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All content following this page was uploaded by Katia Bruginski Mulik on 21 October 2020.
Resumo
Este artigo tem como propósito analisar as concepções de língua, ensino e criticidade presentes
na formação e na prática de professores de inglês em formação continuada atuantes no contexto
de escolas bilingues e internacionais. Para isso, aplicamos um questionário on line via
formulário do Google Drive, no primeiro semestre de 2017, para seis professoras vinculadas
aos contextos mencionados. Como aporte teórico recorremos a autores como Moita Lopes
(1996, 2013), Jordão (2013, 2004, 2007), Celani (2002, 2009) para fundamentar questões sobre
ensino de língua inglesa, letramento crítico e formação de professores. Nosso estudo se insere
dentro de uma perspectiva qualitativo-interpretativa (BORTONI-RICARDO, 2008) que não
busca comprovar hipóteses pré-estabelecidas, mas sim compreender como os sujeitos
constroem significados sob determinados aspectos. As respostas das participantes sinalizam
diferentes interpretações sobre a concepção de língua adotadas pelas escolas em que atuam,
bem como diferentes visões com relação ao que se caracteriza o ensino bilingue/ internacional.
Esse fator nos revela a heterogeneidade das práticas de sala de aula haja vista que as professoras
entrevistadas são constituídas por experiências de mundo diferentes. Com relação a noção de
criticidade e a formação para cidadania, as entrevistadas mencionaram o aspecto cultural como
ampliação para novas possibilidades do encontro com o outro sendo a língua inglesa vista como
possiblidade de acesso as outras culturas. Além disso, enfatizamos que as diferentes
perspectivas apresentadas pelas participantes da presente pesquisa devem ser consideradas a
partir da noção de conhecimento como processo (MOITA LOPES, 1996), ou seja, como algo
1
Doutoranda em Linguística Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de
Campinas; mestre em Letras pela Universidade Federal do Paraná. Membro do Grupo de Pesquisa E-Lang
(CNPQ). E-mail: dhibarino@gmail.com. Bolsista CAPES.
2
Doutoranda em Estudos Linguísticos e Literários na Universidade de São Paulo (USP); mestre em Letras pela
Universidade Federal do Paraná e professora de língua inglesa na Educação Básica na rede pública do Estado do
Paraná (SEED-PR). E-mail: katiamulik@yahoo.com.br
ISSN 2176-1396
25121
Introdução
A partir deste breve exposto, o presente artigo está dividido em três seções. Na primeira,
serão apresentados e discutidos os dois conceitos centrais deste trabalho na área de formação
de professores de LEs. Na segunda parte, será apresentado um breve panorama das escolas de
elite ou de prestígio, contexto no qual se inserem as escolas bilíngues e internacionais. Em
seguida, será apresentada a metodologia de pesquisa e análise das respostas dos professores
participantes. Finalmente, teceremos algumas considerações sobre os dados gerados e
possibilidades para futuras de pesquisa.
professores como sujeitos que agem, transformam e propõem mudanças futuras em seus
contextos de atuação, como nos aconselha Celani (2002).
Esta percepção abre espaço para outras teorizações como o LC na formação de
professores de LEs, mais especificamente os de LI, foco deste artigo. Diferente de um método
que prescreve o que deve ser feito em sala de aula, o LC
De acordo com estatuto da Organização das Escolas Bilíngues do Estado de São Paulo
(OEB), única organização dessa categoria no Brasil conhecida até o momento, para que uma
escola seja considerada bilíngue é preciso que ela oferte carga horária específica3:
a) Educação Infantil: mínimo de 75% da carga horária diária deve ser em outro idioma,
que não o Português.
b) Ensino Fundamental I: mínimo de 1/3 da carga horária diária deve ser em outro idioma,
que não o Português.
c) Conta básica: somar carga horária em que os alunos estão em atividade (descontar
somente almoço) e dividir por 3. A carga horária do segundo idioma tem que ser igual ou maior
que esse valor.
Entretanto, é relevante mencionar que há diferentes compreensões sobre a concepção de
ensino bilíngue. Moura (2009), em pesquisa de mestrado sobre o tema, menciona a proliferação
das escolas tradicionalmente monolíngues que se auto intitulam bilíngues com cargas horárias,
propostas e métodos diversificados como diferencial para atrair mais alunos em meio a tantas
outras escolas. Além disso, ela também pontua que, por vezes, o ensino bilíngue proposto é
uma forma de ceder à pressão dos pais para que os filhos, ao se tornarem fluentes em uma língua
estrangeira, estejam mais preparados para o mercado de trabalho.
Nesse ponto, torna-se relevante registrar que não nos cabe generalizar a orientação da
OEB e fiscalizar se as escolas ofertam um ensino bilíngue. Nos cabe, conforme exposto na
introdução, entender as diversas formas pelas quais os sujeitos constroem sentidos e, sobretudo
como os professores em atuação percebem suas próprias práticas e qual o espaço da LI em seus
contextos.
Um ponto em comum entre escolas internacionais e bilíngues é justamente a
preocupação em ter filhos mais capacitados para atuarem em um mercado de trabalho
globalizado e competitivo. Sem negar a importância da LI na atualidade uma vez que ela é
utilizada como a língua de comunicação entre vários falantes do mundo, é preciso problematizar
o status dessa língua nesses contextos.
A LI assume o status de prestígio, sinônimo de possibilidade de ingresso, manutenção
no mercado de trabalho e ascensão social posto que carrega uma “[...] imposição supostamente
decorrente de um imperialismo linguístico alimentado pelas estruturas coloniais que insistem
3
Fonte: http://www.oebi.com.br/ Acesso em: 20 abril 2017.
25126
em orientar nossas relações com a alteridade que nos constitui [...]” (JORDÃO, MARTINEZ,
2015, p. 68). Nesse sentido Ferraz (2015, p. 47) defende que “o debate da comoditização da
educação e das instituições públicas se faz essencial nos contextos onde a língua inglesa é
ensinada”. Seguindo o mesmo raciocínio de Ferraz, Jordão e Martinez (2015) afirmam que as
políticas de internacionalização dentro do contexto brasileiro metrópole parecem reproduzir
relações de colônia-metrópole e, por isso exigem, por parte dos envolvidos no processo
educacional, “análises críticas urgentes que a desafiem, especialmente no que se refere à visão
de língua como objeto pertencente a estados-nações específicos, e como tal, um espaço de
expressão e transmissão de culturas bem delimitadas e homogêneas” (JORDÃO; MARTINEZ,
2015, p. 63).
Metodologia
1- Qual a concepção de língua presente no currículo de sua escola? A sua escola adota o Internacional
Baccalaureate Diploma Programme (IB) ou algum outro currículo internacional?
4- Como essa perspectiva metodológica é colocada em prática em suas aulas? (comente sobre sua rotina com
relação ao ensino de língua inglesa na escola)
5- O que significa ensinar língua inglesa para você? Como o trabalho com a língua inglesa permite o
desenvolvimento da criticidade e da cidadania?
6- Quais são os materiais adotados por você e pela sua escola no ensino de língua inglesa?
Fonte: As autoras
4
Utilizaremos o feminino uma vez que, todas as participantes eram mulheres.
25127
O perfil profissional dessas docentes era bastante variado. Três delas tinham formação
em Letras Português-Inglês, as demais tinham formação em Pedagogia ou Fonoaudiologia.
Todas já possuíam ou estavam cursando Especialização (Lato Senso). Uma delas possuía o
título de mestre em Educação e Linguagem.
Com relação ao tempo de atuação como professoras de língua inglesa, cinco delas
atuavam numa média de seis a sete anos. Apenas uma delas afirmou possuir vinte e cinco anos
de experiência nessa área. Sobre o tempo de atuação como professoras na Educação Bilíngues/
Internacional, a média de tempo variou entre três e sete anos. No entanto, uma das entrevistadas
respondeu atuar como diretora escolar nesse contexto. Após a contextualização de como se deu
a coleta dos dados, bem como o perfil dos participantes, na próxima seção discutiremos as
respostas fornecidas pelas professoras.
5
Na verdade, a escola não segue o currículo da OEB, mas sim as orientações sobre carga horária.
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mencionou algum tipo de abordagem educacional ou de ensino específicas. Assim, uma delas
citou a construtivismo que tem como seu fundador Jean Piaget e é baseado na ideia de que o
aluno constrói sua própria aprendizagem por meio da experimentação e interação 6. Outra
professora mencionou a adoção do sócio interacionismo que tem como grande representante
Vigostsky7 cuja discussão está ancorada na ideia de que o desenvolvimento humano tem seu
alicerce nas interações humanas, ou seja, na influência no meio social.
De acordo com os dados analisados, percebemos diferentes concepções de língua
adotadas nos contextos em que as professoras atuam. Reiteramos a necessidade de que, como
profissionais cuja “matéria-prima” se configura no trabalho com língua/ linguagem, é
primordial termos clareza diante do entendimento de tais conceitos haja vista que nossa
concepção de língua/ linguagem norteia nossas práticas pedagógicas. Se o professor pensa, por
exemplo, a língua dentro de uma concepção estruturalista, consequentemente, suas práticas
enfatizaram o uso e o reconhecimento de estruturas. Por outro lado, se língua é vista dentro de
uma concepção discursiva que implica no “entendimento de nossas práticas de linguagem como
práticas de (re) significarmos o mundo e o que acontece em nossa volta, a forma como
percebemos a realidade” (JORDÃO; FOGAÇA, 2007, p. 87), valorizaremos práticas
pedagógicas que englobam a variedade de linguagens e semioses presentes no mundo atual
reconhecendo diferentes formas de construção de sentidos. Nesse sentido, Jordão (2007, p. 24)
nos esclarece que tais formas “representam procedimentos interpretativos específicos, não
pode[ndo] prescindir de um trabalho escolar crítico, sem o qual podem ter os mesmos efeitos
limitados e limitadores que a educação vem oportunizando historicamente”.
Ao serem questionadas sobre as perspectivas metodológicas e os desafios do currículo
implementado na escola, as docentes sinalizam que há dificuldades da adaptação, por parte dos
próprios professores, em adequarem suas aulas para o uso mais frequente do inglês, ao passo
que os alunos têm bastante resistência na utilização da língua. Nessa direção, a contribuição de
Celani (2009) torna-se válida por criticar a forma como projetos, propostas e currículos novos
são colocados aos professores. Segundo a pesquisadora da área, existe a percepção de que
professores são meros aplicadores de decisões administrativas e pedagógicas, “ [...] sempre
capacitados a compreender novo e a pô-lo em prática, sem necessidade de uma especial
6
Para mais informações consulte: http://www.pedagogia.com.br/conteudos/construtivista.php
7
Para mais informações consulte: https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/pedagogia/socio-
interacionismo-de-vigotsky/34160
25129
mudar simplesmente o meio de instrução para o inglês (ou qualquer outra língua) para
um grupo internacional de estudantes não constitui em um currículo internacional. É
o conteúdo, a abordagem metodológica e os objetivos de aprendizagem assim como
os serviços de apoio que precisam ser internacionalizados para se oferecer uma
experiência internacional significativa para todos os estudantes. Essas modificações
exigem compromisso institucional com a mudança, mas também, e mais importante,
engajamento acadêmico. Uma abordagem que se afaste de proporcionar experiências
isoladas para alguns alunos e aproxime-se de promover experiencias
internacionalizadas de aprendizagem para todos8.
8
Tradução livre: “switching the medium of instruction to English (or any other language) for an international
group of students does not constitute an internationalised curriculum. It is the content, the pedagogical approach
and the learning outcomes, as well as the support services, that need to be internationalised if a meaningful
international experience is to be offered to all students. These changes require institutional commitment to change,
but also, most importantly, academic engagement. An approach that moves away from providing isolated
experiences to a few students and towards providing internationalised learning for all. (Green e Whitsed ,2015, p.
50)
25130
Prof. 1 – Acredito que o aluno tem o poder de conhecer o mundo. E através de uma
língua estrangeira, esse aluno tem o poder de conhecer o mundo e toda a sua cultura
através de leitura, de imagens e de conversa. Como professora, espero ampliar a
visão de mundo que meus alunos possuem.
9
Embora estudos recentes, bem como os documentos oficiais como as OCEMs (2006) e PCNs (2004) entendam
e recomendem a concepção de língua e suas modalidades como práticas discursivas, as professoras utilizaram o
termo habilidades (skills). Como forma de manter as entrevistas no original/sem intervenção optamos por manter
os termos utilizados pelas entrevistadas.
25131
Considerações Finais
Esse artigo teve por objetivo identificar a noção de ensino, de língua e de criticidade por
parte de professores de língua inglesa atuantes no contexto das escolas bilingues e
internacionais. Para isso, aplicamos um questionário on line cujas respostas foram analisadas
sob a perspectiva da pesquisa interpretativista.
Diante das respostas fornecidas pelas seis professoras participantes pudemos constatar
as diferentes interpretações sobre a concepção de língua adotadas pelas escolas em que atuam.
Isso nos revela o quanto as práticas de sala de aula são heterogêneas haja vista que as
professoras entrevistadas são constituídas por experiências de mundo diferentes.
Ademais, não se pode presumir que as percepções dos professores sobre suas práticas
sejam imutáveis pois, conforme nos alerta Moita Lopes (1996, p.184), é preciso ter “uma visão
de conhecimento enquanto processo”. Dito de outra forma, é preciso pensar que professores já
formados precisam estar em constante busca pelo conhecimento e serem instigados a
(re)pensarem sobre suas próprias práticas, sem a certeza de que a sala de aula é o espaço para
comprovação de teorias aprendidas nos cursos de graduação. Como exemplo, três das
professoras, depois de responderem ao questionário proposto, enviaram um email relatando que
nunca haviam pensado sobre as perguntas em questão e, que o fato de terem parado para
respondê-las, foi motivo para refletirem de forma mais crítica sobre suas práticas, exercício
pouco realizado em função da carga horária de trabalho.
As dificuldades ressaltadas pelas professoras, bem como os diferentes projetos,
currículos e propostas em escolas bilíngues e internacionais nos fazem perceber, enquanto
formadoras de professores, nossa responsabilidade para lidar com essas mesmas tensões, como
nos ensina Celani (2009).
A contribuição de pesquisas nas quais os professores são instigados a pensar sobre o seu
25133
próprio fazer estão em sintonia com a discussão de Canagarajah (1999) que, ao defender o papel
dos professores como etnógrafos de suas práticas, propõe valorizar o olhar de quem está
envolvido com seu contexto e pode, de fato, revelar as culturas escondidas em suas salas de
aula.
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Acesso em: 10 abril 2017.