados sociais hegemônicos através do campo cultural.
Assim, as disputas em torno da cultura são também disputas pelos saberes considerados legítimos
em nossa sociedade. Os artefatos culturais – aqui compreendidos como produtos da ação e criação
do ser humano através da cultura (por exemplo, filmes, músicas, literatura) – constituem-se como
um “meio de acesso a formas de compreensão e interpretação das visões de mundo dos sujeitos e
das teias culturais em que eles estão inseridos” (Barbosa & Cunha, 2006, p. 53-54).
Os discursos humorísticos também fazem parte do repertório do “regime de verdades” que
se constituem acerca de determinados temas. O humor, inserido em um contexto social, cultural e
político, “está, inevitavelmente, vinculado às relações de poder entre indivíduos e grupos” (Gilbert,
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2004, p. 13, tradução minha). A série aqui analisada apresenta um humor feito por mulheres3 e
sobre mulheres, um tipo de humor que, historicamente, foi marginalizado:
Para as mulheres sempre foi uma luta e não um direito naturalmente concebido o de
protagonizar espaços de fala e o fazer humor, nada mais é que ser protagonista, assumir o
controle e, de certo modo, o domínio de um campo que tem sido concebido, desde sempre,
como masculino. Uma série de discursos tem construído e naturalizado a inaptidão das
mulheres para a produção de humor em toda e qualquer modalidade, o que tem relação
direta com a invisibilização do humor produzido por elas (CRESCÊNCIO, 2016, p. 117).
Além disso, tratam-se de mulheres idosas protagonizando a série, muitas vezes utilizando a
“retórica da vítima” (Gilbert, 2004). Essa característica do humor marginal opera “em um ato
simultaneamente opressivo (usando estereótipos degradantes) e transgressivo (interrogando esses
mesmos estereótipos através do discurso humorístico)” (Gilbert, 2004, p. 138, tradução minha).
Nesse sentido, ao se apropriar de determinados estereótipos associados ao envelhecimento, a série
constitui um espaço de reformulação dos significados hegemônicos atribuídos à velhice e às
mulheres velhas.
Envelhecimento contemporâneo
3
Considera-se aqui que “fazer humor” não se limita a escrever, desenhar ou interpretar o próprio texto (como pode ser o
caso da comédia stand-up, da literatura, quadrinhos e/ou charges de humor), mas também a representação de um papel e
interpretação de um roteiro previamente escrito por outras pessoas. Jane Fonda e Lily Tomlin, portanto, na série aqui
debatida, são duas mulheres – atrizes – fazendo humor.
3
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uma ressignificação das práticas e comportamentos dos idosos e da reavaliação do que significa
envelhecer (Debert, 1997).
De acordo com Butler (2015, p. 21), “uma vida tem que ser inteligível como uma vida, tem
de se conformar a certas concepções do que é a vida, a fim de se tornar reconhecível”. Nesse
sentido, não é qualquer vida que é considerada válida. Esse mecanismo de exclusão opera ao
determinar quem é considerado sujeito, “mediante a criação de um domínio de sujeitos
desautorizados, pré-sujeitos, representações de degradação, populações apagadas da vista” (Butler,
1998, p. 22). Os enquadramentos, no caso da velhice, podem ser entendidos através da relação das
normas que determinam quais velhices são possíveis, reconhecidas e valorizadas em nossa
sociedade.
A disseminação da velhice ativa e saudável como um modelo a ser seguido, no qual os
sujeitos cuidam de sua saúde e de seu corpo, seguindo hábitos saudáveis e uma rotina exercícios,
faz com que outros modos de vivenciar a velhice não sejam reconhecidos como válidos e os sujeitos
que os seguem, renegados à exclusão. Nesse sentido, os idosos e idosas que não se adequam aos
discursos hegemônicos de velhice saudável e ativa, ocupam o lugar da abjeção.
O retrato cômico da fragilidade na velhice, construído em “Grace e Frankie”, brinca com
estereótipos (como aquele que associa a velhice a um momento de perdas e doenças) e busca
mostrar que esses problemas podem ser aceitos – não sem relutância – como parte do cotidiano e
percebidos como mudanças como quaisquer outras pelas quais os sujeitos passam ao longo da sua
vida, não necessariamente como marcadores de debilidade e vulnerabilidade.
Porém, essa negação da própria fragilidade muitas vezes é mostrada como uma resistência
ao reconhecimento de sua própria velhice, mesmo que o outro a reconheça. Em um dos episódios4,
Frankie responde a um anúncio de emprego em uma instituição asilar. Depois de receber uma visita
ao local guiada por um funcionário, Frankie descobre que o funcionário a confundiu com uma nova
moradora da instituição e se mostra irritada com essa suposição:
Frankie - Para morar aqui? Meu deus, eu pareço alguém que precisa de uma cama de
motor?
Funcionário - As pessoas estão se cuidando muito bem hoje em dia.
Frankie - Não, eu cuidei terrivelmente mal de mim. Eu sou jovem.
4
Temporada 1, episódio 3, “O jantar”.
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tamancos e um lenço colorido. Por fim, Frankie decide fazer agachamentos em meio ao corredor
para tentar provar a sua “não-velhice”, afirmando: “Minhas articulações são flexíveis!”.
Nesse sentido, as inquietações dos filhos perante o envelhecimento dos pais viram alvo de
discussão e piadas ao longo da série, como quando5 as filhas de Grace lhe dizem que havia chegado
a hora em que elas deveriam cuidar da mãe, e não o contrário. Grace se recusa a pedir ajuda porque
não quer “mostrar a elas que estão certas”. Ou então quando6 um dos filhos de Frankie compra para
as duas uma espécie de alarme de pânico que deve ser usado pendurado no pescoço:
Grace - Quando virem isso no nosso pescoço, vão olhar para nós e dizer: “Coitada da
velhinha, ela mora sozinha. Ela tem problemas de saúde”.
Frankie - Ninguém vai dizer isso. Ninguém nos acha “velhas coitadas”. [...]
Grace - Não quero que me olhem desse jeito. Quero que olhem para mim e digam: “Lá está
a senhora que fundou uma empresa aos 70 anos”.
Corpo e envelhecimento
5
Temporada 3, episódio 6, “A maconha”.
6
Temporada 3, episódio 8, “O alarme de pânico”.
5
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Pode-se dizer que os corpos que carregam sinais do envelhecimento são, em nossa
sociedade, corpos abjetos, “seres abjetos”:
A matriz excludente pela qual os sujeitos são formados exige, pois, a produção simultânea
de um domínio de seres abjetos, aqueles que ainda não são “sujeitos”, mas que formam o
exterior constitutivo relativamente ao domínio do sujeito. O abjeto designa aqui
precisamente aquelas zonas “inóspitas” e “inabitáveis” da vida social, que são, não
obstante, densamente povoadas por aqueles que não gozam do status de sujeito (BUTLER,
2000, p. 155).
A série retrata essa abjeção do corpo da mulher idosa. Em determinado momento, Grace
mexe em seu braço flácido, balançando a pele caída de um lado para outro7. O humor aqui está na
forma como a flacidez é exposta. A personagem brinca com seu corpo, colocando em foco aquilo
que é considerado um sinal da sua idade e, no geral, é ocultado:
A velhice é censurada como se fosse algo obsceno e vergonhoso, que deveria permanecer
oculto, fora da cena, sem ambicionar a tão cotada visibilidade. Um estado corporal a ser
combatido – ou, como mínimo, sagazmente dissimulado – por ser moralmente suspeito e,
portanto, humilhante. Algo indecente que não deveria ser exibido; pelo menos, não sem
recorrer aos convenientes filtros e aos pudicos retoques que nossa era inventou para tal fim
e que, com crescente insistência, põe à disposição de todos e nos convoca a utilizá-los
(SIBILIA, 2012, p. 97).
Quando Frankie afirma que tem um cabelo lindo, colocando-se como uma mulher que se
acha bonita, o humor fica subentendido: como uma mulher de setenta anos pode ser linda? Como
um cabelo grisalho pode ser considerado bonito?
Em uma sociedade na qual “o sujeito é definido por sua aparência” (Novaes, 2011, p. 477),
em que a beleza possui um valor central e na qual o que é considerado belo é aquilo que está
associado à juventude e à magreza, colocar o foco sobre a velhice, assumindo suas marcas – rugas,
linhas de expressão, flacidez – é se opor à moral vigente (Sibília, 2012). Nesse sentido, manter-se
jovem e bela é quase uma “obrigação moral” (Novaes, 2011, p. 493) para a mulher. Àquelas que
não correspondem à norma, resta a invisibilidade e a exclusão, pois “essa pessoa que deixou de ser
jovem teria dilapidado boa parte do seu capital corporal e, após esse esgotamento, encontrar-se-ia à
beira de uma virtual inexistência” (Sibilia, 2012, p. 91). A mulher, conforme envelhece, torna-se
invisível, uma vez que não é mais considerada objeto de desejo dos homens, seu corpo não possui
mais o valor que antes possuía.
Ao longo da série, deparamo-nos com essa invisibilização da mulher idosa, como quando
Grace afirma ter sido “apagada” por seu rosto não estampar mais a embalagem dos produtos de sua
antiga empresa de cosméticos8. A justificativa para tal mudança, apresentada por sua filha (que é
7
Temporada 1, episódio 8, “O sexo”.
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Temporada 1,episódio 3, “O jantar”.
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também a nova diretora da empresa) é a de que elas precisavam atingir um público mais jovem.
Grace então questiona: “Eu sou irrelevante?”.
O humor é utilizado em resposta a essa pergunta quando vemos as protagonistas sendo
completamente ignoradas por um atendente em um posto de gasolina, enquanto ele decide dar
atenção pra uma cliente jovem9. Ao final da cena, percebemos que Frankie tirou proveito de sua
invisibilidade para roubar um maço de cigarros:
Grace: Eu me recuso a ser irrelevante.
Frankie: Tudo bem. Eu aprendi algo. Nós temos um superpoder. [...] Se não está me vendo,
não pode me deter.
Talvez seja por desfrutarem dessa liberdade que as protagonistas, após Grace se machucar
ao usar um vibrador10, decidam abrir sua própria empresa de produtos eróticos voltados para
mulheres mais velhas, que tendem a sofrer com artrite nos pulsos e outras condições similares.
Quando as protagonistas tentam firmar uma parceria para a produção do vibrador, descobrem que a
estratégia de marketing feita pela empresa optou por retocar fotos das duas11:
Grace: Você não disse que está interessada no público mais velho?
Representante da empresa: Estamos.
Frankie: É que queremos alcançar mulheres como nós. Como nós agora.
9
Temporada 1,episódio 3, “O jantar”.
10
Temporada 2, episódio 13, “O golpe”.
11
Temporada 3, episódio 8,”O alarme de pânico”.
7
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Representante da empresa: Sim, mas não é assim que se vende. A pesquisa foi muito clara.
Ninguém quer ver idosas na caixa de um vibrador. E ninguém quer ver idosas com nada
sensual. Nem mesmo as idosas! Você e eu sabemos disso, Grace. O sexo é jovem.
Grace: Mas nós somos velhas!
Nesse sentido, a série acompanha tais discursos, deixando evidente que a sexualidade se
constitui como uma parte de bastante importância da vida das protagonistas, com a velhice sendo
retratada como um momento de redescoberta da própria sexualidade. As dificuldades vivenciadas
pelas mulheres na prática sexual nessa fase da vida são retratadas com humor e o sexo é tratado
como algo positivo.
Considerações finais
Segundo Barreca (2013), todo humor produzido por mulheres pode ser considerado
feminista, uma vez que o ato de uma mulher rir ou fazer rir é desafiador da norma. Nesse sentido,
12
Temporada 2, episódio 13, “O golpe”.
13
Temporada 3, episódio 13, “O grupo de discussão”.
8
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através do humor, a série transgride estereótipos relacionados tanto ao envelhecimento quanto à
feminilidade:
Frankie: Ainda vamos fazer aquele lance da empresa?
Gracie: Sim. Vibradores fáceis de segurar, com instruções em letras grandes. Calcinhas
absorventes que não sejam horrorosas para mulheres com problemas de incontinência. [...]
Nós podemos fazer o que quisermos.
14
Temporada 1, episódio 9, “O convite”.
15
Temporada 3, episódio 12, “O musical”.
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tempo, coloca que há múltiplos modos de envelhecer e que a velhice pode também ser um momento
positivo. Como afirma Marta Kauffman, uma das criadoras da série, trata-se de passar uma
mensagem positiva, “de que você pode começar sua vida a qualquer momento, em qualquer ponto
da sua vida”16. Assim, as novas representações da velhice e significados atribuídos ao
envelhecimento, como os presentes em “Grace e Frankie”, buscam criar resistências à concepção
negativa da velhice, que a associa à dependência, à solidão e à vulnerabilidade. Nesse sentido,
contribuem para a promoção da velhice enquanto um momento de novas possibilidades, que pode
ser vivido plenamente.
No entanto, a perspectiva que visa ressignificar a velhice deve ser problematizada. Ao criar
uma imagem da velhice como um momento de vida repleto de experiências positivas, gera o
apagamento das dificuldades e problemas que podem ser enfrentados pelos sujeitos nessa fase:
A visibilidade conquistada pelas experiências inovadoras e bem-sucedidas fecha o espaço
para situações de abandono e dependência. Essas situações passam, então, a ser vistas como
consequência da falta de envolvimento em atividades motivadoras ou da adoção de formas
de consumo e estilos de vida inadequados (DEBERT, 2012, p. 15).
Tais discursos também não são totalmente inclusivos, uma vez que defendem um modelo de
velhice que nem sempre é alcançável – ou desejado – por todos. Aquelas e aqueles que possuem
baixa renda, por exemplo, não possuem o mesmo acesso financeiro ou mesmo disponibilidade de
tempo para buscar novos espaços de sociabilidade e de lazer, a realização de atividades físicas ou a
adoção de uma alimentação saudável.
Em muitos aspectos, as novas possibilidades encontradas por Grace e Frankie duas só estão
disponíveis por conta do contexto social, familiar e econômico no qual estão inseridas: ambas
possuem boas condições financeiras e uma rede de apoio formada por familiares e amigos. Além
disso, são mulheres brancas, cisgêneras e heterossexuais – pontos não discutidos na série, mas que
são de extrema relevância. As questões relativas ao envelhecimento da população negra e/ou da
população trans continuam com pouca representatividade nos discursos hegemônicos, seja na
academia, na mídia ou em outras áreas. Essa invisibilidade, ainda presente, evidencia como as
desigualdades se interseccionam em nossa sociedade. Nesse sentido, é possível dizer que esses
discursos que passam a ganhar espaço e a compor a perspectiva hegemônica acerca do
envelhecimento ainda continuam restritos, dando visibilidade às subjetividades de apenas alguns
grupos sociais e a um modelo de velhice limitado.
16
Fonte: http://deadline.com/2017/03/grace-frankie-season-3-spoilers-marta-kauffman-interview-jane-fonda-lily-
tomlin-netflix-1202049413/. Acesso em 11 de julho de 2017. Tradução minha.
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Astract: The current work aims at discussing the female aging under the Cultural Studies
perspective, by reflecting on discourses which circulate amongst our society and present either new
possibilities of experience aging or reaffirm conceptions already known. Our theoretical reference
will be articulated with “Grace and Frankie” series analysis, whose story involves two recently
divorced women at their seventies. The series addresses questions related to feminine aging,
including corporal transformations and how sexuality is experienced during elderly. Since it is
through culture that the knowledge considered to be legitimate in our society is disseminated, we
understand that culture is the subject of dispute. The hegemonic discourse on female aging
characterize women according to a apparatus, dictating self-care and health management rules and
encouraging certain lifestyles and behaviors. We also witness emerging discourses that bring a new
view on the aging process. The series analysis, as a cultural artifact, might contribute to the
problematization of some questions. Considering corporal and sexuality aspects, the present work
debates over how female aging is portrayed in “Grace and Frankie”, and if it is “captured” or not by
hegemonic discourses. Likewise, we aim at discussing probable ways of resistance and new
possibilities of experiencing elderly – both shown on this series.
Keywords: Female aging. Cultural Studies. Body. Sexuality. Old age.
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