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O QUE É
MARXISMO
editora brasiliense
Jo sé Paulo N etto
O QUE É
MARXISMO
editora brasiliense
C opyright © by José Paulo N etto, 1985
9“ edição, 1994
2a reim pressão, 2009
ÍNDICE
Revisão: José W. S. Moraes e Omito. A. Costa Jt:
Capa e ilustrações: Gilberto Miadaira
D a d o s In tern acion ais de C a t a l o g a ç ã o na P u blic aç ã o (CIP) Riscos e razão deste liv rin h o ........................
( C â m a r a B r a s i l e ir a do Livro, SP, B r a s il) __________ Os pressupostos da teoria social de Marx , .
Netto, José Paulo Uma teoria da sociedade burguesa .............
O que é marxismo / José Paulo Netto
São Paulo : Brasiliense, 2006 - (Coleção primeiros) O nascimento do marxismo ........................
passos : 148) O marxismo-ieninismo.................................
1“ reimpr. da 9 ed. de 1994. A ultrapassagem do marxismo ....................
ISBN 8S-11-01148-X Conclusão: Apenas uma introdução...........
I. Comunismo 2. Marx, Karl, 1818-1883 3. Socialismo Indicações para le itu r a ............. ...................
1. Título II. Série.
idéias e tamanhas polêmicas? Mais: supondo que defendo a tese de que há marxismos, vertentes
este resumo seja viável, como não viciá-lo a partir diferenciadas e alternativas de uma já larga tra
da sua própria posição em face do tema? E também dição teórico-política. A hipótese de um mar
riscos do lado do leitor: a tendência a buscar ver xismo único, puro e imaculado remete mais à
dades e fórmulas conclusivas, guias e modelos, o mitologia política e ideológica do que à crítica
desejo de encontrar soluções mais ou menos fáceis racional.
para indagações que freqüentam as nossas preo Imagino que o texto que preparei contém mo
cupações, imediatas ou não. tivos de sobra para desagradar aos especialistas
De fato, esses riscos são inevitáveis. E não vejo de todos os matizes: aos marxóiogos, que disse
como eliminá-los. Creio apenas que podemos, autor cam Marx como peça do passado; aos marxizan-
e leitor, colocar as cartas na mesa para estabelecer tes, que tiram da obra de Marx o que lhes convém;
as nossas regras. Nisto, levo a vantagem da jogada e aos marxistas acadêmicos de qualquer tipo (os
inicial — portanto, que o leitor se precavenha. E dogmáticos e os dissidentes, todos ganhando a
sua cautela deve começar logo, a partir desta linha: vida exatamente graças à suposição da existência
duvide, ponha em questão, discuta com outras desse algo chamado "o marxismo"). Além de todos
pessoas, leia mais (as sugestões bibliográficas que os problemas que eventualmente eles levantarão,
ofereço ao final são somente um leque de outros sempre com algum fundamento, provavelmente vão
"primeiros passos"), numa palavra, questione começar por perguntar como é possível tratar do
todas as minhas afirmações. tema a partir do mote "o que é?"
Rapidamente, apresento meus trunfos: 1. penso Reconheço a legitimidade desta reserva prelim i
que a obra original de Marx (a obra marxiana) é nar, como se verá na conclusão destas páginas. No
uma teoria da sociedade burguesa e da sua ultra entanto, se eles (e principalmente o leitor) conce
passagem pela revolução proletária; 2. considero derem que tentei menos responder a esta questão
esta obra necessária, mas não suficiente, para ex e mais facilitar os “ primeiros passos" para reflexões
plicar/compreender e revolucionar o mundo con sérias, então ficará óbvia a razão deste opúsculo.
temporâneo; 3. julgo que todas as ideias de Marx
(bem como de seus seguidores) devem ser testadas
e verificadas sempre, jamais constituindo verdades
imutáveis e evidentes por si mesmas; 4. enfim, sus
tento que não existe algo como "o marxismo” ;
0 que é marxismo 11
estabelecimento do mundo burguês abriu uma É exatamente diante dessa questão crucial que
etapa de desenvolvimento sócio-humano que, pre se articula e define o pensamento sobre a sociedade
viamente, sequer seria vislumbrada. próprio do mundo burguês. Entre a preparação
No período que estamos considerando, a pri ideológica da Revolução Francesa e 1848 — ou
meira metade do século 19, o mundo burguês seja, do lluminismo à onda contra-revolucionária
(então assentado nas bases do capitalismo concor que sucedeu à insurgência operária — , construí
rência!) se ergue com toda a sua força. E, ao plas ra-se um bloco cultural progressista, que procura
mar um novo modo de vida, também cria os parâ va apanhar com objetividade a dinâmica da socie
metros para outras formas de pensamento — justa dade e da história. Trata-se de um pensamento que
mente as matrizes culturais a que aludimos. E elas valoriza a racionalidade, sustenta que a realidade
surgem ligadas à questão-chave que, naquele pode ser conhecida e que não há motivos para es
momento, se põe no coração mesmo do mundo camotear as contradições que nela surgem. Neste
burguês: a questão da revolução proletária. bloco cultural, expressão mais alta das expectati
Com efeito, já a constituição do mundo burguês vas dos setores burgueses mais esclarecidos, desta
envolve, em plano histórico-universal, um decisivo cavam-se basicamente duas vertentes: a economia
confronto de classes. Nos primeiros cinqüenta anos política inglesa e a filosofia clássica alemã.
do século 19, este enfrentamento vem à luz com Considerando-se os traumatismos causados pela
clareza meridiana: as insurreições proletárias de implantação da ordem burguesa, compreende-se
1848 e sua repressão pela burguesia (associada à que esse veio cultural não fosse nem único nem
nobreza que ela viera de derrocar) liquidaram as homogêneo. Às suas diferenças internas somava-se
“ ilusões heróicas" da Revolução Francesa e pu a existência paralela de um pensamento restaura
seram a nu o caráter opressor da organização social dor e um protesto romântico. O pensamento res
dela derivada. 0 movimento dos trabalhadores ur taurador, de claras conotações católicas e ranços
banos, embrionário no final do século 18, avan místicos, lamentava a "anarquia" trazida pela
çando por diferentes e sucessivas etapas, transita revolução burguesa e a liquidação, pelo capitalis
do protesto negativo em face da exploração capi mo, das "sagradas instituições" da feudalidade — e
talista para um projeto político positivo de classe: recusava firmemente as novas formas sociais em-
a revolução socialista. A partir daí, é possível ao basadas na dessacralização do mundo e no inter
proletariado colocar-se como sujeito históríco- câmbio mercantil. 0 protesto romântico, criti
pol ítico autônomo. cando a prosaica realidade burguesa, escapava dos
J o s é Pa u l o N e t t o O que é marxismo
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dilemas sociais do presente mediante a idealização intercorrência da cultura produzida pelos melhores
da Idade Média e, em face das misérias contempo intelectuais do Ocidente (dos iluministas a Smith,
râneas, refugiava-se num passado idílico. Ricardo, Goethe e Hegel) com as demandas socio-
A inflexão histórica de 1848, circunscrevendo o econômicas e políticas dos operários euro-ociden-
espaço sociopolfíico da burguesia e explicitando tais. 1rata-se do decisivo encontro do universo da
a natureza de classe da sua dominação, selou a cuItura com o universo do trabalho, » cultura como
sorte do bloco cultural progressista: suas conquis conhecimento e projeção da socLdade, os represen
tas foram apropriadas pelos revolucionários e isso tantes do trabalho como agentes revolucionários.
bastou para que os representantes da ordem recha é desnecessário realçar que esse fenômeno, mui
çassem a sua influência. A partir dai, os ideólogos to complicado, resultou r'a concorrência de inúme
burgueses, para responder ao movimento operário ras variáveis. 0 que me interessa sublinhar, antes
e combater a perspectiva da revolução, recorrem de tudo, é que nele estão dadas as condições sobre
cada vez mais ao arsenal de idéias contidas nas as quais Marx erigirá a sua obra. E, do que se disse,
propostas restauradoras e românticas. há três conseqüências que devem ser destacadas.
Como se vê, a evolução do pensamento sobre a Em primeiro lugar, fica claro que a teoria de
sociedade burguesa tem em 1848 um divisor de Marx se beneficiou diretamente da experiência
águas: desde então, ele se fratura em dois campos cultural que a precedeu; neste sentido, Marx é
opostos — o que se vincula à revolução e o que continuador de uma grande tradição cultural. Em
contrasta com ela. Mesmo que este não seja um segundo lugar, subentende-se que Marx é um
corte absoluto e que o desenvolvimento de ambos (embora o maior) dentre muitos teóricos que, no
se conecte com insuspeitada freqüência, aqueles processo em curso àquela época, passando para as
dois campos delimitam o terreno das grandes matri fileiras do movimento operário, procurou fundir
zes da razão moderna: a teoria social de Marx e o o patrimônio cultural existente com a inter
pensamento conservador, produto da conjunção venção política do proletariado. Enfim, paten
dos veios restauradores e românticos. teia-se que a construção teórica de Marx é um
0 que se pretende enfatizar com essas observa componente das muitas formulações que, ao
ções é um fenômeno histórico de extrema signifi tempo, se estruturavam no seio do movimento
cação; a intercorrência, no fim da primeira metade operário — quer dizer: este movimento era (e é)
do século 19, de um específico movimento cultural mais abrangente que a sua expressão teórica
com um específico componente sociopolítico — a marxiana (e marxista).
16 J o s é Pa u l o N e t t o O que é marxismo 17
Na verdade, o que estou a fazer é sumariar os podem percebê-lo como fruto de suas ações e
pressupostos da obra de Marx. Já sugeri dois desempenhos. Em síntese: é na sociedade burguesa
deles: o cultural e o polftico. Há outro, mais que os homens podem compreender-se como atores
substantivo, e que precisa ser referido: o pressu e autores da sua própria história.
posto histórico-social que viabilizou o desenvol Mas esta é apenas uma possibilidade. Como a
vimento da reflexão de Marx. sociedade burguesa se funda na exploração e na
Uma compreensão teórica rigorosa da socie opressão da maioria peia minoria (e nisso ela não
dade só é possível à medida que o ser social se distingue de sociedades anteriores), a sua dinâ
pode aparecer aos homens como aigo específico, mica produz, para legitimá-la minimamente, me
isto é, como uma realidade que, necessariamente canismos que ocultam estes seus atributos. Tais
ligada à natureza (ao ser natural, orgânico e inor mecanismos — a alienação e a reificação, conecta
gânico), tem estrutura, dinâmica e regularidades das ao "fetichism o da mercadoria", que Marx estu
próprias. Enquanto o ser social é identificado dou especialmente no primeiro capítulo d'0
como igual ao ser natural, ou visualizado como Capita! — são necessários: a sociedade burgue
uma extensão dele, o pensamento que o analisa sa não pode existir sem eles, que acabam por
acaba trabalhando com analogias e transferindo criar uma aparência coisificada da realidade so
para o plano da sociedade concepções que só são cial. Esta aparência mistifica os fenómenos so
válidas para o plano da natureza. ciais: eia esconde que os fenômenos são proces
Ora, é somente quando se instaura a socie sos, mostra-os sob a forma de coisas, alheias
dade burguesa que o ser social pode surgir à cons aos homens e às suas relações (por exemplo: o
ciência humana como um ser que, condicionado capital, que é uma relação social, aparece como
pela natureza, é diferente dela. Como Marx assi dinheiro, equipamentos etc.).
nalou, a sociedade burguesa (o capitalismo) "socia A contradição é real: a sociedade burguesa, ao
liza" as relações sociais: estas podem ser apreendi mesmo tempo que abre a possibilidade para tomar
das pelos homens não como resultantes de desíg o ser social tal como ele é (processo que tem
nios e vontades estranhos a eles, mas como produto regularidades próprias), bloqueia esta apreensão.
de sua interação, de seus interesses, de seus confli Quer dizer, simultaneamente à chance de uma
tos e de seus objetivos. Na sociedade burguesa, o teoria social verdadeira, que apanhe o caráter e
processo social — ao contrário das sociedades pre a dinâmica da sociedade, coloca-se o conjunto de
cedentes — tem características tais que os homens mecanismos que a obstaculizam.
J o sé P a u l o N etto O que é marxismo 19
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Uma teoria social veraz, que desvende a estru A teoria social de Marx, pois, tem como objeto
tura real da sociedade burguesa, revelando os seus a sociedade burguesa e como objetivo a sua ultra
instrumentos de exploração, opressão e reprodu passagem revolucionária: é uma teoria da socie
ção, logicamente só interessa àqueles que perse dade burguesa sob a ótica do proletariado, buscando
guem um objetivo que ultrapasse os quadros da dar conta da dinâmica constitutiva do ser social
ordem vigente. A esta e seus defensores, impor que assenta na dominância do modo de produção
tam conhecimentos que lhes permitam gerenciar capitalista. Sua estreita relação com o movimento
o estabelecido — promovendo os ajustamentos e operário, aliás, não é externa. Antes, é uma relação
as reforças necessárias em momentos de crise, pre interna e orgânica: a obra marxiana concretiza, no
venindo eventuais situações de colapso. Isso sig plano teórico, o ponto de vista sociopolítico de
nifica, entre outras coisas, que uma teoria social classe do proletariado. Conhecimento do mundo
também é função de um ponto de vista de ciasse: burguês, vinculada umbilicalmente ao projeto revo
m uito dificilmente o ponto de vista da(s) classe(s) lucionário, a teoria social de Marx é uma daquelas
dominante(s) possibilita a um estudioso romper matrizes culturais do mundo contemporâneo a
com as limitações que as contingências dos inte que inicialmente fizemos referência.
resses de conservação da ordem social lhe impõem. A outra matriz importante procede da transfor
Retomemos o fio do nosso argumento. Em mação subseqüente do pensamento restaurador e
meados do século 19, estavam dados os pressupos romântico que se adequa às necessidades de conser
tos para a emergência de uma teoria social capaz vação, gestão e reforma da sociedade burguesa.
de apreender a estrutura íntima da sociedade bur Partindo dos "fatos sociais” como realidades
guesa — a tradição cultural acumulada desde o objetivas indiscutíveis, este pensamento aceita
lluminismo, a visibilidade do ser social como tal acriticamente a aparência imediata dos fenômenos
e um movimento revolucionário a partir de cujos sociais e sobre ela constrói as suas reflexões. Basica
interesses de classe era possível ultrapassar a apa mente, é o positivismo e todas as suas derivações
rência coisificada dos fenômenos sociais. Marx é posteriores, que não podem ser vistas apenas como
o pensador que funda esta teoria, num processo equívocos, mas sobretudo como a incapacidade de
intelectual em que, legatário daquela tradição, ele o pensamento romper com os mecanismos da alie
inaugura um modo radicalmente novo de com nação e da reificação — incapacidade socialmente
preender a sociedade burguesa — compreendê-la condicionada, quer pelo ponto de vista de classe
para suprimi-la. dos seus representantes, quer pelo arsenal teórico
20 J osé Paulo N etto
de que se valem.
A esse pensamento conservador, tão marcante-
mente influenciado pelos movimentos epide'rmicos
da sociedade burguesa, devemos a constituição e o
florescimento das chamadas ciências sociais, disci
plinas particulares e autônomas que, nas suas espe
cializações e procedimentos, reproduzem as cristali
zações e as divisões que existem na superfície da
sociedade. UMA TEORIA
É supe'rfluo observar que o desenvolvimento DA SOCIEDADE BURGUESA
dessa matriz positivista (bem como das suas ulte
riores inflexões, como o funcionalismo, o estrutu-
ral-funcionalismo, o neopositivismo estrito, o estru
turalismo), tendo sempre, franca ou veladamente, Como terei oportunidade de sugerir, os marxis
Marx como interlocutor, não excluiu a continui tas (e não só eles) encaram de maneira muito varia
dade e a renovação das tendências místicas e mito- da a obra de Marx. As interpretações são numero
logizantes que se abrigavam na gênese do pensa sas, às vezes conflitantes, às vezes complementares.
mento conservador. Aparentemente contrapostas, Penso que uma abordagem válida (mas igual
a matriz positivista e essas posturas irracionalistas mente polêmica) é aquela que toma a obra mar
dão-se as mãos para prover a sociedade burguesa xiana como sendo, essencialmente, uma teoria da
de legitimações ideológicas. sociedade burguesa: um complexo sistemático de
Assim, ao contrário do que asseguram muitos hipóteses verificáveis, extrafdas da análise histórica
estudiosos, o século 19 não está “ superado": as concreta, sobre a gênese, a constituição e o desen
principais matrizes intelectuais nele emergentes volvimento da organização social que se estrutura
estão mais vivas e atuantes que nunca - num pólo, quando o modo de produção capitalista se torna
a inaugurada por Marx; noutro, a estabelecida pelo dominante. Naturalmente que não há condições,
positivismo. E talvez não seja falso supor que isto num íivro como este, de extrair todas as conse
não se modificará substancialmente antes que o qüências e implicações desta abordagem. Eu me
processo histórico remova definitivamente da cena limitarei ao realce dos traços gerais da obra de
o mundo burguês. Marx a partir deste enfoque.
22 J osé Paulo N etto O que c marxismo 23
No capítulo precedente, vimos que a obra de para arrolar os seus livros principais — o pensador
Marx não surge na cultura e na história ociden alemão que nasceu em Trèves, viveu na França e
tais como um raio inesperado em céu sereno. Re na Bélgica e, depois de 1850, experimentou o
sultante de um contexto sociopolítico determi exílio em Londres, deixou um acervo de textos e
nado, ela é uma resposta aos problemas colocados uma copiosa correspondência que, ainda hoje, se
pela sociedade burguesa e uma proposta de inter oferecem como um vasto campo para a pesquisa.
venção que tem como centro a classe operária. Mas é de assinalar que sua obra é fruto de uma longa
Esses dois aspectos são inseparáveis, é a partir maturação, que ocupa pelo menos dois quintos do
da perspectiva da revolução que Marx pensa a tempo em que Marx trabalhou. Com efeito, na sua
sociedade burguesa; a prática política que pode trajetória intelectual (de 1841 até o início da dé
conduzir à ultrapassagem desta sociedade fornece- cada de 80) são perceptíveis momentos diferencia
lhe o ponto arquimediano do qual arranca a sua dos, interrupções e retomadas.
reflexão. A perspectiva revolucionária confere A existência de giros nessa evolução complicada
sustentação social ao caráter radicalmente crítico deu motivo a interpretações que chegam a opor
da teoria marxiana, um caráter aliás imprescin o “ jovem Marx“ ao “ Marx da maturidade". Tais
dível a qualquer conhecimento que não se con interpretações são equivocadas: desde 1843 (quan
tente apenas com a constatação dos fatos — mas do elabora a sua primeira crítica a Hegel), o pensa
que tome os fatos como sinais e índices, avan mento marxiano se desenrola num percurso que
çando deles para os processos nos quais adquirem obedece a uma rigorosa lógica, subordinada ao
sentido e significação. 0 conteúdo crítico da obra objetivo de compreender a sociedade burguesa. Os
de Marx, portanto, é uma síntese de exigências passos sucessivos de Marx, nesta via, se distinguem
teóricas e práticas, permitindo a produção de um pelo grau de concreticidade que progressivamente
conhecimento vinculado explicitamente à trans alcança e que, em larga medida, são condicionados
formação social estrutural. pela sua experiência como teórico e dirigente revo
é evidente, porém, que a obra marxiana, a partir
lucionário e pelas lutas da classe operária européia.
dos pressupostos que indiquei, não se construiu Esta evolução tem um ponto de arranque, em
de um só golpe. Não é este o lugar para que se trace 1844/1845, na crítica a que Marx, com Engels,
um roteiro biográfico de Marx (1818-1883), nem submete a concepção de filosofia vigente (A Ideo
para mencionar a importância crucial da sua cola logia Alemã); avança para um patamar original
boração com Engels (1820-1895). E, menos ainda. em 1847/1848, quando ele realiza a sua primeira
«»«»
24 J osé Paulo N etto 0 que é marxismo 25
abordagem de conjunto da sociedade burguesa (na dialética (que recuperou de Hegel), a teoria do
Miséria da Filosofia e, com Engels, no Manifesto valor-trabalho (que tomou de Smith e Ricardo), a
do Partido Comunista) e atinge seu pleno desen denúncia da miséria da vida sob o capitalismo e o
volvimento entre 1857/1858, com a descoberta das apeio a uma nova ordem social (que encontrou
determinações fundamentais da vida social bur nos chamados "socialistas utópicos"), o reconhe
guesa (nos famosos Grundrisse, manuscritos prévios cimento do papel histórico fundamental das lutas
a'O Capitai). de classes (presente nos historiadores das revolu
Nessa evolução, naturalmente que há passagens ções burguesas) — todo este patrimônio é incor
mais ou menos relevantes; o espólio marxiano não porado por Marx e só recebe um tratamento con
tem valor uniforme e nem todas as reflexões de clusivo à medida que seu próprio pensamento se
Marx se mostram hoje igualmente válidas, E tarefa clarifica. E esta clarificação vem no curso de con
da crftica avaliar o que, na ciclópica obra marxiana, frontos com a realidade social da época, de acesas
transcende os limites históricos de Marx e o que, polêmicas com os socialistas contemporâneos e
decorridos cem anos desde a sua morte, deve ser nela é primordial a colaboração com Engels.
deixado de mão, como lastro superado pelo tempo A incorporação desse acervo teórico-cultural,
e pelas modificações sofridas pela realidade social. porque crftica, não foi arbitrária. Implicou uma
E também considerando a maturação do pensa criteriosa seleção e, ainda, a atribuição de novos
mento de Marx que se pode equacionar convenien e diferenciados sentidos e conteúdos a conquistas
temente a sua relação com o bloco cultural progres intelectuais anteriores. Marx assimilou a herança
sista a que já me referi. Sugeri, no capftulo an cultura! progressista reelaborando-a para os obje
terior, que esta relação é, ao mesmo tempo, de tivos de suas investigações, sintetizadas num
continuidade e de ruptura — uma superação, como texto de janeiro de 1859 (o prefácio à obra Para
diriam os filósofos, é na sua evolução intelectual a Crftica da Economia Política):
que Marx se vai livrando das "influências" e arti "O resultado geral a que cheguei e que, uma
culando o modo radicalmente novo de pensar a vez obtido, serviu-me de fio condutor de meus
sociedade. Neste processo, a sua reflexão resgata estudos, pode ser formulado em poucas palavras:
daquele bloco todo um conjunto de procedimen na produção social da própria vida, os homens
tos, temas, idéias e categorias; mas o faz numa ope contraem relações determinadas, necessárias e inde
ração crftica, tanto mais rigorosa quanto mais defi pendentes da sua vontade, relações de produção
nido se toma o seu projeto teórico. A concepção estas que correspondem a uma etapa determinada
J osé Paulo N etto 0 que é marxismo 27
26
de desenvolvimento das suas forças produtivas que um indivíduo é a partir do julgamento que ele
materiais. A totalidade destas relações de produ faz de si mesmo, da mesma maneira não se pode
ção forma a estrutura econômica da sociedade, a julgar uma época de transformação a partir da sua
base real sobre a qual se levanta uma superestrutura própria consciência; ao contrário, é preciso explicar
jurídica e política, e à qual correspondem formas essa consciência a partir das contradições da vida
sociais determinadas de consciência. 0 modo de material, a partir do conflito existente entre as
produção da vida material condiciona o processo forças produtivas sociais e as relações de produ
em geral de vida social, político e espiritual. Não ção. Uma formação social nunca perece antes que
é a consciência dos homens que determina o seu estejam desenvolvidas todas as forças produtivas
ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que deter para as quais ela é suficientemente desenvolvida, e
mina a sua consciência. Em uma certa etapa de seu novas relações de produção mais adiantadas jamais
desenvolvimento, as forças produtivas materiais tomarão o lugar antes que suas condições mate
da sociedade entram em contradição com as rela riais de existência tenham sido geradas no seio
ções de produção existentes ou, o que nada mais mesmo da velha sociedade. £ por isto que a huma
é do que a sua expressão jurídica, com as relações nidade só se propõe as tarefas que pode resolver,
de propriedade dentro das quais aquelas até então pois, se se considera mais atentamente, se che
se tinham movido. De formas de desenvolvimento gará à conclusão de que a própria tarefa só aparece
das forças produtivas essas relações se transformam onde as condições materiais de sua solução já
em seus grilhões. Sobrevêm então uma época de existem, ou, pelo menos, são captadas no processo
revolução social. Com a transformação da base do seu devir. Em grandes traços, podem ser ca
econômica, toda a enorme superestrutura se trans racterizadas como épocas progressivas da formação
forma com maior ou menor rapidez. Na considera econômica da sociedade os modos de produção:
ção de tais transformações é necessário distinguir asiático, antigo, feudal e burguês moderno. As
sempre entre a transformação material das condi relações burguesas de produção constituem a
ções econômicas de produção, que pode ser objeto última forma antagônica do processo social de
de rigorosa verificação da ciência natural, e as produção; antagônicas não em um sentido indi
formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou vidual, mas de um antagonismo nascente das
filosóficas, em resumo, as formas ideológicas pelas condições sociais de vida dos indivíduos; contudo,
quais os homens tomam consciência desse conflito as forças produtivas que se encontram em desen
e o conduzem até o fim. Assim como não se julga o volvimento no seio da sociedade burguesa criam ao
28 J osé Paulo N etto 0 que é marxismo 29
Em segundo lugar, um traço distintivo da teoria em avançar do empírico (os "fato s"), apanhar
marxiana é que ela toma a sociedade (burguesa) as suas relações com outros conjuntos empíricos,
como uma totalidade: não como um conjunto de investigar a sua gênese histórica e o seu desenvol
partes que se integram funcionalmente (um todo), vimento interno e reconstruir, no plano do pen
mas como um sistema dinâmico e contraditório samento, todo este processo. O circuito investi-
de relações articuladas que se implicam e se expli gativo, recorrendo compulsoriamente à abstra
cam estruturalmente. É uma teoria que quer ção, retornava sempre ao seu ponto de partida — e,
apanhar o movimento constitutivo do social — mo a cada retorno, compreendia-o de modo cada
vimento que se expressa sob formas econômicas, vez mais inclusivo e abrangente. Os fatos, a cada
políticas e culturais, mas que extravasa todas elas. nova abordagem, se apresentam como produtos
Por isso, a análise da organização da economia (a de relações históricas crescentemente complexas
crítica da economia política) é o ponto de irradia e mediatizadas — podendo ser contextualizados
ção para a análise da estrutura de classes e da de modo concreto e inseridos no movimento maior
funcionalidade do poder (a crítica do Estado) e que os engendra. É um método, portanto, que, em
das formulações jurídico-políticas (a crítica da aproximações sucessivas ao real, agarra a história
ideologia). E a pesquisa destas dimensões do social dos processos simultaneamente às suas particulari
remete de uma a outra — assim, a análise do movi dades internas. Um método que não se forja inde
mento do capital remete à análise do movimento pendentemente do objeto que se pesquisa — o
das classes etc. Compreende-se, pois, que em Marx método é uma relação necessária pela qual o
exista uma teoria da sociedade burguesa que pouco sujeito que investiga pode reproduzir intelectual
tem a ver com as ciências sociais especializadas mente o processo do objeto investigado.
(economia, sociologia etc.), ainda que opere com A análise da sociedade burguesa (realizada
os mesmos materiais que servem de objeto a elas. tendo como referência a Inglaterra, o país capi
Da mesma forma, fica óbvio que, na teoria mar talista mais progressista do seu tempo) revela-a a
xiana, não há lugar para qualquer concepção fato- Marx como uma forma de organização social
rialista da sociedade ou da história (a predominân extremamente dinâmica, a mais avançada de
cia abstrata do "fa to r econômico" ou semelhantes). quantas embasadas na propriedade privada dos
Esses dois aspectos cardeais do pensamento meios de produção e na divisão social do trabalho,
marxiano relacionam-se ao método de pesquisa prenunciadora do fim da "pré-história humana".
de Marx. O seu procedimento consistia sempre Nela, todas as contradições do movimento social
32 J osé Paulo N etto O que é marxismo 33
alcançam o seu ápice e, no mesmo processo, se que dificulta ao proletariado a descoberta dos seus
gestam as condições para superá-las e inaugurar verdadeiros interesses. A consciência de classe
a “ história da humanidade". proletária só é alcançada mediante uma dramática
Generalizando e universalizando a troca mer- luta contra as mistificações (na qual tem grande
cantiJ, a sociedade burguesa é atravessada por uma relevância o conhecimento veraz da realidade). A
contradição insanável nos seus marcos: a contra revolução entra na ordem do dia quando o prole
dição entre o caráter social da produção e a sua tariado, através da ação dos seus segmentos de
apropriação privada (pelos capitalistas). Antago vanguarda, atinge aquela consciência e, pela sua
nizando os que detêm os meios de produção organização, polariza outros setores sociais explo
(capitalistas) com os que só têm a sua força de rados e/ou oprimidos. E isto só se viabiliza quando
trabalho (proletários), esta sociedade apenas se a própria sociedade burguesa se desenvolveu a
desenvolve através de crises econômicas ineliminá- ponto tal que tenha gerado um proletariado nume
veis e vai reproduzindo, em todos os seus níveis e roso e concentrado (o que supõe um alto grau de
dimensões, conflitos e tensões que, acumulados e industrialização) e formas políticas que lhe possibi
multiplicados, incompatibilizam a maioria dos litem alguma margem de ação política organizada
homens com o modo de vida imperante. (o que implica a vigência de direitos cívicos).
A totalidade social é penetrada, em todas as Para Marx, a revolução exigia a ascensão do pro
instâncias, pelas incidências das contradições, que letariado, à frente de um arco de forças antibur-
possuem seus próprios rebatimentos políticos e guesas, ao poder político: a desestruturação do
culturais. E as crises, em si mesmas, são uma con Estado burguês abriria a passagem à nova ordem
dição da existência desta sociedade — e só são social — um período de transição denominado
equacionadas, no limite, pela vontade política socialismo. Lapso de tempo para a reorganização
das classes sociais fundamentais. 0 equaciona da sociedade, com a supressão das classes sociais
mento dos capitalistas conduz à crescente bar- e seus fundamentos (especialmente a propriedade
barização social; o dos proletários, à supressão do privada dos meios de produção) e do Estado como
sistema, à revolução que expressa seus interesses instância coatora, a transição socialista se caracte
gerais. rizaria como uma democracia de massas (o que,
O sistema social burguês, todavia, engendra umas poucas vezes, Marx chamou de "ditadura
todo um ambiente psicossocial (um modo de do proletariado") e criaria os pressupostos para a
pensar matrizado pela alienação e pela reificação) "história da humanidade", com a exploração do
34 J osé Paulo N etto
consolidando-se na virada do século. Mesmo assim, Internacional não se limitaram a levar teses de
as propostas marxianas conviveram (e continuam Marx ao grande público; também procuraram apli
a conviver hoje) com um leque diferenciado de car e desenvolver o legado marxiano, enfrentando
sugestões e alternativas, inclusive porque o movi temáticas que Marx não tratara ou não conhecera.
mento operário teve e tem fronteiras bem mais No seu trabalho, contudo, os ideológos da
amplas que as suas tendências revolucionárias. Segunda Internacional — um variado elenco de
A partir das duas últimas décadas do século 19 intelectuais alemães, russos, poloneses, italia
é que se verifica o empolgamento das mais signifi nos etc. — não se houveram sem problemas ou
cativas vanguardas operárias pelas propostas deri equívocos. Além das naturais dificuldades ocasio
vadas da teoria marxiana. E esse processo não se nadas pelas contingências das lutas de classes, al
explica sem que se recorde que ele foi viabilizado guns elementos condicionaram negativamente a
pela criação do primeiro grande partido proletá sua tarefa.
rio de massas, o Partido Social-Democrata Alemão, De um lado, a complexidade mesma da obra
que se tornou o eixo da Segunda Internacional, marxiana, que supõe, para a sua correta leitura,
fundada em 1889. uma sólida formação cultural, especialmente um
Graças aos êxitos do partido alemão, em cujas conhecimento profundo dos procedimentos dia
lideranças pontificavam dirigentes e teóricos liga léticos. Como complicador, lembre-se ainda que
dos a Marx e a Engels, a Segunda Internacional muitos textos marxianos fundamentais permane
teve destino diferente do da sua antecessora: até ceram inéditos por longo tempo. De outro, as
a eclosão da Primeira Guerra Mundial, ela funcio próprias necessidades de tornar acessível às mas
nou como organismo que deu o tom do movi sas um pensamento tão cheio de matizes favore
mento operário revolucionário. No plano ideoló ceram uma atitude esquemática e simplificadora
gico, a entidade desempenhou um papel que está em face de reflexões ricas e multifacéticas.
longe de se exagerar: através de uma poderosa im E dois outros componentes se conjugaram para
prensa e um exército de publicistas, promoveu a emoldurar as limitações da intervenção da Se
divulgação massiva de idéias contidas na obra de gunda Internacional neste terreno. Por uma parte,
Marx, colocou-as ao alcance de milhões de traba um generalizado espírito positivista (compreensí
lhadores — em suma, conectou diretamente suges vel quer pela pressão da cultura manipuladora
tões de Marx à prática política de massas operá inerente à burguesia consolidada, quer pelo pres
rias. Nesta operação, os homens da Segunda tígio desfrutado pelo cientificismo resultante das
38 J osé Paulo N etto 0 que é marxismo 39
burguês consiste uma tarefa elementar da revolu de 1914: muitos partidos vacilaram e o principal
ção socialista, aprofunda a tese de que o Estado deles, o alemão, votou pelos créditos belicistas
pós-revolucionário tende à extinção, Na aborda pedidos pelo Kaiser. 0 internaciona/ismo, a soli
gem da segunda questão reside boa parte da sua dariedade entre os operários de todos os países
influência sobre o movimento operário revolu simplesmente foi às favas.
cionário: retomando indicações de Kautsky, ele Eis a gota d'água que precipitou a ruptura, tra
formula a idéia de que a consciência espontânea zendo para a prática política rompimentos que
do proletariado tem seu limite no sindicalismo; o estavam latentes nas diferenças teóricas. Os diri
salto ao patamar da revolução exige o rebatimen gentes reformistas ou hesitantes somaram-se à
to, na consciência operária, de uma teoria que não histeria guerreira de seus governos ou, quando
é acessível ao proletariado na sua experiência muito, refugiaram-se num pacifismo de opereta.
cotidiana — vale dizer: a teoria revolucionária Os dirigentes mais destemidos e combativos (Rosa
não brota da prática do operário, mas se articula Luxemburgo, Franz Mehring, Lênin), denuncian
desde o exterior desta prática. Esta tese, que do a guerra e o comportamento dos seus compa
sofrerá inflexões na evolução do próprio Lênin, nheiros da véspera, demarcaram-se da social-de
está na base da teoria bolchevique do partido de mocracia e procuraram forjar novos instrumentos
novo tipo, visto como a instância que pode con de ação política.
duzir a classe operária a uma eficiente prática A ruptura se torna mais drástica quando, no
revolucionária. fim da guerra, eclode a Revolução Russa e sur
Já observei que o marxismo construído pelos gem os seus primeiros desdobramentos. As fratu
ideólogos da Segunda Internacional não era um ras conhecidas desde 1914 parecem, então, chegar
bloco homogêneo. As diferenciações nele conti ao irreversível: muitos dos adeptos da social-de
das, no entanto, vêm à luz com nitidez quando mocracia recusam-se a reconhecer na iniciativa
o organismo entra em crise, em 1914. Espera dos liderados por Lênin o projeto de Marx. E,
va-se que o movimento operário inspirado em defrontados com ações revolucionárias, posicio
Marx — conhecido genericamente como movi nam-se de forma a favorecer as classes dominantes
mento social-democrata — , em face da guerra im (assim se deu na Alemanha, em 1919/1920, quan
perialista, ou se recusasse a participar dela ou do a fração revolucionária de Rosa Luxemburgo
lutasse para transformá-la em processo revolucio foi barbaramente reprimida com o apoio da
nário. Não foi o que ocorreu em julho-agosto social-democracia).
O que é marxismo 47
46 J o s é P a u l o N etto
Esse florescimento intelectual (que incide, linear, e aqui só importa assinalar o seu resultado.
ainda, em todas as artes), mais o fascínio exercido Já nos anos 30, o marxismo está institucionali
pela experiência soviética, ultrapassa as fronteiras zado: investido como ideologia oficial do Es
do novo Estado, potenciado pela perspectiva de tado autocrático stalinista, ele se torna uma lin
uma iminente revolução no Ocidente. Revolucio guagem e uma estratégia de poder.
nários alemães e cantro-europeus, como Korsch Essa transformação não atinge apenas o mundo
e Lukács, resgatam as vinculações entre Marx cultural soviético. Através da Terceira Interna
e a filosofia clássica, especialmente Hegel, en cional, os modelos pol íticos e ideológicos do
quanto o "austromarxismo", com Adler e Bauer, partido soviético staiinizado se generalizam entre
revaloriza Kant e, criticando a evolução soviética, os comunistas de todo o mundo. Correia de trans
tematiza a relação entre socialismo e demo missão da autocracia stalinista, a Terceira Inter
cracia. Na Itália, Gramsci começa a alinhavar nacional cumpre a função de equalizar o pen
o seu pensamento original. A influência de samento comunista, de uniformizá-lo e ho
Marx desborda da Europa Ocidental para o Oriente mogeneizá-lo segundo as fórmulas do marxismo
e igualmente alcança as Américas — aqui, seu institucionalizado.
primeiro grande discípulo é o peruano José Carlos Não é preciso dizer que, a partir do enquadra
Mariátegui. mento realizado pelo marxismo oficial, tudo
Os desdobramentos da experiência soviética, aquilo que a ele escapa — seja em política, seja
porém, são inesperados para os revolucionários. em teoria — é rubricado como "desvio", "falsi
Seu isolamento, determinado pelo fracasso da dade" etc. Instaura-se um marxismo "ju sto ",
revolução no Ocidente (notadamente na Ale "verdadeiro", que deve competir com o "não-
manha), cria as condições propícias para a emer marxismo". Também é desnecessário afirmar
gência da autocracia stalinista que, na virada que a "m aldição" política acompanha a "e x
dos anos 20, instala o seu reino polícialesco, só comunhão" teórica: o caso mais óbvio é o de
vencido três décadas mais tarde. Trotski — com a sua liquidação política, liqui-
Com o chamado stalinismo, o marxismo dado daram-se as suas análises sobre a constituição e a
à luz pela Segunda Internacional se converte burocratização do Estado soviético.
numa ideologia de Estado — um discurso ade Assim como a Segunda Internacional deu
quado para legitimar aparatos de poder. É evi nascimento ao marxismo, a Terceira Interna
dente que esta conversão não foi simples nem cional institucionalizou-o. Mas não se trata de
52 J o s é Pa u l o N etto 0 que é marxismo 53
um processo idêntico. Mudara a posição dos poração de Lênin igualmente se fez conforme
marxistas: agora, detêm um poder de Estado interesses políticos determinados.
em consolidação e, em muitos países, contam Não está em causa, naturalmente, a relevân
com um firme aparato partidário (os partidos cia de Lênin na história, política e teórica, do
comunistas) que se organiza segundo uma rígida marxismo. Mas cabe realçar que o seu contri
hierarquia, num moide operativo desconhecido buto não foi assimilado como um dentre vá
antes do fim da Primeira Guerra. E mudou, prin rios componentes de um largo elenco. Ao con
cipalmente, a funcionalidade do marxismo que trário: uma leitura particular de Lênin, a leitura
se institucionaliza. realizada pela autocracia stalinista, o situou como
Já assinalei que a Revolução Russa significou uma contribuição canônica, de valor universal,
uma ruptura política com a ideologia da Se à obra de Marx — pretendendo que fosse Lênin
gunda Internacional. Ela demarcou os revolu o único continuador legítimo de Marx.
cionários e os reformistas. Mas a esta ruptura Este é o marxismo institucionalizado pela
pol ítica não se seguiu, com radicalidade e con Terceira Internacional: o marxismo -leninismo,
seqüência, uma ruptura teórica (quem trabalhou
que recebeu a sua formulação "clássica” sob a
neste sentido, como Lukács, acabou isolado).
chancela pessoal de Stalin, num texto da segun
Substancialmente, o marxismo institucionalizado
da metade dos anos 30, publicado como parte
pela Terceira Internacional é a mesma constela
da História do Partido Comunista (Bolchevique)
ção teórica da Segunda Internacional, com a da URSS. Apoiando-se numa perspectivação positi
diferença crucial de funcionar como legitimação
vista de Marx, valendo-se parcialmente de Engels
de um poder de Estado e de incorporar como (o Engels do Anti-Duhring e da Dialética da Na
essencial a contribuição de Lênin. tureza) e de Lênin (o Lênin de Materialismo e
Investido na qualidade de retórica de um poder Empirocriticismo), Stalin, que desde 1924 sus
estatal, o marxismo da Terceira Internacional não tentava a existência do leninismo, considera o
só tende a perder rapidamente seus conteúdos c ríti marxismo-leninismo como uma doutrina, "con
cos e a adquirir os contornos de um discurso vulgar cepção do mundo científica da classe operária”
e repetitivo. Mais ainda: ele também se torna um
e "teoria geral do partido marxista-leninista".
material ideológico submetido diretamente à
Esta doutrina comporta dois blocos de saber inter
propaganda e à agitação, manipulável segundo as
ligados: o materialismo dialético e o materialismo
exigências do momento. Por outro lado, a incor
histórico.
54 J o sé P a u l o N e tto 0 que é marxismo 55
«*»«»
58 J osé Paulo N etto O que é marxismo 59
Caudwell esboçava uma compreensão inovadora socialista. A experiência chinesa, bem como a
da poesia. Gordon Childe procurava os caminhos vietnamita, não teve inicialmente grande im
de uma antropologia cultural original, Maurice pacto neste processo. O mesmo não ocorreu
Dobb analisava a história fatual do capitalismo e com a Iugoslávia: sob a liderança de Tito e Kar-
o exilado Isaac Deutscher reconstruía a saga delj, os iugoslavos recusaram a validez universal
bolchevique. Na França, ainda nos anos 30, Henri do "modelo soviético" e enveredaram por um
Lefebvre destoava da dogmática de G. Politzer caminho peculiar, embasado na autogestão:
e, com N. Gutermann, redescobria preocupações "excomungada" oficialmente, a opção iugoslava
marxianas. Nos Estados Unidos, Paul M. Sweezy teve importantes conseqüências teóricas, repondo
pesquisava a dinâmica econômica do sistema no debate marxista temáticas elementares em
capitalista. Isolado na prisão fascista, Gramsci Marx, como a alienação, a práxis e o humanismo.
elaborava, assistematicamente, o eixo do seu Intensas discussões se travaram então na Polô
pensamento. Centrando-se especialmente nos nia, na Hungria, na Tchecoslováquia e na Ale
chamados "fenômenos superestruturais", o revo manha acerca da nova democracia — estava em
lucionário sardo enfatizava as relações entre jogo o ordenamento sociopolítico da transição,
cultura e política, observava a função dos inte mais tarde cristalizado aí nas denominadas demo
lectuais e as conexões do Estado com a sociedade. cracias populares. Na Europa capitalista, um
Pensando as condições da revolução em estruturas protagonista importante desses debates foi Pal-
sociais complexas como as do Ocidente indus miro Togliatti, que teorizava sobre a "democra
trializado, Gramsci redimensionou o papel do cia progressiva".
partido revolucionário (o "intelectual coletivo") O peso do marxismo institucionalizado, con
e tratou da questão da hegemonia no processo tudo, barrava a incidência dessas e de outras
social. elaborações. Só mesmo com a sua fratura — cujo
Na seqüência da derrota nazifascista e da li processo público é aberto em fevereiro de 1956,
bertação pós-1945, o marxismo oficial começa com o XX Congresso do PCUS sendo o cenário
a experimentar seu declínio (recorde-se que a da denúncia da autocracia stalinista - é que as
Terceira Internacional foi extinta em 1943). A tensões existentes viriam à tona. E a segunda
construção das novas sociedades, nos países em metade dos anos 50 não assiste apenas à remoção
que os comunistas assumiram o poder, colocou de boa parte dos suportes políticos do marxismo
a questão das vias nacionais para a transição oficial, com os desdobramentos da desmistificação
60 J osé Paulo N etto O que é marxismo 61
uma substanciai ampliação das pesquisas sobre o organização econômica — o capitalismo mono
papel dos Estados pós-revolucionários, da gestão polista de Estado (CME). Noutra perspectiva,
da economia no período da transição e das vias Sweezy e Baran declaram que, para o entendi
nacionais para o comunismo, é nesta perspectiva mento do capitalismo contemporâneo, o decisivo
que surgem estudos sobre o Estado da autocracia é o estudo da destinação social do excedente
stalinista e as suas lutas de classes (Bettelheim, econômico. E Mandei, um dotado investigador
Bahro, Ellenstein), sobre a racionalidade da nova trotskista, tematiza o que chama de capitalismo
economia (Libermann, Lange, Sik) e sobre a orga tardio, determinando a iminência de uma série
nização dos novos Estados (Kardelj, Mao Tsé- de crises econômicas distintas das conhecidas
tung, Gomulka). até os anos 60.
Quanto às lutas operárias no Ocidente, o ponto No que toca ao papel revolucionário do pro
fundamental residia na compreensão de por que letariado, igualmente há dissenções. Alguns pensa
o movimento socialista encontrava crescentes dores chegaram a sugerir que este papel se trans
obstáculos para se expressar de forma revolucio feriu para outros segmentos da população, com
nária. Três ordens de problemas deviam ser en a classe operária integrando-se à ordem burguesa
frentadas para elucidar este ponto: as modificações (num certo momento da sua trajetória, Marcuse
na organização econômica capitalista, os mecanis atribuiu a iniciativa revolucionária aos “ excluí
mos de inserção política do proletariado na socie dos": jovens, minorias etc.). A maior parte deles,
dade burguesa e o papel desempenhado pelo porém, sustenta que continua válida a "missão
Estado burguês. Na análise destas questões, a histórica" do proletariado, desde que se levem
polêmica foi e continua acesa. em conta as novas categorias de trabalhadores que
Todos os pesquisadores concordam em que a a revolução científica e técnica — analisada, entre
economia capitalista articulou instrumentos de outros, por R. Richta — engendrou.
auto-regulação desconhecidos por Marx. O dilema A abordagem do Estado, na angulação exigida
está na identificação destes mecanismos e da sua pelas novas condições, supera o esquematismo
eficácia para alterar o caráter das crises inerentes do marxismo oficial. Mesmo com grandes diferen
ao sistema. Economistas soviéticos (Cheprakov, ças entre si, os marxistas procuram entendê-lo
Rudenko) e franceses (Boccara) insistem em que não só como instrumento de coerção (o "com itê
o capitalismo monopolista ingressou numa etapa executivo dos interesses da burguesia"), mas
em que o Estado tornou-se o centro nevrálgico da ainda — na melhor tradição marxiana — como
a »
«»«»
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renovado interesse por Marx, que derivou, ainda, Nesse movimento, muito do que se produziu
de um duplo estímulo. Primeiro, a insatisfação em contraste com o marxismo-leninismo é resga
de muitos intelectuais com o estado das ciências tado, revalorizando-se contribuições que, no
sociais levou-os a buscar na herança de Marx período da autocracia stalinista, eram ignoradas
elementos para uma revitalização de suas disci ou desacreditadas. Assim se explica o interesse
plinas ou especialidades (ilustram este procedi pelos escritos mais antigos de Lukács, pelas elabo
mento, na filosofia, Sartre e, na sociologia, Wright rações de Bloch sobre a utopia e a esperança e pelas
Mills). Uma das conseqüências disso foi uma discussões sobre a cultura contemporânea desen
mais forte inserção das idéias de Marx no interior volvidas por pensadores como Walter Benjamin.
dos debates acadêmicos. Depois — fato muito Parte integrante desse movimento é o ingresso
importante — , em função das novas exigências de novas temáticas no horizonte teórico da tradi
do confronto ideológico, os marxistas se viram ção marxista: o universo da vida cotidiana (Le
compelidos a uma postura crítica mais profunda febvre, A. Heller), o problema da personalidade
em face das conquistas e construções do pensa (L. Sèvre), a questão urbana (Lefebvre). No seu
mento desvinculado de compromissos com a interior, a polêmica com outras vertentes teóricas
revolução (como a psicanálise, o neopositivismo, o e disciplinas especializadas se enriquece: com a
estruturalismo, o existencialismo, a lingüística, a fenomenologia (Lukács, Kosic), com o estrutura
fenomenologia). lismo (Lefebvre, Goldmann, Luporini, Thompson),
Como se infere, tanto as realidades econô- com a semântica (Schaff), com o existencialismo
mico-políticas quanto as condições culturais (Mészáros). E tanto se retomam preocupações esté
do mundo em que os marxistas se movem, após ticas (Lukács, delia Volpe) quanto investigações
o colapso do marxismo institucionalizado, são de reconstrução histórica (Kofler, Hobsbawm, An-
complicadas e inéditas. Os que se limitam às derson), inclusive referidas à própria elaboração
citações dos "clássicos" e à repetição das velhas da teoria social por Marx (M. Rossi, Bottigelli,
fórmulas caem, necessariamente, no folclore Lápine, R. Rosdolski).
ideológico. E a história mesma que passa a exi O "renascimento do marxismo", porém, não
gir um "retom o a M arx" ou — sob a inspiração se verificou e verifica somente no confronto com
não de suas conclusões, mas de seu método — o as novas realidades históricas e com as propostas
que Lukács denominou de "renascimento do teóricas dele desvinculadas. Realiza-se através
marxismo". de inúmeras polêmicas que distinguem e até
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70 J osé Paulo N etto
O que é marxismo 71
exatamente aquela situação absurda imaginada base para inúmeros desenvolvimentos (as correntes
no primeiro parágrafo. A questão, pois, está marxistas) que, no seio de um bloco teórico-cultu-
falseada à partida pela pressuposição de uma res ral diferenciado (a tradição marxista), oferecem
posta determinada; só a formula quem, igual tratamentos complementares, alternativos e/ou
mente, tem a expectativa “ do marxismo". Des excludentes para os problemas que se foram e
feita a expectativa — para o que espero ter con vão colocando no mundo burguês e nas suas ultra
trib u íd o ao longo deste ensaio — , a pergunta se passagens revolucionárias. Se se rotula esta tradi
modifica substancialmente. E pode ser desdo ção de “ marxismo", corre-se o risco de perder
brada em outros sentidos e direções. 0 esclare de vista a sua enorme heterogeneidade — porque,
cimento possível das dúvidas que então se colo se existem fios condutores que a identificam
cam é factível a partir das observações que sumario enquanto uma tradição, existem igualmente, e
a seguir. com a mesma relevância, componentes que peculia-
A obra de Marx fundou um modo original rizam as numerosas propostas que a compõem.
de pensar a sociedade burguesa e a sua dinâmica, Entretanto, esse não é um problema mera
que inclui necessariamente a alternativa da revo mente de nomenclatura: junto ao nome de Marx,
lução socialista. Tendo como marco o pensa o sufixo ismo não e' nada inocente — seu emprego
mento marxiano, desenvolveu-se uma tradição conduz, quase compulsoriamente, a circunscrever
marxista, dos anos 80 do século passado aos de forma arbitrária a tradição marxista a linhas
nossos dias. No bojo desta tradição se entrecru- de força que variam conforme os critérios (claros
zaram e se entrecruzam propostas diversificadas, ou tácitos) de quem o utiliza. A noção do mar
conquistando alternadamente a hegemonia no xismo reduz a tradição marxista àquilo que um
interior desse leito histórico graças a razões di investigador ou uma instituição reconhece como
versas (desde o seu apelo intelectual à sua funcio tal e obstaculiza a sua compreensão como um
nalidade política). Respondendo, bem ou mal, espectro diferenciado de análises e propostas.
aos desafios históricos em face dos quais se foram Trata-se de uma terminologia comprometida com
erigindo, tais propostas tanto alargaram o universo uma visão muito particular do legado de Marx:
temático da tradição marxista quanto se vincula aquela que se condensa em torno do seu entendi
ram seletivamente a algumas dimensões do pen mento como concepção do mundo.
samento de Marx. Em poucas palavras: a obra de 0 que a denominação marxismo traz consigo,
Marx (que chamamos de marxiana) forneceu a como um contrabando ideológico, é o abandono
78 J osé Paulo N etto 0 que é marxismo 79
da historicidade da contribuição de Marx e dos em, a partir desta escolha, se estabelecer uma
que o sucederam: induzindo à idéia de uma linha interpretação global de Marx.
contínua entre o pensamento marxiano e os O segundo, que nos leva a um plano de discussão
projetos nele inspirados, obscurece os condicio bem mais complexo, se relaciona à legitimidade
namentos históricos, teóricos, culturais e políticos das várias propostas marxistas em face do pensa
que respondem pelas várias interpretações, sub mento marxiano. A existência fatual de uma
trações e adições realizadas em tom o da obra de pluralidade de propostas inspiradas em Marx e'
Marx. Na verdade, é muito d ifícil desvincular da indiscutível; outro problema é o da sua compati
noção de marxismo a problemática posta por bilidade com a obra de Marx tomada na sua intei
uma história intelectual montada artificiosamente, reza. Esta questão não pode ser resolvida recor-
na qual a relação dos "discípulos" com o "mestre" rendo-se à letra de um ou outro texto marxiano; só
se define por "desvios", "deformações" ou, em deve ser equacionada considerando-se todo o
troca, "fidelidade". E, com efeito, há fortes projeto teórico e revolucionário de Marx, assen
conotações sectárias na mística do marxismo, que tado em hipóteses que se verificam (ou não) na
podem facilitar procedimentos muito pouco prática histórico-social.
congruentes com a inspiração teórica de Marx. Se esse projeto é visto como uma concepção
É nesse sentido, aliás, que o processo da ultra de mundo, o trânsito ao dogmatismo é quase
passagem do marxismo adquire a sua relevância inevitável. Se é apreendido como um simples
mais óbvia. modelo de pesquisa, pode derivar no ceticismo
Cabe destacar, ainda, dois pontos importan teórico e prático. Em troca, se o tomamos como
tes. O primeiro remete à gênese das diferenciações investigação revolucionária do movimento real
constatáveis na tradição marxista. Elas têm origem da sociedade burguesa, à base de categorias inferi
menos nas interpretações que podem ser feitas das do exame do seu próprio objeto (categorias
da obra marxiana e mais nas exigências colocadas que jamais o esgotam ou exaurem), então e' pos
pelos contextos históricos em que se situam os
sível compreender que a dúvida metódica não se
marxistas. Às próprias demandas práticas que se degrada no relativismo, mas se testa na construção
põem aos marxistas se debitam boa parte das de uma teoria sempre aberta à confrontação com
diferenças: a tendência usual é a de extrair de
os novos processos emergentes. É nessa perspectiva
Marx aquilo que, num momento histórico preciso,
que a tradição marxista pode deixar de ser focada
é melhor instrumentalizável. 0 passo fatal consiste
como série de "erros" e/ou "acertos” para ser
80 J osé Paulo N etto
Duhring, Ludwíg Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica contemporânea, que reclama leitura atenta (embora su
Alemã e Dialética da Natureza. Uma boa fonte, ainda, são pondo já um público minimamente informado), é a que
os três volumes das Obras Escolhidas de Marx e Engels, Perry Anderson realizou nas suas sucintas Considerações
com pelo menos duas edições no Brasil (a primeira, dos sobre o Marxismo Ocidental (Editora Afrontamento,
anos 60, pela Editorial Vitória, do Rio de Janeiro; a se Porto, s/d) e no ensaio A Crise da Crise do Marxismo
gunda, de 1977, pelas Edições Sociais, de São Paulo). (Editora Brasiliense, São Paulo, 1984).
Quem desejar um contato direto com textos marxianos Para o leitor iniciante, há uma infindável bibliografia
e marxistas selecionados, pode recorrer às antologias que fornece preciosas indicações quer sobre o pensamento
preparadas por Nelson Werneck Sodré sob os títu los Fun de Marx, quer sobre os principais elementos da tradição
damentos do Materialismo Dialético, Fundamentos do marxista. É impossível registrá-la aqui, mas valem as seguin
Materialismo Histórico, Fundamentos da Economia Mar tes sugestões: H. Lefebvre, O Marxismo (Difel, São Paulo,
xista e Fundamentos da Estética Marxista (todos lançados 1979) e Para Compreender o Pensamento de Karl Marx
pela Editora Civilização Brasileira, do Rio de Janeiro, em (Edições 70, Lisboa, 1981); E. Fischer/F. Marek, O Que
1968). Outra antologia interessante, direcionada diferen Marx Realmente Disse (Editora Civilização Brasileira, Rio
temente e permeada de argutos comentários críticos, é de Janeiro, 1970). E nesta coleção Primeiros Passos há
a organizada por C. Wright Mills, Os Marxistas (Editora toda uma série de títu los que, sob óticas diferenciadas,
Zahar, Rio de Janeiro, 1968). Ainda em se tratando de tematizam importantes e específicas questões da tra
antologias, menção especial merecem as coletâneas da dição marxista (veja, neste volume, a lista dos livros já
coleção "Grandes Cientistas Sociais", coordenada por publicados).
Florestan Fernandes para a Editora Ática (São Paulo) O leitor que pretender uma visão sumária do marxismo
— dentre seus vários volumes, foram publicados os de desenvolvido pela Segunda Internacional deve recorrer
Marx, Engels, Lênin, Stalin, Mao Tsé-tung, Trotski, Gue- (além do "clássico" de Engels, Anti-Duhríng, já citado)
vara, Mariátegui, Lukács, delia Volpe etc., com textos aos quatro primeiros artigos - "K arl Marx, "Friedrich
precedidos de uma introdução crítico-analítica. Engels", "A s três fontes e as três partes constitutivas
Como enquadramento global da evolução de Marx e do marxismo", "Marxismo e revisionismo" — do primeiro
das modificações sofridas peio seu iegado na constituição volume das Obras Escolhidas de Lênin (Editora Avante/Edi
da tradição marxista, é indispensável uma referência his torial Progresso, Lisboa/Moscou, 1978). No mesmo sentido,
tórica abrangente. Cumpre este pape! a excelente História recomenda-se, de Kautsky, As Três Fontes do Marxismo
do Marxismo, organizada por Eric J. Hobsbawm, cujos (Textos Marginais, Porto, 1975). Trata-se de um conjunto
primeiros volumes estão sendo publicados desde 1979 de textos de fácil leitura.
(Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro). Uma importante Para o conhecimento do marxismo-leninismo — afora
análise histórico-crítica de parte da tradição marxista os divulgados manuais de G. Politzer e, mais recentemente,
84 J osé Paulo N etto
Área de interesse:
História, Política
editora brasiliense