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© 2007, dos autores.

SUMÁRIO

7 APRESENTAÇÃO
Projeto gráfico/Capa
Luís Gustavo Sousa Sguissardi

Preparação de texto 11 EscoLA DA PRISÃO


1ngrid Pereira de Souza Favorctto
ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO HOMEM APRISIONADO?

Revisão de texto ELENICE MARIA CAMMAROSANO ONOFRE


Ingrid Pereira de Souza Favoretto

Co11ferê11cia de provas
Gláucia Lucas Ra miros
29 As POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO PARA o SISTEMA PENITENCIÁRIO

ANÁLISE DE UMA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA


Editoração e/etrô11ica
Luís Gustavo Sousa Sguissardi ELIONALOO FERNANDES JULIÃO
Vítor Massola Gonzales Lopes

51 As REGULARIDADES E SINGULARIDADES DOS PROCESSOS EDU-

CACIONAIS NO INTERIOR DOS PRESÍDIOS E SUAS REPERCUSSÕES

NA ESCOLARIZAÇÃO DE PRISIONEIROS
Esta publicação contou com o apoio financeiro da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação. UMA RELATIVIZAÇÃO DA NOÇÃO DE SISTEMA PENITENCIÁRIO

ARLINDO DA SILVA LOURENÇO

77 Q EXERCÍCIO DOCENTE POR MONITORES-PRESOS E O DESEN-

VOLVIMENTO DO PROCESSO FORMATIVO


Ficha catalográfica elaborada pelo DcPT da Biblioteca Comunitária da UFSCar
MARIETA GOUVÊA D E OLIVEIRA PENNA
Educaçao escola r entre as gr ades I organizadora : Elenice
E24e Maria Cammarosano Onofre . - S3o Ca r los : EdUFSCar .
2007.
160 p . 93 A EDUCAÇÃO ESCOLAR NA PRISÃO SOB A ÓTICA DE DETENTOS

SILVIO DOS SANTOS


ISBN: 978-85 -7600 -118 -8

l . Prisioneiros - educaçao . 2. Prisões - educaçao . 3 .


Educaçao de jovens e adultos . 1 . Titulo . 111 A CELA DE AULA: TIRANDO A PENA COM LETRAS

COO : 371 . 967 <20a> UMA REFLEXÃO SOBRE O SENTIDO DA EDUCAÇÃO NOS PRESÍDIOS
CDU : 371. 967
JOSÉ ANTONIO GONÇALVES LEME
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do direito auto ral.
ESCOLA DA PRISÃO
ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

DO HOMEM APRISIO NADO?

Elcnice Maria Cammarosano Onofre *

FAZER COM QUE EXISTA uma sociedad e com um pouco mais de qualida-
de de viela é papel importante dos educadores, que têm como desafio
per manente discutir, rever, refazer o sentido histórico de inovação e
humanização cio progresso, assumindo a identidade ele trabalhadores
culturais, envolvidos na prod ução de uma memória histórica, e ele su-
jeitos sociais que criam e recriam o espaço e a vicia social.
Os problemas na área ela educação são complexos e não existem
respostas imediatas ou soluções rápidas para eles, o que justifica a neces-
sidade de estudos, reflexões e, especialmente, a formu lação de projetos
sociais e educacionais voltados para os excluídos, os mar9inais, os insatis-
feitos, os não-clientes, a maioria perdedora.
Como educadora participante de projetos que visam à melhoria da
qualidade ele vida dos excluídos ela sociedade, tenho me dedicado a
estudos voltados para a educação escolar no interior das prisões, visto
que esta é considerada esforço r esidual no âmbito das políticas públicas
para a população carcerária, embora apresente características seme-
lhantes às da população brasilei ra, constituída cm sua maio r parte de
pobres e ele pessoas pouco escolarizadas.

* Doutora cm Educação Escolar pela Unesp - Araraquara (SP). Docente do De-


partamento de Metodologia de Ensino da UFSCar - São Carlos (SP).
A educação escolar entre os grades Escalo do prisão: espaço de construção do identidade do homem aprisionado?

,, . , "d . ,,
Os presos fazem parte da população dos empobrecidos, produzidos men t o , isto e, estremamento , o que o torna temporariamente
por modelos econôm icos excludentes e privados de seus direitos fun- incapaz de enfrentar alguns aspectos de sua vida diária (GOFFMAN,
damentais de vida. Ideolog icamente, como os "pobres", são jogados em 1974, p. 23).
um conflito entre as necessidades básicas vitais e os centros d e poder
e decisão que as negam. São, com cer teza, produtos da segregação e Há de se considerar, portanto, que a prisão como instituição fechada,
cio d esajuste social, da miséria e elas drogas, do ego ísmo e da perd a ele tomando para si o encargo de aplicar técnicas corretivas sobre seus tu -
valo res humanitários. Pela condição de presos, seus lugar es na pirâmide telados, buscando r ecompô- los segundo os pressupostos básicos da vida
social são reduzidos à categoria de "marg inais", "bandidos", duplamente que lhes quer incutir, supõe a violência, porque acaba por clesestruturá-
excl uídos, massacrados, odiados. Jos física e psíquicamente.
As prisões caracter izam-se como teias de relações sociais que pro- Ao chegar à prisão, o sentenciado traz uma concepção de si mesmo
movem vio lência e desper sonalização dos ind ivíd uos. Sua arquitet ura e formada ao longo d e sua vivência no m undo doméstico. Neste momen-
as roti nas a que os sentenciados são submetidos demonstram, por sua to, ele é totalmente despido de seu referencial, pois ao entrar na prisão
vez, um desrespeito aos d ireitos de qualquer ser humano e à vida. Nes- o sentenciado é desvinculado de todos os seus objetos pessoais, desde
te âmbito, acentuam -se os contrastes ent re a teoria e a prática, entre a roupa até os documentos. Aqueles sinais "clássicos" de pcrtencimento
os propósitos das políticas públicas penitenciárias e as corresponden- à sociedade são subtraídos: ao despi r sua roupa e vestir o uniforme da
tes práticas institucionais, delineando-se um grave obstáculo a qualquer instituição, o indivíduo com eça a perder suas identificações anteriores
proposta de reinserção social dos indivíduos condenados. para sujeitar-se aos parâmetros ditados pelas regras instit ucionais.
A arquitetura dos cárceres acentua a r epressão, as ameaças, a de- O processo de admissão, para Goffman (1974), pode ser caracteri-
sumanidade, a falta de p rivacidade, a depressão, em síntese, o lado zado como uma despedida e um começo, e o ponto médio do processo
sombrio e subterrâneo da mente humana dominada pelo superego pode ser marcado pela nudez. Evidentemente, o fato de sair de seu
o nipotente e severo. Nas celas l úg ubres, Úmiclas e escuras, repete-se mundo do méstico exige uma perda de propriedade, o que é importan -
ininterruptamente a voz da cond enação, da culpabilidade, ela desuman i- te, porque as pessoas atribuem sentimen tos do eu àquilo que possuem.
dade. Essa arquitetura mostra que o indivíduo, uma vez condenado, não Contudo, a mais signjficativa dessas posses talvez não seja física, mas 0
tendo alternativa de saídas segundo a lei, ali cumpre sua pena sem poder nome: qualquer que seja a maneira como é chamado, a perda do nome
sair por sua própria vontade . constit ui uma grande mutilação do eu.
Ao serem analisados os aspectos arqu itetônicos das prisões, estas A chegada do preso ao espaço prisional pressupõe, portanto, proces-
são caracterizadas como instituições d isciplinares, à base da vig ilância, sos de admissão e testes de obediência, que podem ser desenvolvidos
violência e punição. Dessa forma, dificilmente conseguirão com pensar numa forma de iniciação e têm sido denominados "as boas-vi ndas" nos
as car ências d o encarcerado em face do homem livre, oferecendo-lhe
'
quais a equipe dir igente ou os internados, ou os dois g rupos, procu-
oportunidade para que tenha acesso à cultura e ao desenvo lvimento de ram dar ao novato uma noção clara de sua situação. Recebe, po r meio
sua personalidade. desse rito de passagem, as "regras da casa", um conj unto relativamente
Por isso, explícito e formal de prescrições e proibições que expõe as principais
exigências quanto à conduta do internado.
[ ... ] se a estada do internado é muito longa, pode ocorrer, caso ele Analisando as prisões, Foucault (1987) aponta que elas possuem me-
volte para o mundo exterior, o c1ue já foi denominado "descultura- canismos internos de repressão e p unição que ultrapassam o castigo da

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A educoção escolor entre os grodes Escola do prisão: espoço de construção do identidode do homem oprisionado?

"alma" investindo na regu lação do corpo do detento pela coação csti- r... 1somente quando o preso sente a presença de alguém que lhe
mulad~ por uma educação total , reguladora de todos os movimentos do oferece uma amizade sincera, destas que não exigem compensações
corpo. E , nesse sentido , além da privação da liberdade, elas executam ou retorno, é que se inicia o processo de desalojamento das coisas
uma transformação técnica dos indivíduos. más armazenadas em seu interior e a verdade começa a assumir o
A tecnologia política do corpo não é percebida nas instituiçõ~s , por seu lugar, restaurando, paulatinamente, a autoconfiança, revitalizan-
causa das diversas formas em que ela se cristaliza. Não sendo violenta do os seus próprios valores. Isso se chama liber tação interior.
ou explícita, é introduzida, segundo Foucault, como u~1a '.'microfísi~a
do poder", que se posiciona entre as instituições e os propnos corpos. Não seriam , então, a educação escolar e os seus educadores uma
Visando a atingir o ideal de "ortopedia social", cm que. a perm~­ possibilidade de libertação interior dos aprisionados?
nente vigilância rc )rcsenta tática de eficácia, Foucault localiza na pn- Como diz Freire (1995, p. 96), "[ ... ] a melhor afirmação para definir
1 . o "corpo d'oc1.')" ,
são um dos espaços sociais apropriados para produzir 0 alcance da prática educativa em face dos limites a que se submete é a
economicamente produtivo, socialmente civilizado, politicamente dis- seguinte: não podendo tudo, a prática educativa pode algu ma coisa". E
ciplinado e culturalmente devotado à prá~ica 'e às razões~º. :st~do. _ ao se pensar na educação do homem preso, não se pode deixar de consi-
Dessa forma, considerando-se que vive a base de v1gilanc1a e pu derar que o homem é inacabado, incompleto, que se constitui ao longo
nição, "desculturando-se", como pode o homem encontrar significado de sua existência e que tem a vocação de ser mais, o poder de fazer e
numa escola nesse espaço arquitetônico de violência, onde a rede de refazer, cr iar e recriar (FREIRE, 1983).
relações internas o despersonaliza e o anula? . . _
A prisionalização dificulta os esforços em favor da rcssociahzaçao;
além disso, cm vez de devolver à liberdade indivíduos educados para a O desafio e os caminhos percorridos
vida social, devo lve para a sociedade delinqüentes mais perigosos, com
elevado índice ele possibilidade para a reincidência. Apesar das contrad ições quanto à inserção da educação escolar nas pri -
Diante dos dilemas e elas contradições do ideal educativo e do real sões, a intenção deste estudo é discutir até que ponto a educação escolar
punitivo, de tantos fato res que obstaculizam a formação para a vida so- é um fator contribut ivo para a reabilitação do homem aprisionado.
cial em liberdade, longe das grades, cabe perguntar: o que pode fazer a Para entender a sociedade dos cativos, como esclarece Sykcs (1999),
educação escolar por trás das grades? . é preciso estar sintonizado com a contradição e permanecer neutro,
Segundo Gadotti ( 1993), a caracterÍst ica fu ndamental da peclag~gia pois as realidades da detenção são multifacetadas; há de se ter presente
do educador em presídios é a contradição, é saber lidar com conflitos, que o significado de qualquer situação é sempre um complexo de pon-
com riscos. Cabe a ele questionar de que maneira a educação escolar tos de vista, muitas vezes conflitantes, e que é na divergência que se
pode contribuir para modificar a prisão e o preso, ~a.ra to.rna~ a vida começam a ver os aspectos significativos da estrutura social da prisão.
melhor e para contribuir com o processo de despns1onalizaçao e de Buscando uma postura de neutralidade e com a atenção voltada às
formação do homem preso. contradições do espaço pesquisado, foram delimitados como sujeitos da
Ottoboni (1984, p. 93) oferece uma pista aos interessados cm edu- pesquisa os al unos da escola de uma penitenciária masculina, no interior
cação dentro do sistema prisional: do Estado de São Paulo.
A preocupação central foi compreender como esses agentes vêem a
escola, buscando uma representação singular da realidade, sem desvin-

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A educação escolar entre as grades Escola da prisão: espaço de construção do identidade do homem aprisionado?

culá-la do contexto cm que está inserida, até porque ele determina as estar em no hospital, terem sido excluídos (ido para outros presídios),
ações que se desenvolvem no interior da escola. estarem em trânsito (encaminhados a outras comarcas para responderem
Tendo cm vista o contexto em que se realizou a pesquisa, torna-se processos) ou incomunicáveis no pavilhão E (local para onde são encami-
relevante ressaltar que minha chegada, como pesquisadora, no espaço nhados quando cometem faltas graves).
prisional, constituiu-se em um verdadeiro "ritual de passagem'', estando Isto demonstra a dificuldade encontrada na coleta de dados, mesmo
sujeita a olhares de interrogação e de intimidação. Fui acompanhada porque o sujeito selecionado para entrevista pode, de um dia para o
o tempo todo po r pessoas que ali trabalhavam - especialmente por ser outro, não estar mais no presídio. Há uma mobilidade interna muito
uma pesquisadora em um espaço masculino. grande, o que dificulta o contato com os mesmos sujeitos selecionados
Estava presente uma realidade cm que se entrecruzam o "visto" e o durante um período de tempo muito longo.
"lido", o visível e o enunciável. Descortinava-se, portanto, um espaço O perfil dos alunos foi traçado com dados retirados dos Boletins de
de pesquisa em que seria preciso vivenciar momentos de contradição Inclusão cios 50 sujeitos selecionados. Desses, 18 foram entrevistados,
entre o dito e o feito, de regras rígidas e ver ticalizadas, mas que per - com um roteiro de q uestões que permitiu a coleta das informações
m itiriam desenvolver a habilidade de escuta e de observação apurada às buscadas, tendo em vista os objetivos propostos.
entrelinhas. As entrevistas ocorreram em diversos momentos, e o roteiro era
Em razão das peculiaridades da temática escolhida, foi utilizado o organizado com base nas informações anteriormente obtidas, enrique-
estudo de caso como metodologia de trabalho, entendido como uma cendo-se e aprofundando-se à medida que a leitura da literatura apon-
"investigação sistemática de uma instância específica" (N1sBETr & WA'lT, tava novas indagações e reflexões. Ao mesmo tempo, foram realizadas
1978, p. 5). anotações em diários ele campo, cm que houve a preocupação de enfa-
Nesse sentido, o estudo enfatiza a importância de contextualizar as tizar observações do cotidiano prisional e de fatos que ocorreram em
informações e situações retratadas, apoiando-se no pressuposto de que momentos anteriores e posteriores às conversas com os alunos, o que
a realidade é complexa e os fenômenos são historicamente determina- permitiu organizar um material de consulta para análise dos dados.
dos, buscando-se considerar as possíveis variáveis associadas ao fenôme- A entrevista semi-estruturada foi escolhida porque oferece as perspec-
no estudado, sempre com a atenção voltada às dimensões que fossem tivas para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade neces-
emergindo ao longo do estudo. sár ias, respeitando-se os horários estipulados, cumprindo os acordos com
Em relação aos alu nos, foi usado, para selecionar os sujeitos de pes- suas conveniências e garanti ido o sigilo das informações obtidas.
quisa, o processo de amostragem, sendo selecionados inicialmente 50 O foco de análise apresentado neste estudo emergiu dos dados co-
(cinqüenta) sujeitos, com inclusão em 1998 , idade entre 20 e 30 anos letados nos Boletins de Inclusão, observações do cotidiano, conversas
e com famílias consideradas desestruturadas. Optei pelo ano de 1998 informais e entrevistas com os alunos da escola da penitenciária.
pelo fato de os sujeitos serem recém-incluídos, mas que já haviam tido
a oportunidade de se matr icular e estavam freqüentando a escola; e
pcl~ idade de 20 a 30 anos, de famílias tidas como desestruturadas, por Significado da escola da prisão para os alunos
serem dados predominantes na população dessa penitenciária.
Dos 50 sujeitos selecionados, apenas 18 puderam ser entrevistados, A sociedade dos prisioneiros não é só fisicamente comprimida, mas
embora as conversas tenham sido agendadas com antecedência. Os de- também psicologicamente, visto que eles vivem em uma intimidade
mais sujeitos não participaram das entrevistas por diversos motivos: por forçada, na qual o compor tamento de cada homem está sujeito tan-

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Escalo do prisão: espaço de construção do identidade do homem aprisionado?
A educação escolar entre os grades

to à ~nspeção constante dos colegas cativos quanto à vigilância dos ad- torna possível, por sua vez, a resistência e a permanência da sociabili-
ministradores. Como esclarece Sykes ( 1999), ao chegar à prisão, seus dade: "Para não ser quebrado, para não ser rejeitado, se participa, se é
direitos civis são tirados e e le veste um uniforme. Desse modo, entra submisso, mas ao mesmo tem po, essa participação é per versa, sempre
aleatória e perigosa" ( T EIXEIRA, 1990, p. 148).
pobre na instit uição, em termos materiais, e recebe alguns objetos que
o colocarão acima da linha da mera necessidade. Ele é, portanto, um A autora p rocura mostrar o que chama de "identidade de camaleão"
objeto semi-humano, um organismo com um número. do homem, que "não pode ser vista como sinal de fraqueza ou de frou-
A prisão subjuga o detento ao comando de uma estrutura autoritária xidão, mas de sua força, pois é por meio da camuflagem, da máscara,
e de uma rígida rotina. O controle sobre os indivíduos é exercido de que ele consegue resistir e sobreviver" (ld. Ibid. ). Assim, os indivídu-
maneira ininte rrupta, regulando todos os momentos de sua vida, o que os punidos preservam-se como sujeitos e buscam, na resistência, mos-
os leva a assimilar, cm maior ou menor grau, a cultura carcerária. trar-se plenamente subjugados aos valores da instituição. Conseguem,
As atividades diárias são programadas rigorosamente, segundo re- a despeito das longas condenações e dos rigorosos meios de controle
gras superiores, e orientadas para realizar o fim oficial da instituição. O utilizados pela instituição penitenciária, manter a identidade, os valores
aprisionado sofre, portanto, uma deterioração de sua identidade, em de origem, a perspectiva de vida e de liberdade. Sua sobrevivência de-
que Lhe é forjada uma nova. Isso implica a desadaptação da vida livre e pende de sua capacidade de dissimular, mentir e conter-se. Por isso são
a adaptação aos padrões e procedimentos impostos pela instituição. No comuns, cm suas falas, avaliações positivas do trabal ho, das atividades
de que participam e da própria escola.
cotidiano, com os companheiros, guardas e funcionários, constrói uma
experiência dentro dos padrões de vida do encarceramento. A própria Nesse sentido, a frec1üência às atividades escolares justifica desde 0
inexpressividade facial , aliada à gíria, permite ao aprisionado manipular desejo de aprender, de buscar passatempo, até a busca de um parecer
aspectos da situação e se comunicar com os outros, sem que os guardas positivo nos exames criminológicos que possibilite a sua saída da prisão.
se dêem conta do que está acontecendo. Ninguém lhe ensina o código Mesmo não tendo consciência da função histórica da escola e de seu
não-escrito, sendo a cautela imprescindível ao convívio. Em suas ações papel na construção da cidadania, seu objetivo, ao freqüentá-la, é "acatar
cotidianas, ele sabe a quem deve obedecer - vê , ouve e tem conheci- as re~ras da casa", visando a buscar todas as alternativas possíveis para
mento - , mas é sábio, em muitos momentos, não falar. abrev iar sua estada na unidade prisional ou a conseguir benefícios e ser
Para "proteger-se", o indivíduo assume posturas e discursos que dele encaminhado para os presídios semi-abertos.
se esperam, driblando valores e normas, usando máscaras, resistindo si- Diante desse contexto, cabe indagar: o que faz a escola dentro do
lenciosamente, buscando o confronto para sobreviver. Seus depoimentos sistema prisional? Que papéis podem desempenhar os educadores den-
tro desse espaço?
expressam conformismo e resistência, mas "é a maneira que encontram
para sobreviver às imposições do sistema" (TEIXEIRA, 1988 , p. 183) . As respostas dos presos, em relação à busca pela escola e ao valor
Vale lembrar que a máscara e a duplicidade são meios de proteção que dão a ela, diferem entre si. Em algumas respostas, o significado
contra todas as formas absolutizáveis, permitindo que a vida cotidiana da escola se restringe à ocupação do tempo e da mente com "coisas
seja aceita, sem que haja, para isso, grande dispêndio de energia no com- boas"; em outras, a escola é vista como possibilidade de melhoria de
bate aos pode res constituídos. A máscara oferece um refúgio bastante vida quando em liberdade; e há, ainda, aqueles c1ue não acreditam no
seguro: permite o existir e propicia, fazendo como todo o mundo faz, o valor da instituição escolar. Existe entre os aprisionados um sentimento
esconder-se. A duplicidade vai se valer da astúcia e do silêncio enquanto de tempo perdido, destruído ou tirado de suas vielas, e que pode se
meios para criar um espaço e um tempo fantásticos no cotidiano, o que configurar como o motivo que os leva à escola. A volta à sala de aula

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A educação escolar entre os grades Escola do prisão: espaço de construção da identidade do homem aprisionado?

ofer ece a muitos deles a possibilidade de poder sair da cela, distrair a O isolamento também provoca nos detentos um sentimento de dc-
mente e ocupar seu tempo com coisas úteis. satualização. Isso os leva, às vezes, a acreditar que a escola os mante-
Quando se referem à escola como espaço onde ocupam a m ente rá atualizados e informados em relação às mudanças que ocorrem no
com coisas boas e preenchem o tempo ocioso, pode-se atentar para a mundo externo. Além d isso, produz no indivíduo a sensação de perdas
fal ta de atividades para os presos. Ora, é preciso ter presente que os essoais, corno explicita Goffman ( 1974) quando observa que o encar -
cr iminosos são colocados na prisão não para punição, mas como puni- ~crado passa por um processo de descaracter ização de sua identidade
ção. Não precisam, no dizer de Sykes ( 1999), ser agredidos física ou adquirida anteriormente nas relações com a família, am igos e institui-
m entalmente , além da dor envolvida no próprio confinamento. Eles ções religiosas, educacionais, profissionais. Assim, buscar a escola para
não estão ali para serem punidos, pois o muro já é a segregação e o cas- ampliar conhecimentos é uma maneira de r esistir ao processo de perdas
tigo. A escola, portanto, além ele ser uma ocupação, propor~iona-ll~es a que a prisão submete o indivíduo.
a possibilidade ele se r elacionarem com o mundo externo .. ~1 1, eles te1~ A resposta mais freqüente dos entrevistados, cm relação ao significado
contato com práticas e opiniões externas às do mundo prisional, que e da escola, está relacionad a à oportunidade de aprendizado da leitura e
carregado de símbo los relacionados ao mundo cio crime. escrita para os não-alfabetizad os, que são os mais freqüentes, os que
Nesse sentido, estão colocando a escola como alternativa de ocu- mais va lorizam a escola e os que apresentam a menor porcentagem d e
pação da mente com "coisas boas". Trata-se de uma forma de resistir às evasão.
pressões que 0 sistem a penitenciário exerce sobre os indivíduos e que Ler e escrever na prisão é fundamental, pois não ter essas qualida-
acabam reforçando a prática do crime, em vez de ajudá-los a reintegra- des implica dependência do companheiro. É com esses conhecimentos
r em -se socialm ente. que os detentos podem escrever e ler cartas, bilhetes e acompanhar o
O isolamento é a forma mais marcante de privação da liberdade na desenro lar d e seus processos criminais, e isso significa ter mais liberda-
p r isão, representando uma rejeição moral d eliberada pela comunida- de, autono mia e privacidad e, até porque quem não sabe pede, e quem
de. Embora seja advogado por parte da equipe dirigente como "medida pede, deve. Na prisão até favor é dívida, e dívida é r isco de vida, como
terapêutica", para o preso significa punição que agrava sua angústia e o esclarece Leite (1997, p. 77).
sofrimento que vem arrastando por passagens anteriores nos estabele- O utro dado relevante apontado pelos alunos é a possibilidade de
cim entos penais (ADORNO & B o RDJ Nl, 199 1). acompanhamento d os própr ios processo s criminais. No dizer deles, é
Por outro lado, a vigilância pertinaz e o controle de todos os seus preciso ficar atento, porque a justiça não se preocupa com eles, e o
atos registrados pelos funcionár ios impõem a ele um estado constante cumprimento da pena sempre vai além do determinado no m omento
de alerta. Convivendo em tais circunstâncias, o aprisionado aponta a da condenação. Nesse sentido, de posse da leitura e da escr ita, buscam
escola como um espaço onde se sente mais livre, onde conversa com lutar para ter seus direitos respeitados. A escola na prisão é apontada
os colegas de todos os pavilhões e com os professores, em quem confia. pelo aluno como um espaço fundam ental para que possa fazer valer seu
As dores ela detenção não se li mitam à perda da liberdade física; são direito à cidadania, e a aprendizagem da leitura e da escrita permanece
acrescidas das frustrações e privações que estão presentes na r etir ada da essencial para que seja adquirido o mínimo ele autonomia.
liberdade. Tal r etirada provoca, no apr isionado, ansiedade e insegurança , Em relação ao significado da escola para o aluno, é preciso, também,
pois ele sabe que, mais cedo ou mais tarde, será testado por seus com- que sejam destacadas, de acordo com os depoimentos, as expectativas
panheiros. Nesse sentido, aponta a sala de aula como local onde pode que demonstram em relação ao acesso aos conhecimentos e melho-
se sentir seguro. rias das condições de vida, quando em liberdade. Do ponto de vista da

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aprendizagem, os objetivos da escola são mais concretos e reais, pois Brant (1997) assinala que os presos se integram muito cedo ao mer-
uns querem aprender a ler, escrever e calcular, outros buscam aperfei- cado de trabal ho e que a prisão, em muitos casos, interrompeu a escola-
çoar, aprofunclar e ampliar seus conhecimentos. Essa visão não é muito
n.zaç-ao dos que ainda estudavam. Nesse sentido, o período de passagem
di ferente da análise feita por Mello ( 1987, p. 78) , quando afirma que elos bancos escolares na prisão não é destituído de utilidade.
" [ ... J é ensinando a ler, escrever, calcular, falar, e transmitindo conhecimen- p Há de se pensar, por tanto, em uma educaçao - que SCJa. capaz de in-
.
tos básicos do mundo físico e social, que a educação escolar poderá ser corporar, em seu processo pedagógico, o desenvolvimento de ações de
útil às camadas populares". conhecimento que levem o indivíduo a: primeiro, conhecer o mundo; e,
Para a autora, ainda, os alunos-presos, assim como as camadas po- segundo, conhecer-se como sujeito capaz de agir nesse mundo e trans-
pulares, vêem a educação como"[ ... ) forma de melhorar de vida, pela formá-lo.
possibilidade que nela distinguem de obterem melhor emprego e de Mesmo havendo elementos comuns à educação pensada para os gue
par ticiparem da cultura letrada" (M ELLO, op. cit., p. 77). estão cm liberdade, na prisão existem aqueles que lhe são próprios.
Essa expectativa é ainda maior nos homens encarcerados, pois, além Nela, o papel da educação é mais amplo, pois permite a liberdade e a
de pobres, são presos. A educação não pode ser considerada "toda- esperança de transformação da realidade primitiva do mundo prisio-
podcrosa", mas é preciso ter o cuidado de não cultivar o pessimismo, nal. E, nessa medida, a educação no presídio estará sempre preocupada
achando que a educação nada pode. Como afirma Santos (2002, p. 105), com a promoção humana, procurando "( ... ] tornar o homem cada vez
"faz parle cio imaginário cios detentos a expectati va de ter acesso aos mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para inter vir nela,
conhecimentos acumulados, via escola, e isso não sofre variação se essa transformando-a no sentido de uma ampliação da liberdade, da comuni-
instituição está dentro ou fora de uma prisão". cação e da colaboração entre os homens" (SAVIANI, 1980, p. 41 ).
É possível concluir, então, que a escola no presídio guarda Assim, para os que estão presos, a liberdade é a grande expectativa
especificidades que a diferenciam de outros espaços e que a sociedade de vida, objetivo, sonho e motivação maior para sua existência. Tudo
dos cativos mantém expectativas em relação à instituição escolar quanto gira em torno dela: estudo, trabalho, oração, aceitação das grades. Se-
à aquisição de conhecimentos e ao preparo para o convívio social. gundo Gadotti (1993 , p. 134), "a liberdade é a única força que move o
Em seus depoimentos, os detentos apontaram a importância da preso". E essa é uma realidade que não pode ser ignorada pelos educa-
instituição escolar, local onde podem aproveitar o tempo para adqui - dores de presídi os, mesmo considerando que a educação não pode ser
rir conhecimentos e onde se reúnem e podem fazer novas amizades, tudo e que não devemos esperar da escola aquilo que ela não pode e
convivendo com outras pessoas, o que favorece o companheirismo. É talvez não deva dar.
importante esclarecer que a escola é um cios poucos lugares onde se Para o autor, ainda, a transmissão de conhecimentos e, conseqüente-
encontram os aprisionados de todos os pavilhões. Assi m, mesmo levan- mente, a aprendizagem acontecem simultaneamente com a compreen-
do cm consideração que o espaço carcerário é limitado e prejudicial são e valorização das pessoas envolvidas no processo educativo, seja fora
ao processo educativo, há uma contribuição no fato de ir à escola em ou dentro da prisão, pois deve haver um entrelaçamento entre educação
companhia de outras pessoas. e vida.
Os depoimentos revelam, também, que a freqüência na escola é uma Pensar a educação escolar no presídio significa, nesse sentido, refletir
possibilidade de ascenderem socialmente. Há referências à educação es- sobre sua contribuição para a vida dos encarcerados e da sociedade cm
colar como possibilidade de galgar posições sociais diferentes das que geral, por meio da aprendizagem participativa e da convivência funda-
ocupavam anteriormente à prisão. mentada na valorização e no desenvolvimento do outro e de si mesmo.

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A educação escolar entre os grades Escola do prisão: espaço de construção do identidade do homem aprisionado?

Significa, ainda, pensar uma educação escolar capaz de fazer do preso finalizando o texto ... Em busca de caminhos .. .
um homem"[ . .. ] informado e participante do mundo em que vive, ad-
quirindo consciência crítica que favorece a capacidade de questionar e O que se conhece da questão penitenciária no Brasil é um cenário de
problematizar o mundo, condição necessária para a prática social trans- irnpasses e dilemas crônicos. Há uma realidade da qual não se pode fugir,
formadora" (M ELLO, 1987, p. 90). rnas é preciso buscar caminhos para o repensar da melhoria das institui-
No entanto, o ambiente prisional é contrad itório, a começar por sua ções penais.
• arquitetura, que separa, esconde, afasta o condenado da sociedade, pu- Para tanto, é preciso desmascarar alguns mitos sobre os riscos de se
nindo-o e vigiando-o, enquanto fala de educação e reinserção social. O Jidar com a população sentenciada, pois atrás desses mitos está 0 ceti-
cotidiano das prisões mostra um ambiente carcerário, com seus valores, cismo e a p~st~ra elitista de administradores dessas organizações, que,
regras e práticas, como obstáculo à educação para a vida social livre, ao por se const1tu1rem cm donos do saber "especializado'', desqualificam
objetivo ressocializador da pena. Os meios contradizem os fi ns, levando qualquer proposta de mudança.
a desconfiar, a duvidar de que se mandem pessoas à prisão para serem Quaisquer que sejam os papéis possíveis apontados para a esco-
educadas. De todas as tarefas que a prisão deve executar, nenhuma é la- preencher o tempo, distrair a mente, sair das celas, conquistar be-
mais ambígua que a de transformar criminosos em não-criminosos, pois nefícios jurÍdicos, aprender a ler, escrever e fazer contas, ser aprovado
os meios para atingi-la permanecem incertos. E jamais serão educadas, nas provas- , ela é percebida pelos alunos como algo positivo dentro da
enquanto a instituição funcionar apenas como instrumento punitivo da penitenciária. É um lugar onde vi vem experi ências numa situação de
justiça criminal (PLAYFAJR & S1NGTON, 1969, p. 48). interação, em que existe a possibilidade de respeito mútuo, de troca e
Caso se considere o espaço físico das prisões, cujas muralhas são a cooperação, o que contribui para que a pena possa ser vivida de maneira
materialização da separação entre a comunidade livre e os presos, ser- mais humana.
vindo como barreira para impedir as fugas, mas também como símbolo A troca de experiências com o professor e com os outros alunos
da rejeição das sociedades, de acordo com o estudo de Sykes (1 999), leva-os a um convívio que não é movido pelo ódio, pela vingança ou
fica difícil pe nsar em implantar, cm seu interior, uma proposta de edu- rejeição. A escola é um espaço onde as tensões se mostram aliviadas, 0
cação que busque possibilitar ao educando preso acesso à educação e que justifica sua existência e seu papel na ressocialização do aprisionado.
cultura de forma crítica e criati va, desenvolvendo suas potencialidades Inserida numa ordem que "funciona pelo avesso", oferece ao homem
e preparando-o para o exercício pleno da cidadania. preso a possibilidade de resgatar ou aprender uma outra for ma de se re-
Fica explícito, portanto, o paradoxo que se observa: de que modo lacionar, diferente das relações habituais do cárcere, contribuindo para
o processo educativo pode ganhar caráter participativo, respeitando as a desconstrução da identidade de criminoso.
fo rmas de sentir e pensar do aprisionado, buscando atingir suas expec- Na escola, o aluno adquire um capital que não é roubado, exercitando
tativas de vida para quando em liberdade? outro modo de ser ao se relacionar afetivamente com 0 professor. Na
O espaço escolar, ainda que localizado em um ambiente repressor medida .em que a escola o acolhe, ele passa a pertencer a um lugar. Esse
e de isolamento, deve pautar-se na produção de conhecimento, de es- pc~·t:nc1mento ll~e oferece a possibilidade de aprender outra postura e,
tudo, de estabelecimento de vínculos, de participação, como defende quiça, um conteudo ou uma habilidade que se constitua em forma de
Rusche (1995), ou é mais um dos elementos que Foucault (1987) cha- emancipação.
ma de "técnica penitenciária"?

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A educação escalar entre as grades Escola da prisão: espaço de construção da identidade do homem aprisionado?

Nenhuma proposta que envo lva compartilhar, interagir, inter subje- A escola, visto ser apontada como local ele comunicação, de inte-
tivar ·é simples, poré m pode r esgatar, c m uma instituição que "funciona rações pessoais, onde o aprisionado pode se mostrar sem máscaras,
pelo avesso", a função primeira da escola: mediar saberes, culturas e a afigura-se, portanto, como op ortunidade de socialização, na medida em
r ealidade. ue oferece ao aluno outras possibilidades referenciais de construção
Sendo a escola ponto de encontro cios dife rentes pavilhões, representa ~e sua identidade e de r esgate da cidadania perdida.
um campo de interação de diferentes concepções de mundo. É nesse
espaço que o professor coloca suas intenções de modificar atitudes, ca-
pacidades e id éias - é, portanto, um local de possível manifestação do Referências bibliográficas
comportamento transformador. O conhecimento é trazido pelo afetivo,
0 aluno aprende bem o que lhe causa interesse, numa atmosfera de aula ADORNO, S. A experiência precoce da punição. ln: MARTINS, J. S. (Coord.).
que lhe parece segura, com um professor que sabe criar afinidades. O massacre cios inocentes: a criança sem infância no Brasil. São Paulo: Hu-
• Embora esteja cm um espaço repressivo, o professor mantém na sala citec, 199 1. pp. 18 1-209 .
ele aula a va lorização da dimensão social e afetiva no relacioname nto ADORNO, S.; BORDtN1, E. B. T. A socialização na delinqüência: reinci-
com os alunos, uma vez que a riqueza d a relação pedagógica fundame n- dentes penitenciários em São Paulo. Cadernos CERU, São Paulo, n. 3,
ta-se, independente me nte cio espaço e m que a escola esteja inserida, Série 2, pp. 1 13- 147, 199 1.
nas "formas dialógicas de interação". BRANT, V. e. o trabalho encarcerado. Rio de Janeiro: Forense, 1997 .
Há de se conside rar, pois, que, sendo o processo ele educação contí- Fo uCAULT, M. Vi9iar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis:
nuo, é preciso repe nsar o significado dado à "reeducação" d o aprisiona- Vozes, 1987.
do.Trata-se de um processo de educação que se modifica em sua nature- FREIRE, P. Política e educação. São Paulo: Cortcz, 1995 .
za, em sua forma, mas que continua sendo, sempre, processo educativo. - - - -· Educação como prática ela liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
Da m esma maneira, como pensar a "ressocialização" e m uma população 1983.
na qual o processo de socialização foi incompleto? Como afirma Ador- GADOTII, M. Palestra de encerramento. ln: MAIDA, M. J. D. (Org.). Presídios
no (1991 ), parte das crianças brasileiras praticamente foi criada na rua, e educação. São Paulo: FuNAP, 1993. pp. 121- 148.
afastad a da família e da escola, ingressando no m ercado de trabalho cm GoFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974.
condições desfavoráveis. Passando por um processo de formação d e LEITE, J. R. Educação por trás das arades: uma conb·ibuição ao trabalho
identidade sem o mínimo de apoio, essas crianças acabam, muitas vezes, educativo, ao preso e à sociedade. 1997. Disser tação (Mestrado em
caindo na delinqüência. São pessoas capazes de ter compromisso, coo- Educação) - Universidade Estadual Paulista, Marília.
peração , ener gia produtiva, não no sentido da ordem, mas no da crimi- MELLO, G. N. Educação escolar- paixão, pensamento e prática. São Paulo: Cor tez,
nalidade, e isso porque fora m marginalizadas de sua cidadania, afastadas 1987.
progressivamente dela e de seu direito de p ertencer a uma sociedade. NISBETT, J. ;W Arr, J. Case study red 9uide 26: guides of Nottighan School of
Inseriram-se no contexto da criminalidade por falta de acesso a outros Education, 1978.
contextos. Banidas dessa sociedade e incluídas na "sociedade dos cati- ÜTIOBONI, M. A comunidade e a execução da pena. Aparecida: Santuário, 1984.
vos" caracterizada como "universidade do crime", onde o preso "entra PLAYFAIR, G.; S1NGTON, D. Prisão não cura, corrompe. São Paulo: !BASA, 1969.
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• minhoca e sai cascavel", como retornarão à sociedade? RuscHE, J. R. (Org.). Educação de adultos presos: uma proposta metodológica.
São Paulo: FuNAP, 1995.

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A educação escolar entre os grades

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