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DISCERNIR E REALIZAR O PROJETO DE VIDA

(Pastoral da Juventude)
Pe. Horácio Penengo, sdb

Introdução

A palavra “projeto” vem do latim “pro-iectus” que quer dizer “estar lançado a...”. Toda a
pessoa é livre para escolher o que quer ser e o que quer fazer com sua vida. Mas sua
liberdade é limitada e condicionada. Esta é sua suprema dignidade, sua grandeza e, ao
mesmo tempo, seu drama. O projeto de vida é um elemento constitutivo de todo ser
humano. A pessoa humana se entende como projeto aberto que se realiza em comunidade
e liberdade.

As pessoas necessitam projetar-se para crescer. Somente quando vivem


intensamente determinados ideais, são capazes de optar com decisão. A adolescência e,
sobretudo, a juventude são etapas da vida nas quais se tende a apostar, a escolher, a
arriscar. São etapas das grandes decisões que orientam a vida. A grandeza da juventude
consiste em que nela, os ideais despertam desejos e dinamismos que levam a apostar por
uma determinada forma de vida.

O projeto de vida é um convite a tomar a vida nas próprias mãos e a descobrir a


grandeza de decidir sobre a própria existência de um modo autônomo e comprometido, e
por isso mesmo, pessoal e comunitariamente plenificante. A ausência de projeto leva a
uma vida alienada, onde os outros decidem por mim.

Daí a necessidade de viver integrada e unificadamente, de deixar de viver somente


satisfazendo as próprias necessidades e pulsões (consumo de atividades, objetos,
pessoas) e autotranscender-se; isto é, sair de si, descentrar-se de si mesmo, “perder-se”. A
pessoa humana é um ser aberto à transcendência, a ir além de si mesmo, a realizar um
desejo de felicidade e plenitude. Aberto ao infinito... como se alguém a chamasse de longe
e, ao mesmo tempo, desde o mais profundo de si mesma

Um dos momentos mais luminosos da vida é aquele em que se descobrem valores


que se apresentam com incondicionais, com um certo caráter de absolutos, que exigem
disponibilidade e resposta incondicionais. Por exemplo, trabalhar pela justiça, pela
solidariedade, pelos pobres...Estes valores se descobrem através de determinadas
relações interpessoais, de serviços, de compromissos...Se antes, tudo girava em torno de
si mesmo, agora há um valor que desperta o coração e compromete a liberdade.
São experiências de incondicionalidade que mostram que a vida só pode fazer-se
projeto a partir de um valor que comprometa o melhor da pessoa.

Os ideais não se alcançam, se perseguem em fidelidade através de um grande


processo que tem avanços e retrocessos, enganos e desenganos, crises, saltos para
adiante e saltos para trás. Uma vida verdadeira e autêntica se expressa mais
como dinâmica de processos de esclarecimento e de crescimento que como conquista
definitiva de metas. O determinante é que a vida se desenvolva desde dentro como
expressão da própria verdade, do próprio autoconhecimento e do próprio discernimento.
Todo projeto gera um dinamismo que sai do fundo de cada um como aspiração a viver a
plenitude e a ser além de si mesmo.

Como fundamentar teologicamente uma proposta sobre Projeto de Vida?

1.1  O projeto de Deus

Quando se diz “projeto de Deus”, muitos tendem logo a pensar que se está dizendo
que Deus tem desde sempre um projeto sobre o mundo e sobre a história já definido,
pensado e minuciosamente calculado, independente de tudo o que as pessoas possam
fazer. Mas não é assim. Pelo contrário, desde o começo, o projeto de Deus conta com os
homens, é um projeto compartilhado. É um projeto por e para nós, que não se leva a cabo
sem nós.

Um dos aspectos mais originais e característicos do Deus dos cristãos é que Ele se
revela e se manifesta na história, de modo progressivo, humano. E não se faz em forma de
explicação ou de comunicação conceitual dirigida ao entendimento, senão em forma de
doação, de acolhida gratuita, de convite a participar de sua vida, de sua plenitude, de seu
gozo. É um mistério de amor e solidariedade. Convida a relacionar-se com Ele: “Eu serei
teu Deus e tu serás meu povo” (Ex 6,8).

O projeto de Deus não é um conjunto de enunciados, programas e planos pré-


concebidos. A Bíblia é o testemunho dos atos de Deus, da ação de Deus na história
humana, que começa com a criação livre e amorosa do mundo, continua com o
acompanhamento dos homens nas promessas, a aliança e os profetas e culmina com a
intervenção definitiva do mesmo Deus feito homem. Se trata de uma ação histórica, que
começa e se desenvolve gradualmente e que alcança seu ponto culminante com a
presença de Deus mesmo em Jesus de Nazaré.

O projeto de Deus se constrói e se desenvolve em função dos homens. Jesus é a


melhor resposta de Deus às perguntas, às interrogações, às buscas, aos anseios, aos
sofrimentos e às esperanças dos homens. Ele é a palavra de Deus, próxima, íntima,
compreensível, “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).

Se dá a conhecer como um Deus libertador. A liberdade é dom de Deus e tarefa do


homem. Deus a faz possível criando o homem como um ser capaz de decidir e de eleger,
chamado a auto-realizar-se. Deus impulsiona, estimula, acompanha com sua presença
sempre atuante; mas é o homem quem tem que realizar-se em liberdade. É uma dialética
de “graça” e “liberdade”: a ação de Deus não anula a responsabilidade do homem, a
possibilita e a estimula.

O projeto de Deus se realiza em Jesus, por seu Espírito (Ef 1,3-14). É um projeto de
salvação, de realização plena do humano: corresponder ao amor livre e gratuito de
Deus. O projeto de Deus é a realização plena do ser humano e se dá quando os homens
reconhecem e acolhem o amor de Deus. O projeto de Deus é a plena comunhão de Deus
com os homens. É tarefa e é dom.

O Antigo e o Novo Testamento mostram como Deus sai continuamente ao encontro


do homem, busca ao que está perdido, se preocupa pelos mais pobres...É um Deus
compreensivo e misericordioso. Um Deus apaixonado pelo homem, Um Deus que busca
sua resposta livre e amorosa; um Deus paciente e confiado, fiel, comprometido até o final,
que quer construir entre todos um mundo mais fraterno e solidário, um mundo no qual
todos sejam e se sintam filhos e irmãos.

Ao comunicar-se como relação plena e como doação total, Deus dá origem a uma
alteridade sem ruptura e a uma perfeita comunhão entre vida e missão. Aparece como a
fonte, a referência e a meta das possibilidades dos seres humanos, chamados a viver a
plena comunhão com Deus e com os demais (Jo 17,21-23).

1.2  O Projeto de vida de Jesus.

1.2.1 Jesus teve um projeto de vida.

Jesus nasceu em Belém. Viveu e cresceu com sua família em Nazaré. Na cultura e
nas realidade de seu povo e em diálogo com o Pai, foi descobrindo e construindo seu
projeto. Sua vida foi um contínuo processo de maturidade pessoal e comunitária na qual foi
assumindo e levando a pleno todas as realidades da vida humana. Lutou com energia e
decisão para pô-lo em prática e deu a vida para realizá-lo.

Elegeu ser mais um, “se fez um de tantos” (Fl 2,5). Não foi um super-homem nem
um ser excepcional. Foi simplesmente um homem do povo, que partilhou suas lutas e
experiências. Nada o distinguiu. Levou uma vida simples. Veio a salvar toda a humanidade
e não saiu da Palestina. Veio a salvar a história inteira e viveu só trinta e três anos, e
destes, trinta no anonimato...

Recebeu a vida de sua família, de seu povo, de sua cultura; foi tendo experiências e
refletindo sobre elas, foi amadurecendo. As parábolas e a linguagem maravilhosa e direta
de seus discursos, os exemplos próximos e familiares, falam de sua paixão pela vida.
Romper o anonimato e sair a pregar por Israel, não foi algo repentino e estranho, e sim
algo para começar a divulgar o que foi interiorizando durante anos.

No crescimento e na maturidade de seu projeto de vida, influíram decisivamente


duas dinâmicas que se encontraram entre si:

· O diálogo e relação com o Pai. Jesus viveu seus anos de Nazaré sob o olhar do Pai
que vê no escondido, que olha e descobre a grandeza das pessoas na simplicidade da
vida. Esteve atento a sua chamada e O encontrou sempre no cotidiano. Assim foi
adquirindo essa experiência íntima de pertença ao Pai. Cresceu interpretando cada vez
mais a vida desde o projeto do Pai. Lucas diz que “crescia em sabedoria, em idade em
graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52).

· A abertura à história. Cresceu identificado com as dores e as esperanças de seu povo,


que “andava como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34). Não sabemos bem como nasceu e
cresceu a consciência de sua vocação e de seu “projeto de vida”, mas podemos supor
que, desde criança e desde de jovem foi crescendo progressivamente até chegar à
maturidade. Provavelmente viveu uma grande etapa de discipulado com João Batista e
nesse tempo seguramente desenvolveu a consciência de sua identidade e se de sua
missão. Logo se separou de João e começou a pregar de maneira original a chegada
do Reino.

A existência de Jesus esteve unificada por um desejo, por um valor central, por uma
experiência original: “fazer a vontade do Pai” (Jo 4,34).

Seu batismo no Jordão foi um acontecimento significativo. Foi batizado por João...Se
pôs na fila com os pecadores...O enviado de Deus para a salvação de seu povo não se
manifestou como poder esplendoroso e dominador, senão como solidariedade amorosa e
misericordiosa com os pecadores. Quis mostrar que Deus está com os pecadores, que
tomo sobre si seus males e que se identifica com eles e com sua condição, para libertá-los
de sua situação e de seu pecado.
Desde essa primeira aparição pública, ficou marcada uma linha fundamental de seu
projeto de vida: não salva aos homens a partir de fora, senão identificando-se com
eles e convidando-os, a partir de sua situação, a converter-se e a começar uma nova
relação com Deus e com os demais.

Sem dúvida, também ele teve que discernir seu projeto de vida e buscar o caminho
para realizá-lo. Como a toda pessoa humana foram apresentadas diversas opções. Seu
lugar de discernimento foi o “deserto”, onde experimentou a tentação de seguir caminhos
fáceis. Ali rechaçou a tentação de impor-se pelo poder de Deus em vez de manifestar-se
na solidariedade e no amor pelos pecadores e pelos mais abandonados. Sem dúvida, viveu
também momentos de desconcerto, sofreu rechaços e abandonos e teve que aprender a
obedecer e a ser fiel ...Seu projeto de vida foi um caminho de fidelidade que foi-se
construindo pouco a pouco, passo a passo.

1.2.2 Jesus anunciou o Reino de Deus.

O projeto de vida de Jesus tem como centro e como meta o anúncio e a realização
do Reino de Deus. Suas primeiras palavras na Galiléia mostram isso com clareza: “O Reino
de Deus está próximo. Convertam-se e creiam na Boa Notícia” (Mc 1,15).

O Reino de Deus é o grande projeto do Pai, a grande utopia de Deus, de fazer uma
família de filhos e de irmãos, um lar para todos, uma humanidade livre de toda a opressão ,
reconciliada com a natureza, entre si e com Deus, onde todos possam sentir e ser de
verdade, senhores do mundo, irmãos dos outros e filhos de Deus.

É o Reino de vida, porque Deus dá sua vida em abundância (Jo 10,10). É um Reino
de justiça e liberdade porque “nos libertou para que fôssemos realmente livres”(Gl 5,1). É
um Reino de alegria e de paz, porque está fundado no triunfo de Jesus Ressuscitado (Jo
20,20).

O Reino é uma atitude, uma prática, uma vida, uma pessoa que tem o rosto e o
nome de Jesus de Nazaré, “imagem de Deus invisível” (Cl 1,15); um testemunho que
revela a presença gratuita de Deus agindo, libertando seu povo, realizando seu plano de
salvação, mostrando que é o Senhor da história e convidando a forma parte de seu projeto.
O Reino dá sentido à história e à vida que está em processo de plena realização. É “o já e
o ainda não”; é presente que ainda não alcançou a plenitude e a realização definitiva (Lc
21,31).
Em Jesus, projeto de vida e Reino de Deus se identificam. O Reino é o valor que
unifica sua pessoa, é sua paixão; é o que anuncia e o que vive com coerência e plenitude
até a últimas consequências.

Ainda que haja diversas formas de expressar o que é e o que propõe ser o Reino de
Deus, destacamos aqui três características que surgem da própria prática de Jesus: Jesus
optou pelos pobres, Jesus proclamou e viveu as Bem-aventuranças, Jesus formou uma
comunidade de discípulos.

1.2.2.1 Jesus optou pelos pobres

O Reino, como grande projeto de Deus, é universal. Mas seus destinatários


privilegiados são os que sofrem as consequências do pecado e do anti-Reino: os pobres.
Jesus optou pelos pobres (Lc 4, 16-22), se identificou com eles e, a partir deles, anunciou a
Boa Notícia de que o reino de Deus estava se tornando realidade (Lc 6,20-21). Conviveu
como os que não tinham lugar dentro do sistema social e religioso da época. Acolheu aos
que não eram acolhidos: os pecadores (Mt 9,13), as prostitutas (Mt 21,31), os pagãos (Mt
15,21-28) e samaritanos (Jo 4,22-24), os leprosos e possuídos (Lc 5 12-14; Mc 1,23-26); os
marginalizados, as mulheres (Lc 8,1-3), os enfermos (Mt 4, 24; Mt 8,1, Mt 14,14) e as
crianças (Mt 18,1-5), os publicanos (Lc 15,1) e os soldados (Mt 8,5-15), os débeis, os
pobres sem poder (Lc 14,15-24). Se identificou tanto com eles que considerou como feito a
ele mesmo o que se fez ou deixou de fazer com eles (Mt 25,31-46). Com sua atitude deu a
entender claramente que não é possível ser seu amigo e apoiar sistemas que marginalizam
ou exploram a pessoa.

1.2.2.2 Jesus proclamou e viveu as Bem-aventuranças.

Nas Bem-aventuranças (Mt 5,1-11) apresentou um caminho de vida novo e original,


uma escala de valores radicalmente diferente a que primava na realidade de sua época e a
propôs como caminho seguro de felicidade e de realização pessoal. O mesmo Jesus foi o
primeiro a dar testemunho desse novo estilo de vida como caminho do Reino. Um caminho
para a felicidade que implica ser pobre e comprometer-se com os pobres, partilhar dores e
alegrias, gozos e esperanças; trabalhar para saciar a fome e a sede de justiça, ser
compassivo, ter um coração limpo, lutar pela paz e ser capaz de aceitar a incompreensão,
a perseguição e até o martírio por anunciar o evangelho.

O “Sermão da Montanha” é a expressão da novidade que começa a existir na vida


daqueles que se abrem a Deus quando deixam Deus entrar em sua vida. Dentro de casa
pessoa há possibilidades e forças adormecidas que muitas vezes nem sequer
conhecemos. Jesus consegue elevar a capacidade do homem ao máximo de suas
possibilidades, conduz à plenitude.

As Bem-aventuranças são um convite a crescer nessa vida nova, a crer que a vida
vai-se transformando no seguimento de Jesus. Respondem a uma nova forma de ser e de
amar, que vai além do que qualquer pessoa pode projetar a partir de si mesma. É um
convite a abrir-se aos paradoxos do projeto cristão: pobreza-liberdade, amor-
solidariedade, morte-vida, cruz-ressurreição, fraternidade-realização pessoal, entrega-
domínio de si, silêncio-diálogo, oração-compromisso, fidelidade-felicidade, sacrifício-
fecundidade.

1.2.2.3 Jesus formou uma comunidade de discípulos

Para realizar sua missão, Jesus reuniu em torno de si um grupo de gente simples,
alguns jovens e outros com experiência de vida e do mundo do trabalho; um grupo de
pessoas com quem viver de maneira íntima a experiência do Reino.

Ainda que os tenha chamado um a um, pessoalmente, formou com eles


uma comunidade, um grupo, “os Doze” (Mc 3,13-19) ao que se foram unindo depois
outros mais para formar a comunidade dos discípulos, dos seguidores de Jesus (Lc 6,17).

Jesus convidou a formar comunidade porque somente assim é possível


experimentar e entender o Reino. Seu modo de atuar responde ao plano do Pai de formar
um povo que fosse ao mesmo tempo semente e fermento do Reino. Somente na pequena
comunidade é possível aprender os valores fundamentais do novo estilo de vida que Jesus
propõe: os bens partilhados (Mt 6, 24), a fraternidade e igualdade entre todos (Mt 23,8-10),
o poder como serviço; “quem quiser ser o primeiro que seja servidor de todos” (Mc 9,35), a
amizade até não ter mais segredos (Jo 5,15), a nova forma de viver a relação do homem e
da mulher (Mt 19,1-9).

A prática comunitária de Jesus se estendeu a todo seu ministério. O encontro de


cada pessoa com ele se converteu em um compromisso com a comunidade. Não era
possível relacionar-se com Jesus e viver somente para si. Jesus foi o “homem para os
demais” e chamou a todos a ser como ele: “onde dois ou mais estão reunidos em meu
nome, eu estou no meio deles” (Mt 18,20). Na comunidade e no serviço aos demais, se
compreende em plenitude o mesmo projeto da salvação.

1.2.3  Jesus de Nazaré, um homem apaixonado por uma causa. 


Os evangelhos mostram Jesus como uma pessoa profundamente unificada, com
todas suas energias fortemente atraídas para uma causa com a que se sente plenamente
identificado e, a ela , dedica sua vida inteira. Todo seu coração, toda sua paixão, toda sua
entrega e todo seu ser estão centrados no anúncio do Reino.

E o anuncia como a notícia mais desejada e esperada da história, como a


oportunidade para mudar e começar algo novo: chama a “nascer de novo” (Jo 3,3) para dar
sentido pleno à vida, para dinamizar e projetar a vida com esperança. Chama a uma nova
relação dos homens com Deus e dos homens entre si.

A experiência original que impulsiona sua vida e o faz dar-se aos demais com uma
entrega impressionante é a experiência de Deus como “Abbá” (Rm 8,15), como pai íntimo e
próximo, com “seu pai e pai de todos (Jo 20,17). É uma experiência única, irrepetível, que
quer partilhar...Tem consciência relacional, referencial. Se sente plenamente dom do Pai e
por isso se apresenta como seu revelador, como alguém com quem não tem distâncias
nem segredos (Jo 17,21).

Sabe que o Reino de Deus, isto é, Deus mesmo atuando na humanidade, está
próximo porque o experimenta em sua oração e em sua relação com ele. Entre ele e o Pai
há total intimidade e compenetração. Veio para manifestar o coração do Pai, o amor
paternal de Deus aos homens. Por isso não só se refere a ele como “seu” Pai, mas fala a
seus discípulos como o Pai “de vocês”. No Reino, Deus não é o Senhor, é o Pai
misericordioso. No Reino não existe escravos, e sim filhos de Deus: não se pede
obediência ou submissão, e sim amor e livre participação.

Viver a filiação na fraternidade é estar já no Reino de Deus. O Reino não é a


restauração de Israel como unidade política, como esperavam os judeus da época, e sim a
restauração e integração da humanidade em uma nova forma de relação com Deus e dos
homens entre si. Por isso o grande mandamento do Reino é o “novo” mandamento do
amor, que é mais que um preceito moral: é a lei intrínseca e constitutiva do Reino. São do
Reino, aqueles que se amam como Deus os ama, como Jesus ama.

Isto é quase o resumo de todo o evangelho. “Como o Pai me amou, assim também
vos amo...Este é meu mandamento, que se amem uns aos outros como eu vos tenho
amado” (Jo 15,9-12).Amar gratuitamente, totalmente, sempre, em todas as condições, sem
fazer distinções, sem esperar recompensa...

1.3  O seguimento de Jesus.

Jesus não só anuncia e propõe o Reino de Deus: também convida ao seguimento.


O período da juventude é o tempo do descobrimento particularmente intenso do “eu”
humano e das propriedades e capacidades que encerra. É o tempo de descobrir e
programar, de eleger e assumir como algo próprio as primeiras decisões. O jovem do
Evangelho está em fase de decisão e de eleição de sua vida. Daí as perguntas que faz a
Jesus: “Que tenho que fazer para viver em plenitude, para que minha vida tenha pleno
sentido?” (Mc 10,17). O olhar de amor de Jesus, que suscita confiança, anima o jovem a
formular uma segunda pergunta; “que mais me falta fazer?” (Mc 10,20), o que indica que o
coração do jovem aspira a “algo mais”...

Esse “algo mais” move a Jesus a propor-lhe viver de acordo com o projeto de Deus:
as bem-aventuranças, o estilo peculiar de Jesus, pobre, disponível, em comunidade. Isso é
o que quer e o que propõe para todos. Mas para recebê-lo necessita uma atitude de busca
e abertura, desejar o encontro, perguntar-se... é uma proposta diferente para encher a
vida de sentido e plenitude.

O seguimento de Jesus nasce do encontro pessoal com o Ressuscitado, que se já


em um dinamismo de conversão, entrega e renúncia, onde cresce a paixão pelo Evangelho
e experimenta-se o amor incondicional de Deus. É um compromisso com Jesus, que se dá
como fruto de um caminho realizado junto a ele e da ação do Espírito Santo.

O projeto cristão da vida como seguimento de Jesus está desenhado em sua


essência a partir do Evangelho. “Subiu ao monte e chamou aos que quiseram e vieram
com ele. Instituiu doze, para que estivessem com ele e para enviá-los a pregar com o poder
de expulsar demônios” (Mc 3, 13-15)

Aqui aparecem os três elementos essenciais do Projeto de vida:

· O chamado-vocação: “chamou aos que ele quis”. Saber-se chamado pessoalmente


por Deus é a experiência chave de toda vocação e de todo projeto de vida. É um
sentir-se chamado a dar uma resposta livre de seguimento radicalidade e felicidade.

· A comunidade: “chamou-os para que estivessem com ele”. Jesus chama a criar


comunidade, a partilhar seu projeto. A comunidade é o lugar onde se concretiza o
projeto como seguimento. Pertencer e viver a fé em comunidade é essencial a todo
projeto de vida cristã.

· A missão: Jesus chama ao seguimento em comunidade para anunciar, oferecer e


construir o Reino na história dos homens.
O projeto de vida cristã realiza-se em um processo de conversão e seguimento de
Jesus. A experiência básica da vida cristã é a conversão do coração a Deus. A proposta de
Jesus, seu projeto, é alternativo diante dos “valores” do mundo, ainda que, ao mesmo
tempo, encarna-se e se desenvolve nele. Este processo somente desencadeia-se a partir
do encontro pessoal com Cristo como Senhor da vida e da humanidade.

Quando Jesus chama a segui-lo, tudo se relativiza e passa a um segundo plano:


“imediatamente deixaram as redes e começaram a segui-lo” (Mt 4, 18-22). Tudo: futuro,
relações, afetos, trabalho, possibilidades, capacidades, se reordena em função dele. Não
se trata de acomodar o projeto de Jesus à própria vida, e sim de acomodar a própria vida
ao projeto de Jesus.

O encontro com Jesus reorganiza os valores e nos faz “pessoas para os demais”: o
amor de Deus se faz princípio estruturante da vida, unifica o coração e torna possível uma
vida nova. O triunfo do amor sobre o egoísmo passa pela “loucura da cruz” (1Cor 1,18), “o
que perde a vida a recupera” (Mt 10,39). A vida cristã exige pôr em ação meios que façam
possíveis uma permanente conversão: oração, comunidade, acompanhamento, formação,
discernimento, compromisso evangelizador. É um caminho interior para o “ter os mesmo
sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2,5), com entranhas de misericórdia, em disponibilidade à
vontade do Pai, em atitude de serviço aos irmãos.

O projeto de vida faz relação à vocação como exigência pessoal e como chamada “a
partir de fora”. É um compromisso interior entusiasmante: converter-se no que cada um
deve chegar a ser para si mesmo, para os demais e para Deus.

O projeto de vida somente pode ser vivido quando a pessoa supera a atitude
egocêntrica e descobre um amor que liberta, que salva, que dá plenitude. Quando se
descobre profundamente amada por Jesus no que é. Jesus não ama a pessoa pelo que
vale, pelo que aparenta, pelo que dá, e sim pelo que é. Aceita e confia...

É o amor e a proximidade entranhável que viveram seus tantos seguidores, a quem


mudou-lhes completamente a vida. Trata-se de uma experiência que gera fome e sede de
plenitude, que convida a viver com intensidade esse magnífico projeto do Reino, que
enamora e apaixona , que faz viver com entusiasmo, pondo todos os dons e capacidades
em função dele.

1.4  A Pastoral da Juventude deve propor o Projeto de vida de Jesus.

Jesus oferece um projeto de vida plena aos jovens (Mt 19,6-29; Mc 10, 7-31). A Pastoral
da Juventude deve propor o projeto de vida de Jesus como a plenitude de projeto de vida
para os jovens: o caminho de Jesus como o que plenifica e realiza a pessoa. Promover o
conhecimento da pessoa e da mensagem de Jesus. Apresentar o estilo de vida de Jesus
como referente aos jovens, a partir de uma experiência comunitária, com capacidade de
proposta a partir de animadores convencidos, com a mesma exigência de Jesus e do
Reino.

Os jovens tem uma inata aspiração para serem felizes e viver em plenitude. Vivem
esta aspiração com muita força, desejo e entusiasmo. A vida aparece para eles cheia de
“possibilidades” e potencialidades. Sentem uma exigência interior de enchê-la de sentido e
de significatividade: de “realizar-se na vida”.

A Pastoral da Juventude tem que ajudar aos jovens a descobrir que o projeto de vida de
Jesus responde às tendências e desejos mais nobres de seu coração:

· O desejo de viver em plenitude desde a experiência de relações gratificantes. A fé


cristã é uma proposta nova de vida e de relações em que a pessoa é o centro dos
valores. O Deus de Jesus tem optado profundamente pelo homem, por sua
identidade recuperada. É doador de vida e esperança definitivas.

· O desejo de ter um projeto de vida onde possam sentir-se úteis e felizes. O


evangelho devolve aos homens uma utopia que está cimentada na aposta de Deus
por eles e não na segurança e na eficácia meramente humanas. O projeto de vida
de Jesus não resolve tecnicamente as dificuldades e incógnitas dos afazeres
humanos, mas dá sentido a todas as solicitações e esforços. E, ao mesmo tempo,
infunde forças para a fidelidade e condições para a luta.

· O Reino de Deus infunde nos jovens motivações e objetivos para viver seu desejo e
entusiasmo pela justiça e ajuda-os a descobrir onde estão os parâmetros da
verdadeira justiça.

· A necessidade de aceitar-se e de ser aceito gratuitamente. No encontro com o


Deus de Jesus experimentam a gratuidade e a misericórdia como as batidas mais
profundas do coração do Senhor. Na oração percebem uma amizade sempre aberta
ao diálogo e à reconciliação. Para eles é gratificante poder recuperar a confiança
através do perdão.

2 - Como fundamentar pedagogicamente uma proposta sobre “Projeto de Vida”?

O projeto de vida é um fator determinante para o crescimento da pessoa humana.


Viver ou não de acordo com um projeto de vida válido e alentador não é algo facultativo,
uma realidade mais ou menos acessória ou periférica que pode ser deixada de lado. É algo
essencial à pessoa, uma dimensão constitutiva e qualificadora da própria vida. Se
chegasse a faltar, a personalidade careceria de um dos fatores mais dinâmicos de seu
desenvolvimento.

O adolescente e o jovem crescem realmente projetando-se. Além de outros


elementos, o que diferencia fundamentalmente uma pessoa de outra é a qualidade de seu
projeto de vida, o tipo de valores, a tenacidade que gera e é capaz de despertar ao
mesmo tempo fidelidade e criatividade; a capacidade de resistência frente às
indefectíveis contrariedades da própria vida e da vida dos demais e a centralidade que
tem dentro da própria personalidade.

Daí as perguntas “pedagógicas” que surgem diante de uma proposta sobre “projeto
de vida”: como nasce o próprio projeto de vida?, Como começa seu desenvolvimento
dentro da personalidade? Como se elabora e se afirma? Através de que processos
psicológicos toma corpo na pessoa? Por que certas pessoas não conseguem elaborar um
projeto de vida próprio, como projeção vital para o futuro e sua existência aparece então
como carente de vitalidade? Que fazer para descobrir e realizar o próprio projeto de vida?

São interrogações que não têm uma resposta única e definitiva. São como estímulos
que servem para impulsionar às pessoas a buscarem a resposta conveniente dentro do
viver cotidiano nas diversas etapas da vida.

Algumas chaves pedagógicas

Acompanhar o jovem na realização de seu projeto de vida é, de alguma maneira,


abordar e percorrer juntos um processo educativo. E, como se sabe, a ação educativa pode
ser entendida de muitas maneiras e a partir de diversas pedagogias.

Algumas propostas de educação estão centradas predominantemente no “ideal”


como diretriz única de todo o processo. Leva o educando a assimilar por aceitação, por
imitação, por assimilação de papéis, por posturas por ideais e por conteúdos “gravados”
mas nem sempre personalizados. O projeto se faz a partir de “como se”, partindo do que se
espera dessa pessoa, partindo de seus ideais desejados para ele. Mas este tipo de
processo não assegura que os ideais se personalizem e que se consiga uma
aprendizagem significativa. O caminho de “parecer-se a...” costuma ser mais curto na hora
de traçar um projeto de vida, pode acompanhar-se a partir de uma pedagogia mais diretiva,
mas corre o risco de não partir da realidade e de não levar em conta a situação concreta do
jovem.
Outras propostas de educação, ao contrário, estão centradas predominantemente no
“processo” e atendem particularmente a integralidade da pessoas e de sue processo de
maturidade. Partem da realidade concreta do jovem com suas possibilidades e seus limites,
vivem-se em “processo” onde a fé tem um sentido libertador que leva à pessoa a
autotranscender-se e sentir-se convidada a percorrer um caminho a partir do qual possa
aprender e personalizar os valores. Nestes casos, o processo pode ser maior, pode ter
avanços e retrocessos e requer um acompanhamento realista e paciente. Mas o resultado
enraíza mais a fundo da pessoa e a leva a apropriar-se paulatinamente de sua vida e de
seu projeto, construído a partir de um horizonte de transcendência e de busca da vontade
de Deus.

Esta vertente de “processo” se apoia em otimizar as condições para que, a partir de


nossas atividades, grupos, celebrações, encontros o jovem venha descobrir e gerar sua
própria aprendizagem vital, venha personalizar o caminho traduzindo no cotidiano seu
horizonte de fé e possa fazer seu próprio processo. Isto requer acompanhamento,
continuidade e, evidentemente, um projeto pastoral de fundo que sustente e garanta todo o
restante.

Nesta linha, busca-se alcançar alguns destes “objetivos educacionais”: ajudar aos


jovens a descobrir e incorporar novos elementos para elaborar o “mapa de sua vida”;
ajudá-los a despertar valores e vislumbrar opções maduras e consistentes; ajudá-los
a discernir suas necessidades e motivações profundas; ajudá-los a realizar
uma experiência de Deus; aproximar-se deles e/ou provê-los de oportunidades para
viver experiências integradoras e aprimorar suas aprendizagens com estas experiências,
aproximá-los de experiências de confronto consigo mesmos que suponham um desafio
a sua capacidade de conhecerem-se e aceitarem-se e lhes exijam iniciativa e decisão
pessoal; orientá-los para experiências proporcionadas que lhes permitam dar um passo
adiante passando ao nível seguinte e facilitando novos modelos de integração; orientá-los
em experiências fundamentadas, acompanhando-os para discernir situações e
motivações e para reorientar a rota si for necessário.

A partir deste ponto de vista, o projeto de vida permite correlacionar processo


humano e processo cristão em níveis de pedagogia concreta.

Todo processo autenticamente humano é complexo por natureza. Sua


personalização permite uma síntese de contrários que é, ao mesmo tempo, o “selo
cristão” do projeto: a maior autonomia, maior sentido da existência como disponibilidade; a
maior capacidade de decisão, mais abandono na fé; a maior integração humana, mais
pobreza espiritual; a maior consciência dos próprios limites, maior confiança na força de
Deus. Esta síntese de contrários se estabelecerá em etapas subseqüentes do processo de
maturidade humana e cristã, mas suas bases começam a cimentar-se na juventude.

Projeto de vida e processo

O projeto de vida não é algo acabado que um dia se alcançou e se conseguiu para
sempre. É algo que cresce, se desenvolve, que sempre se está aprimorando... É um
processo que tem metas, passos, etapas, pessoas, gestos visíveis, tempos de avaliação.
Não são somente “sonhos”, ideais e valores... O projeto de vida vai-se iluminando a medida
que vai-se fazendo. Convém que esteja formulado e concretizado para evitar que seja algo
que fique “no ar”.

O projeto de vida consiste, de alguma forma, na realização de um processo que


permita ao jovem a busca de si mesmo, de sua própria identidade e de um caminho
coerente com seus valores, no marco de uma opção fundamental.

O projeto de vida propõe a integração das necessidades do eu atual (a realidade


mesma da pessoa, seu aqui e agora) com os ideais e valores autotranscendentes (cristãos)
do eu ideal. Esta integração se expressa em atitudes e se realiza na vida cotidiana, da
qual recebe retro-alimentação e contraste.

O projeto de vida permite percorrer um caminho para alcançar uma identidade


integrada. Esta integração não se consegue de imediato e com facilidade. É fruto da
fidelidade e é resultado de um esforço fatigado e gradual que exige que se implique toda a
pessoa com suas capacidades cognitivas e afetivas. O desejo de seguir adiante, de
caminhar é fruto da Graça. As estruturas psicológicas da pessoa não causam a ação da
graça, mas predispõe a ela.

Há cinco chaves pedagógicas que se consideram muito necessárias para sua


realização:

- a autenticidade: fazer o projeto a partir do jovem e de sua realidade levando em conta


suas capacidades e limites - que nem sempre podem analisar adequadamente - , seu aqui
e agora, seu momento vital;

- o discernimento: pôr-se em atitude de escuta com fé e honradez para favorecer o


encontro com aquele que, de verdade, a pessoa quer ser e o Espírito está sugerindo que
seja;
- a adequação dos passos a dar, as ações e experiências a realizar, os ajustes, a
aceitação de sua realidade e do marco temporal para que a construção do projeto possa
ser mais real;

- as estruturas de apoio: identificar as que já têm e implementar as que necessitaria ter


para continuar caminhando, descobrindo o que lhe ajuda a centrar-se, que lhe freia e lhe
problematiza, que lhe potencializa, etc.;

- avaliação periódica: a necessária revisão que permite confrontar o grau de


desenvolvimento do processo e motiva a seguir caminhando.

Etapas da elaboração do projeto de vida.

O nascimento e elaboração do projeto de vida tem lugar ao longo de três processo


psicológicos que estão presentes durante todo o tempo da vida, mas que estão
especialmente ativos sobretudo durante a adolescência e a juventude. São: o processo de
descobrimento e interiorização dos valores, o processo de eleição da opção fundamental e
o processo de verificação prática dos valores e das opções feitas.

Descobrimento e interiorização dos valores

Todo autêntico projeto de vida nasce do encontro da pessoa com os valores


capazes de promover seu desenvolvimento.

As necessidades da vida

Dentro de cada pessoa existe um conjunto de necessidades vitais que buscam uma
satisfação conveniente para obter o crescimento.

Trata-se das necessidades básicas constitutivas do ser humano: a necessidade de


amar e ser amado, a necessidade de ser reconhecido, a necessidade de existir e de ter os
meios necessários para viver, a necessidade de ter e perceber a própria identidade na
relação com o presente e o futuro, a necessidade de realizar a própria afetividade em uma
relação interpessoal, a necessidade de receber e dar ternura, a necessidade de dar sentido
válido à própria vida, a necessidade de autotranscendência, a necessidade de pertencer a
um grupo humano e de contar com ele para a própria conservação e expansão, a
necessidade de conhecer e viver conforme a própria missão na vida, percebida como a
participação pessoal na construção do bem comum.

Estas necessidades estão presentes em toda pessoa humana, caracterizam-se pela


preponderância de uma outra necessidade, que age como fator de arraste. O exagero de
uma ou de outra, o mesmo que a atrofia, prejudicam o desenvolvimento harmônico e
integral da pessoa.

Os valores da vida

Os autênticos valores da vida favorecem o desenvolvimento da pessoa. Toda a


pessoa está de fato dinamizada pelas necessidades e está orientada e apoiada em suas
diretrizes de crescimento, pelo valores que a atraem. Os valores , na medida em que se
encontram e se interiorizam formando uma hierarquia, atuam como uma forte carga
energética que por um lado responde às necessidades e, por outro, abre novos horizontes
para o crescimento.

Quando se fala em “valores” , fala-se de um pólo positivo que orienta, de um campo


magnético que atrai, de algo que importa, que se percebe como destacado no próprio
contexto da vida. Por exemplo: o bem-estar , a cultura, o amor, a beleza, a justiça , a
fraternidade, a verdade, a liberdade, a bondade, a paz, o progresso, a igualdade, etc. Ou
também : o êxito, a firmação de si mesmo a todo custo, o aproveitamento, a satisfação
imediata, etc. No contexto evangélico, as Bem-aventuranças.

Viver para os valores significa não ter a si mesmo como centro e abrir-se, abandonar
o sentimento leviano e egocêntrico, para pôr-se em relação com o outro, com todos os
outros, com o cosmo, com Deus. Para o crente, há ainda uma nova dimensão: sabe que,
mediante a chamada dos valores, é Deus quem chama.

Embora, nem tudo aquilo que chamamos de valor o é de verdade, há algumas


realidades que constituem “valores autênticos”. São aquelas que promovem o autêntico
crescimento da pessoa humana, o desenvolvimento integral de todas as dimensões sem
restrições nem mutilações. Mas há também outras realidades que são “pseudo-valores”.
São aquelas que se referem a aspectos parciais do futuro humano apresentados como
absolutos, ou a aspectos marginais, periféricos, vividos como centrais. Com freqüência
trata-se de valores lúdicos ou de similares da realidade como a droga, a violência, o
erotismo, etc. Estes pseudo-valores normalmente produzem um crescimento anormal da
personalidade. Todo unilateralismo no campo dos valores é deformante e atrofiante.
Freqüentemente origina confusão entre os diversos níveis ou apatia diante de certos
valores essenciais.

Os valores não existem no abstrato, teoricamente. Têm um conteúdo existencial.


Necessita, de certa maneira, estar comprometido com eles para buscá-los. São como
“idéias imanentes” que reclamam, despertam, põe em atitude de busca. Chega-se até eles
não diretamente, e sim através de mediações. Há que descobri-los e “decifrá-los” para
pode fazê-los próprios. E para que os valores descobertos se convertam em motivações,
isto é, em impulso de ação e, portanto, em atitudes, quer dizer, em tomada de posição
pessoal em uma determinada direção, têm que ser encontrados por toda a pessoa, com
todas suas dimensões e níveis, segundo os dinamismos psicológicos próprios da idade.

Por isso, para que a pessoas assuma os valores indispensáveis para o caminho de
sua liberdade é necessário que os descubra pessoalmente, através de diversas mediações.

Pode encontrá-los nos modelos educativos: toda pessoa que cresce tem referência
em muitos aspectos com “algumas pessoas-chave”. O projeto de fato se desenvolve e se
manifesta com a concorrência de terceiras pessoas. No começo está a mãe, logo o pai, em
seguida a família, os companheiros de brincadeiras, a escola, a turma, os amigos, os
colegas de trabalho, o grupo mais amplo. Dentro das situações pessoais e grupais, o
educador é percebido pelo jovem através do dinamismo psicológico da identificação e a
idealização como um modelo, como uma pessoas pela qual ele sente de alguma maneira
um prolongamento de si mesmo, realizadora dos próprios desejos e expectativas, uma
pessoa da qual tende-se a assumir ideais e estilo de vida, por quem nos sentimos
afiançados, um “testemunho luminoso” de uma realidade vital.

Pode encontrá-los também nas situações concretas: nenhum ensinamento teórico,


nenhuma exortação ou conselho, nenhum castigo ou ação coercitiva podem conduzir a
aquilo que só se pode alcançar através da experiência direta e do contato vivo com os
problemas e as situações da vida. Neste nível se capta “a força formativa” dos diversos
valores com os que se entra em contato. Quando se consegue fazê-los próprios, é quando
o projeto pode amadurecer.

Este contato vivo entre a pessoa e os valores que “a põe em movimento” chama-
se interiorização. Cada vez mais, os jovens aceitam e convertem em próprios os valores,
porque os têm compreendido em si mesmos, objetivamente, e não porque são a realidade
indiscutível indicada pela família, a escola , o ambiente ou as pessoas influentes para eles.

Os valores e o projeto de vida: condições de encontro

Os valores agrupados em constelações, põe em marcha pouco a pouco a


elaboração do projeto de vida. Eles são um apoio e alimento, a realidade indispensável
para chegar a ser autenticamente você mesmo. Como disse Lavelle “é necessário que eu
saiba descobrir a luz de todos as possibilidades que há em mim, o possível que eu posso e
quero ser”.
O projeto de vida flui em uma unidade harmônica o “próprio possível”. Oferece a
base para a opção vital com a qual a pessoa antecipa e prepara a plena realização do
próprio ser, em relação com o ambiente social e dentro de um determinado quadro de
valores, percebido como capaz de satisfazer as mais íntimas aspirações da si mesma.

Embora, nem toda experiência é autenticamente fonte de maturidade. Nem toda


consciência e experiência dos valores leva consigo uma interiorização. Para que o encontro
com os valores seja alimento e sustento do projeto de vida são necessárias algumas
condições.

Estas são as principais:

É necessário descobrir as motivações efetivas e os valores implicados nas


diversas experiências da vida e colocá-los em relação ao próprio projeto de vida. Toda a
experiência significativa tem que confrontar-se com o projeto de vida para obter dele luz e
orientação. Desta maneira, todo o acontecimento, grande ou pequeno, adquire um sentido
definitivo em referência ao projeto.

É indispensável ter um mínimo de reflexão pessoal. A reflexão permite percorrer as


diversas dimensões da realidade e fazer de nexo profundo para uni-las e enchê-las de
sentido. Só assim é possível a “análise crítica” e a “impregnação” dos valores encontrados.

Há muitas forças sócio-ambientais e interiores que tendem a fazer com que a


pessoa dependa de fora de si mesma ou de forças internas deterministas: pressões
conformistas, dependências afetivas, alienações diversas, modas, prejuízos, influências,
etc. A pessoa educada desde a infância para realizar pequenas opções, não de todo livre
ainda, mas acomodadas gradualmente a sua realidade de criança, de adolescente ou de
jovem, pode situar-se de maneira cada vez mais autônoma frente à pluralidade e
conflitividade dos convites e solicitações que recebe. Pouco a pouco aprenderá a
desprender-se do que lhe pressiona em sentido conformista e saberá eleger e considerar
tudo, entre a pluralidade dos valores propostos muitas vezes opostos entre si, de acordo
com os valores de seu projeto de vida. Se fará uma pessoa “dirigida a partir de dentro”.

Entre mil necessidades que se apresentam diariamente na vida de cada pessoa, é


necessário incrementar as necessidades que estão de acordo com a linha preferencial da
opção de vida. Isto exige ascese, oração, auto-controle e disciplina interior. Mas só
desta maneira poderá ser possível ir construindo o “húmus” que permite cultivar a linha
preferencial de vida e canalizar as necessidades não ajustadas. Somente assim consegue-
se um real crescimento da pessoa sem que se dêem elementos de repressão de si mesma.

O aprendizado dos valores.

No processo de aprendizado dos valores podem-se distinguir três etapas:

Uma primeira, de complacência: dá-se uma aceitação exterior do valor que não


tem em conta sua conseqüência vital. Pode ser por medo ao castigo ou à exclusão ou por
uma busca de recompensa. É a forma menos madura de aprender os valores e é educativa
só superficialmente.

Uma segunda, de identificação: se adotam novas atitudes e valores, não porque


sejam importantes em si mesmos e sim porque são importante para as necessidades da
pessoa (auto-estima, imagem, etc.). Porém não se descobre a importância intrínseca do
valor. Outorga um aprendizado dos valores muito ambivalente.

E uma terceira, de interiorização: o valor se vive porque se considera importante


em si mesmo, além da auto-estima, da recompensa ou da exclusão. Leva à
autotranscendência.

Ainda que indiquem uma progressão na maturidade humano-cristã, estas etapas


não são sempre lineares. Algumas pessoas podem ficar na metade do caminho e não
chegar nunca à dimensão de interiorização dos valores.

A escolha da “opção fundamental” do projeto de vida.

Os valores não estão dentro das pessoas nem nos grupos humanos em estado
bruto, dispersos, separados. Melhor, polarizam-se em torno de um valor central tendo em
vista o modo de ser e a identidade pessoal. Em toda personalidade que funcione
normalmente a partir do ponto de vista psicológico há sempre um valor ou um conjunto de
valores que fazem o papel de “absoluto”, de “viés unificador”. Os valores centrais sempre
dizem respeito ao “ser”. São os valores principais que constituem e sustentam o projeto de
vida. Os valores que se referem ao “possuir” existem em vistas do “ser”.

O projeto de vida se elabora e se consolida através da lenta individualização,


descobrimento e eleição da “opção fundamental”. Trata-se desse algo a que se atribui
muita importância, do eixo fundamental que orienta e sustenta as próprias decisões. É
como a pedra angular que sustenta e dá segurança a toda a construção; a opção
fundamental é um ângulo de visão a partir do qual se olha a vida, é o leme de direção na
travessia.
A opção fundamental está formada por valores que constituem o centro da
própria vida, por valores em nome dos quais dizem-se os “nãos” e os “sim” que
imprimem um selo e uma direção à própria existência.

Esta individualização e eleição da opção fundamental do projeto define-a o psicólogo


Goldon Allport como “processo de absolutização”. A inteligência do sujeito sustentada
pela afetividade, consegue isolar cada vez mais uma realidade como “transcendente”, ou
simplesmente como “absoluta”, com relação às demais.

Então, pouco a pouco, um determinado valor ou grupo de valores começa a


destacar-se no quadro de valores da personalidade. Este valor ou grupo de valores assume
então o papel de “valor central” da personalidade. Esse valor organiza a personalidade
como uma pirâmide. Imprime um sentido a toda a experiência do ser humano. Estimula,
numa direção bem determinada, o esforço de compreensão e de ação que é a vida da
pessoa. Somente tendo ele como base é possível localizar em uma “visão orgânica e
panorâmica” as diversas exigências, as instâncias que, de dentro e de fora, pulsam e
reclamam uma resposta.

A individualização e a eleição da “opção fundamental” do projeto de vida leva


consigo, portanto, o surgimento lento mas seguro, apesar das contrariedades e dos
conflitos, de um valor central como sentido último da vida, todas e cada uma das
experiências de unificar os traços da personalidade em torno dele. Um projeto de vida
válido requer uma “opção fundamental” estabelecida sobre um absoluto que seja
autenticamente tal.

O processo de absolutização não tem lugar de forma automática seguindo a partir


de dentro a linha de desenvolvimento da pessoa. Não é um fruto espontâneo, nem
uniforme em todos. A eleição da opção fundamental tem lugar em duas etapas e em
determinadas condições.

Há primeiro um processo de seleção. Os valores experimentados são avaliados


comparativamente. Estas tentativas de avaliação podem, naturalmente, levar consigo uma
série de erros. Mas este é o modo natural segundo o qual toda pessoa aprende e
amadurece normalmente.

Estas tentativas podem, abarcar momentos de frustrações, demoras, regressões ,


fixações parciais. A linha de desenvolvimento leva consigo sempre obstáculos mais ou
menos atraente. Necessita-se tomar a direção complexa do caminho percorrido. Este
processo de seleção é contínuo com alguns momentos de maior intensidade.
Há logo um processo de opção. O dinamismo psicológico que orienta a
personalidade juvenil em torno de uma valor absoluto é a decisão. Esta implica a
inteligência, a afetividade, a operatividade ao longo do fio condutor da vida. Compreende
toda a história do sujeito, incluídos fatores do inconsciente.

Condições indispensáveis para uma eleição válida da “opção fundamental” do


projeto de vida são: a autenticidade dos valores vividos, a relação harmônica entre o valor
central e os demais valores eleitos e a ajuda pedagógica adequada.

A verificação prática dos valores e das opções escolhidas

O projeto de vida se vive no cotidiano. Para que possa desenvolver-se e consolidar-


se tem que passar através de um “confronto único” com os ambientes de vida.

De fato, os valores que constituem o núcleo do projeto não se encontram no


abstrato, em intelectualismos e teorizações, nem em belos discursos, e sim em
situações vivas e concretas dos ambientes de vida. Estes são o lugar, também
geográfico, em que surgem os modelos com os quais há que confrontar-se e no quais
interagem as forças psico-sociológicas que influem na pessoa. Dali parte o projeto, ali é
onde cresce, reencontra-se e dá seu fruto, ou pelo contrário, fica aprisionado e morre.

Por ambientes de vida entende-se o conjunto de coisas, pessoas, objetos,


situações com os que estabelece-se uma relação duradoura no tempo e que, de certa
forma, incidem sobre as mesmas pessoas modificando sua relação com cada um deles.
Resulta assim, um conjunto mais ou menos homogêneo de valores, juízos, prejuízos,
filosofias de vida, costumes, tradições, lugares comuns, modos de agir, de dizer, de pensar,
de reagir mais ou menos imediatos e irreflexivos.

Toda a pessoa vive um ambiente determinado que influi nela e, ao mesmo tempo,
está em relação com outros ambientes. Pode ser mais ou menos conscientes desta
influência, pode sofrê-la ou também pode orientá-la. De fato, influi sempre sobre as opções,
mas algumas vezes, pode chegar a fazê-lo de um modo determinante.

O projeto de vida tem a ver também com os fatores pessoais


temperamentais. Atualmente, a incidência dos ambientes de vida vem se acentuando e
multiplicando como conseqüência da rápida evolução social imperante e da crescente
socialização. Toda a pessoa que queira elaborar um projeto vivo e válido tem que revisar
constantemente o tipo de relação que existe entre ela e seus ambientes de vida: a família,
o grupo, a escola, o trabalho, a paróquia, os ambientes de lazer, etc.
Na realidade atual, parece necessário ajudar ao jovem a reconciliar-se consigo
mesmo, com suas realidade juvenil, familiar, histórica, de grupo, de bairro, de comunidade
eclesial frente aos modelos impostos pela sociedade de consumo. Tem que fazer
experiências que levem aos jovens a pensar criticamente, superar o desânimo e
incrementar sua auto-estima. Tem que reconhecer que existem situações novas e ajudar
aos jovens a viverem as tensões como pistas de maturidade progressiva. Tem que
confrontar o ideal e o real, os valores e suas possibilidades de realização e descobrir o
sentido do fracasso, a frustração, os limites, o pecado.

O Acompanhamento

Nenhum projeto de vida pode ser construído pela pessoa sozinha. Muito mais os
jovens que têm especiais dificuldades para decidir-se por um caminho e para escolher os
meios para percorrê-los.

São necessárias a comunidade, os amigos, a família...e sobretudo, educadores que


possam ajudá-los a encontrar o caminho e os meios para realizar seus projetos de vida e
para integrar as necessidades e as exigências que lhes estabeleçam os valores cristãos.

Construir um projeto de vida exige um acompanhamento. Um acompanhamento


“pedagógico”, isto é, um acompanhamento que não dá tudo pronto nem condiciona a fazer
o que o educador quer, e sim um acompanhamento que ajuda a confrontar, que dialoga
sem impor, que contribui com ferramentas, que faz seguimento com paciência e
misericórdia.

O adulto que acompanha tem que ter também seu próprio projeto de vida, tem que
saber deixar-se acompanhar e tem que deixar-se confrontar tanto pela Palavra de Deus
como pela comunidade. É importante apresentar modelos de vida concretos que sejam
testemunhas de que é possível viver os valores que são propostos: nisto é fundamental o
testemunho pessoal do assessor. O acompanhante se enriquece na medida em que
trabalha em equipe e é importante criar as condições para fazê-lo.

Para acompanhar aos jovens na construção de seus projetos de vida e responder ao


projeto desde suas realidades concretas, poder ser interessante:

* Contribuir para que conheçam suas motivações concretas, para que possam integrá-las
em seu projeto de vida;

* Acompanhá-los na descoberta de suas necessidades (pertença, afeto, desejo de incidir,


etc.) não são más em si mesmas, mas têm que integrá-las com valores, pô-las ao serviço
destes para que lhes emprestem sua energia psíquica como motor para a realização de
seus projetos de vida. * Sem esquecer que toda identidade pessoal integrada se expressa
em atitudes coerentes com suas necessidades e valores. É um processo que há que ir
“ensaiando” ao longo de toda a vida...;

* Ajudá-los a amadurecer para valorizar a diferença entre auto-realização e


autotranscendência. Na auto-realização desenvolve-se a si mesmo, em função de si
mesmo e tendo como horizonte último seus próprios desejos. Isto não é negativo, mas a
partir de um olhar cristão, não é suficiente, porque o último horizonte não somos nós
mesmos. Na autotranscendência, ao contrário, estabelece-se o desenvolvimento da
pessoa com outros a partir de um horizonte de transcendência que me realiza, Deus, que
muitas vezes leva por caminhos pascais onde tem que “morrer a si mesmo” para que
cresça o “homem novo”. O desenvolvimento do “eu pessoal” situa-se a partir das
referências que são Deus , o Reino, os irmãos e, desde logo, a própria pessoa.

* Ajudá-los a ser pacientes e conscientes de suas possibilidades e seus limites e a


não viver passivamente os que lhes impõe a própria realidade. Aderir a ideais não é uma
prova automática de que se estão vivendo. Muitas vezes os jovens têm dificuldades para
reconhecer esta distância em suas próprias vidas, já que vivem os ideais a partir de uma
grande valorização. Ajudá-los a olhar com paciência que a vida cotidiana é o cenário de
maturidade e realização da opção, que nem sempre são coerentes e estão “terminados”,
que nem sempre estão “vivendo já o que dizemos” e sim que estão em processo, os faz
viver “tensos” positivamente para adiante. E nem por isso o caminho se faz menos
exigente...

* Ajudá-los a ver que se utilizam equivocadamente os ideais quando só se põe ao


serviço das próprias necessidades e não do Reino. O Aspecto chave do caminho é a
vertente de purificar os desejos, além de buscar-se a si mesmo;

* Promover para que os jovens eduquem-se a dar respostas realistas integrando


limitações e desejos. Quanto mais se consegue isso, mais se prepara para outras
responsabilidades maiores e para que abram-se ao projeto de vida.

Como relacionar “projeto de vida” e pastoral juvenil?

Ainda que tenha sido utilizada, nos primeiros anos da Pastoral da Juventude, a
expressão “projeto de vida” é, até hoje, uma expressão quase desconhecida na
terminologia do trabalho e da práxis desta pastoral. Nela costuma-se falar mais , propor e
procurar realizar “processos de educação na fé”. Estabelecer uma proposta sobre “projeto
de vida” é estabelecer algo novo e diferente? Trata-se de realidades alternativas ou de
realidades complementares? São formas diversas de expressar a mesma realidade? Existe
algum vínculo entre uma e outra? Ou trata-se de seguir fazendo o mesmo que antes mas
com uma nova terminologia e uma apresentação diferente?

As contribuições que seguem tentam dar resposta a estas interrogações feitas por
muitos agentes de pastoral.

3.1 “PROJETO DE VIDA” E “PROCESSOS DE EDUCAÇÃO NA FÉ”

3.1.1 A proposta latino-americana da Pastoral Juvenil

A primeira sistematização de experiências da pastoral da juventude latino-


americana, realizada em 1987 e expressada no livro “Pastoral da Juventude – Sim à
Civilização do Amor” (São Paulo: Paulinas, 1987), publicada pela Seção de Juventude do
Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), considerava como proposta pedagógica,
os “processos de educação na fé”.

“Nesta terceira parte – dizia – consideramos a forma de transmitir, intacto e vivo, a


mensagem do Evangelho para que seja acolhido pelos jovens e seja capaz de
gerar processos de conversão, entusiasmando-os na tarefa que hoje lhes propomos:
construir a Civilização do Amor”. E acrescentava: “queremos dirigir-nos aos agentes da
pastoral juvenil e, em particular, aos animadores e assessores para que no
acompanhamento do processo de educação na fé dos jovens, saibam diferenciar as
etapas a viver em cada experiência e saibam manter o ritmo nos inumeráveis
descobrimentos que o jovem irá fazendo na relação entre fé e vida, na própria educação de
sua fé e na relação entre fé e conscientização”. E mais adiante: “temos optado por uma
pedagogia da ação que articule as diferentes etapas do processo; que garanta a
assimilação dos conteúdos; que, no dinamismo das comunidades juvenis, ajude a descobrir
o sentido e a necessidade de vinculá-las a um processo social e eclesial que implica
organização, coordenação, planejamento, acompanhamento e capacitação”.

O 6º e 7º Encontros Latino-americanos de Responsáveis Nacionais de Pastoral da


Juventude realizados em Caracas (1988) e em Quito (1989), aprofundaram o sentido, os
conteúdos e as formas de implementar e acompanhar o processo e cada uma das de suas
etapas. A nova sistematização realizada em 1995, apresentada no livro “Civilização do
Amor, tarefa e esperança” retomou as reflexões anteriores e ofereceu uma descrição mais
bem acabada do que são e do que se quer alcançar com os “processos de educação na
fé”.
3.1.2 Os processos de educação na fé

“A Pastoral Juvenil é uma proposta educativa e evangelizadora, que surge como


resposta da Igreja à situação da juventude na América Latina. Como tal, fundamenta-se
numa pedagogia pastoral, tem uma proposta de processos integrais de formação e uma
metodologia para realizá-los, supõe uma determinada forma de organização e exige
agentes pastorais especialmente capacitados para acompanhá-los”.

Como antecedente necessário para entender a proposta sobre “projeto de vida” em


relação aos “processos de educação na fé”, parece oportuno recordar aqui alguns de seus
elementos mais característicos:

- a opção pedagógica fundamental da pastoral da juventude é o reconhecimento do


caráter processual e dinâmico da formação e da educação na fé. Não é possível
entender a ação da pessoa sem esta tarefa que se converte num projeto diário e num
desafio cada vez mais original. Nem o ser humano nem os grupos nascem prontos; ao
contrário, têm diante de si um grande caminho de formação que abarca diversos aspectos
e comporta diversas exigências.

Isto significa que deve-se levar em conta os “tempos” de crescimento, de


identificação afetiva, de assimilação e de compromisso que são próprios dos jovens.
Significa, também, reconhecer que o processo educativo é um caminho que é realizada
pelo próprio jovem, que ele é o principal responsável para dar os passos correspondentes,
que dele são os méritos dos resultados obtidos e que sua é também a responsabilidade do
que não consegue”.

Para a Pastoral da Juventude Latino-americana, formar é gerar nos jovens e nos


grupos novas atitudes de vida e novas capacidades que lhes permitam ser, clarear seus
projetos de vida, viver em comunidade e intervir eficazmente para a transformação da
realidade...A formação é um processo de crescimento, tanto pessoal como grupal e
social, com metas claras a alcançar e profundamente encarnado nas condições históricas e
sociais em que se vive. Trata-se de um processo de educação não-formal... Através de
metodologias adequadas, propõe-se uma formação na ação onde se ofereça ao jovem a
possibilidade de realizar uma ação refletida e de ter uma reflexão comprometida...”

“Para ter em conta a multiplicidade e a riqueza de aspectos do crescimento da


pessoa e o caráter processual de sua maturidade, a Pastoral da Juventude Latino-
americana propõe um processo de formação integral que atende cinco dimensões: a
relação consigo mesmo, a relação com o grupo, a relação com a sociedade, a relação com
Deus e a relação com a Igreja. E três etapas: a nucleação, a iniciação e a militância”.

“A relação do jovem consigo mesmo corresponde à realidade psico-afetiva e ao


processo de personalização que o jovem vive. A relação com o grupo corresponde à
dimensão social essencial a toda pessoa e ao processo de formação para ser capaz de
integrar-se em uma comunidade onde viva e se alimente continuamente seu crescimento
pessoal integral. A relação com a sociedade corresponde ao processo de socialização ou
de inserção na sociedade para ser capaz de projetar-se na comunidade local, nacional e
internacional. A relação com Deus corresponde à experiência de fé do jovem. É a
progressiva experiência da presença de Deus atuando nos acontecimentos da vida, da
vocação mais profunda de ser filho e irmão, do descobrimento de Jesus como Senhor e
Libertador e da opção por segui-lo, do discernimento da ação do Espírito nos sinais dos
tempos da história pessoal, grupal, eclesial e social e do compromisso radical de viver os
valores do Evangelho. A relação com a Igreja corresponde ao processo de inserção do
jovem na Igreja a partir do grupo ou comunidade juvenil que se propõe como experiência
de “pequena Igreja” numa situação ?escala apta para o jovem”.

“ A etapa de nucleação é a etapa na qual os jovens são convocados, respondem


afirmativamente e decidem começar sua participação nos grupos juvenis... A etapa
de iniciação é a etapa efetivamente percorrida pela imensa maioria dos grupos de jovens...
Nela, o jovem descobre-se como ser histórico – em situação, em relação e em projeto - e
formula-se perguntas sobre o sentido da vida que o levará à elaboração de um projeto de
vida pessoal e à opção vocacional... A etapa da militância é uma etapa ativa e criativa que
se desenvolve uma vez superada a adolescência e que supõe a integração dinâmica dos
elementos cognoscitivos, afetivos, sociais e transcendentes em uma opção e projeto de
vida... É uma meta que se propõe a todo jovem sujeito de um processo de educação na fé,
uma meta a que deve tentar chegar, um compromisso iniludível que todo jovem cristão
deve assumir.”

“Para facilitar uma consecução mais harmônica dos objetivos e uma melhor
organização dos conteúdos e das atividades promovidos para desenvolver as diferentes
dimensões, algumas sistematizações mostram que, durante esta etapa, ocorrem
diversos “momentos” que se pode distinguir claramente e que assinalam a
progressividade do processo de crescimento que os jovens realizam. Os momentos e
dimensões descritos não são compartimentos estanques. Separam-se por razões de
clareza. Na vida real, influenciam-se mutuamente e podem ocorrer e combinarem-se de
diversas maneiras. Não é possível determinar antecipadamente o prazo para passar de um
momento a outro, pois cada grupo tem sua história e esta deve ser respeitada”.

3.1.3 O Projeto de Vida

Com a expressão “projeto de vida” pode-se entender realidades muito diferentes.


Para alguns, falar de “projeto de vida” é falar de “sentido de vida”; para outros, falar de
“projeto de vida” faz referência a uma série de atividades que se deve executar para
conseguir realizá-lo; para outros, trata-se de um “tema” que tem sua importância em
determinado momento do processo pessoal e grupal e que deve ser tratado e atendido com
tal.

Na realidade, falar de “projeto de vida” é falar de uma necessidade cada vez mais
presente na vida dos jovens e no trabalho da Pastoral Juvenil. Com a dispersão e a
fragmentaridade da vida, com o relativismo e a crises de valores, com a idolatria do
imediato e do eficaz que trouxeram o neoliberalismo e a pós-modernidade, a busca, a
concretização e a realização de um projeto de vida aparece como algo urgente e
absolutamente necessário para a vida dos jovens.

Falar de “projeto de vida” é dar uma resposta ao caráter “presentista” da cultura


atual. Mas é também uma resposta a muitas propostas de trabalho com jovens que não
tem um “fio condutor”, que não estabelecem etapas e que estão ligadas muito mais a
“eventos” que a “processos”. Nesse sentido, a pastoral juvenil não está propondo algo
totalmente novo, e sim continuando e aprofundando o que se vem realizando.

Discernir e realizar um projeto de vida ajuda aos jovens em seu compromisso de ser
pessoas capazes de crescer integralmente na relação consigo mesmos, com os demais,
com a natureza e com Deus. É uma forma de ajudá-los a integrar harmoniosamente os
valores, aspirações e ideais da vida e de atender adequadamente suas etapas de
crescimento e seus desafios. É a concretização histórica do descobrimento do sentido da
vida e da resposta ao chamado de Deus a viver em fraternidade e em irmandade e a
construir um mundo melhor.

Não se trata, pois, de um conjunto de ações pontuais. Nem de um conjunto de


atividades. Nem de uma reunião ou um bloco de trabalho em algum encontro, retiro ou
convivência. Trata-se de um processo de formação e de discernimento para poder
descobrir o sentido da própria vida e tomar as decisões que permitam concretizá-lo e fazê-
lo realidade.
3.1.4 Projeto de vida e processos de educação na fé

A partir do expressado até aqui, apresentam-se algumas indicações para orientar a


maneira de trabalhar a proposta sobre “projeto de vida” em relação aos “processos de
educação na fé”.

3.1.4.1 Como apresentar a proposta sobre “projeto de vida”?

O “projeto de vida” não se elabora de um dia para outro. Muito menos pode fazer-se
em um retiro de fim-de-semana ou através de alguma dessas “experiências fortes” que
alguns propõem como caminho quase mágico para descobrir a vontade de Deus e
responder as inquietudes e perguntas dos jovens.

As Orientações 1997-2000 da Pastoral Juvenil do Uruguai, aprovadas na 3ª


Assembléia Nacional de Pastoral da Juventude realizada em outubro de 1997, falam de
“uma pastoral da juventude que convoque o jovem a partir de sua realidade e o acompanhe
em seu processo grupal de crescimento e no discernimento e realização de seu projeto
de vida”. O que significa uma reafirmação do valor e a importância do processo grupal,
uma exigência de estabelecer metas, etapas e pontos de referência, um convite a
desenvolver atitudes de busca e discernimento e uma necessidade de estabelecer um
acompanhamento adequado. Em meio às infinitas possibilidades que podem acontecer nas
distintas realidades, o desafio da Pastoral da Juventude é ajudar aos jovens a discernir e
concretizar seu projeto de vida guiados pela proposta e o estilo de vida de Jesus anunciado
no Evangelho e vivido na comunidade Igreja. Ajudar a discernir e realizar o projeto de
vida é um elemento essencial do processo de educação na fé dos jovens.

Todo “projeto de vida” tem uma pré-história que é o que cada pessoa vai vivendo
desde seu nascimento, no contexto de sua realidade familiar, econômica, social, religiosa e
cultural, com as influências das experiências e situações de vida que tem que enfrentar. A
aspiração de ser feliz, de conseguir realizar-se e de encontrar um sentida para a vida
sente-se de uma maneira especial na idade juvenil. Por isso, o chamado a construir um
“projeto de vida” é uma realidade que está presente na vida e nas buscas dos jovens que
chegam aos grupos e às comunidades ainda que nem sempre possam expressá-la dessa
maneira. A Pastoral Juvenil terá que ajudar a explicitar e a fazer realidade isso que está
pulsando neles.

Por isso, a proposta de discernir e realizar um “projeto de vida” tem que estar
formulada claramente desde o início do processo grupal e desenvolver-se como “fio
condutor” de todo o processo de educação na fé. Não se trata, portanto, de um tema, nem
de uma reunião, nem de um conjunto de atividades a realizar. É algo que se vai
construindo lentamente no encontro semanal do grupo e que deve chegar a constituir-se no
objetivo mesmo do grupo.

Daí, a importância de garantir, desde o princípio, o “processo grupal” para que,


quando chegue o momento adequado, possa apresentar explicitamente a proposta sobre o
“projeto de vida”. Os fundamentos teológicos e pedagógicos enunciados anteriormente
ajudarão a fazer que esta proposta não apareça como um “evento” que começa e termina
em um tempo determinado.

Isto implica valorizar o grupo de jovens como espaço comunitário para encontrar-se,
apoiar-se, buscar respostas às inquietações e descobrir Jesus na história. Como espaço de
crescimento e acolhida. Como experiência de comunidade vivida, partilhada e celebrada na
fé. Como espaço para ir definindo as prioridades e discernindo o próprio projeto de vida.

Não pode ser somente um espaço dedicado a fazer atividades: deve propor um
processo de integração eclesial . Não pode ser apenas um espaço dedicado a “estar
juntos”: deve propor processos de amizade e de partilha abertos a todos os ambientes da
vida do jovem. Não pode ser somente um espaço dedicado a conversar assuntos de
interesse ou temas da atualidade : deve apresentar propostas claras, promover a dimensão
de fé, levar ao encontro com Jesus e a propor elementos para ajudar a tomar as decisões
fundamentais da vida.

A resposta pessoal de cada jovem integrante de um grupo pode ser muito diversa.
Mas, em todos os casos, há que se assegurar que o processo grupal lhe ofereça uma
possibilidade adequada para elaborar seu projeto de vida, para ir definindo sua opção
fundamental, para estruturar sua escala de valores, para tomar as decisões importantes
com base nas experiências e para assumir como suas essas opções.

3.1.4.2 Quando apresentar a proposta sobre “projeto de vida”?

A proposta do “projeto de vida” é, então, uma proposta para todo o processo grupal.
Como tal, deve estar presente na etapa de nucleação, ser trabalha e aprofundada na etapa
de iniciação e verificada na etapa da militância.

O convite à participação no grupo deve ser honesto: o assessor tem que ter claro
seu próprio projeto de vida e estar diante dos jovens com uma proposta de vida pessoal.
Pode haver um tempo de proposta implícita, momentos nos quais se estabeleça a
possibilidade de ter seu próprio projeto de vida. Mas tem que haver também uma proposta
explícita: não será na primeira reunião, mas não se pode deixar que os jovens passem pela
Pastoral da Juventude sem haverem traçado metas claras para suas vidas.

Na etapa de iniciação, os jovens descobrem que as coisas têm sentido e que a vida
das pessoas têm sentido. É aí, quando deve estabelecer também que suas próprias vidas
têm um sentido e, portanto, devem ter um projeto. Cada um decidirá se aceita-o ou se
deixa para mais adiante. Ainda que a proposta tenha sido feita anteriormente.

O “projeto de vida” deve ser o fio condutor de todo o processo grupal: é


proposto na etapa de nucleação, se estabelece explicitamente e se começa a
discernir na etapa de iniciação e realiza-se e verifica na vida de no grupo durante a
etapa de militância. No momento de propô-lo há que se levar em conta a idade, a
situação do jovem e seu processo de crescimento. Mas o mais adequado parece ser
ao final da etapa de iniciação e começo da etapa de militância.

Não se pode fazer na etapa de nucleação, porque a proposta não será entendida e
porque não é essa a inquietude dos jovens. Aos 15 ou 16 anos, a preocupação pelo projeto
de vida ainda não está presente. Há que se trabalhar primeiro determinados elementos
antropológicos como o sentido da vida, os ideais, etc., para que se possa estabelecer uma
proposta sobre o projeto de vida.

Por isso não se pode propor tampouco no começo da etapa de iniciação e, muito
menos ainda, na Pastoral de Adolescentes. Isto pode criar dificuldades às pastorais juvenis
integradas majoritariamente por grupos de adolescentes e para muitas realidades do
interior onde os estudantes logo devem deixar sua cidade natal para estudar/trabalhar nos
grandes centros urbanos. Mas o fato de que “os jovens saem” ou não poder segui-los em
sua própria realidade, não autoriza para realizar antes do tempo uma proposta para a qual
não estejam capacitados.

A solução não se encontrará adiantando o processo e sim buscando formas de


seguir acompanhando os processos quando os jovens saem de seu meio, através de
grupos de migrantes ou de fomentar a integração nos grupos de jovens do meio urbano.

É certo que há tempos e momentos...Uma proposta deste tipo não pode ser feita a
jovens que recém se integram a um grupo ou aos que estão saindo da adolescência. Mas
jovens de mais idade e com mais tempo de integração grupal, não deveriam “passar” por
um grupo de pastoral juvenil sem que este lhes proporcione elementos neste sentido e os
ajude a tomar esta decisão tão fundamental da sua vida.
Por aí, quem sabe, possam surgir também caminhos novos para que os jovens que
terminam sua etapa nos grupos de jovens encontrem, naturalmente na comunidade, o lugar
e o espaço onde continuar crescendo e fazendo realidade seu projeto de vida.

3.1.4.3 Como acompanhar a proposta sobre o “projeto de vida”

Todo jovem é chamado a viver um processo cristão. A partir dele mesmo, quando
surge a proposta, ou desde o assessor que deve estar atento e aberto para propor no
momento que pode ser melhor aproveitado.

Não se pode discernir e realizar um projeto de vida sem acompanhamento. Deve-se


acompanhar aos jovens nas etapas de nucleação, iniciação e militância com pessoas que
tenham uma visão de conjunto do mesmo processo de fé. Necessitam-se assessores
formados, coerentes, de vida sacramental, capazes de ajudar aos jovens a estruturarem
sua personalidade diante do “vale-tudo” da cultura atual e às clássicas “fugas” da realidade,
a “aterrizarem” na vida e a assumirem suas responsabilidades no estudo, no trabalho, no
grupo, na família, na comunidade, na vida de fé, na vida social, etc.

Isto exige redescobrir mais profundamente o serviço e a missão do assessor como


acompanhante de processos grupais para discernir e realizar projetos pessoais de vida.

O processo de educação na fé dá-se no contexto mais amplo da comunidade


paroquial e da comunidade diocesana. As comunidades devem saber que os jovens
necessitam processos de integração, devem dar-lhes testemunhos de coerência pastoral e
estarem abertos a eles, não para “usá-los” primeiro e logo abandoná-los, e sim para ajudá-
los a integrarem-se e participar.

3.2 “PROJETO DE VIDA”, PASTORAL JUVENIL E PASTORAL


VOCACIONAL

Não pode surpreender a ninguém que, ao falar da proposta sobre “projeto de vida” e
da Pastoral da Juventude, surjam, de imediato, as perguntas sobre o lugar e a tarefa da
pastoral vocacional bem como o vínculo e os possíveis pontos de encontro entre a
proposta sobre “projeto de vida”, a pastoral da juventude e a pastoral vocacional.

Ainda que exista muito desconhecimento e com freqüência tem-se visões demasiado
parciais como as de quem afirma que “a pastoral juvenil não se preocupa com o aspecto
vocacional” ou que “a pastoral vocacional não gera processos e somente pensa nas
vocações sacerdotais e religiosas”. Nos últimos anos tem-se avançado neste sentido e,
hoje, há uma consciência maior das relações que realmente existem e das que devem
existir entre ambas pastorais.

Cada vez mais, os agentes de pastoral vocacional vão descobrindo que a proposta e
o acompanhamento vocacional pressupõe aspectos fundamentais de formação humana e
cristã que se deve fazer referência. Têm consciência que ser pessoas e ser cristãos é a
primeira grande vocação a que todos são chamados e a que está ligada a qualquer outra
vocação particular.

E cada vez mais, também, os agentes da pastoral juvenil vão descobrindo que a
proposta de formação humana e cristã que apresentam aos jovens leva-os a
comprometerem-se com um projeto de vida relacionado com todos os aspectos de sua
pessoa, incluindo a definição vocacional.

O acompanhamento para discernir e realizar o “projeto de vida” dos jovens pode ser,
quem sabe, um novo ponto de encontro entre ambas pastorais e um alento ao trabalho
comum que vem-se promovendo nos últimos anos. Mas, para que este possa realizar-se e
alcançar resultados satisfatórios, será necessário continuar esclarecendo conceitos,
situações e tarefas.

3.2.1 Projeto de vida e vocação

“Projeto de vida” e “vocação” são dois aspectos de uma mesma realidade que
devem estar em permanente relação: o caminho de realização intuído, descoberto,
assumido e realizado pela pessoa e o chamado de Deus na história através de sinais que
se interpretam a partir de um olhar de fé. Assim, entre Deus que chama e a pessoa que
responde dá-se um convite a estabelecer um diálogo que manifeste e ponha em relação,
ao mesmo tempo, o amor gratuito de Deus e a liberdade da pessoa humana.

Em ambos aspectos, aparece claramente que a iniciativa do chamado é sempre de


Deus. A vida e a vocação são manifestações de seu amor. Diante da iniciativa de Deus que
chama, a pessoa toma consciência de sua realidade de limitação e de pecado e da
distância que existe entre a grandeza do que Deus lhe propõe e as capacidades humanas
que ela possui. Mas igualmente se anima a responder, a partir da fé de quem se reconhece
“imagem e semelhança de Deus”, pecador redimido, “homem novo”, chamado a viver uma
nova realidade no seguimento do Senhor Jesus.

Toda vocação pressupõe uma missão. Toda a realização pessoal dá-se no serviço e
na entrega aos demais. Deus chama para construir comunidade, para fazer a cada pessoa
“irmão” com outros irmãos, para seguir construindo um mundo que seja a “casa de todos”,
onde todos possam viver com dignidade. Descobrir o chamado de Deus é encontrar
horizontes possíveis para a própria realização pessoal.

3.2.2 A Pastoral Juvenil

Os processos de educação na fé que já foram descritos, mostram que a pastoral da


juventude tem muito claro que estes processos devem integrar a definição vocacional, pois
sem ela a maturidade humana e cristã dos jovens ficaria truncada.

E isto porque crê que as vocações surgem ali onde acontecem os processos que
permitem aos jovens encontrar-se com Jesus, descobrir as necessidades do mundo e da
Igreja, receber propostas vocacionais concretas e ser contagiados pelo testemunho
entusiasta de quem os acompanha.

Uma Pastoral Juvenil realizada da maneira que foi apresentada, tem muitos pontos
de encontro com elementos fundamentais de uma pastoral vocacional:

- O chamado de Deus é sempre concreto e encarna-se na situação real de cada jovem. A


primeira vocação de todo ser humano é a vocação humana a ser e a realizar-se como
pessoa;

- O método “ver-julgar-agir-revisar-celebrar” e a experiência grupal e comunitária criam


hábitos de discernimento que capacitam para a resposta vocacional;

- A ação direta a favor dos demais é um exercício de entrega, um encontro com as


necessidades dos irmãos e uma experiência da força libertadora da ação de Deus que
predispõe para a entrega total da vida ao serviço do Reino;

- A reflexão sobre o próprio projeto de vida capacita para uma atuação gozosa das opções
realizadas como resposta às necessidades da Igreja e da sociedade.

- A relação pessoal com um assessor ajuda a descobrir as próprias disposições e


inclinações e a fazer coerentes as respostas.

Todo grupo de jovens trabalhado desta maneira converte-se em “vocacional”.

Por isso é necessário que a Pastoral Juvenil tenha sempre em conta a realidade dos
jovens, ajude-os a aprofundar o conhecimento da fé, oriente-os em suas opções
vocacionais e anime-os para serem agentes de mudança na sociedade e a participarem
ativamente na vida da Igreja. É necessário que os ajude a percorrer o caminho para poder
realizar não somente seu próprio projeto pessoal como também o projeto que Deus tem
para eles. É necessário que ajude-os a descobrir e a assumir valores, a tomar decisões e a
pô-las em prática com decisão e coerência. Assim estará educando-os para descobrir e
concretizar seu projeto de vida e sua vocação.

3.2.3 A Pastoral Vocacional

Todo ser humano é chamado a ser sujeito e a realizar-se como pessoa. Mas, ainda
que a vocação primeira seja esta vocação humana, toda a pessoa tem também uma
vocação cristã e uma vocação específica, quer dizer, uma maneira própria, pessoal e única
de dar resposta ao chamado de Deus e um lugar onde viver sua missão de serviço na
Igreja ou na sociedade.

A pastoral vocacional é a ação da Igreja para ajudar e orientar aos cristãos no


nascimento,

discernimento e acompanhamento de sua opção vocacional. “Entende-se como um serviço


que se oferece a cada pessoa para que possa descobrir o caminho para a realização de
seu projeto de vida tal como Deus quer e necessita para o mundo de hoje”.

A pastoral vocacional parte da situação mesma do jovem, aproxima-se dele com


uma atitude de respeito a sua dignidade pessoal, oferece-lhe elementos de discernimento e
o acompanha no processo de resposta dinâmica que vai durar toda a vida.

Há então uma pastoral vocacional para acompanhar o nascimento, discernimento e


realização da vocação humana e cristã, que é responsabilidade de todos os educadores da
fé e que de fato corresponde ao que faz normalmente a Pastoral da Juventude. E há
também uma pastoral vocacional para acompanhar o nascimento, discernimento e
realização da vocação específica que se refere aos diversos estados de vida que estão
dentro da Igreja.

3.2.4 Pastoral Juvenil e Pastoral Vocacional

Pelo que foi dito até aqui, pode-se afirmar que a Pastoral da Juventude e a Pastoral
Vocacional têm elementos em comum: ambas são pastorais da mesma Igreja e ambas
procuram orientar aos jovens para que cheguem a ser pessoas do mundo, de acordo à
vocação de cada um. Ambas tem como destinatários aos mesmo jovens e atuam no
momento em que estão tomando decisões fundamentais que definirão e marcarão para
sempre suas vidas.
A pastoral vocacional encontra na Pastoral Juvenil seu espaço vital e a Pastoral
Juvenil é

completa e eficaz quando abre-se a dimensão vocacional. Não pode haver pastoral
vocacional independente da Pastoral da Juventude nem Pastoral da Juventude
independente da pastoral vocacional: ambas pastorais são complementares e têm que
trabalhar em conjunto.

O vocacional emerge do juvenil nesses momentos da vida nos quais surgem com
mais força a busca de realização pessoal e a tomada de decisões para as opções mais
importantes da vida. O espaço natural da vida eclesial de todo jovem é o grupo juvenil.
Nele, começa e realiza seu processo de crescimento e de maturidade. Nele, quando chega
o momento da proposta e da decisão vocacional, a pastoral vocacional tem que dar
elementos adequados para poder amadurecer sua resposta vocacional. O jovem que
começa um processo de discernimento vocacional não deixa de ser jovem e não deixa,
portanto, de ter que participar em seu grupo de jovens. Como se vê, a pastoral vocacional é
chamada a estar presente em momentos chaves do processo dos grupos juvenis e a dar
sua contribuição própria, assessorando especialmente os momentos vocacionais.

Toda a Pastoral Juvenil que procure ajudar ao jovem a descobrir sua vocação como
projeto de vida, necessita da pastoral vocacional para iluminar e levar a bom termo esse
projeto. Toda a pastoral vocacional que procure desenvolver uma proposta educativa
necessita da Pastoral Juvenil que a apoie e a sustente. A pastoral vocacional não
articulada com a Pastoral da Juventude pode produzir alguns resultados imediatos, mas
logo se reconhecerá ineficaz e até perigosa pela desorientação que pode provocar no
jovens e pelo desgaste de energias a que submete aos agentes pastorais.

A pastoral vocacional não poderá ser um conjunto de ações isoladas à margem da


Pastoral

Juvenil, pois forma parte de seu processo. Cumprindo sua missão orientadora, estará
recordando continuamente a meta a que deve chegar. A Pastoral da Juventude, por sua
vez, terminará na pastoral vocacional. Cumprindo sua missão, preparará o caminho para
que os jovens possam descobrir o lugar específico em que Deus o chama para construir o
Reino. Ambas pastorais, portanto, necessitam-se mutuamente.

3.2.5 Projeto de Vida, Pastoral Juvenil e Pastoral Vocacional

O lugar natural para discernir o projeto de vida e a vocação específica é o grupo de


jovens,
enriquecido com a contribuição que a pastoral vocacional pode oferecer. Sua presença tem
que dar-se em todas as etapas do processo grupal, mas faz-se mais forte, própria e
específica quando chega o momento de discernir e realizar o projeto de vida.

Como acompanhar processos para discernir e realizar o “projeto de vida”?

4.1 O ACOMPANHAMENTO

Ao começar este último capítulo, parece importante voltar a lembrar que quando
falamos de “acompanhamento” estamos falando do acompanhamento de processo grupais
para que se possa dar processos pessoais que ajudem aos jovens a discernir e realizar
seus projetos de vida. Estamos falando, portanto, dos grupos juvenis que existem e
funcionam em nossas paróquias e comunidades.

Não se trata agora de identificar simplesmente “grupos de pastoral juvenil” com


“grupos de projeto de vida” nem transformar, a priori, todos os “grupos de pastoral juvenil”
em “grupos de projeto de vida”. Trata-se de assegurar que os grupos de pastoral juvenil
cheguem a ser de fato, espaços onde os jovens que os integram, possam realizar
processos de crescimento e de maturidade que os levem a discernir e realizar seus
projetos pessoais de vida. Trata-se de conseguir que os grupos de pastoral juvenil, depois
das etapas de nucleação e de iniciação, levem aos jovens a irem construindo seus próprios
projetos de vida, fazer que a vida grupal apoie e promova o desenvolvimento destes
processos pessoais e que exista o acompanhamento adequado para torná-los realidade.

4.4.1 O que é acompanhar?

Quando falamos de “acompanhamento” estamos falando da relação que se dá entre


um “acompanhante” e um “acompanhado” em um processo pedagógico que tem como
finalidade facilitar o caminho para que a pessoa possa descobrir e vivenciar o projeto de
Deus para sua vida.

Supomos, portanto, uma fé vivida em um Deus que “acompanha” a um povo de


eleitos, em um Deus que convoca a valorizar a vida e a dignificar a realidade de ser filhos
de Deus, em uma comunidade onde se vive esta fé “acompanhados”. Na história da
salvação, Deus agiu sempre através de mediações. Suscitou pessoas e instituições que
acompanharam de diversas maneiras aos integrantes de seu povo. Essas mediações são
hoje, na pastoral juvenil, a comunidade, o grupo, os animadores, os assessores... Toda
experiência de acompanhamento, pois, encontra seu fundamento nesta maneira de agir de
Deus e sobretudo na experiência de Jesus de Nazaré “caminho, verdade e vida” (Jo 14,6)
em suas relações com os discípulos.

No processo de acompanhamento, o acompanhante cria as condições, põe os


fundamentos e proporciona as oportunidades para que o acompanhado possa inter-
relacionar, de maneira permanente, sua experiência de vida, a reflexão sobre essa
experiência e a ação que a continua e possa discernir, assim, para onde o Espírito o guia e
o impulsiona a caminhar.

O acompanhamento é um processo, e como tal, é integral, isto é, não passa


somente pelo sentimental ou pelo racional e nem só pelo espiritual. Como todo processo, é
também gradual e progressivo, tem metas, etapas, passos e itinerários e deve ser
convenientemente avaliado. É um processo que quer ajudar aos jovens a fazer opções
fundamentais para suas vidas, pelo que tem suas exigências pedagógicas próprias.
Tratando-se de fazer opções que tocam as dimensões mais profundas da vida, o processo
de acompanhamento tem que ser livremente aceito pelo acompanhante e pelo
acompanhado.

Na cultura neoliberal e pós-moderna que vivemos, faz-se cada vez mais necessário
promover e impulsionar explicitamente, nos jovens, esta atitude de buscar discernir e
realizar seu próprio projeto de vida. Com efeito, são muitas as pessoas que passam pelo
mundo sem sentir a necessidade de dar uma direção e um sentido a sua existência,
de pro-jetar, de “olhar para adiante”. Será necessário pois, motivar e acompanhar aos
jovens, mas deve-se estar muito atento para não projetar por eles. Neste sentido, o grupo
reforça as convicções e favorece a escolha dos valores e é um instrumento muito
adequado para motivar uma mística positiva e ajudar a “sonhar” e a sentir que “é possível”.

Tratando-se de processos pessoais que se dão dentro de processos grupais, deve-


se levar em conta a natural ambivalência do processo grupal que, às vezes favorece o
desenvolvimento e o crescimento dos processos pessoais, mas que, às vezes, também
dificulta e impede que os processos pessoais se desenvolvam e consolidem. Atender a
esta realidade ajudará a promover uma verdadeira personalização da experiência de fé e
tornará possível a articulação da diversidade que de fato existe no caminho da fé de cada
pessoa.

O acompanhamento de um processo grupal pra discernir e realizar projetos de vida


se desenvolve em cinco etapas principais: contextualizar a realidade, partir da
experiência, entrar em nível de reflexão, agir e avaliar.
4.1.2 As etapas do processo de acompanhamento

4.1.2.1 Contextualizar a realidade

A primeira etapa do processo de acompanhamento é “contextualizar a


realidade”. Isto é, tratar de ajudar ao acompanhado a situar-se em suas circunstâncias e
especialmente naquele ou naqueles aspectos de suas realidade vital que mais quer
experimentar, conhecer melhor, apropriar-se ou transformar.

Contextualizar supõe ver os condicionamentos sociais, econômicos, políticos e


culturais que podem melhorar ou distorcer a percepção e compreensão da realidade.
Supõe ver as referências históricas, sociais, culturais e religiosas dos integrantes do grupo,
os processos vividos e as relações interpessoais. Supõe levar em conta as realidades e
circunstâncias próprias do jovem que realiza o processo (idade, lugar, origem, história
pessoal, experiência eclesial, tempo, etc.). Supõe também ver os dados da fé religiosa e a
situação diante dos movimentos espirituais que são suscitados nele, no momento de iniciar
o processo de acompanhamento. Estes dados são fundamentais para comprovar se é
possível iniciar um processo de acompanhamento ou se é necessário a atenção de um
psicoterapeuta ou uma intervenção de caráter mais catequético.

Contextualizar a realidade, ajudará ao acompanhado a tomar consciência de seu


próprio entorno e a detectar as fortalezas e debilidades de sua pessoa e ajudará ao
acompanhante a dar-se conta da pessoa que tem diante de si e a avaliar melhor qual vai
ser sua contribuição no processo. Neste momento, terá em conta muito especialmente que
muitas vezes os contextos geram necessidades geralmente não satisfeitas que influem
fortemente nas pessoas, estruturam identidades e condicionam a tomada de decisões
sobre as opções fundamentais.

A complementaridade de enfoques que podem os acompanhantes podem contribuir,


sejam leigos, religiosos ou sacerdotes e a diferenciação de papéis masculinos e femininos,
tornam possíveis diferentes caminhos de acesso e captação da realidade gerando assim,
um aprendizado recíproco e um clima fecundo para o acompanhamento e seguimento dos
processos.

4.1.2.2 Partir da Experiência

A segunda etapa do processo de acompanhamento é partir da experiência.


A “experiência” ou “comunicação dos fatos da vida” é condição de todo o
conhecimento humano. Os canais deste conhecimento são os sentidos externos
complementados pela memória, a imaginação e a afetividade.

Toda “experiência” implica uma abertura radical da pessoa a sua própria realidade.
É a notícia prévia e sem estrutura formal, carente ainda dos significados que podem
emergir, que adquire seu sentido mais pleno quando é “entendida”, isto é, quando a pessoa
pode chegar a responder às perguntas que a movem a sentir, imaginar, inquirir e buscar.

Ao “tomar a vida nas mãos”, a pessoa se reconhece a si mesma como receptora dos
dados de suas próprias operações sensíveis e afetuosas, ainda que não possa chegar a
captar o sentido do que está sentindo, percebendo ou registrando.

Neste nível de consciência, o acompanhamento consiste em desenvolver e ampliar o


mais possível nas pessoas a capacidade de entender-se e de estarem atentas para
perceber a realidade e os fenômenos que estão lhe ocorrendo. Consiste em ajudá-la a
“ler” as situações que vivem e a reconhecer suas maneiras e categorias de codificar sua
experiência. Consiste em ajudá-las a alinhavar sua vida, a dar-lhe significados e a referir as
lutas à própria história de salvação.

Para iniciar o processo de acompanhamento, o acompanhante deverá ter sempre


presente o “princípio de realidade” e procurar recolher a maior quantidade de dados
possível sobre a vida e a situação do acompanhado.

4.1.2.3 Entrar no nível da reflexão

A terceira etapa do processo de acompanhamento é “entrar no nível de


reflexão”. É a etapa que recolhe a atividade intelectual. É o lugar em que se dá realmente
a apropriação do mundo interior da própria pessoa e é, portanto, um lugar de humanização.

Nesta etapa, fazem-se perguntas como: O que tenho vivido com esta experiência?
Qual é seu significado? Que relação tem com as outras dimensões de minha vida? Que
outras relações têm com a situação em que me encontro? O acompanhante ajudará ao
acompanhado a entrar neste âmbito com uma atitude compreensiva e empática e lhe
ajudará a compreender a si mesmo.

Neste processo da reflexão, dão-se duas operações fundamentais: entender e


verificar.

4.1.2.3.1 Entender
É descobrir o significado da experiência É estabelecer as relações que há entre os
dados vistos, ouvidos e tocados. É a “fagulha” que ilumina o que se apresentava em
penumbras na percepção sensível . “Entender” permite à pessoa conceituar, formular
hipóteses e conjecturas, elaborar teorias, definições, suposições, etc.

Partindo da experiência e impulsionada pelo dinamismo intencional de sua


consciência, a pessoa alcança, assim, um nível superior no processo de conhecimento: o
nível da intelecção. Na reflexão, a inteligência interpreta e compreende o conteúdo da
“experiência”, com o que tem de perplexidade e admiração e atua com a intenção de
decifrá-la, codificá-la e entendê-la.

“Entender” é um ponto de chegada para as perguntas que surgem da experiência e


é, ao mesmo tempo, um ponto de partida para a reflexão que busca a verificação, isto é, a
certificação de que se entendeu corretamente. Tanto o acompanhante como o
acompanhado necessitam entrar nesta “zona do entender”. Quando isto ocorre, o
acompanhado começa a “entender-se a si mesmo” e o acompanhante vai recolhendo os
dados necessários para chegar à “verificação”.

4.1.2.3.2 Verificar ou Julgar

A segunda operação do pensar humano contida no termo “refletir” é a verificação ou


a emissão de um juízo.

“Emitir um juízo” é verificar a adequação entre o entendido e o experimentado na


própria realidade. Com o juízo, se completa o processo do conhecer humano. Com ele, nos
apropriamos de nossa própria experiência e a integramos em nossa vida. No “juízo”
emerge um nível de consciência superior ao “entender”: a reflexão crítica ou consciência
crítica. Ainda que se trata de um momento importante, não se pode esquecer que o
conhecimento humano não pode estar exclusivamente no julgar, excluindo o experimentar
e o entender.

Neste momento, dão-se também, além das perguntas próprias da dedução humana,
as perguntas fundamentais que surgem da fé que são próprias do seguimento de Jesus:
Quem é Deus? O que Deus quer de mim?

O acompanhante ajudará ao acompanhado a descobrir que o projeto de vida de toda


a pessoa encontra em Jesus uma proposta de plenitude que em nada contradiz seus
sonhos de felicidade. Vai lhe ajudar a confrontar, de forma permanente, sua vida com a
vida e o projeto de vida de Jesus, a vincular o seguimento de Jesus com a busca da
verdade e a vivê-lo como o “encontro” com uma pessoa e não só como a adesão a um
conjunto de valores, atitudes, linhas ou orientações de vida.

4.1.2.4 Agir

O processo de acompanhamento seria truncado se ficasse somente no “entender”


ou na “verificação” e no “juízo crítico” sobre a matéria ou experiência analisada, porque o
dinamismo da consciência não termina até que se chegue à ação.

A contribuição decisiva de um processo de acompanhamento consiste em desafiar à


pessoa a dar um passo mais, a assumir uma postura frente à verdade descoberta, seja
revelada ou construída e a agir em coerência com ela.

Entende-se a ação como a manifestação operativa de uma decisão livremente


assumida para a transformação da pessoa e da realidade institucional e social em que vive
e é executada em dois momentos: a decisão e a operatividade ou realização do projeto de
vida.

4.1.2.4.1 A Decisão

A afirmação ou negação que se realiza no “juízo”, como conclusão do trabalho


reflexivo crítico, é o suporte do último nível da consciência: a decisão livre e responsável.

Diante da descoberta da verdade, a pessoa é capaz de tomar decisões livres. O ser


humano se revela como uma criação original, capaz de criar novos projetos, de tomar
decisões e de realizar ações comprometidas. Pelo próprio dinamismo de sua consciência, a
pessoa se sente impulsionada a decidir, a definir a orientação de sua vida, a exercer
sua liberdade. Desta decisão se percebem, se descobrem e se explicitam os ideais e se
elegem como valores a seguir e a integrar na própria vida.

Neste nível de decisão, o dinamismo da consciência se manifesta não agora pelo


desejo de conhecer corretamente e sim, pelo desejo de amar a realidade para transformá-
la. Se poderia dizer que decidir é transcender à reflexão crítica, à verdade descoberta por
aquele que se ama; é operar o autêntico ser da pessoa criada como “ser para os demais” e
é assumir a visão do mundo que resulta do experimentar-se amada por Deus para
transformar a realidade, com critérios de justiça, para a implantação do Reino.

4.1.2.4.2 A operatividade ou realização do projeto de vida

Logo da tomada da decisão, a pessoa entra na fase de pôr em prática esta opção,
buscando os meios, modos e tempos para poder efetivamente agir e assumindo valores,
atitudes e condutas consistentes e conseqüentes com sua opção, já que “o amor se mostra
mais através de obras que de palavras”.

Por isso, todo acompanhamento necessita ter um tempo dedicado à deliberação e à


ponderação das razões favoráveis e das razões contrárias a cada uma das alternativas e
os movimentos e inspirações espirituais que se sucedem dentro da pessoa na hora da
ação na tomada de decisões.

Neste sentido, o discernimento espiritual pode ser um bom instrumento para realizar
o projeto de vida em que cada pessoa se sente chamada por Deus.

4.1.2.5 Avaliar: revisar e ponderar o processo seguido

Quando falamos de avaliar, nos referimos a uma revisão da totalidade do processo


seguido durante o acompanhamento para verificar e ponderar em que medida se está
realizando fiel e eficientemente e para determinar em que grau se tem obtido os objetivos
perseguidos, em termos de mudança e transformação pessoal ou grupal.

A avaliação tem também dois momentos: a revisão de processos e a confirmação do


processo pessoal ou grupal.

4.1.2.5.1 A revisão dos processos

Revisar os processos é voltar a prestar atenção e focar o pensamento sobre os


processos mesmos nos quais se tem estado envolvido, sobre os conteúdos desenvolvidos,
as atividades realizadas e os meios utilizados nas diferentes etapas do processo de
acompanhamento para constatar sua idoneidade, sua articulação e sua eficiência.

A revisão do processo pode ser realizada também durante o transcurso das etapas
para corrigir a caminhada e ponderar melhor os resultados.

Todas as avaliações, sejam parciais, globais ou operativas, tem que seguir como
dinâmica interna a decisão fundamental de Jesus e sua opção pelo Pai e o Reino.

Realizada desta maneira, a avaliação vai fazendo progredir e crescer o processo de


acompanhamento. Não se trata de um mero questionamento, e sim de um exame dos
resultados do processo que busca as causas e os possíveis remédios ou modos de
superação e, portanto, abre caminhos novos para seguir avançando.

4.1.2.5.2 A confirmação do processo pessoal ou grupal


Em um clima de oração, deve-se finalmente confirmar externamente, no encontro
com outros, a eleição ou as decisões tomadas em nível interior.

Há muitas técnicas para avaliar um processo de acompanhamento. Alguns


indicadores de que o processo e seus resultados vão na linha do que fundamenta e orienta
a vida de uma pessoa são, entre outros, a paz, a alegria, a audácia, a criatividade, o
aumento da esperança e o consenso com que a comunidade assume uma decisão.

4.1.3 Acompanhamento, Processos de Educação na Fé e Pastoral de Conjunto

Os processos de acompanhamento não acontecem “no ar” ou fora da realidade.


Dão-se nos grupos que querem realizar processos de educação na fé e que vivem em uma
Igreja concreta onde atua uma pastoral de conjunto e onde existem opções, orientações e
prioridades.

Estar a caminho para discernir e realizar o projeto de vida, deve levar aos
animadores e assessores de grupos juvenis a estimular a realização de processos grupais
de educação na fé que "aterrizem na vida" e levem a assumir responsabilidades na vida
profissional, familiar, estudantil, política, social, etc.

Como o projeto de vida não é um serviço para um tempo e sim uma contribuição
para toda a vida, não tem um fim quando termina o tempo de passagem pelos grupos de
pastoral juvenil. Por isso, é indispensável seu engajamento em outras
discussões/demandas que a pastoral de conjunto oferece vinculada a um projeto de
pastoral mais amplo. Daí a exigência de uma comunidade de referência que seja a garantia
de sua continuidade e de sua eficaz realização.

4.2. O ACOMPANHANTE

Para que o acompanhamento de processos grupais que ajudem a discernir e realizar


projetos pessoais de vida chegue a ser efetivo e eficaz é necessário contar com
“acompanhantes” adequados.

Neste sentido, os primeiros e naturais acompanhantes são os assessores dos


grupos juvenis, tal como são descritos no livro “Civilização do Amor: tarefa e esperança”: “o
assessor é um cristão adulto chamado por Deus para exercer o ministério de acompanhar,
em nome da Igreja, os processos de educação na fé dos jovens..., um ministério que não é
exclusivo do sacerdote ou do religioso...e sim, também e fundamentalmente, um ministério
laical” (p.276).
O assessor é “um adulto, isto é, uma pessoa que já tenha passado a etapa da
juventude e tenha vivido um processo de amadurecimento no qual já definiu seu projeto de
vida e tenha alcançado uma estabilidade afetiva para optar livremente e para assumir com
responsabilidade os desafios próprios de sua opção” (p. 277). É “pessoa de fé, que vive o
seguimento de Jesus na opção que faz pelos jovens, nos quais reconhece diariamente o
rosto de Deus e a voz profética do Espírito” (p. 278). É “um vocacionado, isto é, uma
pessoa chamada por Deus para cumprir uma missão na Igreja, não para si mesmo, e sim
para serviço aos demais”. É “uma pessoa de Deus... uma pessoa que conhece, ama e
serve à Igreja...é um enviado a todos os jovens” (p. 279). É “um educador que age de
acordo com a pedagogia de Deus e seguindo o modelo que Jesus utilizou com seus
discípulos” (p. 281). E é “uma pessoa encarnada em sua realidade e com profundo
sentido de pertença a ela...Procura ser um ator social e não permanecer passivo diante dos
desafios da realidade (p. 282).

4.2.1 O perfil do acompanhante

Mas para poder ser acompanhante de processos grupais que ajudem a discernir e
realizar projetos pessoais de vida, é conveniente além disso, que o assessor possua
algumas outras atitudes que tem a ver com a tarefa específica do acompanhamento.

Para orientar este serviço da pastoral juvenil e para ir marcando caminhos que
levem à formação e capacitação destes “acompanhantes”, se assinalam aqui alguns
elementos referidos aos que estão chamados a “ser”, a “saber” e a “fazer” os
acompanhantes para poder prestar um melhor serviço aos jovens.

Alguns elementos sobre o “ser” do acompanhante

É importante que o acompanhante conheça a si mesmo e que esteja vivendo e


realizando um projeto de vida inspirado nos valores da proposta de Jesus. Que cultive e
promova atitudes humanas como a capacidade de animar, motivar e orientar; a
responsabilidade, a perseverança e a vocação de serviço; o respeito pelos processos, o
sentido crítico e a tolerância; a abertura e a criatividade; a capacidade de escutar e propor;
a autenticidade e a coerência entre o que diz e o que faz; a solidariedade, a participação
ativa na vida social e a inculturação em seu meio.

É importante também que o acompanhante tenha obtido um certo grau de


maturidade cristã, isto é, que tenha feito sua própria experiência de fé e sua própria
experiência de Deus, que esteja integrado em uma comunidade, que tenha uma vida de
oração e uma vida sacramental ativas, que seja testemunha coerente de vida e que, na
medida do possível, tenha vivido a experiência de “ser acompanhado”. Com efeito, não é
fácil acompanhar processos que não tenham sido vivenciados ou responder a perguntas
que não tenham sido formuladas.

E é importante, finalmente, que viva o serviço de acompanhamento com


a espiritualidade que nasce de sentir-se chamado à vocação de acompanhar aos jovens,
de saber-se instrumento eleito por Deus e enviado pela comunidade para fazer algum bem
a algumas pessoas, em algum aspecto de suas vidas, durante algum tempo. Uma
espiritualidade que o leve a deixar-se confrontar pela Palavra de Deus e pela comunidade e
a colocar o centro do processo de acompanhamento em Jesus e não em sua própria
pessoa. Que esteja convencido que o seguimento de Jesus plenifica e realiza a pessoa,
que crê na ação e na presença de Deus e saiba descobri-la e contemplá-la na vida dos
jovens e na história e que, reconhecendo-se frágil, sinta-se ao mesmo tempo amado
profundamente por Deus.

Alguns elementos sobre o “saber” do acompanhante

É importante que o acompanhante tenha uma formação antropológica,


cristológica, eclesiológica e bíblica tal que, sem ser um “expert”, permita-o conhecer e
apresentar a fé, entender os caminhos e as formas de agir de Deus na história e saber
detectar e valorizar sua presença e sua ação na vida dos jovens.

É importante também que o acompanhante tenha uma certa formação pedagógica,


que conheça elementos da psicologia juvenil, do desenvolvimento dos processos grupais, a
proposta educativa da Pastoral Juvenil e o momento e a forma de estabelecer a
necessidade de discernir e realizar um “projeto de vida”.

É importante, finalmente, que como educador e pastor, conheça e saiba ler a


realidade e os processos dos jovens e saiba dialogar com a cultura atual. Que saiba
comunicar-se, escutar e dialogar. Que esteja atento para acompanhar, ao mesmo tempo, o
processo grupal e os processos pessoais. Que saiba escolher as estratégias adequadas
para responder às dificuldades que se estabelecem. Que tenha inquietude por seguir
formando-se permanentemente. Que saiba enfrentar as crises como momentos
privilegiados para renovar o encontro com Deus. Que conheça seus próprios limites e
possibilidades e que seja capaz de mudar de rumo se não puder acompanhar.

Alguns elementos sobre o “fazer” do acompanhante

É importante que o acompanhante aja com orientações pedagógicas e


metodológicas claras e adequadas.
Nesse sentido, procura partir da realidade do acompanhado e da valorização de
suas vivências e situações de vida e estabelece um plano de ação com objetivos definidos,
com metas viáveis e realizáveis, com etapas intermediárias marcadas pelo
desenvolvimento do processo e não só pelos tempos cronológicos e com momentos
precisos para a avaliação.

Esforça-se para criar um ambiente que ajude ao processo e para promover um clima
que favoreça o diálogo que o ajude a crescer com perguntas e respostas relevantes. Busca
que sua comunicação seja certeira, clara e comprometida. Expressa sua abertura à
comunicação com gestos e atitudes, demonstra que entende e compreende, retém os
gestos mais simples, escuta as mensagens não-verbais e recorda o expressado pelo
acompanhado.

Procura acompanhar de forma integral, escutando, propondo e orientando. Está


presente e caminha com os jovens no processo. É solidário com eles ainda que possa
equivocar-se. Põe limites quando necessário, mas está atento para não restringir a
liberdade e para não criar dependência. É honesto ao aceitar a proposta: “te acompanho
no discernimento de teu projeto de vida e não faço terapias contigo ou outras coisas
semelhantes”.

É importante também que o acompanhante proponha caminhos concretos de


espiritualidade para os jovens.

Por isso, apresenta a proposta de Jesus como projeto de vida e procura que o
acompanhamento parta ou tenda para o encontro e o seguimento de Jesus. Ajuda a
descobrir a ação do Espírito na vida dos jovens e orienta-os em sua relação com Deus,
com a Igreja e com o mundo. Promove o comunitário e o eclesial contra o individualismo,
favorece a abertura à realidade e à Igreja contra o encerrar-se em si mesmo, ajuda a
estruturar a personalidade frente ao relativismo do “vale tudo” de hoje. Anima os jovens a
conhecer suas motivações concretas e a assumir sua vocação cristã. Incentiva a
participação pessoal e grupal na comunidade e no social . Ajuda a canalizar a energia em
projetos comuns. Desperta valores. Tem como modelo de acompanhamento a prática de
Jesus e não se deixa influenciar por certas formas de “acompanhamento” que estão sendo
promovidas na realidade eclesial de hoje.

É importante, finalmente, que o acompanhante tenha disponibilidade de tempo e


que aceite e se comprometa com as exigências do acompanhamento, que se organize para
a escuta empática de seu acompanhado e para as entrevistas e que tenha claro que não é
bom eternizar-se no serviço nem na relação com as pessoas.
Os acompanhantes de hoje

São pessoas – leigos, sacerdotes ou religiosos – que acompanham com o


que são, com seu testemunho, mais que com o que sabem ou dizem – que é importante
também! São pessoas que têm experimentado em sua vida e vêem na história o dom da fé
e comunicam esta experiência de Deus como um serviço fraterno no seio da comunidade
eclesial.

São pessoas que têm encontrado seu lugar específico na Igreja e, desde ali, com
amplitude, acompanham aos jovens na busca do seu lugar, respeitando sua liberdade e
seu caminho pessoal e apresentando, sobre todas as coisas, a Jesus Cristo. Pessoas que
– vale a redundância! – são também acompanhadas e que podem contrastar sua vida
pessoal com o Evangelho, na comunidade eclesial ou em um grupo próximo.

Os acompanhantes de hoje... somos nós!! Se escutamos o chamado a prestar este


serviço e se reconhecemos ou outros reconhecem em nós, a presença deste dom. É uma
tarefa gratificante, na qual crescemos como cristãos e como comunidade de fé.

Um olhar que descobre nas comunidades a quem tem o dom de escutar,


testemunhar e acompanhar a outros – especialmente aos jovens – é um olhar que se abre
ao desafio pastoral de responder ao processo de personalização sadia da fé que os jovens
requerem nestes tempos tão difíceis. Cada tempo desafia a cada homem e a cada mulher,
cada momento histórico “traz o seu”. A partir deles, somos interpelados por Jesus para
testemunhar e provocar testemunhos de fé viva em obras e em verdade. Para isso, todos
necessitamos acompanhar-nos mutuamente...

O acompanhante “perfeito” não existe. Existem sim, bons acompanhantes... E ainda


que o fazemos em nome do Senhor, é necessário também buscar caminhos que nos
preparem e capacitem para esta tarefa.

Se estamos convencidos que escutar e acompanhar pessoalmente aos jovens é um


serviço importante, sabemos que é necessário “perder” o tempo para poder “ganhá-lo”, que
trata-se de um trabalho artesanal que tem o sabor de “cem por um” prometido Jesus.

ALGUNS INSTRUMENTOS PARA O ACOMPANHAMENTO

Entre os muitos instrumentos que se podem utilizar para levar adiante processos
pessoais de acompanhamento, vamos fazer referência aqui a dois que podem ser de
utilidade para o serviço a ser prestado nos grupos de jovens.

A entrevista pessoal
A entrevista é uma modalidade comunicação interpessoal, de diálogo entre
acompanhante e acompanhado que se estabelece em um processo que inclui os seguintes
elementos:

O acompanhado. É a pessoa que comunica a mensagem. Toda pessoa e toda a


mensagem está contida em um marco subjetivo que chamamos “contexto”. Não basta estar
diante da pessoa ou de um grupo de pessoas que se acompanham, deve-se estar presente
diante do “contexto” que os envolve.

O acompanhante. É o interlocutor natural do acompanhado. Não somente “percebe


mecanicamente a mensagem e sim “percebe ao acompanhado”, isto é, decodifica-o e
interpreta de acordo com seu contexto pessoal. Durante a entrevista, as duas partes são
alternadamente interlocutoras; ainda que o predomínio deva ser sempre do acompanhado.

O contexto. No diálogo, acompanhante e acompanhado são influenciados por seus


próprios contextos pessoais (físicos, intelectuais, emocionais, espirituais, culturais, etc.). A
comunicação será tanto mais plena, quanto mais conscientes sejam ambos de seus
mútuos contextos pessoais. Durante a entrevista, irão captando-se empaticamente os
“marcos de referência do acompanhado, o que facilitará logo o diálogo posterior.

A mensagem. É o que constitui o conteúdo central do diálogo. O acompanhante deve


compreender, na totalidade, a mensagem emitida, pois do contrário o diálogo será
frustrante, vago e impreciso. Através dele, se poderá discernir melhor as inspirações do
Espírito que estão operando no acompanhado.

A demanda. Ainda que não tenha formulado explicitamente uma pergunta, o acompanhado
estará sempre à espera de uma resposta por parte do acompanhante. Não se trata de dar
um conselho (o acompanhado não o necessita) e sim de perguntar-lhe e orientá-lo perante
a demanda expressada. A demanda ou resposta é o “para quê” da comunicação.

Os canais. São os meios que se utilizam para a comunicação. Podem ser “verbais” ou


“não-verbais” é muito rica e intensa na relação interpessoal. Toda a pessoa é comunicação:
seu corpo, seu rosto, seu olhar, suas mãos, seu penteado, seu vestido, seu perfume, etc.
Às vezes pode negar-se com um gesto ou pelo tom de voz o que se está afirmando
verbalmente. As mensagens “não-verbais” são parte essencial na etapa de acolhida.

Os códigos. A mensagem deve ser codificada de acordo com o canal verbal ou não-verbal
no qual é emitida. Cada canal tem seu próprio código ou conjunto de signos e símbolos
verbais ou não-verbais. A imensa maioria das falhas de comunicação se devem mais aos
erros de codificação que aos conflitos na mensagem: má interpretação ou mal uso dos
signos ou dos símbolos, palavras que podem ter diversas interpretações conforme sejam
os códigos culturais, etc. Tanto a codificação como a decodificação da mensagem estão
profundamente condicionadas pelo contexto e pelo sistema de valores dos
intercomunicadores.

No diálogo espiritual, o acompanhante deve tratar de decodificar a mensagem, quer dizer,


deve ajudar ao acompanhado a discernir as inspirações do Espírito e facilitar-lhe o domínio
de um vocabulário psicológico, cultural e teológico para melhorar a qualidade da
comunicação.

A realimentação. É a resposta do acompanhante depois de ter decodificado a mensagem.


A partir da “realimentação”, o acompanhado poderá verificar de que modo tem sido captada
sua mensagem. Na comunicação interpessoal, a realimentação é imediata. Enquanto o
acompanhado intervém, o acompanhante “realimenta” o diálogo com um sorriso, com um
gesto, com algum monossílabo (“hum”, “sim”, ...) e também pode interromper para
perguntar verbalmente algo. A “realimentação” inverte constantemente os papéis de
acompanhante e acompanhado, que passam assim a alimentar-se mutuamente.

Através da “realimentação” vai sendo criado um processo de “envolvimento emocional”


entre os interlocutores, que favorece o clima de confiança do acompanhado. Mas há que se
cuidar e conduzir com prudência este “envolvimento emocional”, porque podem criar-se
transferências emocionais geradoras de dependências afetivas que dificultam o
crescimento do acompanhado. Se bem que, o diálogo deve realizar-se nas melhores
condições de acolhida e cordialidade, sua estruturação e sua finalidade o fazem
radicalmente diferente de uma conversa de amigos.

Os ruídos. São as interferências ou distorções que ocorrem durante o processo de


comunicação da mensagem. Alguns o chamam “filtros comunicacionais”.

Podem ser ruídos físicos, como sons alheios à conversa, má articulação das palavras,


cheiros desagradáveis, vestimenta inadequada, gestos ou posturas distrativas, presença de
um telefone como constante ameaça de interrupção, etc. Podem ser ruídos
culturais, como os constituídos pelas categorias ou pautas a que estamos sujeitos como
membros de um grupo social determinado: valores, cultura, viver no campo ou em uma
zona carente, normas sociais, etc. Podem ser ruídos psicológicos, como características
fortes ou frágeis entre os interlocutores, dependências afetivas ou rechaços mútuos,
incapacidade de verbalizar o mundo interior, bloqueios por desconfiança, etc. E podem
ser ruídos ideológicos, como pré-julgamentos filosóficos, políticos ou teológicos que
podem interferir no nível perceptivo e intelectual das pessoas.
Os ruídos são superados eliminando a fonte que os origina, estudando bem o
contexto, selecionando bem os códigos ou suprimindo as causas físicas; utilizando mais
canais de comunicação: por exemplo, acrescentando o gesto à voz, mostrando uma
fotografia, fazendo um desenho ou um gráfico e controlando o fluxo da informação (falando
menos e mais pausado) ou voltando a repetir o exposto com outras palavras.

As entrevistas devem ser agendadas com antecedência e não devem exceder o


tempo de 45 a 60 minutos, já que a capacidade para captar as mensagens tem um limite.
Todo acompanhamento requer sessões periódicas – semanais, quinzenais ou mensais - de
entrevistas.

O discernimento espiritual

Para fazer um discernimento sadio, Santo Inácio propõe (conforme “Exercícios


Espirituais”, n.º 175-188) três tempos, dois modos e uma confirmação.

Os três tempos

O primeiro tempo é quando Deus atrai a vontade da pessoa de tal maneira que
esta segue, sem duvidar, o caminho que lhe é apresentado. É a experiência de Mateus, de
Paulo e de tantos outros ao receber o chamado do Senhor.

Caracteriza-se pela certeza e a clareza com que se percebe o concreto da escolha


como vontade de Deus para nós. Santo Inácio fala aqui do “consolo”, porque não está
excluído que a pessoa perceba esta vontade de Deus em um profunda desolação. Com
efeito, a percepção da vontade de Deus não é fruto de uma interpretação do jogo das
consolações e sim, o resultado de uma certeza de caráter intuitivo e portanto, não é
necessário buscar, fora da experiência, critérios para poder percebê-la como autêntica e
como vinda de Deus.

Santo Inácio nada disse sobre como se chega a essa certeza. Não se afirma nem se
nega que tenha existido uma história anterior ou que se tenha chegado até ali depois de
um extenso processo. Nem tampouco que se trate de uma experiência instantânea que, em
um determinado momento, se fez tão clara para a pessoa que a levou a não ter mais a
mínima dúvida nem a questionar sequer a possibilidade de duvidar. Trata-se de um contato
direto com Deus no qual, o influxo do Espírito Santo, é percebido de uma maneira evidente
por uma clareza e uma certeza interior.

Neste primeiro tempo, Deus e o conteúdo da eleição são experimentados como uma
ação extraordinária de sua graça. Este é um dos elementos místicos presente dentro dos
Exercícios que encontram sua origem na própria experiência mística de Santo Inácio. É um
dom extraordinário, ainda que ocorra sem que se dêem fenômenos externos
extraordinários.

O segundo tempo é o clássico modo de discernir a vontade de Deus através do


jogo das consolações. A pessoa encontra-se “mexida” por motivações opostas através
das quais trata de perceber o que estas significam em termos da vontade de Deus.

O primeiro passo do discernimento é saber situar-se diante do fenômeno mais global


dos movimentos internos de consolação e desolação. Para isto, Santo Inácio propõe as
regras de discernimento da primeira e segunda semana dos Exercícios Espirituais: que se
entende por consolação-desolação, como atua o bom ou o mau espírito e que fazer em
caso da consolação ou da desolação.

O segundo passo, mais difícil, é interpretar as consolações. Neste momento, se


necessita um cuidado maior porque o processo de discernimento avança e se acrescenta a
oração e a observação atenta do que ocorre no íntimo da pessoa ou do grupo que
discerne. O silêncio, o recolhimento, os exames, as repetições de sentidos, o respeito por
escutar a opinião do outro e a melhor disponibilidade ajudam a estar dispostos para
observar com mais clareza o que está sucedendo em cada um e na comunidade, para ver
as causas da consolação ou da aridez e para perceber melhor o que está sucedendo.
Como fruto desta observação, a pessoa ou o grupo que discerne aprende a classificar as
inspirações e a encontrar nesse processo a vontade de Deus.

O terceiro tempo é um tempo tranqüilo para usar, livre e serenamente, as


potencialidades naturais. A pessoa já não está sob o impacto das consolações e das
desolações e, sim, é uma atitude serena onde suas potencialidades podem ser utilizadas
sem a interferência dessas aspirações. Não se trata de uma deliberação puramente
racional, que fica só no plano das razões objetivas do sentido comum e não recebe
nenhuma influência da perspectiva de fé. Como se trata de uma escolha ou discernimento
para buscar a vontade de Deus, as razões tem que estar sempre iluminadas pela fé. Ou
melhor dizendo, brotam da própria realidade de fé, de sua raiz mais profunda.

Os dois modos

O primeiro modo refere-se ao discernimento no que diz respeito às razões que


poderiam mover-nos a abraçar ou deixar de lado o objeto da opção.

O ponto de partida é ajudar à pessoa a situar-se no plano da fé: “considerar o fim


para o qual fomos criados, que é louvar, reverenciar e servir a Deus nosso Senhor e salvar
nossa alma” e a verificar se está em atitude de indiferença ou de desapego frente aos
afetos desordenados. Se aparecem “apegos”, há que fazer inclinar a balança para o lado
contrário e convencer-se de que, quanto mais a pessoa se libera de seu amor próprio e de
sua vontade de interesse, muito mais progride nas coisas espirituais.

Para isso, se traça um quadro de quatro colunas. Na primeira coluna são colocadas
as razões favoráveis e as razões contrárias para abraçar a coisa em questão (“os prós”) e
na segunda coluna, colocam-se as razões favoráveis e as razões contrárias para não
abraçar a coisa em questão (os “contras”). Provavelmente, muitas razões se repetirão em
ambas colunas. Contudo, o exercício de escrevê-las ajuda a desmascarar as resistências
inconsistentes já que pode acontecer que uma pessoa creia que está no terceiro tempo –
isto é, “tranqüilo - e de fato está influenciado, sutilmente, pelo mau espírito.

Depois da reflexão, deve-se verificar para onde se inclina e onde pesam mais as
razões apresentadas e deliberar sobre a coisa proposta segundo a maior inspiração
racional e não segundo qualquer inspiração sensual. A decisão deve seguir a objetividade
das razões e ali aparece a inspiração divina. Pois o homem racional, à luz da fé, é movido
por Deus, ainda que Deus não se faça sentir à maneira de uma consolação ou de uma
desolação.

No segundo modo, Santo Inácio convida a deliberar sobre a pessoa mesma e já


não sobre as razões que a movem a agir. Como preâmbulo (primeira regra), faz refletir
sobre “o amor que nos move e nos faz eleger a coisa” para verificar se vem “de cima”, quer
dizer, do Amor de Deus. Convida logo a imaginar a um homem a quem nunca se viu e a
quem se deseja todo o bem possível e a considerar o que ele diria para fazer e escolher
para maior glória de Deus e para maior bem dele mesmo em relação à coisa em questão. É
um modo de tomar distância de si mesmo pra julgar com maior objetividade (segunda
regra) e para aplicar logo o conselho à própria pessoa.

A terceira e quarta regra põe em uma situação limite: às portas da morte e no dia do
juízo. Aí já não existem justificações falsas e a verdade aparece com toda sua limpidez. Ao
pôr-se nessa situação, a pessoa se pergunta com que sinceridade julga sobre a coisa em
questão. Este modo é menos aconselhável que o anterior para as pessoas que se evadem
facilmente e que freqüentemente racionalizam, posto que elas costumam ser muito
objetivas em seus juízos.

A confirmação
O processo de discernimento pessoal ou grupal leva a uma escolha na qual se
percebe, no concreto, com maior ou menor clareza, a vontade de Deus no histórico da vida
de cada um.

O resultado final ou escolha, certamente não é uma caminhada sem dúvidas nem
lutas. Santo Inácio só fala de “confirmação” ao referir-se ao terceiro tempo, já que o
primeiro tempo goza de tal evidência que não se pode duvidar e o segundo tempo, com o
jogo das inspirações e com o signo claro das consolações divinas, faz que a escolha não
necessite confirmação: “Deus já o confirmou com o consolo”.

O terceiro tempo, sendo tranqüilo e predominantemente racional, não recebeu o selo


divino da consolação e por isso busca-se a consolação confirmadora. Terminada a eleição,
as semanas seguintes são tempo de confirmação.

Há uma confirmação interna e uma externa. A confirmação interna é uma


experiência pela qual a pessoa percebe que seu oferecimento agrada a Deus. Traz paz,
gozo, consolação e satisfação. É um impulso dinâmico nascido do mais profundo da
pessoa. Sente paz porque tem encontrado o que Deus pede. A paz surge ao recapitular a
decisão e é portanto, uma paz confirmadora. Experimenta-se a alegria do Ressuscitado
que fez a vontade de seu Pai. Tem um selo pascal. E há também uma confirmação
externa. Toda decisão pertence também ao âmbito externo, social, histórico e, por
conseguinte, entra em relação com a história, com a Igreja hierárquica e com a autoridade
religiosa. A comunidade eclesial exerce aqui um papel de confirmação e se transforma em
um sacramento de ratificação divina.

1ª parte de quatro do Texto apresentado no 4º Seminário Nacional de Assessores –


Uruguai-2000.

Ex-assessor da Secção Juventude do CELAM.

SEJ-CELAM, “Pastoral da Juventude construtora da Civilização do Amor”, Santafé de


Bogotá, 1987, p.123. Valemo-nos da edição espanhola.

idem, p.123

ib., p.124

Cf. SEJ-CELAM, “Os processos de Educação na Fé dos Jovens” CCJ, 1990, SP.

SEJ-CELAM, “Pastoral da Juventude construtora da Civilização do Amor”, Ed. Paulinas,


1987, p.123
Ib. P.198-9

Ib. P.199-200

Ib. P. 200-201. No Brasil a terminologia é diferente, mas são muito semelhantes as


propostas.

Ib., p 203-7

Ib.,207-18

Ib.,210-3. No Brasil existem várias sistematizações destes momentos. A mais conhecida é


a do Pe. Florisvaldo Orlando, ex-assessor nacional da Pastoral da Juventude.

Declaração final do 1º Congresso Latino-americano de Vocações, Itaici, 1994, n.º 26

3ª e última parte do texto “Discernir e Realizar o Projeto de Vida” apresentado no 4º


Seminário Nacional de Assessores do Uruguai no ano 2000. A 1ª e a 2ª parte estão nos
números 87 e 88 desta Revista.

Seção Juventude do CELAM. São Paulo: Ed. Paulinas 1997.

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