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SOCIEDADE PIAUIENSE DE ENSINO SUPERIOR LTDA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS “PROF. CAMILLO FILHO”


CURSO DE DIREITO

RONY ANDERSON TAVARES DE OLIVEIRA SILVA

A JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL E O


ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Teresina
2018
RONY ANDERSON TAVARES DE OLIVEIRA SILVA

A JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL E O ESTADO


DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Trabalho de conclusão de curso de graduação


apresentado ao Instituto de Ciências Jurídicas e
Sociais Prof. Camillo Filho – ICF, como requisito
parcial para a obtenção do grau de Bacharel em
Direito.

Orientadora: Prof. Ma. Sarah Maria Veloso Freire Lopes

Teresina
2018
RONY ANDERSON TAVARES DE OLIVEIRA SILVA

A JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL E O


ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Trabalho de conclusão de curso de graduação


apresentado ao Instituto de Ciências Jurídicas e
Sociais Prof. Camillo Filho – ICF, como requisito
parcial para a obtenção do grau de Bacharel em
Direito.

Aprovado em ____/____/______

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________
Orientador

___________________________________________________________
1º Examinador

___________________________________________________________
2º Examinador
A minha mãe Deuselena, homenagem e agradecimento.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por intermédio de nosso Senhor Jesus Cristo, pela sua
eterna misericórdia e bênçãos, por ter iluminado meus pensamentos nos momentos
mais difíceis e, assim, permitido que eu conseguisse chegar ao final desta longa
caminhada.
À minha mãe, Deuselena Alves da Silva, pelo seu enorme carinho, dedicação
e cuidados dispensados a mim durante esses seis anos de formação acadêmica. Sei
que jamais poderei retribuir tamanha dedicação e zelo.
À minha noiva, Rafaela Gomes Soares de Gois, pelo companheirismo, amor e
compreensão.
Aos amigos pois, apesar de minha ausência, sempre estiveram comigo e
confortaram minha alma, quer seja pela presença, mesmo que em poucos instantes,
ou apenas pelo fato de saber que os tenho como amigos.
Aos professores do Instituto Camilo Filho, pela incrível oportunidade de poder
ter compartilhado do conhecimento desses ilustres mestres de forma tão gentil e
generosa. Sempre levarei comigo a lembrança, carinho e profunda admiração.
RESUMO

O presente trabalho busca compreender a essência das políticas públicas e suas


relações com os poderes constituídos no âmbito de um Estado Democrático de
Direito. Para tanto, a pesquisa foi desenvolvida através de uma abordagem indutiva,
buscando conhecer a distinção entre os principais conceitos e elementos formadores
do Estado, quais sejam, o Estado, o Judiciário, o Executivo, a Administração Pública,
bem como os poderes constituídos. De modo geral, as instituições cuja competência
decorre diretamente da Constituição, contudo, tendo como eixo central da ideia de
política pública. Destarte, não só o viés político, mas principalmente do ponto de
vista jurídico, buscando demonstrar a plausibilidade para implementá-las a fim de
assegurar os preceitos constitucionais. Dentro dessa celeuma, por meio de uma
pesquisa bibliográfica, o trabalho busca discutir a legitimidade e competência do
Poder Judiciário para apreciar a matéria das políticas públicas e determinar a sua
implementação através do Poder Executivo, assim como seus limites e
consequências dentro do Estado Brasileiro.

Palavras-chave: Políticas Públicas; Estado Democrático de Direito; Poderes


Constituídos; Executivo; Judiciário; Administração Pública; Judicialização; Ativismo
Judicial.
ABSTRACT

The present work seeks to understand the essence of public policies and their
relations with the powers constituted within a Democratic State of Law. For this, the
research was developed through an inductive approach, seeking to know the
distinction between the main concepts and formative elements of the State, namely,
the State, the Judiciary, the Executive, the Public Administration, as well as the
constituted powers. In general, the institutions whose competence derives directly
from the Constitution, however, having as central axis the idea of public policy. This
is not only the political bias, but mainly from a legal point of view, seeking to
demonstrate the plausibility to implement them in order to ensure constitutional
precepts. Within this frenzy, through a bibliographical research, the work seeks to
discuss the legitimacy and competence of the Judiciary to appreciate the matter of
public policies and determine its implementation through the Executive Branch, as
well as its limits and consequences within the Brazilian State.

Keywords: Public Policies; Democratic state; Powers of Attorney; Executive;


Judiciary; Public administration; Judicialization; Judicial Activism.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................8
CAPÍTULO I - NOÇÕES DE ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA.....................................................................................................................9
1.1 ESTADO .................................................................................................................
9
1.1.1 Estado moderno......................................................................................9
1.1.2 Estado
liberal.........................................................................................11
1.1.3 Estado democrático..............................................................................13
1.2 GOVERNO...........................................................................................................13
1.2.1 Governo, política e
democracia ...........................................................14
1.3 ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA................................................................................15
CAPÍTULO II - POLÍTICA
PÚBLICA..........................................................................17
2.1 CONCEPÇÃO DE
POLÍTICA................................................................................17
2.1.1 Definição de política
pública................................................................18
2.1.2 Princípios...............................................................................................19
2.1.3 Relações entre Estado, governo e política
pública............................19
2.2 CONDIÇÕES PARA FORMULAÇÃO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS.....................20
2.2.1 Plano, planejamento e orçamento.......................................................21
2.2.2 Definição de prioridades......................................................................22
CAPÍTULO III - O CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS..................24
3.1 POLÍTICA PÚBLICA E DIREITO..........................................................................24
3.1.1 A formação do direito na base da política
pública.............................25
3.2 EFETIVIDADE CONSTIUCIONAL E O PAPEL DO JUDICIÁRIO........................26
3.2.1 Concretização dos direitos
fundamentais...........................................26
3.2.2 Garantia do mínimo existencial e reserva do
possível.......................27
3.2.3 Legitimidade democrática....................................................................28
3.3 CONTROLE DA POLÍTICA PÚBLICA..................................................................29
3.3.1 Objeto do
controle.................................................................................30
3.3.2 Instrumentos de
processuais...............................................................32
3.3.3 Separação dos
poderes........................................................................35
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................37
REFERÊNCIAS..........................................................................................................38
8

INTRODUÇÃO

As políticas públicas são ações planejadas que buscam racionalizar os meios


à disposição do Estado, projetando-os para uma efetiva realização de objetivos
socialmente relevantes e passíveis de realização através do satisfatório
desempenho das atividades políticas. Trata-se de um tema que permeia a sociedade
brasileira na atualidade, haja vista que as instituições públicas brasileiras se
encontram em processo de transformação. Face a dificuldade na efetivação dessas
políticas, quer seja por problemas de gestão, corrupção, ou, simplesmente, pela
ausência de preparo das autoridades responsáveis por sua idealização,
implementação e concretização, surge a possibilidade de atuação do Poder
Judiciário, e com esta, diversos questionamentos do ponto de vista da legalidade e
legitimidade face a implementação via jurisdição.
O Brasil atualmente vive uma época de grandes contrastes, pois, embora
esteja classificado como um país de economia emergente, cuja indicação representa
índices de desenvolvimento humano médio, indústrias em desenvolvimento,
infraestrutura considerável, capital externo, dentre outras características atreladas a
esse conceito, a realidade de uma parcela considerável da população brasileira tem
sido bem diferente.
Diante do exposto, é viável que as políticas públicas tenham o seu ponto de
partida através do controle jurisdicional? A ideia de Estado democrático de Direito,
sob o parâmetro da constituição, é compatível com a atuação do Poder Judiciário
em matérias relativas a decisões e gestão de políticas públicas? O equilíbrio e o
respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes é absoluto ou
relativo?
O trabalho será desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfica, cujo
objetivo é essencialmente acadêmico. Assim, buscando demonstrar as finalidades
do Estado e seus elementos, conhecer a essência das políticas públicas e sua
natureza dúplice (política e jurídica), bem como os desdobramentos decorrentes de
seu controle por meio da judicialização.
9

CAPÍTULO I - NOÇÕES DE ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Esse capítulo busca estudar as diferenças entre Estado, governo e


administração pública. O senso comum, geralmente, conduz ao equívoco de que tais
conceitos jurídicos representam a mesma ideia, contudo, cada um possui
características próprias. A concepção de Estado, tal como se conhece hoje, é
resultado de um longo processo de transformação. O governo é o elemento
responsável por sua condução, para tanto, relacionando-se com a política e tendo
como ferramenta a estrutura da administração pública.

1.1 ESTADO
O Estado é uma estrutura político-jurídica que surge a partir da formação dos
Estados nacionais europeus. As formas de concepção e organização dessa
estrutura têm se alterado a partir da mudança de paradigmas políticos, econômicos
e sociais. O modelo liberal, posto como solução em face da excessiva intervenção
na vida privada, chancelada no padrão absolutista, se mostrou insuficiente ao longo
do tempo e cedeu lugar ao social democrático.

1.1 .1 Estado moderno


Ensina Bezarra, (2017) sobre o surgimento do Estado moderno:
Nasceu no século XV, com o desenvolvimento do capitalismo
mercantil registrado em Portugal, na França, Inglaterra e Espanha.
Nas quatro nações, o Estado Moderno surge a partir da segunda
metade do século XV e, posteriormente, é registrado também na
Itália. O modelo que ficou conhecido como Estado Moderno surge a
partir da crise no Feudalismo. No modelo feudal, não havia estados
nacionais centralizados. Os senhores feudais é quem controlavam os
poderes políticos sobre as terras e exerciam uma força diluída, sem
núcleo. Cada feudo tinha a própria autonomia política. Igualmente
poderia estar submisso a um reino maior, como era o caso do Sacro
Império Romano Germânico, o soberano inglês e o Papa.

A origem do Estado tem raízes no século XV, a partir de uma mudança de


paradigma nas relações políticas, econômicas e sociais. O sistema feudal, que
perdurou na Europa por quase mil anos, ficou enfraquecido face ao renascimento
comercial, à circulação de moedas, ao desenvolvimento das cidades, ao surgimento
da burguesia, ou seja, elementos relacionados ao recente capitalismo. Diante desse
novo panorama, esse fragmentado regime se mostra obsoleto, incapaz de atender
10

às novas exigências econômicas e sociais, implicando na formação dos Estados


unitários com a centralização do poder político.
Segundo Maquiavel em 1532 (2010), para que o exercício do poder político
pudesse garantir a estabilidade e ordem, a centralização e organização do Estado
eram indispensáveis. Fundamentando mais ainda a necessidade da força do Estado,
Bodin em 1576 (2012) destaca que Deus era o fundamento do poder do Rei.
Posteriormente, Hobbes em 1651 (2000) associou a ideia de soberania à lógica do
contrato social, ou seja, a superação de conceitos teocêntricos por ideias
racionalistas.
Conforme se pode depreender do trecho acima, o regime absolutista foi
amplamente fundamentado por ideias que corroboravam um sistema forte, capaz de
atender os novos anseios do capitalismo. Dentre as teorias que legitimaram o
Estado moderno, é possível destacar que estas tiveram, inclusive, o apelo teológico,
vinculando o poder político a entidade religiosa. Somente no XVII, a partir dos
contratualistas, houve a tentativa de conferir um caráter racionalista a esses ideais,
mas que, obviamente, não foi suficiente para garantir a estabilidade do sistema
como será analisado mais a diante.
O Estado moderno tem seu marco inicial com a celebração dos tratados de
Münster e Osnabrück, em 1648, na chamada paz de Westfália. Esses acordos põem
fim ao conflito europeu de proporções continentais, a guerra dos trinta anos, após o
elevado número de mortes, epidemias, fome e destruição. Como resultado desse
tratado, tem-se a diminuição da influência política da igreja, o aprimoramento das
relações internacionais e o respeito aos interesses dos países envolvidos. (BUCCI,
2013).
A fixação do marco inicial do Estado nos tratados mencionados acima,
demonstra sobretudo, a formação do conceito de soberania. Ora, o elevado número
de mortes provocado pelas guerras e epidemias na Europa do século XVII, evidente,
serviram de fontes materiais para a construção desse conceito. Evidente que mesmo
para um Estado centralizado e politicamente organizado, as guerras geravam
mortes, gastos e menos retorno do ponto de vista econômico. De fato, em vez de
empregados em guerras, os recursos poderiam ser destinados ao combate às
epidemias, contudo, antes era preciso garantir que as fronteiras de cada nação
seriam respeitadas.
11

O Estado é uma construção social da era moderna, formação


tipicamente europeia, histórica e geograficamente situada,
caracterizada pela progressiva centralização do poder segundo uma
instância sempre mais ampla, que abarca completamente as
relações políticas, o princípio da territorialidade da obrigação política
e a progressiva impessoalidade do comando político, através da
evolução do conceito de officium. [...] A noção de Estado se firma
com referência a outras ordens estatais, isto é, relativamente ao
plano internacional, num processo que, ao longo do tempo, busca
substituir a justificação do Estado, da guerra e disputas territoriais,
pela paz e convivência das nações. (BUCCI, 2013, p. 18).
Nos ensinamentos acima, ver-se que o Estado é uma construção político-
jurídica do mundo ocidental, ou seja, países europeus e aqueles que foram
colonizados por estes, como é o caso do Brasil. A sua definição incorporou as ideias
de soberania, povo e território, tendo por referência o plano internacional. Não
obstante à força, o mesmo deixa gradualmente de ser justificado pela guerra,
passando então a buscar uma convivência pacífica entre as nações a fim de
alcançar mais prosperidade.

1.1.2 Estado liberal


Os regimes absolutistas, no final do século XVIII, foram alvo de críticas por
parte do pensamento liberal em razão das interferências na vida privada. Ocorre que
a ascendente classe burguesa passou a exigir uma reformulação no modo como o
poder político era exercido, para melhor atender aos anseios do capitalismo. Com
efeito, está passou a vislumbrar a soberania como uma restrição à liberdade. Em
oposição a esse sistema, em 1762 surgiu um novo entendimento acerca do contrato
social, de modo que a função do Estado era garantir a liberdade (ROUSSEAU,
1983), e não a ideia de que o homem abrira mão desta em troca de ordem e
segurança, como afirma Hobbes (2000).
Face a esse contexto, o liberalismo postulou a redução do Estado, inclusive,
sua vinculação a qualquer responsabilidade social. Com efeito, o bem comum seria
uma perspectiva a ser alcançada por meio do mercado e do desvanecimento das
ameaças as liberdades humanas. Nessa conjuntura é que surgiram as bases do
Estado de liberal de direito.
Em fins do séc. XVIII, surgiu o Estado Liberal concebido pelas teorias
filosóficas do Iluminismo e Liberalismo, tendo como propósito
espancar o Estado Absolutista instituído pela monarquia. O Estado
Liberal prolongou-se até o início do séc. XX. O Estado Liberal firma-
se no poder supremo da lei e especificamente da Constituição como
limitadora do poder político. Neste diapasão, o Estado Liberal tem,
12

como fim último, a garantia da liberdade e os direitos fundamentais


do indivíduo. [...] O Estado Liberal também é chamado de Estado
Liberal de Direito ou Estado de Direito. Surge, portanto, sob o signo
da supremacia da lei. O livre funcionamento do mercado e a não
intervenção do poder político em matéria econômica, social e cultural
são as características marcantes do Estado Liberal que se
apresenta, também, como Estado burguês, imbricado ou identificado
com os valores e interesses da burguesia, que então conquista, no
todo ou em grande parte, o poder político e econômico. (LIBERATI,
2013, p. 32).

Conforme se pode inferir, o Estado liberal é marcado pelo formalismo e as leis


são criadas por um órgão legislativo, formado por representantes do povo, e não
mais pelo Rei. Com efeito, essa nova concepção impunha limites a atuação do
governante e mitigava os riscos da tirania. Os novos ideais desqualificaram o papel
da nobreza e do clero junto ao Estado, tendo seu estopim com a Revolução
Francesa no ano de 1789. Com efeito, os princípios filosóficos do iluminismo foram
de encontro ao modelo vigente de Estado, de modo a justificar a ascensão da nova
classe dominante ao poder.

1.1.3 Estado social democrático


Não obstante, face à nova forma de organização do poder político, ou seja, os
fins do Estado burguês, não havia o interesse em garantir o caráter universal da
liberdade. Com efeito, o pensamento liberal buscou simplificar a realidade social e
impor à coletividade a ideologia do grupo que alcançara o poder: a burguesia.
Destarte, o viés liberal se ocupava apenas em combater a atuação do Estado que,
porventura, viesse a contrariar a liberdade de iniciativa, desse modo, ignorando os
efeitos brutais do capitalismo sobre as classes trabalhadoras. (PASSOS, 2014)
Naturalmente, o liberalismo burguês inviabilizava o acesso aos meios de
produção, de sorte que, ao proletariado, restava apenas a alternativa de oferecer
sua mão de obra ao mercado. Com efeito, a exploração do homem pelo seu
semelhante era inevitável. A penúria decorrente de um sistema capitalista associado
ao liberalismo demonstrava, de modo incontestável, que a liberdade existente era
apenas formal, pois o homem ainda permanecia exposto as inúmeras formas de
opressão.
Parte-se, nesta obra, da insuficiência da aplicação de um modelo
liberal e generalista a um contexto de desigualdades marcado por
particularidades. A social-democracia demonstrou que os
trabalhadores precisam de recursos sociais, saúde e educação para
desfrutarem efetivamente da cidadania e, ainda, que a política social
13

é requisito da eficiência econômica. O fracasso do princípio liberal,


portanto, abre espaço para a democratização do poder,
transformando o governo de uma classe em um governo de todas as
classes. Daí por que se impõe uma intervenção do Estado sobre a
realidade, de modo a reconstruí-la de forma mais justa e solidária. A
articulação entre política e direito é inevitável, sem a qual não será
possível falar em direito social. O intervencionismo não pode mais
ser tido como diminuição das liberdades, mas como exigência da
necessária reordenação de uma sociedade individualista, resultante
de um processo produtivo que corrompe os vínculos de solidariedade
tradicionais, responsáveis por até então mitigar os efeitos da miséria.
(PASSOS, 2014, p. 15).
Com base no que foi citado, é possível extrair que as condições precárias de
saúde, moradia, condições mínimas de trabalho, remuneração digna, dentre outros
postulados básicos, abrem espaço para reinvindicações pela democratização do
poder. Com efeito, torna-se evidente a necessidade de atuação do Estado em busca
de uma sociedade mais justa e solidária, face à insuficiência do mero pressuposto
da neutralidade. As benesses eram acessadas apenas por pequenos grupos,
enquanto a maior parcela da sociedade permanecia no atraso e caos social.
A manutenção do poder, fundamentada na livre iniciativa e na posse
inquestionável da propriedade, impedia qualquer tentativa em busca de uma solução
para os problemas sociais. De fato, a ausência de sensibilidade humana era uma
característica intrínseca ao sistema. Ante o contexto, a grande massa de mão de
obra tornou-se uma ameaça aos privilégios da propriedade, causando receio sobre
qualquer ideal democrático. Com efeito, havia a desconfiança de que a inclusão
política dos trabalhadores poderia lograr algum êxito na conquista de direitos, bem
como acarretar na diminuição da dependência em relação ao mercado. Em outras
palavras, o proletariado era visto como uma fonte de poder capaz de ameaçar o
monopólio político da classe dominante. (PASSOS, 2014).
Com base no que foi citado, é possível inferir que as condições nas quais a
classe trabalhadora estava submetida, desencadearam um lento processo de
democratização. A busca por participação na política a fim de melhorar as condições
de vida das pessoas, culminaram no direito ao voto, acesso aos cargos públicos,
bem como, no comprometimento em face da criação de uma legislação menos
exclusiva.

1.2 GOVERNO
14

Sem adentrar muito na questão das formas de governo, por não se tratar de
objeto do presente trabalho, governo é o indivíduo ou grupo que exerce o poder
político em uma sociedade. Nas organizações políticas anteriores ao Estado
moderno, como na cidade-estado grega e no sistema feudal, governo era entendido
como o poder autônomo em relação aos demais grupos sociais. (BUCCI, 2013).
Conforme se percebe, a ideia de governo é anterior a de Estado e representa
a integração política da sociedade, a representatividade, a gestão da coisa pública, a
defesa contra grupos externos, dentre outros elementos, contudo, não inclui
conceitos como território, povo e soberania, conforme estudado do capítulo anterior.
Em relação aos atos que são praticados pelo governo, Bucci ensina que estes
são específicos se diferem dos demais:
a discussão conceitual sobre o ato de governo ilustra a dificuldade de
saber, com os avanços nas formas jurídicas de conformação e
controle da atividade política, quais os espaços e formas políticas
específicos e reservados à atuação do poder e como atua o governo
no uso desses espaços, no contexto da democracia. O pressuposto
dessas questões é que o governo não apenas extrai força política do
corpo do Estado. Ao contrário, ao ser capaz de articular as
demandas sociais e responder aos anseios por desenvolvimento
econômico, bem-estar e outras aspirações do grupo social, o
governo pode ser uma fonte de renovação do poder estatal. (2013, p.
20).
Atualmente, o governo além de exercer o poder político, determina a maneira
como o Estado será administrado e tem seus limites fixados em uma constituição.
Dentro de sua esfera de atribuições, os atos denominados de governo diferenciam-
se dos atos administrativos. Com efeito, estes são praticados em face da execução
das leis, ao passo que os atos de governo correspondem à atividade política em si,
dispensada de habilitação legal expressa. Dentre os atos governamentais, podem
ser citados a negociação de tratados internacionais, a relação do chefe de governo
com a atividade parlamentar, a decretação do estado de sítio, dentre outros.

1.2.1 Governo, política e democracia


A ideia essencial da democracia costuma ser epitomizada na
proclamação solene de Lincoln no Gettysburg Adress, em 1863:
“governo do povo, pelo povo e para o povo”. O povo como sujeito e
não objeto do governo democrático, daí se extraem suas ideias-
força: soberania popular, igualdade e autogoverno. (SARTORI, 1994,
apud BUCCI, 2013, p. 24).
15

Nesse sentido, a relação fundamental que a democracia estabelece no


sistema político é a mitigação da separação entre governante e governados.
Partindo-se do pressuposto da possibilidade do cidadão poder chegar ao poder,
característica inerente ao sistema democrático, logo, os governados também são
governantes.
A gama de formas de governo, na prática, vê-se reduzida a um tipo
dominante, a democracia, ladeada por esparsas formas distintas,
uma vez que desde os anos 1940 nenhuma doutrina se apresenta
como antidemocrática. A democracia ou é praticada de modo efetivo
ou é invocada retoricamente. Mais do que um arcabouço conceitual
rígido, a democracia é, no dizer de Sartori, o “produto final político da
civilização ocidental”, que se assenta sobre termos, conceitos,
significados, interpretações, que resistem enquanto portadores,
rememorações de experiências, que foram filtrando, através da
história, o que não servia. (SARTORI, 1994 apud BUCCI, 2013, p.
25).
Com base no que foi citado, evidente que o pressuposto básico da
democracia é a igualdade política entre os cidadãos. A característica básica é direito
ao sufrágio e a representatividade política. No sistema democrático, a liberdade de
expressão influencia diretamente as questões do poder, da liberdade, da igualdade e
da justiça, conferindo verdadeiro caráter político-jurídico à sociedade. O direito de
votar foi ampliado progressivamente, atribuindo legitimidade às instituições criadoras
do direito e aos mecanismos de controle de poder. De fator, o Estado democrático
de direito é um padrão amplamente reconhecido pelas nações ocidentais,
constituindo verdadeiro horizonte a ser alcançado por diversos povos.

1.3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA


Bucci argumenta que a criação de um aparelho administrativo voltado para a
execução das atribuições do poder público ocorre somente com Revolução
Francesa:
Pode-se fixar o surgimento da Administração Pública, no sentido
moderno, como corpo estruturado, quando Napoleão cria a seção do
Contencioso Administrativo no Conselho de Estado francês, com
funções consultivas e jurisdicionais, entre as quais redigir os projetos
de lei e regulamentos da Administração Pública e resolver as
dificuldades que surjam em matéria administrativa. Com ele fixam-se
as bases para o desenvolvimento do direito administrativo francês,
que servirá de modelo para vários países da Europa. (2013, p. 18).
Conforme já estudado, as decisões políticas são de responsabilidade do
governo, pois é este quem detêm a gestão do Estado. Não menos importante, a
16

administração pública é a estrutura montada no âmbito do Estado para executar as


atividades, via de regra, de ordem técnica. Com efeito, há uma relação bastante
próxima entre Estado, governo e administração pública, de modo que a deficiência
de um, afeta a essência do outro.
Outro evento de referência, apontado por Max Weber pelo sentido de
profissionalização do serviço público, é a edição do Pendleton Act ou
Civil Service Reform Act (Lei da Reforma do Serviço Público), de
1883, nos EUA, que estabeleceu o sistema de mérito e baniu a
política que se convencionou chamar de spoils system (sistema de
despojos), segundo a qual os cargos públicos eram preenchidos por
pessoas indicadas pelo partido vencedor. Como tantos episódios
dramáticos na história americana, essa lei foi aprovada, depois de
várias tentativas, após o assassinato do presidente James Garfield,
por um homem que tivera recusada sua nomeação. O Pendleton Act
instituiu a proteção contra a remoção política e passou a exigir
exames de admissão abertos para os funcionários, inicialmente
restritos a uma pequena quantidade de postos, e posteriormente
ampliados para a maioria das funções públicas. (BUCCI, 2013, p.
18).
De acordo com a lição acima, no final do século XIX, os cargos públicos eram
preenchidos por indicação do vencedor do pleito político. Deveras, sistemática
totalmente incompatível com a ideia de corpo administrativo eficiente, vez que os
profissionais empregados na execução dos serviços públicos devem ser
especializados e terem sua capacidade aferida por mecanismo objetivos. Dentro
dessa celeuma, a ideia de meritocracia surge com o intuito de profissionalizar o
serviço público e aprimorar a eficiência no desempenho das atividades estatais.
17

CAPÍTULO II - POLITICA PÚBLICA

O Brasil é uma país em desenvolvimento, como uma economia


potencialmente capaz de proporcionar a melhoria das condições de vida de seus
cidadãos. Contudo, o quadro que hora se apresenta não é dos mais festejados. A
insuficiência da política exercida pelos governos que se alternam no proeminente
sistema democrático, consolidado a pouco mais de trina anos, com fim do regime
miliar e promulgação da Constituição Federal de 1988, tem apresentado avanços
modestos do ponto de vista social. Nesse contexto, surge a necessidade de ampliar
o conhecimento acerca das políticas públicas. Pois bem, estes serão os tópicos
abordados neste capítulo.

2.1 CONCEPÇÃO DE POLÍTICA


No idioma inglês existem duas palavras para distinguir o conceito de política.
politics se relaciona com as múltiplas estratégias adotadas para melhorar o
rendimento dos atores inseridos na política. Este, denota a ideia de construção de
um consenso em torno do poder. De outro modo, o termo pollicy constitui,
especificamente, a ação do governo, com a finalidade de garantir a segurança
externa, a ordem interna e o atendimento às necessidades da população. Em outras
palavras, é a atribuição governamental de realocar os recursos escassos da
sociedade para que estes sejam aplicados de forma racionalizada e venham a
atender uma parcela maior de indivíduos. (DIAS; MATOS, 2012).
Ante o exposto, é possível associar a ideia de politics a uma empresa, uma
família, ou mesmo de um grupo social. A profissão política, por excelência, atua em
torno da influência sobre os demais agentes inseridos no contexto político. Com
efeito, as decisões obedecem a regras específicas, consubstanciadas em atributos
de liderança e interesse público. De outro modo, o termo pollicy serve para designar
as medidas adotadas em beneficio da saúde, educação, assistência social, fiscal,
dentre outras ações proeminentes do campo social. No Brasil, politics e pollicy
correspondem a política e política pública, respectivamente. O primeiro se refere a
gestão do Estado como um todo e o segundo diz respeito à ação governo para
atender os anseios da população.
18

2.1.1 Definição de política pública


Conforme Dias e Matos, “o público compreende o domínio da atividade
humana que é considerado necessário para a intervenção governamental ou para a
ação comum. Fazem referência a esse âmbito comum muitos termos utilizados com
frequência, tais como: interesse público; setor público; opinião pública; saúde pública
entre outros” (2012, p. 11).
Em face do exposto, compreender o conceito de política pública implica em
saber diferenciar a esfera pública da privada. Com efeito, o domínio da vida humana
diverso da ideia de privado, ou seja, aquilo que não pertence a nenhum indivíduo,
denomina-se propriedade pública. Nesse sentido, está é controlada pelo governo e
constitui elemento comum em face dos demais elementos que integram à
comunidade.
A autonomia e o status científico das políticas públicas somente foram
adquiridos no século XX, pois, até então, faziam parte do objeto de estudo da
Ciência Política. Nos Estados Unidos, em 1936, foi publicado o livro “Política: quem
ganha o que, quando e como”, de Harold D. Lassewell, sendo considerado uma das
definições de políticas públicas. No mesmo período na Europa, estudos eram
desenvolvidos a fim de analisar o papel do Estado diante desse novo campo de
exploração científica. Em 1951, as publicações de dois livros foram fundamentais
para o estabelecimento do marco nos estudos sobre políticas públicas: o processo
governamental, de David B. Truman e As Ciências Políticas, de Daniel Lerner e
Harold D. Lasswell. Estas obras apresentaram autonomia no estudo das políticas
públicas. No Brasil, os estudos nessa nova área específica foram iniciados no final
da década de 70, com a publicação de trabalhos sobre a formação histórica das
ações de governo, conforme destaca Bucci (2002).
Conforme o registro acima, a definição de política pública, tal como se tem
hoje, é relativamente nova. Ora, partindo-se do pressuposto de que o direito evolui a
partir das mudanças ocorridas no campo das relações sociais, e que as
reinvindicações por direitos sociais surgiram ainda no século XIX, as políticas
públicas, entendidas como o resultado desse processo de evolução jurídico-social,
surgiram mais de um século depois. Com efeito, foi a partir dos direitos sociais que a
ideia de inclusão das parcelas excluídas da sociedade passou a ser objeto de
19

interesse do Estado, de modo que o avanço no campo das políticas públicas busca
exatamente viabilizar essa tarefa.

2.1.2 Princípios
A finalidade da Constituição, segundo Schier é:
definir e proteger um determinado núcleo de direitos fundamentais,
além de racionalizar, fundamentar, legitimar, limitar etc. o exercício
do poder. Há que se compreender que diversas são as formas de se
alcançar tal mister e, de acordo com a variação de cada modelo
adotado, será possível, também, encontrar as especificidades de
cada comunidade. É assim, a partir das opções fundamentais que se
faz em determinado momento histórico, que se estruturam as
constituições. Logo, ao lado da definição de um quadro de direitos
fundamentais, as constituições, materialmente, também se formam a
partir de algumas opções fundamentais: opções por princípios
estruturantes do Estado, do Direito e da comunidade. Neste sentido,
as opções explícitas ou implícitas por determinados princípios
fundamentais numa Constituição prestam-se a diversas finalidades.
São os princípios que (I) nortearão os diversos sentidos e certas
dimensões da extensão dos diretos fundamentais, (II) definirão as
formas básicas de legitimação, racionalização e exercício do poder,
(III) explicitarão as opções fundamentais da comunidade, (IV) as
opções jurídicas e estatais fundamentais, (V) os seus valores mais
caros, a partir dos quais serão estruturados a sociedade, o Estado e
o Direito. Substanciam, por isso, os princípios fundamentais,
verdadeira síntese-matriz do Direito. Expressam a carteira de
identidade da sociedade, o ser-em-comum dentro da diversidade
comunitária, o ponto de encontro que permitirá a função de
unificação política, diante dos quadros sociais cada vez mais plurais
e complexos. (2005, p. 157).
Conforme discorre o autor acerca dos direitos e princípios fundamentais,
estes estão definidos na Constituição. Uma das finalidades dos princípios é nortear a
aplicação dos direitos fundamentais nas mais variadas esferas, inclusive, na das
políticas públicas. Do mesmo modo, os princípios também destacam as opções e
valores que estruturam a sociedade, o Estado e o próprio direito. Com base no
estudo dos tópicos anteriores, é possível afirmar que as políticas públicas devem ser
pautadas nos princípios fundamentais em razão do próprio objeto destas. Com
efeito, os valores fundamentais devem ser uma constante preocupação nas políticas
públicas em todas as fases, ou seja, desde a formulação até sua implementação e
execução. A título de exemplo, um sistema de transporte público é planejado e
implantado em um município sem a previsão de acesso para deficientes físicos. Na
seguinte situação hipotética, observa-se que houve um desrespeito aos princípios da
dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade, dentre outros.
20

2.1.3 Relações entre Estado, governo e política pública


Conforme mencionado no capítulo anterior, o Estado surgi no XV a partir da
consolidação do poder das monarquias europeias. O poder do rei era extremo e
tinha inclusive fundamento religioso. No final do século XVIII, surge o conceito de
Estado-Nação no qual o poder passa a ser concebido a partir o povo. Não obstante,
esse é o conceito reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU)
atualmente. (DIAS; MATOS, 2012).
O que se pode extrair da breve introdução é que o substrato do poder se
deslocou da entidade religiosa para o próprio homem. O Estado passa a existir a
partir do povo e para o povo, o que ensejou o surgimento de novas ideias que
atendessem a esta mudança de paradigma.
A partir de uma abordagem mais atual, a função do governo é conduzir a
administração do Estado e aplicar as leis e políticas públicas. Em outras palavras,
trata-se do exercício da função típica do poder executivo e judiciário, e, quando
necessário, empreender as reformas através do poder legislativo. Nesse contexto, o
governo é entendido como a cúpula do poder Executivo, do Judiciário e do
Congresso Nacional, haja vista que nessa concepção, o governo é o grupo dirigente
do Estado (BRESSER-PEREIRA, 2010).
Dentro dessa celeuma, as decisões mais importantes do ponto de vista das
políticas públicas emanam desse grupo dirigente, a quem denomina-se governo, a
partir dessa abordagem. Nesse sentido, pode ocorrer um desequilíbrio, em grau
maior ou menor, entre a parcela de decisões que ocorrem no executivo ou
legislativo. Em outras palavras, o vigor da representatividade política no legislativo
pode indicar os níveis de desequilíbrio, conforme existam. Com efeito, quanto maior
for a representação social no parlamento, maior será seu peso face a formulação
das políticas públicas. Ao contrário, quanto mais segmentada for a representação
parlamentar, mais o eixo de elaboração das políticas públicas se desloca para o
Executivo.

2.2 CONDIÇÕES PARA FORMULAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS


Para que as políticas públicas possam se tornar uma realidade, algumas
medidas são necessárias. Fatores como planejamento e orçamento, configuram
21

condições indispensáveis para o êxito na execução, por parte do Poder Público.


Contudo, em face da escassez de recursos, uma lista de prioridades deve ser
definida cada ciclo de gestão, para que o desenvolvimento social seja de fato
viabilizado. Bucci (2002).
2.2.1 Plano, planejamento e orçamento
De acordo com Bucci (2002), ainda que as políticas públicas sejam a
expressão utilizada para designar a ação do governo em face do atendimento das
necessidades de uma comunidade, estas são idealizadas através de planos. São os
planos de desenvolvimento nacional, regional ou setorial que, necessariamente,
antecedem a fase de implementação.
Nesse sentido, podem ser destacados o Plano Nacional de Saúde e o Plano
Nacional de Educação, dentre outros inúmeros planejamentos providenciados com o
intuito assegurar a efetividade dos direitos sociais. Assim, atender as diversas
demandas da sociedade, sejam na área da saúde, educação, segurança pública,
transporte público, combate ao tráfico de drogas, política prisional, etc, requer a
existência de planejamento prévio, a fim de racionalizar as ações do governo em
busca desses objetivos de natureza constitucional.
A lei é por excelência o instrumento normativo no qual se estabelecem os
objetivos traçados pela política, bem como, os instrumentos institucionais que serão
empregados na realização, dentre outras condições para implementação das
políticas públicas. Destarte, sendo a elaboração das leis atividade típica do Poder
Legislativo, ao Executivo, restam a criação de normas de execução. O processo de
escolha dos meios empregados na realização dos objetivos é mais amplo do que o
planejamento, e compete ao Governo. Nesse sentido, a participação de agentes
públicos e privados, por vezes, é uma opção facultada ao gestor público segundo
critérios de economia e eficiência na execução. (BUCCI, 2002).
Dos ensinamentos acima, é possível vislumbrar que processamento de uma
política pública se inicia, geralmente, com a elaboração de uma lei que vise atender
os interesses de um determinado segmento social. Nesse sentido, é possível citar
como exemplo uma lei municipal que obriga os prédios públicos a possuírem vias de
acesso para cadeirantes. Ora, a ideia aqui é melhorar as condições de
deslocamento das pessoas com deficiência. Nesse sentido, a prefeitura deverá
providenciar o planejamento da construção, os recursos que serão empregados, a
22

licitação para selecionar a empresa que irá executar os serviços, dentre outros
procedimentos necessários.
De acordo com as lições de Lopes (1994), torna-se necessário o
conhecimento sobre as finanças públicas. O regime de tributação, associado ao
planejamento das contas do Estado, evidenciam condições de viabilidade do
desenvolvimento. Com efeito, cabe ao Estado não só o dever de elaborar seu
orçamento anual, mas também relacionar suas despesas de capital.
Conforme disse o autor, o conhecimento sobre os recursos que o Estado
pretende arrecadar, com receitas oriundas dos impostos, taxas, e demais tributos,
permite que o Poder Público possa equacionar a viabilidade de alguma política
assistencial que por ventura pretenda adotar. Destarte, o discernimento sobre as
despesas fixas também deve ser considerado, isto é, para que o gestor possa
honrar os compromissos assumidos sem comprometer a máquina pública.

2.2.2 Definição de prioridades


O conjunto de processos que antecedem a escolha racional e coletiva das
prioridades, face ao interesse público reconhecido pelo direito, também constitui
objeto das políticas públicas. Os procedimentos coordenados pelo governo para a
interação entre os sujeitos envolvidos nesse processo, requerem o uso do
contraditório, isto é, a contraposição entre direitos e deveres, ônus e faculdades.
Assim, os diversos interesses contrapostos não podem ser desconsiderados no
processo de formação das políticas. (BUCCI, 2002).
Em conformidade com as palavras da autora, as demandas sociais em um
país como Brasil são bastante expressivas, nesse sentido, a atuação do gestor
público deve ser racionalizada em face escassez de recursos à disposição do
governo. A gestão das prioridades requer estudo prévio da realidade social a fim de
fornecer elementos que auxiliem no processo de tomada de decisão.
A discricionariedade do administrador público deve considerar os diversos
interesses correntes, na medida em que estes se individualizam e entram em
confronto. Destarte, um interesse pode ser reconhecível como de ordem pública
quando a lei assim o qualifica. Nessa lógica, o processo de formação da política
pública é um elemento de direito, pois objetiva sancionar determinados fins e
objetivos legítimos, fundamentando o emprego da máquina administrativa na
consecução dos mesmos. (BUCCI, 2002).
23

Conforme desatacado acima, existem interesses variados, de modo que o


confronto entre estes é recorrente. Contudo, a discricionariedade da administração
deve identificar quais são os interesses de ordem pública, com fundamento na lei, e
a partir disto, fazer as ponderações necessárias. Com efeito, essa afirmação faz da
olítica pública não só um instrumento político, mas também jurídico, em face de sua
relação com o primado da lei.
No dizer de Bucci:
As políticas públicas podem ser entendidas como forma de controle
prévio de discricionariedade na medida em que exigem a
apresentação dos pressupostos materiais que informam a decisão,
em consequência da qual se desencadeia a ação administrativa. O
processo de elaboração da política seria propício a explicitar e
documentar os pressupostos da atividade administrativa e, dessa
forma, tornar viável o controle posterior dos motivos. (BUUCI, 2002,
p. 26).
Conforme se pode depreender da citação acima, a processualidade adotada
abrange três momentos fundamentais: formação, execução e avaliação. No primeiro
momento, a administração apresenta os pressupostos técnicos e materiais a serem
confrontados com outros, de mesma natureza, trazidos pelas outras partes com
interesses conflitantes. O passo seguinte, após sanadas as controvérsias em torno
dos pressupostos, compreende a elaboração das medidas administrativas,
financeiras e legais para implementação do programa. Por fim, no terceiro momento,
o gestor público aprecia os efeitos sociais e jurídicos de cada uma das possíveis
escolhas, sempre com base no contraditório, e determina as prioridades.
24

CAPÍTULO III - O CONTROLE JUDICIAL DAS POLÍTIAS PÚBLICAS

Esse capítulo pretende discutir as relações entre política pública e direito, a


partir dos mecanismos de controle. Nesse sentido, buscar a efetividade da
Constituição também é atribuição do Poder Judiciário. Por outro lado, a
concretização dos direitos fundamentais constitui objeto da ação do governo,
contudo, se por um lado o poder público encontra dificuldades para atender as
demandas da sociedade, por outro, existe a expectativa sobre aquilo que deve ser
considerado como tutela mínima do interesse público. Com efeito, a compreensão
jurídica das políticas públicas é fundamental para o entendimento sobre a
objetividade das ações do governo. Nesse contexto, a atuação do Judiciário
constantemente é alvo de críticas em face de interferências supostamente indevidas
no campo da política.

3.1 POLITICA PÚBLICA E DIREITO


A atuação do Estado em benefício da sociedade constitui o núcleo da ideia de
política pública. Nesse sentido, as leis são criadas para garantir a satisfação das
necessidades da coletividade. Na complexidade da determinação do que vem a ser
política pública, esta também pode ser compreendida como o padrão de conduta
que determina uma meta a ser alcançada a fim de melhorar algum aspecto social,
econômico ou político. É nessa ótica que a argumentação jurídica buscar
estabelecer uma finalidade coletiva. (BUCCI, 2002).
O aspecto de generalidade e abstração contido nas leis em sentido estrito
pode ser relativizado quando se trata de política pública, ou seja, conforme
supramencionado, as políticas públicas são programas de ação. Considerando esta
afirmação, é possível vislumbrar que tais normas podem ser concretas e objetivas.
Bucci (2002, p. 254) entende que:
[...] a aplicação das normas deixa de se fazer com base no seu
próprio texto ou nas decisões dos tribunais, mas passa também,
assumidamente, a incorporar a representação de outras noções,
como o senso comum, as regras heurísticas e em especial o enfoque
baseado no problema, na finalidade, no efeito perseguido, nos
princípios em jogo e nas prioridades. Entretanto, o risco dessa
interpenetração entre direito e política é a descaracterização da lei,
em sua peculiaridade, pela lógica das políticas, como vetores de
programas para a realização de direitos [...].
25

Em relação a aplicação da lei, conforme se pode depreender do trecho acima,


vários aspectos extrínsecos ao direito devem ser considerados. Com efeito, muitas
vezes não é possível chegar à solução de um caso concreto apenas a partir de uma
interpretação exegética. Nesse sentido, uma interpretação teleológica talvez seja
mais apropriada.

3.1.1 A formação do direito na base da política pública


A criação do direito, no campo das políticas públicas, faz das instituições
objeto de especial interesse devido a sua expressiva relevância nesse processo.
Ora, partindo-se da premissa de que o direito, enquanto ciência, busca seus próprios
métodos, independentes da política, é possível deduzir que, embora sejam fatores
distintos, é inegável a existência de conexões. Destarte, na busca pela compreensão
do fenômeno jurídico, em separado de questões morais, sociais, políticas, dentre
outras, há o risco de ocorrer um enfraquecimento no que diz respeito aos resultados
em termos de benefício para a coletividade. (BUCCI, 2013).
A argumentação acima informa que de fato existem ligações entre direito e
política, ou seja, não há como analisar o direito conforme uma visão Kelsiana. Com
efeito, na análise da matéria mencionada, a desconsideração dos aspectos morais,
sociais, políticos e econômicos, pode resultar em prejuízos para a sociedade.
Para a teoria institucionalista, as instituições representam o fenômeno que
antecede a criação do direito. Ora, isso explica os processos que levam a sua
formação. Não obstante, a título de exemplo, com o advento da União Europeia,
houve uma proliferação de normas jurídicas, o que, por sua vez, provocou uma
discussão sobre as fontes do direito, reforçando a ideia de que as regras sociais não
deveriam surgir apenas do esboço do Estado, mas também em outros contextos de
relações sociais. (BUCCI, 2013).
Conforme referido nos parágrafos acima, a existência de um espaço para
criação do direito na sociedade, desde que bem apreendido e adequadamente
formalizado, pode gerar o progresso da comunidade, ou seja, as políticas públicas
aqui são entendidas como maneiras de viabilizar a participação da sociedade na
gestão do Estado, democratizando as ações do governo, paralelamente ao processo
político em si.
26

3.2 EFETIVIDADE CONSTIUCIONAL E O PAPEL DO JUDICIÁRIO


Dentre as diferenças entre a Constituição e os demais instrumentos
normativos, os direitos fundamentais certamente são uma das mais importantes. O
protagonismo da Constituição no ordenamento jurídico faz necessária uma
interpretação a partir de instrumentos diferenciados. Assim, ao passo em que o texto
serve de base para a compreensão do interprete, a atividade de interpretar a norma
também confere sentido a esta. (PASSOS, 2014).
Conforme citado, a Constituição não é um instrumento jurídico estático, pois
ela pode sofrer transformações a partir da atividade de interpretação. Ao tempo em
que a lei fundamental avança no lapso temporal, a sociedade sofre transformações,
assim, a atividade de interpretação exige o mínimo de adequação da norma
constitucional a fim de conferir eficácia ao texto. Em outras palavras, as normas
constitucionais podem sofrer transformações sem que ocorra a alteração do texto, é
o que se chama de mutação constitucional. Nessa celeuma, a atividade de
interpretar é fundamental para garantir a aplicabilidade dos direitos sociais, pois de
nada adiantariam as normas se estas fossem criadas simplesmente para serem
contempladas, sem serem postas em prática. A atribuição do Poder Judiciário é
fundamental, vez que a efetividade da Constituição se confirma quando o interprete
busca dar vida ao texto, considerando o contexto jurídico, político e social dos
direitos fundamentais.

3.2.1 Concretização dos direitos fundamentais


De acordo com Bucci et al. (2001, p. 7) “A necessidade do estudo das
políticas públicas vai se mostrando à medida que se buscam formas de
concretização dos direitos humanos, em particular os direitos sociais”.
Dentre as observações acerca do raciocínio da autora, é importante
mencionar que os direitos fundamentais são os direitos humanos
constitucionalizados. Esses direitos foram incorporados à civilização ocidental por
meio de um processo de amadurecimento das relações humanas, com destaque
para a evolução histórica da estrutura do Estado, a partir do modelo absolutista,
como já estudado no capítulo I.
27

Bucci et al. (2001) argumenta que a constitucionalização dos direitos sociais


somente ocorreu no século XX, com a Constituição mexicana de 1917 e a
Constituição de Weimar, na Alemanha em 1919. Nesse diapasão, os direitos sociais
têm a principal função de garantir que as pessoas possam verdadeiramente gozar
do direito à vida, à liberdade, à propriedade, à liberdade de expressão, à
participação política e religiosa, à inviolabilidade de domicílio, à liberdade de reunião
e etc: são os denominados direitos de primeira geração.
Ocorre que, para o exercício de tais direitos, não basta apenas que o Estado
deixe de ser invasivo, ou seja, o Poder Público deve adotar uma postura positiva a
fim de assegurar a finalidade dos direitos sociais. Com efeito, caso contrário, como
um analfabeto poderia exercer o seu direito a livre manifestação do pensamento? Do
mesmo modo, como pode-se afirmar que um sem teto consegue exercer o direito a
intimidade? Para tanto, é por esta razão que existem os direitos sociais à educação
e moradia, ambos previstos no artigo 6º da Constituição Federal.
Apesar de a exequibilidade da Constituição depender de quanto o
seu texto corresponde ao equilíbrio real de forças políticas e sociais
em determinada momento - não basta uma Constituição bem escrita
para que ela seja cumprida e obedecida - há possibilidade de se
travar, pelas vias do direito e com base na Constituição, uma batalha
própria, capaz de melhorar as condições sociais, por meio da
garantia do exercício de direitos individuais e de cidadania a todos,
da forma mais abrangente possível. Nesse sentido, uma ordem
jurídica bem estabelecida pode ser instrumento significativo de
melhoria social. (BUCCI et al., 2001, p. 9).
O que se pode depreender do trecho acima, é que a concretização dos
direitos fundamentais passa pela Constituição. Contudo, não significa dizer que o
fato de estarem dispostos de modo expresso no texto, por si só, é capaz de
assegurar a melhoria das condições de vida da sociedade, tornando-a menos
exclusiva. Não obstante, ainda assim a Constituição é uma ferramenta indispensável
para a concretização dos direitos fundamentais, a tutela das condições de existência
e o respeito à dignidade da pessoa humana.

3.2.2 Garantia do mínimo existencial e reserva do possível


De acordo com os ensinamentos de Alexy (2001, apud SCAFF, 2005) a
liberdade jurídica de fazer ou deixar de fazer algo só possui algum valor, de fato,
com a existência da liberdade fática. Deveras, não existe liberdade quando não há
28

condições reais para seu exercício, isto é, sem os bens materiais e imateriais que
tornam possível o seu gozo.
Conforme se pode extrair do texto acima, para que a liberdade não seja
apenas um conceito jurídico restrito, isto é, incapaz de alcançar boa parte da
sociedade, devem existir meios idôneos que permitam o seu acesso. Com efeito,
quando se fala em bens imateriais para viabilizar o exercício das liberdades
públicas, fala-se em direitos sociais. Por outro lado, os bens materiais podem ser o
acesso à moradia, à alimentação, ao salário fruto do trabalho, dentre outros.
Segue o autor dizendo que “para um indivíduo tem importância existencial
não viver abaixo de um nível de existência mínimo, não estar condenado a um
permanente desemprego ou a não ficar excluído da vida social de sua época”
(ALEXY, 2001, apud SCAFF, 2005, p. 87).
Com efeito, o status de direito fundamental conferido aos direitos sociais é de
vital importância para garantir o mínimo existencial, de modo que, existe um patamar
mínimo a ser garantido, como por exemplo, a possibilidade de acesso à educação, a
existência de uma quantidade mínima de hospitais, a oferta de trabalho, a
viabilidade de acesso à moradia, a possibilidade de sair às ruas com o mínimo de
segurança, em outras palavras, tudo aquilo que é condição para existência digna
das pessoas. Desse modo, o conceito de mínimo existencial busca o primado da
liberdade e possui mais relevância em países emergentes como o Brasil.
A despeito disso, existe a ideia de reserva do possível. Sobre esta, ensina
Krell (2002, apud SCAFF, 2005, p. 89) que o conceito de reserva do possível é
oriundo do direito alemão, fruto de uma decisão da Corte Constitucional daquele
país, em que ficou assente que a satisfação de direitos subjetivos, por meio da
prestação material de serviços públicos por parte do Estado, se sujeita à condição
de disponibilidade dos respectivos recursos.
Nesses termos, a reserva do possível representa a ideia de racionalidade do
Estado, ou seja, aquilo que está ao alcance dos Poder Público para satisfazer os
anseios da sociedade. Por esse ângulo, o Estado não seria obrigado a criar vagas a
fim de atender a totalidade da demanda existente em educação, por exemplo. O
mesmo raciocínio segue nas demais áreas de vulnerabilidade social.

3.2.3 Legitimidade democrática


Conforme destaca Passos (2014, p. 64)
29

A questão da legitimidade da jurisdição constitucional é,


essencialmente, uma questão de filosofia política. Do ponto de vista
dogmático, não há maiores dúvidas quanto à possibilidade de o
órgão judicante intervir sobre todos os atos e omissões estatais, seja
por conta do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV,
da Constituição), seja pela previsão de instrumentos jurídicos como a
ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º, da
Constituição) e o mandado de injunção (art. 5º, LXXI, da
Constituição).
[...], é possível verificar que os pontos de controvérsia residem na
conveniência democrática da intromissão judicial em assuntos mais
próximos a funções típicas de outros poderes, tidos como mais
representativos da sociedade. Isso envolve o questionamento sobre
como a atividade judicante desenvolve-se e, especialmente, as
condições sob as quais o magistrado exerce suas funções.
Quanto a questão da legitimidade do Judiciário para controlar aquilo que
também é de interesse da sociedade, isto é, as políticas públicas, a resposta pode
ser encontrada na própria Constituição. Ora, a forma de organização do Estado
Democrático de Direito foi prevista pelo constituinte de 1988, nesse sentido, ele criou
algumas instituições cuja competência decorre diretamente da Constituição, dentre
elas, o Poder Judiciário. A dialética que confere a este Poder a legitimidade
democrática para controlar as ações dos outros poderes não é o princípio da
inafastabilidade da jurisdição. Com efeito, diferente do que ocorre com nos outros
poderes, o caráter democrático do judiciário não advém do processo eleitoral. Os
Chefes do executivo e parlamentares são legitimados pelo voto, contudo, essa não é
a lógica que confere representatividade aos agentes responsáveis pelo exercício da
jurisdição. A legitimidade do judiciário encontra seu fundamento do constituinte
originário, o qual foi eleito para sintetizar os interesses da nação, e, com esse
espírito, criou estrutura do Poder Judiciário. Deveras, o legislador constituinte criou
órgãos que atuam em defesa da democracia, ou seja, em defesa dos cidadãos.
Portanto, sempre que ocorre uma ameaça ou lesão ao interesse público, o Judiciário
está autorizado a agir em nome da sociedade.

3.3 CONTROLE DA POLÍTICA PÚBLICA


Inicialmente, cabe destacar que os estudos sobre o gasto dos recursos
públicos, bem como suas condicionantes jurídicas, não são tão expressivos quanto
os dedicados ao Direito Tributário, por exemplo. É verossímil que existe uma
preocupação em conhecer os limites do Estado no exercício do poder de tributar,
quase que inversamente proporcional ao destino que se dará aos recursos depois
30

de arrecadados. O desperdício, a ineficiência e a incompatibilidade com as diretrizes


da Constituição fazem do controle das despesas públicas gênero de primeira
necessidade. (BARCELOS, 2007).
De acordo com a citação acima, a condição precária dos serviços públicos,
das escolas, dos hospitais, dos presídios, dentre outros, em contraposição aos
gastos com publicidade do governo, evidencia, no mínimo, um certo descompasso
entre promoção dos direitos fundamentais e a gestão dos recursos do Estado.
Não obstante, em face da suposta incapacidade dos mecanismos de controle
internos, o controle externo deve ser utilizado para aferir determinados aspectos das
políticas públicas. A identificação de parâmetros, o acesso a informação e a
elaboração de instrumentos específicos podem ser controlados. Nesse diapasão, o
controle das decisões do Poder Público consiste em identificar qual deve ser a
prioridade do Estado, para tanto, o parâmetro utilizado é a Constituição. Com efeito,
a meta prioritária não está na norma infraconstitucional ou na livre decisão do gestor,
mas sim, na Constituição. (BARCELOS, 2007).
Conforme citado acima, é evidente que o gestor público está obrigado a
priorizar as políticas públicas que dizem respeito as necessidades da sociedade que
foram apontadas pelo constituinte originário. Tais necessidades, via de regra, são os
direitos fundamentais, portanto, nem mesmo podem ser objeto de reforma, por se
tratarem de cláusulas pétreas. Em consequência, as decisões do poder público
acerca das políticas públicas, obviamente, também devem ser submetidas ao
controle Judicial.

3.3.1 Objeto do controle


Segundo Bonat, Neto e Quetes (2016), a concretização dos direitos sociais,
por meio do controle judicial das políticas públicas, constitui a última alternativa para
o problema. Isso se deve ao fato de que boa parte da população brasileira não tem
acesso ao Judiciário. Quando os mecanismos de controle interno e social destinados
às políticas de atendimento ao cidadão são insatisfatórios, surge a necessidade do
controle judicial. Assim, a tutela dos direitos via jurisdição pode variar de acordo com
o objeto a ser controlado. O controle em face do objeto, a exemplo da fixação de
metas e prioridades, ou do resultado final esperado, denota o conteúdo. Por esta
razão, as políticas públicas podem ser objeto de controle em abstrato.
31

Ora, o disposto acima se refere especificamente ao controle concentrado de


constitucionalidade, previsto no art. 102, Inciso I, alínea a, da Constituição Federal e
na lei 9.868/99. A propósito, o processamento das ações do controle concentrado,
em face de normas dotadas de abstração e generalidade, é de competência do
Supremo Tribunal Federal, seja no âmbito federal ou estadual. Contudo, as normas
estaduais também se sujeitam ao controle dos Tribunais de Justiça dos Estados.
Nesse sentido, é o que dispões os artigos da constituição citados abaixo:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar,
originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo federal ou estadual. (BRASIL. 2016, p. 68).
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os
princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º A competência dos
tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de
organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. § 2º Cabe
aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade
de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da
Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a
um único órgão. (BRASIL. 2016, p. 79).
Assim, observa-se que essa modalidade de controle judicial ocorre em face
da própria lei ou ato normativo, desde que este seja dotado de abstração e
generalidade.
Por outro lado, a quantidade de recursos a serem alocados para
determinada política pública, o cumprimento das metas estabelecidas pelo gestor
público, a eficiência mínima esperada em relação a aplicação dos recursos, pode
ensejar o controle jurisdicional do próprio processo decisório, bem como da
execução da política pública pelo Poder Público. (BONAT, NETO, QUETES, 2016).
O trecho acima se refere especificamente ao controle difuso, realizado em
concreto, em outras palavras, o ato de administrar do gestor público passa a ser o
objeto de controle. Importante destacar que o controle judicial é realizado em face de
legalidade, e não do mérito, ou seja, se a política pública é de boa ou má qualidade
é uma análise que não cabe ao Judiciário. Diferente do controle em abstrato, no
controle difuso há partes no processo.
Nesse segmento, a política de desoneração de folha de pagamento serve
para ilustrar o caso em tela:
Em relação a quantidade dos recursos investidos pelo poder público,
a possibilidade de controle judicial da desoneração da folha deve ser
analisada a partir dos reflexos desta política pública na promoção de
outros direitos sociais. Isto porque, a renúncia fiscal decorrente da
desoneração retira recursos que poderiam ser destinados a
32

efetivação de direitos fundamentais. (BONAT, NETO, QUETES,


2016, p. 31).
Conforme destacado acima, a chamada desoneração da folha de
pagamento foi instituída pela Lei 12.546/2011 e regulamentada pelo Decreto
7.828/2012. Em síntese, essa lei modificou a base de cálculo e alíquotas das
contribuições previdenciárias patronais. Em termos gerais, as sociedades
empresárias passaram a recolher a contribuição nas alíquotas de 1% ou 2% sobre
receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de pagamento, como era feito antes.
Trata-se de uma medida que consiste em reduzir a tributação das empresas,
objetivando a criação de novos postos de trabalho, ou seja, uma política pública para
expandir direitos sociais.
A lógica é simples, quanto menos impostos uma empresa paga sobre a folha
de pagamento, maior será o ímpeto de contratar novos empregados. Contudo, o
resultado da desoneração foi insatisfatório, uma vez que, para cada emprego criado
ou preservado, havia um custo de R$ 5.250,00 mensais, ou seja, um valor muito
superior ao valor do salário mínimo, representando um elevado custo fiscal para o
Estado. (BONAT, NETO, QUETES, 2016).
Pois bem, no objeto em análise, o controle judicial pode surgir em face da
constitucionalidade da norma, ou da gestão irregular do Poder Público sobre esta,
uma vez que seus efeitos causam déficit orçamentário, desse modo, obstaculizando
a promoção de outros direitos sociais. Com efeito, caso os resultados da política
pública sejam excessivamente onerosos para o Estado, o judiciário pode ser
acionado para garantir o cumprimento da Constituição e, assim, aferir a regularidade
ou desvio na gestão dos recursos públicos.
No caso em exame, demonstraram-se anteriormente os impactos
econômicos da desoneração da folha no orçamento do Poder
Público, bem como a relação do valor da renúncia fiscal e a criação e
preservação de empregos. Expôs também como a renúncia de
arrecadação pela Administração Pública pode impactar de forma
negativa na promoção dos direitos fundamentais, notadamente os
denominados direitos sociais. (BONAT, NETO, QUETES, 2016, p.
31).
Conforme se depreende do trecho acima, fica evidente que deve existir um
acompanhamento após o processo de implementação da política pública, com o
intuito de identificar se verdadeiramente ela irá gerar resultados capazes de justificar
a renúncia fiscal. Em outras palavras, se será benéfico para a sociedade em geral
que o Estado deixe de receber recursos em favor da criação de novos postos de
33

trabalho. Não obstante, se os resultados são insatisfatórios e, ainda assim, a política


pública não é reformulada, o controle jurisdicional pode ser acionado para estancar a
condição que gera prejuízo aos cofres públicos injustificadamente.

3.3.2 Instrumentos processuais


A partir do estudo dos tópicos anteriores, se faz necessária uma análise
acerca dos instrumentos processuais que podem ser empregados na tutela das
políticas públicas.
Nesses termos, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) a Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) e a Argüição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) são instrumentos processuais cujo o objetivo é aferir a
constitucionalidade das normas ou a omissão das mesmas, em sede de controle
concentrado de constitucionalidade. Com efeito, se as políticas públicas, via de
regra, são formalizadas por meio de comandos legais, logo, esses instrumentos
devem ser utilizados para dirimir controvérsias sobre estas. (BRASIL, 2016).
Não obstante a importância das ações do controle concentrado citadas acima,
a Constituição também prevê instrumentos de controle dos atos do Poder Público
que já se encontram em fase de execução. A Ação Popular, prevista no art. 5º,
inciso LXXIII, da Constituição de 1988, pode ser proposta por qualquer cidadão para
“anular ato lesivo ao patrimônio público, [...] à moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”. (BRASIL, 2016, p. 17). No mesmo
sentido, o § 6º do art. 128, da Constituição Federal, que dispõe sobre o Ministério
Público, contempla a Ação Civil Pública para “proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. (BRASIL, 2016,
p. 82).
Conforme citação da lei, é possível concluir que a Ação Popular e a Ação Civil
Pública, ambas podem ser utilizadas para combater os desvios nas políticas
públicas.
Ante o contexto, segue abaixo alguns julgados nesse sentido:
34

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TERCEIRO SETOR.
MARCO LEGAL DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS. LEI Nº 9.637/98 E
NOVA REDAÇÃO, CONFERIDA PELA LEI Nº 9.648/98, AO ART. 24,
XXIV, DA LEI Nº 8.666/93. MOLDURA CONSTITUCIONAL DA
INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO E
SOCIAL. SERVIÇOS PÚBLICOS SOCIAIS. SAÚDE (ART. 199,
CAPUT), EDUCAÇÃO (ART. 209, CAPUT), CULTURA (ART. 215),
DESPORTO E LAZER (ART. 217), CIÊNCIA E TECNOLOGIA (ART.
218) E MEIO AMBIENTE (ART. 225). [...] INEXISTÊNCIA DE
OFENSA À CONSTITUIÇÃO. AÇÃO DIRETA JULGADA
PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA CONFERIR
INTERPRETAÇÃO CONFORME AOS DIPLOMAS IMPUGNADOS.
1. A atuação da Corte Constitucional não pode traduzir forma de
engessamento e de cristalização de um determinado modelo pré-
concebido de Estado, impedindo que, nos limites constitucionalmente
assegurados, as maiorias políticas prevalecentes no jogo
democrático pluralista possam pôr em prática seus projetos de
governo, 3 moldando o perfil e o instrumental do poder público
conforme a vontade coletiva. (STF, 2015, p. 1)
EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE
CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO
PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE
ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA
JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL
À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E
CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE
CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM
TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL".
NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS
INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO
NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL".
VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE
DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS
LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE
SEGUNDA GERAÇÃO). [...] A omissão do Estado - que deixa de
cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo
texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da
maior gravidade políticojurídica, eis que, mediante inércia, o Poder
Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos
que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas
concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios
da Lei Fundamental. (STF, 2004, p. 1)
EMENTA: CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL
CIVIL. AÇAO POPULAR. INCENTIVOS PARA O SETOR
AUTOMOTIVO. POLÍTICAS PÚBLICAS. DISCRICIONARIEDADE
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE
INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. 1. Não há qualquer
ilegalidade na concessão de incentivos ao setor automotivo diante
dos reflexos sócio-econômicos decorrentes de sua aplicação. 2.
Múltiplos são os incentivos fiscais concedidos pelo Poder Executivo,
35

com objetivo claro de dar atendimentos aos parâmetros do art. 3º e


seus incisos da Constituição Federal . 3. A discricionariedade da
escolha de tais políticas não poderia de qualquer forma vir a ser
modificada pelo Poder Judiciário, exceto na hipótese de manifesta
ilegalidade, o que não é o caso dos autos. Os motivos determinantes
do ato perpetrado encontram-se expressos no referido acordo:
redução dos custos da produção doméstica; aumento dos
investimentos; expansão das exportações do setor automotivo;
melhoria do balanço de pagamentos nacional a médio e a longo
prazos; aumento da eficiência e competitividade da economia e
busca do pleno emprego. 4. O IPI tem características próprias, dentre
elas a sua utilização com efeitos extrafiscais, ou seja, pode ter suas
alíquotas alteradas em face do interesse social veiculado
em políticas públicas do Governo Federal. 5. Reexame necessário
desprovido. (TRF-3, 2009, p. 1)
EMENTA: “DIREITO CONSTITUCIONAL. SEGURANÇA PÚBLICA
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE
INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER
EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 144 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. 1. O direito a segurança é prerrogativa constitucional
indisponível, garantido mediante a implementação de políticas
públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições
objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível
ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado,
quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente
previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder
discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental
improvido.” (STF, 2013, p. 2)
Da análise da jurisprudência acima, sem considerar o mérito, é possível
demonstrar na prática o emprego dos instrumentos processuais utilizados. Com
efeito, é através desses instrumentos que o Poder Público é submetido ao crivo do
Poder Judiciário, face as controvérsias decorrentes da ação ou omissão em relação
as políticas públicas.

3.3.3 Separação dos poderes


Conforme ensina Passos (2014, p.41) “o Poder Judiciário desenvolve a
função de zelar pela imperatividade das normas jurídicas, inclusive as
constitucionais. Neste último caso, contudo, a atividade judicante tangencia
problema de difícil solução”.
Quando se trata de norma infraconstitucional, assegurar o seu cumprimento é
tarefa menos complexa do que fazer valer a Constituição. Tal premissa é verdadeira
quando se considera que parte das normas constitucionais são de natureza
programática ou principiológica. Em outras palavras, a interpretação da norma
36

fundamental exige mais do julgador do que as demais normas que compõem o


ordenamento jurídico. A Constituição cria o Estado, faz surgir as instituições, defini
competências, determina horizontes para a sociedade, ou seja, envolve muito mais
elementos do que uma norma de direito civil ou penal, por exemplo. Logo, a
interpretação constitucional feita pelos juízes e tribunais colide de modo contumaz
com interesses de natureza política, social e econômica.
Tais preceitos constitucionais não podem ser compreendidos como
normas exclusivamente programáticas, sujeitas à discricionariedade
legislativa e executiva para sua implementação, sob pena de
esvaziamento de seu conteúdo e desobediência, por via de
consequência, da finalidade ontológica do próprio Estado. (PASSOS,
2014, p. 42)
Da citação mencionada, é possível extrair a ideia de que a norma posta não
se trata de uma possibilidade a ser apreciada pelas casas legislativas ou pelo gestor
público. Ora, se assim o fosse, de nada serviriam os princípios constitucionais, a não
ser pela sua eficácia negativa. Contudo, quando se fala em postura ativa do Estado,
se espera que este atue para implementar as promessas do constituinte, de modo
que quando ocorrem omissões, a apreciação do judiciário acaba gerando dúvidas
sobre o princípio da separação dos poderes.
De acordo com Passos, (2014):
A Constituição de 1988, inequivocamente, adotou o modelo
montesquiano de separação de poderes. Tal afirmativa sobressai da
delimitação dos três poderes que compõem a União (art. 2º), bem
como da sistemática de pesos e contrapesos estabelecida
constitucionalmente, adequando-se ao raciocínio do autor francês. A
separação de poderes foi elevada, inclusive, à condição de cláusula
pétrea (art. 60, § 4º, III). Desse contexto, os opositores da
intervenção judicial sobre as políticas públicas afirmam que tal
comportamento invade o plexo de competências atribuído aos outros
dois poderes, incorrendo em inconstitucionalidade.
Conforme citado, o princípio da separação dos poderes está previsto no art.
2º da Constituição Federal. De modo expresso, o texto afirma que os Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário devem ser independentes e harmônicos entre si.
Contudo, é importante destacar que o contexto histórico em que esse princípio foi
formulado remonta o Estado Absolutista.
“Em tempos atuais, a adoção do modelo montesquiano, sem qualquer
adaptação, traz por consequência um Judiciário perigosamente débil e confinado,
em essência, aos conflitos privados” (PASSOS, 2014, p.45).
37

Nas palavras do autor acima, vislumbra-se que o princípio da separação dos


poderes entendido como limite do controle judicial em nada contribui para a
evolução da sociedade. Os outros poderes precisam se submeter ao controle de
legalidade feito pelo judiciário. Com efeito, o Judiciário não atua de ofício, para tanto,
deve ser provocado. Quando ocorre alguma interferência nesse sentido, é porque
houve alguma supostamente irregularidade que precisa ser apurada. Desde que a
jurisdição seja exercida mediante provocação, garantindo-se o direito ao
contraditório, ampla defesa, devido processo legal e duplo grau de jurisdição, a
atuação judicial pode intervir no controle dos atos do Poder Público. O limite são os
princípios processuais. Se estes não forem respeitados e as decisões se
fundamentem em fatos estranhos à legalidade, os limites estarão sendo
ultrapassados.
38

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O primeiro objetivo desse trabalho foi realizar um estudo sobre os elementos:


Estado, governo e administração pública. Através da análise do processo histórico,
foi demonstrado que o Estado surge no século XV a partir das alterações, de
natureza econômica e social, que surgiram com o capitalismo e, posteriormente,
passa por um processo evolutivo que culmina no Estado democrático de direito.
Após as considerações sobre o Estado, passou-se então ao estudo do governo,
onde foi trabalhado suas finalidades e relações com a política e democracia. Ao
final, foram feitas algumas considerações sobre a administração pública, com o
objetivo de demonstrar as peculiaridades e diferenças desta para o governo.
Em um segundo momento, a partir do estudo das finalidades do Estado
democrático e do papel do governo, foram abordadas as políticas públicas. As ações
desenvolvidas em benefício da coletividade consagram a ideia geral de políticas
públicas. As condições para a formulação destas exigem planejamento, contudo, a
escassez de recursos à disposição do Poder Público reclama a necessidade de listar
uma ordem de prioridades.
Por fim, o último objetivo proposto nessa pesquisa foi o estudo da
judicialização das políticas públicas. As causas que ensejam a interferência do poder
Judiciário na atividade dos outros poderes. Desta análise, foi possível observar que
as políticas públicas têm uma certa relação com o direito, e que os direitos
fundamentais sociais foram constitucionalizados, contudo, a implementação de uma
agenda positiva que leve em consideração realmente a implementação desses
direitos passa pelo Judiciário. A importante tarefa desse poder é garantir a
imperatividade das normas, logo, da Constituição. O princípio da separação dos
poderes foi idealizado para evitar a concentração de poderes em um período de
graves intransigências do Poder Público, contudo, nos dias atuais, esse princípio
não pode ser usado de escudo para afastar a apreciação de irregularidades e
abusos. Com efeito, se as políticas públicas são formuladas por meio de leis e
implementadas pelo Poder Executivo, a priori, qualquer suposta irregularidade deve
ser levada ao Judiciário para que a Constituição não corra o risco de ser
desrespeitada.
39

REFERÊNCIAS

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