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Publicado em 2011 nas atas do Congresso Internacional comemorativo

dos 200 anos da Batalha do Buçaco, Lisboa, Academia Portuguesa de


História, pp. 255-283

GUERRA PENINSULAR - GUERRA GLOBAL

Nuno C. Barrento de Lemos Pires

São as ferramentas da história que nos possibilitam ler os eventos de forma

comparada, relativa, contextualizada. Faz pouco sentido abordar os acontecimentos

passados sem lhes darmos o devido enquadramento, em tempo, na geografia ou no

ambiente. Assim podemos entender a dimensão dos mesmos e relativizar, assim

podemos pensar sobre as decisões tomadas e em que condições foram feitas. Esta

será uma das formas de lidar com a inestimável ciência da história e, no caso específico

da história militar, apenas uma abordagem abrangente e o mais distante possível nos

permitem recolher os ensinamentos que procuramos ou, simplesmente, conhecer

acontecimentos em que a violência, sempre presente na guerra, nos transporta e

obriga a rigorosa reflexão1.

Guerra Peninsular, Invasões Francesas, Guerra da Independência, Guerra de Espanha,

são designações britânicas, portuguesas, espanholas, francesas mas nenhuma nos dá o

carácter que esta guerra verdadeiramente teve, ela foi mais do que uma guerra pela

independência, na Península Ibérica, ou em Espanha, ou em Portugal, e começou antes

de Dezembro de 1807 ou do 2 de Maio de 1808 e acabou depois de 1814 e muito para

1
Pensamos que é bastante útil a referência metodológica defendida por reputados historiadores que
explicam “essa forma global e alargada no tempo” de ler a história, muito bem descrita na obra em
referência na Bibliografia: Bethencourt e Curto, 2010, p. 8-11

1
lá de Toulouse em França. Em especial, para portugueses, o combate contra a França

começou em 1793 quando enviámos forças expedicionárias terrestres e navais para

combater os Franceses além fronteiras, em terra para os Pirenéus na Catalunha, no

mar para o Canal Inglês e só terminou quando se devolveram à França os territórios

conquistados na Guiana em 1817. Foram 24 anos de conflitualidade intermitente, do

Brasil a Macau, em Cabo Verde, S. Tomé, Moçambique, Goa, de Portugal por Espanha

até França, da Alemanha pela Áustria até à Rússia, passando pelo Mediterrâneo, Líbia

ou Nápoles. Foi uma Guerra Global entre 1793 e 1817.

Já nas campanhas, conhecidas em Portugal como da Restauração (ou da Aclamação)

entre 1640 e 1668, tivéramos essa experiência global, combatêramos então pela

sobrevivência do Reino e na defesa de todos os territórios, de Elvas a Estremoz, do

Maranhão à Baía, de Luanda a S. Tomé, por Ceilão, Molucas, Malaca, Goa, Macau e

tantos outros territórios contra outros tantos adversários. Portugal há muito que

aprendera a fazer a guerra de forma global, a pensar nas suas opções num tabuleiro

mais vasto, explorando tempo, espaço e oportunidades, num pensamento global e

actuação local, descentralizada2, sem contudo deixar de perder de vista o seu território

berço, o Portugal Ibérico, no flanco do continente Europeu. Foi assim na Restauração3,

seria assim na Guerra Peninsular.

No final do século XVIII já sabíamos que a tradicional postura política portuguesa dos

séculos XII a XV, de não envolvimento em guerras na Europa, não poderia ser mais

aplicada. Em virtude da dimensão global que Portugal fora entretanto adquirindo

2
Ver reflexão a este respeito em Bethencourt e Curto, 2010, p. 207
3
Ver do autor o Capítulo: “A Primeira Guerra Global Portuguesa: A Restauração” na Revista de História
das Ideias, com o subtítulo “A Guerra”. Volume 30, coordenado pelo Doutor João Gouveia Monteiro,
Universidade de Coimbra, 2010.

2
fomos impelidos a participar nos conflitos Europeus e assim, pouco tempo depois de,

no final do século XVII, fazermos a paz com a Espanha, entrámos nos grandes conflitos

europeus do século XVIII, na Guerra da Sucessão de Espanha (1701-1713), no Cabo

Matapão (1717) na Guerra dos sete anos (1756-63) e de conflito em conflito acabámos

por ser arrastados para as guerras originadas pela revolução francesa de 1789.

Em 1792, ainda Portugal acreditava que podia manter um certo papel de neutralidade,

alguns acordos anteriores assim o possibilitariam4 mas, na verdade, o governo de D.

Maria I estava envolvido no turbilhão anti-revolução contra a França e as pressões são

muitas para que se tomem medidas mais afirmativas.

Em 1793 há uma coligação generalizada contra a França, Portugal decide participar

mas, para manter o seu estatuto de “neutralidade”, entra na guerra de forma quase

clandestina, como potência auxiliar à Espanha. É a campanha do Roussilhão. Foi um

enorme esforço nacional, constituir e enviar para lá dos Pirenéus uma Divisão com

mais de 5.000 homens (6 regimentos de infantaria, 1 brigada de artilharia com 22

bocas de fogo, estado-maior, oficiais de engenharia, repartições civis, secretariado,

hospital e botica, repartições de víveres e carruagens). Foram transportados numa

esquadra de 19 navios (5 de combate e 14 de transporte). Devido ao nosso estatuto de

potência auxiliar não fomos ouvidos na celebração da paz (tratado de Basileia de 22 de

Julho de 1795) entre as potências beligerantes e regressámos a Portugal com a

Espanha aliada à França e assim ficámos mais isolados.

4
desde 1778 com a Espanha, pelo tratado do Prado de 11 de Março de “neutralidade, garantia e
comércio” entre as monarquias ibéricas ou, desde 1782 com a Rússia, com o tratado de “amizade,
navegação e comércio” de 13 de Julho e que levaram inclusive a que Portugal fosse convidado para
mediar um conflito que opunha Espanha, França e Grã-Bretanha em 1790 (Nootke Sund na costa
americana do pacífico) in Macedo, 2006, p. 366 e 382

3
No mesmo período enviámos também a denominada “Esquadra do Canal” para

auxiliar a Grã-Bretanha noutra faceta deste conflito. Largou de Portugal a 3 Julho de

1793 com destino ao Canal da Mancha, constituída por 7 navios comandados pelo

Tenente General José Sanches de Brito e que se foi juntar à esquadra britânica do

Almirante Howe que tinha por missão “cruzar diante dos portos franceses impedindo

as esquadras e corsários franceses de sair para o mar”5. A esquadra regressa em

Outubro devido a doença generalizada. No ano seguinte, a 12 Julho de 1794, saiu para

o canal da Mancha nova esquadra, esta com 8 navios, sob o comando do Chefe de

Esquadra (equivalente hoje a Vice Almirante)6 António Januário do Vale e regressa a 1

de Março de 1795. Entre outras importantes missões fez escolta a comboios de navios

– um com mais de 600 – e colaborou no bloqueio de portos franceses.

Portugal combatia assim os interesses franceses por mar7 e por terra mas ainda longe

das suas fronteiras europeias, diferente era já a situação nos restantes territórios.

Em Moçambique, desde 1790 que já se registavam vários ataques por corsários

franceses, em 1796 Lourenço Marques foi assaltada e destruída8 e em 1797 houve um

ataque de duas fragatas francesas. Moçambique encontrava-se numa encruzilhada de

interesses que reflectiam os problemas na Europa: dum lado estavam os ingleses do

Cabo da Boa Esperança, do outro os Franceses das Maurícias e da Reunião9. Em São

Tomé e Príncipe (as Ilhas de Fernando Pó e Ano Bom que pertenciam à colónia foram

5
Pereira, 2005, p. 41
6
Pereira, 2005, p. 12
7
Como retaliação pela participação na campanha do Roussilhão e nas acções no Canal Inglês os
franceses começaram a atacar os portugueses no mar “Desde a costa portuguesa às longínquas águas
de Diu, os corsários franceses abordavam os navios portugueses” Pereira, 2009, p. 217
8
Marques, 1976, p. 638
9
“A revolução francesa sentiu-se mais na África Oriental Portuguesa do que em Angola. Possuía a
França, no Índico, a curta distância do litoral moçambicano, as ilhas de Madagáscar, a de Bourbon (mais
tarde Reunião) e a de Maurícia (futura ilha de França)” Rego, 1966, p. 204

4
passadas para Espanha em 1778) “ao aproximar-se o final do século XVIII, acentua-se a

influência francesa nas ilhas (…) restava aos franceses e ingleses tentar a ocupação de

S. Tomé e Príncipe”10. Os mesmos actores, os mesmos objectivos globais e assim, em

1793, o comandante de um navio inglês, Almirante Drury oferece “protecção” a S.

Tomé: “tenho ordem expressa de Sua Majestade Britânica (…) para dar aos

portugueses toda e qualquer protecção e para tomar debaixo do meu comboio todas

as embarcações pertencentes a Portugal (…) eu as protegerei contra os franceses,

nossos inimigos comuns”11. Nesse mesmo ano uma das fortificações do Príncipe recebe

fogo de uma fragata inglesa a pretexto de estar a proteger os franceses. O Governador

através das forças do exército fez deter todos os franceses que estavam na ilha.

O conflito generalizava-se e Portugal tinha de se defender de Franceses e Espanhóis e,

simultaneamente, cuidar dos “apoios” britânicos. A partir de 1796 Portugal tenta-se

defender política, diplomática e militarmente: ao mesmo tempo que nomeia António

de Araújo Azevedo, para “comprar” a neutralidade junto da França, inicia a preparação

da defesa militar, concentrando as forças terrestres num ponto estratégico, Azambuja.

O diplomata regressa em Abril de 1797 sem nada ter conseguido12. A aposta vai então

para a componente militar e pede-se apoio ao tradicional aliado britânico. Este manda

a 21 de Junho de 1797 entrar em Portugal um comboio de 39 navios que

transportavam uma força de 6.000 homens comandados por Sir Charles Stuart.

A tensão vai aumentando na fronteira e a nossa participação, ainda que inicialmente

não voluntária, na Batalha naval do Cabo de S. Vicente em 1797, vai agravar o

10
Neves, 1989, p. 61
11
Neves, 1989, p. 414-415
12
“Acabou por ser expulso de Paris, em Maio de 1797, quando o Directório já tinha um exército de
30.000 homens para invadir Portugal” Macedo, 2006, p.372

5
ambiente de conflitualidade. Decorre do envio de uma Flotilha portuguesa para o

Algarve para se opor aos franceses que, protegidos pelos espanhóis (dos portos

espanhóis saíam os corsários franceses) nos atacavam a marinha mercante. Pelos

mesmos motivos, os Ingleses também tinham enviado para a costa algarvia uma

esquadra, comandada pelo Almirante Jervis e esta entra em combate com uma

Esquadra exclusivamente Espanhola. Portugal, ao notar que não havia navios franceses

presentes, tenta não intervir e decide-se a retirar mas, vendo o navio do Almirante

Nelson em dificuldades, a fragata portuguesa Tritão entra pelo meio do combate e

salva/ reboca a nau Captain do Almirante. Como consequência, a Espanha propõe-se

invadir Portugal e pede à França 45.000 homens e 25 navios.

Portugal dá mais um sinal de afrontamento quando decide enviar uma esquadra naval,

sob o comando do Marquês de Nisa, para combater junto dos ingleses no

Mediterrâneo13. Era constituída por 6 navios e denominada a Esquadra do Oceano.

Não chegaram a tempo para participar na Batalha de Aboukir mas seguiram de

imediato para Malta, onde a esquadra colaborou no bloqueio a esta ilha. De seguida

apoiou o ataque a Livorno, o bloqueio a Nápoles e acções sobre os navios piratas em

Tripoli. Napoleão regista mais esta afronta Portuguesa afirmando: “Tempo virá em que

a Nação Portuguesa pagará com lágrimas de sangue o ultraje que está fazendo à

República Francesa”.

Até ao início da Guerra das Laranjas (ou Guerra de Espanha) em 1801, assiste-se a uma

campanha diplomática que tinha como objectivo último, o de manter Portugal neutral

13
Permaneceu em operações de 1798 até Janeiro de 1800, data do seu regresso a Lisboa, tendo
prestado excelentes serviços em apoio da esquadra britânica no Mediterrâneo, cuja principal missão
consistia na vigilância da esquadra francesa do Vice Almirante François Paul Brueys D'Aigailliers e que,
depois de batido por Nelson, se refugiara no porto de Toulon.

6
e simultaneamente colaborante. Portugal paga e protela: combate por mar, prepara-se

em terra e “luta” na diplomacia. As consequências foram óbvias. A única estratégia

possível para assegurar esta política, seria a de fortalecer o aparelho militar para

possibilitar manter uma neutralidade dissuasora – a estratégia seguida foi a contrária.

Embora tenha havido algum investimento na componente naval, porque a segurança

das rotas marítimas era uma constante (Portugal tinha no início do século XIX uma

Armada forte, a quinta potência naval da época com mais de 65 navios oceânicos 14),

na componente terrestre reduziram-se os efectivos, não se modernizou a força e

desperdiçaram-se os ensinamentos aprendidos na campanha do Roussilhão.

Em 1800, Portugal enganado com as notícias de um “aparente” recuo das forças

francesas na Europa, manda desmobilizar parte do seu Exército e como consequência,

a Grã-Bretanha, que tinha reforçado com forças o nosso território, conclui que

Portugal “não está empenhado na defesa do seu País”15 e, com o “apoio” do

comandante das forças portuguesas, D. João Carlos de Bragança Sousa Ligne, 2º Duque

de Lafões, retira as forças do território nacional em Dezembro de 1800.

Quando é recebida a declaração de guerra espanhola (Franco-espanhola),16 o conflito

inicia-se em diversos teatros de operações. Defende-se e retrai-se o dispositivo no

Alentejo, preparam-se as operações na Beira, defende-se e ataca-se no Minho e no

14
“Devido ao impulso de ministros como Martinho de Melo e Castro e o seu sucessor D. Rodrigo de
Sousa Coutinho, a Armada Portuguesa contava, no virar do século com 65 navios oceânicos – 14 naus,
23 fragatas, 3 corvetas, 17 brigues e 8 charruas além de outros de menor porte o que a tornava na
quinta potência naval da época” Pereira, 2005, p. 7
15
Amaral, 2004, p. 11
16
“De facto, a Espanha não tinha nenhum interesse vital nesta guerra. O país, contra os seus interesses
nacionais, estava em guerra com a Grã-Bretanha, e o que interessava à monarquia castelhana era fazer
a paz, permitindo assim o reatar das relações com as suas colónias, fonte da riqueza espanhola e da sua
manutenção como potência de 2.ª categoria, no concerto das Nações europeias. Mas contra o interesse
"nacional" espanhol, apareceu o interesse dinástico dos seus monarcas” Manuel Amaral, www.arqnet.pt

7
Algarve, executa-se uma ofensiva generalizada no Brasil17, tenta-se conter “as ajudas”

dos Ingleses na Madeira, Índia e Macau, etc.

A Grã-Bretanha, mal se dá o início da guerra, “envia reforços” não para onde nós

precisávamos, no Alentejo, mas para a Ilha da Madeira, para Goa e Macau, que era de

todo o interesse britânico manter-se controlado: para a Madeira foram 4.000 homens

sob o comando do Coronel Clinton, em Macau tentaram os Ingleses um desembarque

forçado em 1802 a que o Governador se opôs com veemência. Tais “reforços”

espontâneos vão repetir-se ao longo desta Guerra Global18.

E, tal como na Madeira ou em Macau, também houve “reforços” britânicos em 1801 e

1807 na Índia Portuguesa e a partir de 1808 esteve lá estacionado um batalhão

Britânico de Bengala. Também foram ocupadas algumas fortalezas marítimas por

forças navais inglesas, devido à ameaça de possíveis ataques de franceses a partir das

suas possessões na Índia. O governador inglês da Índia, Marquês de Wellesley – irmão

de Artur Wellesley – vinha avisando do perigo de ataques franceses a Goa e a

Bombaim19. Em 1798 tinha sido enviada para a Índia uma esquadra britânica sob o

comando do Almirante Rayner, pondo as suas forças ao dispor do governador

17
“(…) no dia 4 de Julho, o tenente general Veiga Cabral (….) informou a população da declaração de
guerra (….) as milícias foram mandadas reunir, foram pedidos subsídios à população mais influente (….)
as forças militares, divididas em dois corpos começaram a dirigir-se para as guardas de fronteira (….) O
objectivo expresso da população da província era conseguir os territórios que fizessem chegar as
fronteiras aos limites naturais do Sul do Brasil, os rios Uruguai e Prata.” Amaral, 2004, p. 90
18
Não só por motivos estratégicos desejavam os britânicos algum controlo sobre o império português,
Portugal, o seu mais antigo aliado, estava a crescer bastante na sua importância comercial e relativa,
este, também é um factor para ter em conta: “Na primeira metade da década de 1790, as exportações
de Portugal para Inglaterra excederam as importações em mais de um milhão de libras esterlinas. Em
1795 Portugal quase duplicou as suas exportações de 1776 para Inglaterra. Durante o período de 1796 a
1806, as exportações portuguesas apresentaram um crescimento espectacular de 4% ao ano” Stuart B.
Schwartz em Bethencourt e Curto, 2010, p. 46.
19
Pereira, 2005, p. 64 e também Bessa em BARATA & TEIXEIRA, 2003, p. 307 “tomando conhecimento
dos planos do sultão Tipu em ligação com o bravo e incompreendido militar francês Dupliex (…) Stuart
concordou ser urgente a defesa de Goa (…) a urgência crescia com os triunfos de Napoleão na Europa.
Goa, além de excelente base de operações, oferecia grandes vantagens à passagem das suas tropas do
Egipto em direcção ao Malabar ou à sua ida directa da Europa.”

8
português, Francisco Veiga Cabral (governou a Índia de 1794 a 1807), que não tinha

pedido qualquer auxílio. Estes retiraram mas regressam pouco depois e desta vez

ocuparam posições próximas. Finalmente em Dezembro de 1799 desembarcaram, sob

as ordens do Tenente-coronel William Clarke20, 200 homens em Diu e outro tanto em

Damão, 1 regimento europeu com 100 artilheiros, 3 batalhões de nativos, tudo isto

contra o desejo do governador português. Chegou a ser proposto a troca de territórios

“cessão de Goa em troca de Malaca ou qualquer compensação pecuniária” 21. Só em

1808 saíram estas forças mas regressaram no mesmo ano para ocupar o forte da

Aguada. A 25 de Maio é assinada uma convenção luso-britânica entre o Vice-Rei Conde

de Sarzedas (D. Bernardo José Maria de Lorena que governou a Índia de 1807 a 1816) e

o governador-geral Britânico, Lord Minto.

Em S. Tomé continuaram os ataques e em 1799, uma esquadra francesa comandada

pelo capitão-de-mar-e-guerra Jean François Landolph, invade o Príncipe, sem qualquer

resistência e obriga à assinatura de um acordo que prevê o auxílio aos navios franceses

enquanto durar a guerra contra a França na Europa22.

Em Cabo Verde, tal como tinha ocorrido em 1712, os franceses atacam e saqueiam a

ilha Brava em 1798 e, simultaneamente, os ingleses tentam estabelecer-se em várias

das restantes ilhas, tanto por meios pacíficos como fazendo uso de meios militares23.

Mais a sul, em Angola, a cidade de Benguela é saqueada por um corsário francês em

179924.

20
Rego, 1966, p. 243
21
Bessa em BARATA & TEIXEIRA, 2003, p. 307
22
Neves, 1989, p. 434-445
23
Marques, 1976, p. 629
24
Rego, 1966, p.270

9
Em Timor, apenas se assistiu a conflito aberto entre holandeses e britânicos em 1797

e mais tarde em 1810, que acabou com a rendição holandesa em 1811, mas não

ameaçou os territórios portugueses. Voltemos à Europa em 1801:

Acabada a Guerra das Laranjas, Portugal “faz contas”. Como afirma Manuel Amaral25,

os objectivos desta campanha têm de ser analisados numa perspectiva global, com os

ganhos e perdas no Continente e no Brasil.

A visão simplista de que esta Guerra apenas teve como consequência a perda de

Olivença, deliberadamente esquece a importante definição das fronteiras no Sul e

Norte do Brasil26, a forte defesa do Algarve e do Minho e a primeira contenção das

intenções francesas em Portugal. Foi apenas o adiar de um conflito ou, como afirma o

Professor António Pedro Vicente, foi a primeira das Invasões Francesas.

Portugal tenta nos anos seguintes, a todo o custo, não confrontar-se com a França,

mas como tantas outras nações europeias, é arrastado para uma guerra que não

deseja. Procura até ao fim demonstrar uma política de neutralidade mas, bem o

sabemos, não é neutral quem quer, só é neutral quem pode. E Portugal, em 1807, não

podia ser neutral porque a geografia não o permitia (por um lado não poderia ser

neutral perante o seu único vizinho europeu, Espanha e por outro lado, encontrava-se

no meio da luta entre dois impérios a que não podia escapar, pois “Portugal foi

fronteira entre o poder terrestre (França) e o poder marítimo (Grã-Bretanha): do poder

terrestre porque o poder marítimo deveria ser impedido de utilizar o seu território; do

25
Amaral, 2004, p. 6-8
26
“O Reino de Portugal anexou no Brasil 90.000 km2 de território, pelo que à data o saldo territorial era
positivo. No Brasil, a zona das missões do Paraguai, que tantos problemas tinha criado entre Portugal e
Espanha, ganha em 1750, perdida em 1777, era definitivamente incorporada nos limites brasileiros”
Centeno, 2007, p. 66

10
poder marítimo porque Portugal era uma praia de desembarque que, pela sua

excentricidade em relação à Europa nuclear, dificultava a aplicação do potencial militar

do Império Continental”27); porque a ideologia não unia governantes e povos (pró-

franceses, pró-britânicos, liberais e absolutistas, burgueses, nobres e camponeses,

políticos, militares e clero, tudo estava em convulsão após a revolução francesa e a

sociedade portuguesa não era excepção) e finalmente porque a defesa militar não

tinha poder de dissuasão (desde a Guerra Fantástica em 1762/63 quando Portugal

abandonara as suas forças armadas, em especial o Exército que se achava diminuído28,

desprezado, mal pago, mal equipado e desorganizado).

Em 1807 Portugal estava, devido ao turbilhão político, às pressões internacionais, aos

efeitos de uma certa derrota militar da Guerra das Laranjas e ao tradicional desatender

das forças armadas, sem condições de se opor sozinho ao maior e melhor exército da

Europa – o Exército de Napoleão, reforçado pelo exército do nosso vizinho – a

Espanha.

Face à iminente invasão Francesa em 1807, a “reactiva” estratégia Portuguesa para os

anos seguintes, passava então, genericamente, por garantir a posse da esquadra naval

e manter a iniciativa legitimadora da acção governativa, transferindo a corte e a

armada para o Brasil, aceitando a ocupação francesa para evitar a repressão; alinhar,

depois de verificadas as verdadeiras intenções francesas e do claro levantamento

popular, com uma das potências, que acabou por ser naturalmente a Grã-Bretanha, e

unir grande parte das suas forças num Exército aliado sob mando britânico; evitar os

combates decisivos com as forças francesas, preferindo organizar a defesa das


27
Barrento, 1989, p. 279
28
“com excepção da Guarda Real de Polícia, poucas unidades de linha estariam a 50%” Centeno, 2007,
p. 91.

11
populações e conduzir operações militares nas suas retaguardas e linhas logísticas;

defender integralmente todos os territórios ultramarinos reforçando os dispositivos

militares locais; manter a participação portuguesa no Exército aliado para garantir a

libertação da Espanha e combater na própria França para valorizar Portugal e assim

fazer parte dos vencedores nos tratados finais.

Dá-se então a grande invasão Franco-espanhola de 1807 comandada por Andoche

Junot à qual, como determinado pelo soberano português, não se ofereceu resistência.

Napoleão não perdoa a Junot a saída da corte e transferência da sede de poder de

Lisboa para o Rio de Janeiro – capturar Lisboa não significa submeter Portugal e

Napoleão sabia-o perfeitamente. A Rainha ainda reinava além-mar, em “outra parte de

Portugal”.

Por isso Napoleão escreve a Junot dizendo-lhe que “...desarme os habitantes, despeça

todas as tropas portuguesas, dê exemplos severos, mantenha uma atitude de

severidade que o faça temer... todos os meios que tiver deixado aos portugueses se

voltarão contra vós, porque enfim, a nação portuguesa é brava”29.

Como seria fácil de antever, a ocupação francesa rapidamente passou a exercer a

repressão e uma das tarefas principais do novo poder usurpador em Portugal, foi o

desmembrar da força armada remanescente: O Exército foi simplesmente desfeito por

uma ordem de 22 de Dezembro de 1807 e em Janeiro do ano seguinte, foi também

desfeita a reserva estratégica da nação – as Milícias e Ordenanças.

Dos soldados com menos tempo de serviço foram seleccionados os melhores e as mais

preparadas forças do Exército Português. Comandados por ilustres militares

29
Carta de Napoleão Bonaparte a Junot, Vicente, 2003, p. 258 e também Centeno, 2007, p. 100.

12
portugueses (Marquês de Alorna, Gomes Freire de Andrade, Manuel Inácio Pamplona,

Corte – Real, Freire Pego, Marquês de Loulé, Manuel de Mascarenhas, etc.) num total

de 9.000 homens, constitui-se a Legião Portuguesa que é enviada para França “no

estado mais miserável que se pode imaginar”30, incluindo os poucos cavalos que não

tinham sido retirados directamente pelos franceses.

Portugal, em 1808, apenas tinha como força armada a Guarda Real de Polícia (por se

encontrar fortemente controlada por um emigrado francês): ocupado por franceses e

espanhóis, vítima de forçadas contribuições de guerra, saqueadas igrejas, conventos,

palácios e estabelecimentos comerciais, está completamente desarmado – grande

parte dos melhores comandantes estão no Brasil ou em França, os seus cavalos foram

confiscados, o armamento também e a organização territorial das milícias e

ordenanças completamente desfeita.

Mas a descrição dos actos praticados por Junot em Portugal, vão levar a que o futuro

D. João VI declare finalmente guerra à França a 1 de Maio de 180831. A Espanha

também vai mudar a sua posição e a revolta do 2 de Maio motivará a saída das tropas

de ocupação espanholas em Portugal. As populações portuguesas que, desde as

revoltas de Lisboa em Dezembro de 1807, tinham mostrado o seu mal-estar, conhecida

que é a declaração de guerra pelo seu soberano, vão então revoltar-se decisivamente

contra as águias de Napoleão.

O segredo da força emergente no Verão de 1808 reside nas tradicionais forças

portuguesas das milícias e ordenanças. Só assim se explica que do nada tivessem

30
Banha, 2007, p. 20
31
Bessa em BARATA & TEIXEIRA, 2003, pág. 236. E também em Macedo, 2006, p. 408.

13
aparecido tantas forças32 e, embora praticamente desarmadas, estavam

razoavelmente enquadradas e coordenadas, porque, desde a fundação de Portugal, as

forças armadas sempre foram as de uma nação, um povo e um Rei.

O Exército Operacional Português tinha sido de facto enviado para França, mas com

base na organização secular de milícias, ordenanças e nas poucas forças de 1ª linha

que restavam, um novo Exército, uma força popular, uma nação em armas, renasceu

de forma incrivelmente rápida.

A França conhece a sua primeira derrota na Península Ibérica quando as forças

portuguesas comandadas por Silveira obrigam à retirada de Loison, na grande Batalha

dos Padrões de Teixeira e da Régua em Junho de 180833. Junot sabia que não podia

lutar contra todo o país e mandou concentrar as suas forças ao redor de Lisboa e na

manutenção das linhas de comunicação com Espanha, especialmente no Alentejo.

Morreram milhares de portugueses na defesa do impossível34 mas a verdade é que no

início de Agosto, os franceses apenas controlavam Lisboa, parte do centro do país e o

eixo Lisboa-Alentejo. As principais fortalezas estavam ou nas mãos dos portugueses ou

encontravam-se sitiadas pelas nossas forças. Portugal garantia bastantes portos

seguros, áreas libertadas, uma população decidida e um Exército em formação. Os

britânicos podiam então desembarcar, tranquilamente e com toda segurança, o seu

Exército bem armado, equipado, treinado e devidamente comandado.


32
“The spontaneous rebirth of the army from June 1808 was very orderly compared to what was going
on in Spain at the same time”, Chartrand, 2005, p. 42
33
Para debelar a rebelião no Porto, Junot enviou de Almeida a 17 de Junho de 1808 o General Loison “o
Maneta” com 2.600 homens bem armados e equipados, mas este nunca lá chegará. Na primeira grande
batalha contra os portugueses, “armados com o que podiam”, às ordens do Coronel Silveira (futuro
conde de Amarante), os franceses são derrotados nas alturas de Teixeira e Régua - a Batalha de Teixeira
(ou dos Padrões de Teixeira e Régua) – ver do autor: 200 anos da Batalha do Vimeiro, Revista Militar,
2008.
34
“as grandes derrotas e aos grandes massacres de 1808 (Em Évora e Beja, Tomar ou Leiria, por
exemplo)…” Valente, 2007, p. 7.

14
“Já antes de Wellington (ainda Wellesley) pôr o pé em terra a revolta libertara nove

décimos do país”.35

As forças britânicas, que tinham desembarcado em Portugal em Agosto de 1808 para

socorrer Portugal e ajudar a expulsar os Franceses, não seriam só por si suficientes. Se

Portugal tinha de ser defendido e isso era obviamente também do interesse dos

britânicos, então seria necessário algo mais do que os exércitos expedicionários

britânicos ou as ajudas em dinheiro, armas e equipamentos. O exército português

tinha de renascer e preparar-se para, uma vez mais, bater-se, lado a lado, com os

ingleses, em mais uma campanha global, na Europa, na América, no Atlântico e na

Ásia.

A partir do Rio de Janeiro, o futuro D. João VI e o Ministro dos Negócios Estrangeiros e

da Guerra, D. Rodrigo Sousa Coutinho, preparam um ataque aos domínios franceses na

América do Sul enquanto D. Miguel Pereira Forjaz (Ministro da Guerra, Estrangeiros e

Marinha), em nome da regência portuguesa, vai tomar as medidas necessárias para a

defesa de Portugal.

No Brasil, a expedição que tinha como objectivo a conquista da Guiana Francesa é

organizada em Belém, pelo Governador do Pará, General José Narciso de Magalhães

de Menezes. Em Novembro de 1808 uma Armada Anglo-portuguesa36 bloqueia a

Capital, Cayene; em Dezembro uma força terrestre portuguesa de 1.200 homens

comandada pelo tenente-coronel Marques de Sousa37 conquista Oyapoc; parte dessa

35
Valente, 2007, p. 7
36
Nesta acção militar participou uma força naval inglesa, comandada por Sir James Lucas Yeo
37
“Em 1801, como 1º Tenente comandou a Artilharia da Praça de Campo Maior na Guerra das Laranjas.
Em 1803, já como Tenente-Coronel foi nomeado comandante do Corpo de Artilharia criado no Pará,

15
força embarca nos navios e com 80 Royal Marines conquistam a cidade de Cayene em

12 de Janeiro de 1809. Os Portugueses mantiveram-se no território até 1817.

A sul do território brasileiro também se dão importantes expedições militares (na

verdade, sempre que se declarava qualquer tipo de guerra entre Portugal e Espanha

eram normais os conflitos nas fronteiras sul e sudoeste brasileiras, com o ancestral

objectivo de estender as fronteiras até ao Rio Prata e Uruguai38). Portugal faz várias

incursões junto ao Rio Prata de que destacamos as de 1808, que através do ministro

conde de Linhares, oferece protecção ao governador Linieres na Argentina, mas este

recusa. Em 1809, Portugal tenta um acordo com a Grã-Bretanha e reforça o seu

dispositivo no sul do Brasil e em 1811, embora tenha havido queixa britânica, Portugal

manda invadir o território a sul com o denominado Exército de Pacificação sob o

comando de D. Diogo de Sousa e conquista Cerro Largo a 23 de Julho, Santa Tereza a 5

de Setembro e Maldonado a 3 de Outubro. Por ordem de D. João, retira da “Banda

Oriental” a 10 de Junho de 1812 mas manteve os territórios de entre-os-rios.

Em Moçambique (tinha havido uma ordem de Portugal desde 1803 que determinava

que as possessões portuguesas deviam manter rigorosa neutralidade), o comércio,

entre todos, lá ia circulando com alguns percalços e finalmente, em 1808, o

governador de Moçambique, Francisco Amaral Cardoso assinou com o General Francês

Du Caen, uma convenção de 6 artigos que autorizava a continuação do comércio

apesar das declarações de guerra. No entanto houve alguns incidentes: a 10 de

Brasil” Rodrigues e Mimoso, pág. 5. Como recompensa pela vitória foi depois promovido a brigadeiro
(Bessa em BARATA & TEIXEIRA, 2003, p. 239)
38
“Esta estratégia tinha a oposição da Espanha, a quem os territórios pertenciam e da Inglaterra a quem
uma expansão do Brasil também não interessava”, Pereira, 2005, p. 53.

16
Novembro de 180839, 4 naus portuguesas foram atacadas próximo das Maurícias e

outro navio no canal de Moçambique, as guarnições e passageiros portugueses

capturados conseguem no entanto escapar; por outro lado, portugueses capturam e

apoderam-se do navio francês Aurore. Os nossos mercadores foram fundamentais nas

informações que prestaram aos ingleses para estes conquistarem as Ilhas Francesas

em Dezembro de 1810. A partir desse momento, as relações incrementaram-se entre

Moçambique e o Cabo da Boa Esperança.

Na Índia, a 25 de Maio de 1808, é assinada uma convenção luso-britânica entre o Vice-

Rei Conde de Sarzedas e o governador-geral Lord Minto. Até 1811, os Ingleses

reforçam o seu dispositivo. Em 1812, o grosso dos ingleses abandona o Forte da

Aguada e ficam apenas 4 companhias de granadeiros com pessoal português e inglês.

Só em 1814 sairiam definitivamente.

Em Macau, estava colocado um destacamento do Regimento de Goa, tendo sido

realizadas operações conjuntas da Armada Portuguesa com as Armadas da Grã

Bretanha e da China, mas para combater piratas e não franceses. Em 1808, o

Governador inglês da Índia enviou uma expedição para Macau. As forças, comandadas

pelo Almirante Drury, tentaram desembarcar mas o governador português obrigou à

assinatura de uma convenção antes do mesmo ocorrer. Mais tarde, a 21 de Setembro

de 1808, desembarcaram 1.182 homens que ocuparam duas fortalezas em Macau. Por

pressão da China, os Ingleses abandonaram o território em 19 de Dezembro do mesmo

ano e já não regressaram40.

39
Pereira, 2005, p. 66.
40
Ver descrição completa em Bessa em BARATA & TEIXEIRA, 2003, p. 315

17
Fora do território continental português é importante referir o trajecto de um dos

exércitos portugueses projectados. A Legião Portuguesa distingue-se no cerco a

Saragoça em Espanha (1808). Aquando da Convenção de Sintra muitos pensam ser

resgatados por troca da saída das forças de Junot de Portugal – mas são esquecidos e

foram muitos os que se deixaram desanimar desamparados pelo seu país.

Em 1809, faz a campanha da Alemanha e Áustria. Napoleão elogia as forças

portuguesas: “estou muito satisfeito dos vossos portugueses; eles combateram sempre

com muita galhardia nesta guerra, e decerto na Europa não há melhores soldados que

eles”41. Para a 3ª invasão a Portugal, alguns da Legião acompanham Massena (Alorna,

Pamplona, Marqueses de Valença e Loulé, Conde de Sabugal, brigadeiro Manuel de

Sousa, etc… muitos puderam escapar…) e pôs-se a hipótese do regresso, mas a

condenação pública e a designação de traidores leva a que muitos deixem

definitivamente de pensar em regressar. Na derradeira campanha napoleónica de

1812 contra a Rússia, a Legião participa na conquista de Smolensk – “sempre na linha

da frente”42. Só 100 soldados, de um total de 5.000 que iniciaram a campanha,

sobrevivem na retirada de Moscovo aos ataques dos perseguidores cossacos e à

passagem do rio Beresina. O comandante português, Marquês de Alorna, morre em

Konigsberg.43

41
Banha, 2007, p. 48, ver também Henriques em Guerra Peninsular, Soberanias Atlânticas, 2008.p. 124
“mereceu de Napoleão – sim de Napoleão!!! O título de melhores soldados do Mundo, gritado por ele a
todo o seu Estado Maior, quando os portugueses carregavam à baioneta na batalha de Wagram”
42
Banha, 2007, p. 70
43
“La Légion Portugaise combattit vaillamment dans nos rangs à Wagram, à Smolensk, à la Moskowa, et
avec tant des nôtres, trouva son tombeau dans les glaces de la Bérézina: avant la mort, à Koenigsberg,
de son digne chef, le général de division marquis d’Alorna et la perte de ses élément nationaux les plus
purs, elle a payé, de son sang, l’honneur d’avoir fait partie de la Grand-Armée” Boppe, 1994, p. 324:
Tradução: “A Legião Portuguesa combateu valentemente nas Batalhas de Wagram, Smolensk, Moscovo,
e como tantos de nós, tombou nas águas geladas do Beresina, antes de morrer, em Konigsberg, o seu

18
Voltando ao final de 1808, em Espanha, os franceses não conseguem extinguir a

sublevação. O próprio Imperador Francês vem à Península Ibérica e persegue os

contingentes aliados, que tinham ido de Portugal, obrigando-os a reembarcar. Quem

comanda a fase final das operações e força os ingleses a refugiarem-se na esquadra

ancorada no porto da Corunha, é o General Soult, em virtude de Napoleão se ter

sentido forçado a abandonar a Península face às notícias dos preparativos da Áustria

para atacar a França – Napoleão deixa o seu irmão José como Rei de Espanha e

regressa a Paris em 17 de Janeiro de 1809. Vai ser o mesmo Soult que recebe a ordem

para invadir Portugal.

Em 1809, Soult vai ter grande dificuldade para se opor ao Exército Português. Durante

quase dois meses são as forças portuguesas, à custa de algumas tropas de linha e

bastantes milícias e ordenanças, que tornam a situação quase insustentável para as

forças francesas, sendo depois a sua acção decisiva para retardar a fuga de Soult. São

também as forças portuguesas que causam a maioria das 6.000 baixas (25% do total)

francesas e forçam o abandono de todo o material.

É de facto notável a defesa de Portugal nesta segunda invasão. Primeiro, Soult tem de

atrasar a sua chegada ao Porto porque falhou a entrada pelo Minho, devido à forte

defesa da fronteira e à acção conjugada de tropas galegas e portuguesas em terras de

Espanha, especialmente em Vigo e Tuy44. Depois, é a penosa progressão até ao Porto

em que sofre baixas elevadíssimas para lá chegar (a resistência nacional tem muito de

caótico e de descoordenado mas também obriga a fortes empenhamentos franceses,

digno comandante, o Marquês de Alorna junto com a perda dos mais puros da sua nação, pagaram,
com o seu sangue, a honra de terem pertencido ao Grand-Armée”
44
Ver também do autor, A guerra em Portugal em 1809 e a ajuda portuguesa na reconquista de Vigo na
Revista Lusíada de História, Editora Lusíada, Lisboa, 2009.

19
grandes lutas e pequenas batalhas e a muitas baixas de ambos os lados).

Imediatamente após a ocupação do Porto, os franceses não podem progredir para

Lisboa porque as suas linhas de comunicação com a Galiza estavam muito controladas

(Chaves está retomada e a leste do Tâmega mandam os portugueses) e o dispositivo e

determinação portuguesas no restante território nacional, tinham prevenido o avançar

das outras forças francesas pelas Beiras e pelo Alentejo.

Tal como na primeira invasão, a chegada das tropas inglesas foram fundamentais para

a derrota dos franceses mas são essencialmente os portugueses que contêm a invasão

a norte e, de novo, criam as condições para um contra ataque aliado com sucesso.

“Portugal pegava em armas pela sua independência. Este sentimento era geral, e não

era à força que lhe conseguia levar a melhor. Teria sido mais fácil exterminar a nação

do que fazê-la ceder” (Memórias de Soult, 2009, p. 59)

O Governo Português no Rio de Janeiro tinha entretanto solicitado ao Governo

Britânico, a indicação de um oficial capaz de executar a reorganização do Exército,

tendo sido indicado o general Beresford que, por decreto de 7 de Março de 1809, foi

nomeado pelo Príncipe Regente como Comandante-Chefe do Exército Português.

Beresford estabelece o seu Quartel-general em Tomar e com a coordenação de Miguel

Pereira Forjaz inicia a reorganização do Exército pelas unidades do centro e sul, uma

vez que as do norte estavam já empenhadas na 2ª invasão francesa.

Após o sucesso da expulsão de Soult de Portugal, Wellesley julga que tinha chegado a

oportunidade para, em conjunto com forças espanholas, atacarem os franceses e

assim, entregou ao General Silveira a guarda da fronteira de Trás-os-Montes e com

Beresford, avança com dois exércitos a fim de atingir Madrid. As operações duram até
20
30 de Setembro de 1809, sem que os exércitos aliados tivessem conseguido expulsar

as forças napoleónicas da Península Ibérica. O exército anglo-português regressa então

a Portugal para preparar a defesa contra Massena.

Em 1810, já existem mais de 150.000 homens nas Forças Armadas Portuguesas, só

contabilizando os do exército de 1ªlinha e os regimentos de milícia. Em 1810, já as

forças portuguesas no Exército Aliado combatem como iguais ao lado dos britânicos,

como fica demonstrado em 27 de Setembro na célebre Batalha do Buçaco ou depois,

na defesa das Linhas de Torres Vedras, com a plena integração operacional das milícias

e ordenanças.

Depois de expulso de terras lusas em 1811, Massena faz uma nova tentativa de invadir

Portugal mas, após a Batalha de Fuentes de Oñoro em Maio de 1811, é batido pelos

aliados e tem de retirar para Salamanca. Aí é substituído no comando por Marmont

que vai tentar uma última invasão a Portugal pela zona das Beiras. Portugal é, pelo seu

dispositivo de defesa, uma verdadeira fortaleza e serve de santuário não só a ingleses

como a espanhóis. A invasão de Marmont em 1812, não passa de uma acção sem

qualquer valor estratégico com a única finalidade de distrair Wellington em Badajoz.

Marmont percebe o óbvio. Não só tem de se defrontar com um disciplinado e coeso

Exército Anglo-português como ainda (e fundamentalmente) tem de se confrontar

com um Exército territorial português, que embora esteja pobremente equipado e

enquadrado, actua e combate disciplinadamente debaixo de uma só autoridade, a do

Rei de Portugal e com uma só direcção estratégica, a de Wellington.

A 20 de Janeiro de 1812, Ciudad Rodrigo é conquistado pelos aliados e em 7 de Abril

do mesmo ano, é a vez de Badajoz. Marmont reagrupa-se em Salamanca com cerca de

21
52.000 homens esperando uma nova oportunidade de invadir Portugal. A Espanha está

agora ocupada por cinco exércitos franceses com um total de 230 mil homens. Depois

dos sucessos em Fuentes de Oñoro, Albuera, Ciudad Rodrigo e Badajoz, tinha chegado

o momento certo para os aliados passarem à ofensiva a partir de Portugal.

O plano de Wellington implica uma visão e estratégia global: Avançar com o exército

operacional aliado, garantir a posse das bases em Portugal através do exército

territorial português constituído pelas milícias e ordenanças, fomentar as acções de

guerrilha em todas as áreas de Espanha e fazer uso da hegemonia naval para

desembarques “cirúrgicos”, nos flancos das posições francesas. 28.000 Ingleses e

18.000 portugueses saem de Portugal para atacar em Salamanca. É uma importante

vitória com um elevado número de baixas45: 3129 ingleses, 2038 portugueses e 6

espanhóis, mas ainda assim, a estratégia de Wellington alcança resultados decisivos.

Segue-se a entrada triunfal em Madrid. No entanto, esta não seria ainda a ofensiva

definitiva. A resistência francesa a mais de cinco assaltos em Burgos, obriga ao

regresso do exército aliado ao santuário de Portugal no final de 181246. A “retirada de

Burgos”, por força da concentração dos exércitos franceses, causa mais de 5.000

baixas entre os aliados47. O exército volta a quartéis de Inverno na base de Ribacôa em

Portugal e as forças espanholas mantiveram-se sem dar trégua aos exércitos franceses.

Na primavera de 1813, um exército aliado português-espanhol-britânico de 90.000

homens, dos quais 30.000 são portugueses, sob o comando do Duque de Wellington,

45
Segundo Soult foram 12.000 as perdas francesas e “dos anglo-lusos foi cerca de 6.000 (…) as
respectivas consequências foram a perda de metade de Espanha” Memórias de Soult, 2009, p. 213.
46
Os franceses sabiam bem que já não era possível reentrar em Portugal “o inimigo não corria nenhum
risco semelhante. O Pior que lhe podia acontecer, após uma derrota, era reunir-se de novo em Portugal,
onde nós não podíamos persegui-lo” Memórias de Soult, 2009, p. 229
47
Segundo Soult, 2009, p. 232, “as suas perdas estimadas entre 10.000 a 12.000 homens”

22
inicia a ofensiva em Espanha que iria dar lugar à célebre batalha de Vitória, na qual os

franceses sofrem uma das maiores derrotas na Península Ibérica. Madrid, Valência e

muitas das áreas de Castela e Aragão são então evacuadas pelos franceses. Os aliados

continuam o seu avanço para os Pirenéus, montando um cerco a São Sebastião e

bloqueando Pamplona.

É mais uma campanha muito difícil para os aliados, a culminar na batalha de 2 dias em

Sorauren e tal como no Buçaco, portugueses e britânicos estão de novo em número

igual. Quando Wellington chega a 26 de Julho, vindo do seu quartel-general de Lesaca,

as tropas portuguesas de Caçadores 7 saúdam-no, como tinham aprendido a fazer

desde 1809, com o grito “Douro, Douro”, retomado pelas restantes tropas aliadas. No

dia seguinte, começa a batalha dos Pirinéus. Registam-se 8 mil baixas francesas contra

3500 ingleses e 2500 portuguesas - o marechal Soult recua para a fronteira a 1 de

Agosto. Termina assim a última invasão francesa da Guerra Peninsular. E é então que,

por entre elogios e louvores aos oficiais e soldados, Wellington considera os

Portugueses como os “galos de combate do seu exército”.

Continua muito difícil a campanha até à última das batalhas em Tarbes e Toulouse em

território francês, Março/ Abril de 1814. Durante a Guerra Peninsular48, o Exército

Português participa em cerca de 280 acções de combate (15 batalhas, 215 combates,

14 sítios, 18 assaltos, 6 bloqueios e 12 defesas de praças) com um total de 21.141

baixas portuguesas (sem contar as baixas das milícias e ordenanças). Depois da saída

dos franceses do território nacional, as tropas portuguesas participaram em 135

48
Martins, 1945, p. 300.

23
combates em Espanha e França49. Para além das batalhas já referidas lembremos ainda

que, em Albuera estiveram 10.000 portugueses onde sofremos 389 baixas, em Badajoz

foram 730 os mortos, em San Sebastian 577 baixas, na batalha do Nivelle participaram

20 041 portugueses e tivemos 408 baixas, no Nive foram 379 mortos, 1736 feridos, 308

extraviados e na última batalha em França, em 10 de Abril de 1814, dos 13.984

portugueses sofremos 533 baixas.

“O desempenho brilhante do Exército é desperdiçado no momento da vitória sobre

Napoleão e no Tratado de Viena em 1815”50. Tinham solicitado a Portugal uma força

de 15.000 homens para combater com Wellington na Bélgica, os governadores do

Reino não quiseram autorizar sem a aprovação do Príncipe Regente, enquanto o

pedido foi e a ordem chegou do Brasil já se tinha dado Waterloo, Wellington lamentou

a ausência portuguesa “Se tivesse tido 40.000 dos seus portugueses, o exército francês

não tinha parado diante dele uma hora”51.

Mas a força foi de facto preparada para partir para a Bélgica e vai ser esta mesma

força, uma divisão ligeira a duas brigadas e cada uma a 2 batalhões de caçadores, que

vai então ser enviada para o Brasil, com o acordo de Portugal e Espanha, para mais

uma expedição em terras da Colónia do Sacramento (no actual Uruguai). Passa a

denominar-se “Voluntários Reais do Príncipe”. Com o reforço de tropas no Brasil e com

o apoio de forças navais sob o comando do conde de Viana, apoderam-se do Forte de

S. Tereza e de Montevideu a 20 de Janeiro de 1817. Não tinham acabado os combates

para os portugueses, mas esta já não é uma guerra contra a França ou os seus

interesses e por isso podemos considerar que terminou, com a retirada da Guiana
49
Ventura em Guerra Peninsular, Soberanias Atlânticas, 2008, p. 112
50
Henriques, 2002, p. 172
51
Martins, 1945, p. 318

24
Francesa52 em 1817, o conflito contra a França. Foram 24 longos anos de

conflitualidade de 1793 a 1817.

Portugal acabou exausto, pobre, em luto, registando milhares de mortes e grandes

sacrifícios, mas vencemos e vencemos de forma global, reforçando a importância dos

vastos territórios além-mar, do Brasil a Angola, de Moçambique a Macau. Infelizmente,

a paz durou pouco e poucos anos depois entraríamos na pior das guerras que um povo

pode viver, a guerra civil. Resta-nos o orgulho de termos vencido, cambaleantes mas

de pé, sob constantes pressões internacionais, ainda e sempre, Portugueses.

52
“Tal facto viria a confirmar-se em 8 de Novembro de 1817, data na qual Portugal devolve o território à
França, sob um choro de pesar das populações francesa e nativa, aquando da retirada dos portugueses.
Este episódio surpreendeu de tal modo os próprios franceses que levou o novo comandante francês a
manifestar o seu espanto e a desejar tal manifestação de apreço aquando do “terminus” da sua
comissão” (Pereira, 2005, p. 53) também contado o mesmo episódio em Bessa em BARATA & TEIXEIRA,
2003, p. 239.

25
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