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Uni FMU – CENTRO UNIVERSITÁRIO

CENTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

ATRAVÉS DO ESPELHO:
AUTO-REALIZAÇÃO NA CURA DA DEPRESSÃO

IVAN ZACHARAUSKAS

SÃO PAULO
2006
ii

IVAN ZACHARAUSKAS

ATRAVÉS DO ESPELHO:
AUTO-REALIZAÇÃO NA CURA DA DEPRESSÃO

Monografia apresentada ao Centro de Pós-Graduação


e Pesquisa da Uni FMU – Centro Universitário, como
requisito parcial para obtenção do Título de
Especialista em Yoga.
iii

Dedicatória

Dedico este trabalho a meus Pais, Antonio (in memoriam)


e Dirce, que tanto se esforçaram para que eu e meus
irmãos tivéssemos uma Família e um Lar, onde pudemos,
ao longo de todos estes anos, entre momentos de carinho e
discussões calorosas, dignos de Família de linhagens
italiana e lituana, aprender um pouco sobre a
maravilhosa Arte de Amar.
“Estou escutando ou ouvindo melhor”, foram as últimas
palavras escritas de meu Pai. Além de um poema, de
Housman: “Tranqüilamente entre o mar e a terra,
repousa a areia amarela, e aqui em dias de verão,
brincam as sementes de Adão”. Que possamos todos
caminhar com tranqüilidade por nosso Caminho!
iv

Agradecimentos

Em nosso caminho, nos deparamos com pessoas fantásticas a quem sempre nos
sentimos agradecidos pelo tempo e riquezas que pudemos compartilhar. Gostaria de
agradecer a todos que contribuíram com suas experiências e com seu carinho para que
meu caminho fosse repleto de experiências e me permitisse chegar onde estou hoje.
Boas ou ruins, doces ou amargas, todas fizeram e fazem parte do que sou hoje e por
tudo isso e muito mais, meu mais profundo agradecimento!

Para este trabalho, gostaria de deixar meu especial agradecimento a toda equipe de
Professores do curso de Yoga do Centro de Pós-Graduação e Pesquisa da Uni FMU, que
juntos formam um vasto compêndio de conhecimento sobre Yoga e muito enriqueceram
nossos dias de aula. Igualmente, meu agradecimento a todos os alunos e colegas que
juntos trilharam estes quase três anos de conhecimento, experimentação, pesquisa,
união, enfim, de Yoga.

Gostaria, com especial carinho, de agradecer às equipes e aos alunos dos espaços de
Yoga com os quais convivo, vivo em conjunto: Prema, Atman Yoga Ashram e Legalas.
Que muita energia esteja nestes centros de Yoga!

Com muito amor, agradeço de todo coração à minha esposa, Vanessa, pela ajuda no
trabalho e suporte nos momentos difíceis, pelo carinho e compreensão tão necessários
em nosso caminho juntos. Juntos freqüentamos o curso de especialização em Yoga e
juntos seguimos nosso aprendizado nesta escola da vida. Obrigado, gata!

Obrigado a todos!

Namastê.
C
Ivan Zacharauskas.
v

“Você poderia me dizer, por favor, qual caminho deveria


seguir a partir daqui?” “Isso depende bastante de onde
você quer chegar”, disse o Gato. “Eu não me importo
muito onde”, disse Alice. “Então, não importa qual
caminho você seguir”, disse o Gato. “Contanto que eu
chegue a algum lugar”, Alice acrescentou como uma
explicação. “Oh, seguramente você o fará”, disse o Gato,
“é só você caminhar o tempo suficiente”.
(Lewis Carroll02, “Alice no País das Maravilhas”, 1995,
p.47).
vi

RESUMO

Na Ayurveda, é conhecida como o mais grave desequilíbrio do humor Vāyu,


elemento ar; no Yoga, como fruto da ignorância e do apego; a Psicanálise a vê como um
desequilíbrio psicopatológico; e a Bioenergética, como a perda de contato com o corpo
e a falta de fé em si mesmo. São formas talvez diferentes, e ao mesmo tempo muito
semelhantes, de olhar para o mesmo mal que aflige o homem: a Depressão.

Ayurveda e Yoga buscam a purificação do corpo, seja ele físico ou sutil, como
meio de possibilitar um caminho espiritual, ou Dharma, que tenha como objetivo final a
auto-realização, a união com Brahman, o divino que existe em tudo e em todos nós.
Sugerem diversas técnicas e práticas que podem ser utilizadas em conjunto, tendo
ambas ciências se desenvolvido lado a lado ao longo de milhares de anos. Para as duas,
a cura dos sintomas da depressão se dá no corpo físico e no sutil, mas a cura efetiva
acontece no caminho espiritual, quando nos reintegramos a nós mesmos e ao meio em
que vivemos.

A Bioenergética apresenta uma interessante abordagem na análise de como


corpo afeta a mente e vice-versa. A depressão, sendo vista como uma desintegração da
união corpo-mente, pode ser tratada utilizando-se exercícios psicofísicos e técnicas
respiratórias aliadas à terapia convencional.

Apesar das terapias apresentarem abordagens diferentes, o ponto em comum é a


busca pela integração do indivíduo com o todo, de forma objetiva e sem distorções. O
autoconhecimento, a ética, a vida em conjunto, a fé em si mesmo e nos outros, a prática
do amor como arte, parecem mesmo representar a cura efetiva para a depressão e as
bases para uma vida equilibrada, saudável e, seguramente, feliz!
vii

SUMÁRIO

Pg.
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 1
OBJETIVOS ................................................................................................................... 3
AYURVEDA – CIÊNCIA DA VIDA ............................................................................ 4
YOGA – CIÊNCIA DA AUTO-REALIZAÇÃO ....................................................... 16
BIOENERGÉTICA – UMA VISÃO INTEGRATIVA ............................................. 37
A ÁRVORE DO CONHECIMENTO......................................................................... 39
A ARTE DE AMAR ..................................................................................................... 43
COMENTÁRIOS FINAIS ........................................................................................... 45
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 46
1

INTRODUÇÃO

A depressão, caracterizada pela psicopatologia como um “estado de


desencorajamento, de perda de interesse, que sobrevém, p.ex., após perdas,
decepções, fracassos, estresse físico e/ou psíquico, no momento em que o
indivíduo toma consciência do sofrimento ou da solidão em que se encontra”
(HOUAISS07, 2001, p.943), pode ser vista como um dos desequilíbrios mais
graves que o ser humano pode enfrentar. Estilos de vida que privilegiem o
desequilíbrio e a desintegração podem levar pessoas pouco a pouco a estados
depressivos.

Dor e sofrimento existem e fazem parte de nossas vidas, nossas


experiências, da mesma forma que prazer e felicidade. O modo como reagimos
aos mesmos e como nos transformamos durante o processo é que pode nos
levar de uma situação de equilíbrio para outra de desequilíbrio ou
desintegração.

Para melhor entendermos situações de equilíbrio e desequilíbrio, e como


podemos chegar a um estado depressivo, propomos analisar as possíveis
integrações existentes entre corpo e mente, e como reagimos nas interações
com o meio em que vivemos.

Para esta análise, nos baseamos nos princípios da Ayurveda e do Yoga,


no modo como ambas visualizam o Universo e o Homem, e quais os caminhos
apresentados para a auto-realização, ou a integração com o meio em que
vivemos. Vemos quais técnicas propostas por ambas ciências podem ser
utilizadas na purificação do corpo e da mente para uma melhor compreensão e
integração com a realidade e para o caminho espiritual como cura da
depressão.

Complementando os estudos de Ayurveda e Yoga, vemos como a


Bioenergética, uma escola relativamente moderna de psicologia, analisa a
integração entre corpo e mente e as técnicas apresentadas para o tratamento
da depressão.
2

Nos aprofundando um pouco no tema autoconhecimento, propomos uma


análise das bases biológicas da compreensão ou conhecimento humanos, para
melhor entendermos de que modo autoconhecimento, ética e amor estão
intrinsecamente relacionados. Abordamos, então, o tema do amor, como
objetivo final de nosso caminho e cura efetiva de nossa ignorância e de nosso
apego.
3

OBJETIVOS

Identificar como Ayurveda e Yoga podem atuar conjuntamente no


tratamento da depressão. Investigar as bases da integração corpo-mente e
como esta se relaciona a desequilíbrios internos e externos que levam a
estados depressivos. Analisar os conceitos de ética, amor e fé como bases
para uma integração com o meio em que vivemos e para nosso caminho
espiritual, como cura última da depressão.

Nosso objetivo neste trabalho não é o de detalhar procedimentos de


Ayurveda ou práticas de Yoga, não devendo ser, portanto, encarado como
manual para tratamento ou cura de casos de depressão. Nossa proposta visa
apresentar caminhos e discutir certos pontos de vista, a fim de que o leitor ou
praticante possa se aprofundar nos tópicos que lhe despertarem maior
interesse.

Boa leitura!
4

AYURVEDA – CIÊNCIA DA VIDA

Há diversos textos antigos e sagrados versando sobre Ayurveda e Yoga


e muitas são suas interpretações ao longo do tempo. Não é nossa intenção nos
aprofundar na discussão ideológica ou semântica destes textos ou
interpretações, mas apenas apresentar as duas ciências de modo geral, sem
nos apegarmos a aspectos que não seriam por si objetivo deste trabalho. Desta
forma, vejamos em quais princípios estão baseadas a Ayurveda e o Yoga.

Ayurveda, conhecimento (veda) da vida (ayu), é considerada ciência


irmã do Yoga, desenvolvendo-se em conjunto e influenciando-se mutuamente
ao longo de milhares de anos. Remonta aos Vedas, escrituras sagradas do
hinduísmo, estando relacionada à escola de filosofia védica Samkhya, ou dos
princípios cósmicos, os quais compartilha com o Yoga. Como suplementos dos
Vedas temos os Upavedas, entre eles Ayur Veda e Dhanur Veda, este último
relacionado às artes marciais e do qual a Ayurveda aproveita os
conhecimentos do corpo para práticas físicas e massagens.

Segundo Frawley04 (1999, p.5), Ayurveda e Yoga têm como objetivo


primordial a auto-realização, que pode ser considerada a mais alta forma de
cura, tendo a Ayurveda, a princípio, um foco maior no tratamento de
desequilíbrios do corpo e da mente e o Yoga no desenvolvimento espiritual.

Ayurveda e Yoga acreditam numa unidade primordial, eterna e imutável,


que representa toda a existência. A esta unidade chamam Brahman, donde
todo o demais se origina. Nossa existência, como uma das manifestações de
Brahman, é chamada de Atman, nosso verdadeiro ser, que está além de
espírito, mente ou corpo. Neste contexto, o objetivo final de nosso caminho
espiritual, ou Dharma, é a união de Atman a Brahman, nossa união com o todo,
do qual nunca estamos verdadeiramente separados.

Brahman se manifesta primordialmente através de dois princípios


cósmicos fundamentais, aos quais denominamos Purusha, ou consciência
pura, representando o eterno e imutável, e Prakriti, ou natureza primordial.
Podemos dizer que Purusha e Prakriti representam os poderes de consciência
e inconsciência de Brahman, ou seus aspectos masculinos e femininos,
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representados pelas divindades Shiva e Shakti, ou, ainda, que é através do


princípio manifesto de Prakriti que Purusha pode conhecer, experimentar e
compreender sua própria natureza. Notem que os conceitos aqui apresentados
de consciência e inconsciência são distintos daqueles da psicologia ocidental.

Observemos atentamente o último ponto apresentado. É necessária a


forma manifesta de Prakriti para que Purusha possa compreender sua própria
natureza. Em outras palavras, é necessária a experiência, a convivência com o
manifesto, para que possamos compreender nossa verdadeira natureza, para
reconhecermos Atman como manifestação de Brahman, para nos sentirmos
unidos ao todo, integrados.

Sigamos em nossa apresentação. A primeira forma manifesta de Prakriti


é denominada Mahat, ou Inteligência Cósmica, aquela que contém todas leis e
princípios, os Dharmas, que o universo manifesto deve seguir. Na alma
individual, Mahat torna-se Buddhi, a verdade universal e eterna.

Tanto em Mahat quanto em Buddhi, existem princípios universais e


eternos. Os opostos, como certo e errado, bem e mal, não fazem sentido neste
nível de manifestação. Em Buddhi, conhecemos apenas a natureza real, em
oposição às suas aparências em constante mutação. Quando buscamos a
Verdade, na Ayurveda e no Yoga, buscamos a verdade que existe em Buddhi,
baseada em Mahat, livre de julgamentos dualistas.

Como estágio evolutivo, a manifestação de Prakriti se dá através da


multiplicidade de entidades, proporcionando níveis diferentes de experiência.
São qualidades intrínsecas de Prakriti o equilíbrio, ou Sattva, a energia e
movimento, ou Rajas, e a inércia ou resistência, ou Tamas. A estas qualidades
denominamos Gunas.

A multiplicidade de entidades proporciona o primeiro nível de


individualização, quando temos a manifestação de Ahamkara, ou Ego. Sob o
domínio de Ahamkara e através de Gunas, a Natureza se diversifica em três
grupos de cinco: cinco sentidos, cinco órgãos de ação e cinco elementos,
respectivamente. Estes Gunas estão em equilíbrio enquanto qualidades de
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Prakriti, mas sob influência do Ego podem se desequilibrar, tornando-se Vikriti


ou não natural, desequilibrado.

Ahamkara, sob influência de qualidades de equilíbrio e energia, Sattva e


Rajas, dá origem também a Manas, aspecto externo da mente, o princípio de
formação das emoções, sensações e imaginação, que coordena, como um
sexto sentido, os órgãos dos sentidos e de ação. De acordo com a Ayurveda,
são a cegueira e o apego causados pelo Ego as principais causas de doenças
espirituais, mentais e físicas.

Prakriti, Buddhi, Ahamkara e Manas estão relacionados com o que


denominamos Corpo Causal. Os três Gunas determinam a natureza mental de
um indivíduo e estão relacionados com o que denominamos Corpo Sutil. Assim
como no Yoga, devemos usar a energia de Rajas para vencer a resistência de
Tamas na direção do equilíbrio, Sattva.

Os Cinco Elementos

Os cinco elementos, Pañcha Mahabhutani, são éter, ar, fogo, água e


terra. Constituem todas as formas materiais existentes, incluindo nosso corpo,
e se relacionam com os órgãos dos sentidos e ação. Formam a base das
constituições do Corpo Físico, conhecidas como humores ou Doshas. O dosha
Vāyu tem predominância do elemento ar, Pitta do elemento fogo, Kapha do
elemento água e Tridosha quando os três elementos são predominantes.

Os diagnósticos na Ayurveda levam em consideração as constituições


(doshas) e as qualidades (gunas). Analisando de perto estes dois fatores,
podemos descrever, dentro da complexidade e riqueza de detalhes de que
dispõe a Ayurveda, como é simples o raciocínio básico existente nos
tratamentos.

O dosha Vāyu tem predominância do elemento ar, mas também possui


em sua constituição o elemento éter. A combinação de ar e éter possui
qualidades, também chamadas gunas, frias, leves e secas. Quando há excesso
do dosha Vāyu devemos, amenizar estes elementos e estas qualidades.
7

Portanto, podemos incrementar os elementos fogo, água e terra, e as


qualidades quentes, pesadas e oleosas. Trabalhamos com os opostos. Note,
porém, que isso não significa que alguém com excesso do dosha Vāyu deva se
empanturrar de tortas de frutas e salgadinhos após comer carne com bastante
gordura e frita no óleo. São fundamentais: um diagnóstico correto, uma
prescrição correta, além de equilíbrio e escutar seu próprio corpo!

O dosha Pitta tem predominância do elemento fogo, mas também possui


em sua constituição o elemento água. A combinação de fogo e água possui
qualidades quentes, leves e oleosas. Portanto, podemos incrementar os
elementos éter, ar e terra, e as qualidades frias, pesadas e secas.

O dosha Kapha tem predominância do elemento água, mas também


possui em sua constituição o elemento terra. A combinação de água e terra
possui qualidades frias, pesadas e oleosas. Portanto, podemos incrementar os
elementos éter, ar e fogo, e as qualidades quentes, leves e secas.

Como as constituições são únicas para cada ser humano, os


diagnósticos e tratamentos são igualmente únicos.

É interessante notar que assim como as qualidades intrínsecas de


Prakriti, Sattva, Rajas e Tamas, estão em constante transformação, igualmente
os doshas estão em constante interação e transformação. Assim, quando
buscamos o equilíbrio de um dosha, podemos estar acumulando ou agravando,
quando já há excesso, um outro. Estes fatores são levados em consideração
na prescrição dos tratamentos.

Nossa intenção nos parágrafos anteriores foi a de apenas dar uma idéia
de como trabalhar com alguns dos conceitos da Ayurveda em conjunto, de
forma harmoniosa e integrada.
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Na figura abaixo, temos uma interessante visualização dos princípios


cósmicos descritos anteriormente, porém com um enfoque no reino vegetal,
numa planta.

Figura 1: FRAWLEY & LAD05, 1994, p.9 – “Cosmic Evolution”

Vemos a interação de Purusha e Prakriti, as três qualidades ou gunas,


sattva, rajas e tamas, e os grupos de cinco sentidos, órgãos e elementos
associados. Notemos o comentário em que as flores abertas representam a
inteligência cósmica, mahat ou buddhi, e as flores fechadas representam o ego,
ou ahamkara.
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Nesta outra ilustração, vemos os locais predominantes de cada dosha


no corpo. Apesar de estarem distribuídos por todo corpo, há atuação mais forte
de cada dosha em determinadas localizações ou órgãos.

Figura 2: FRAWLEY & LAD05, 1994, p.13 – “Seats of Vāyu, Pitta, Kapha”

Vemos o prana vital, ou cósmico, sendo recebido pelo topo da cabeça


(um dos chakras, ou centro de energia vital), o prana nutriente, o próprio ar,
entrando pelas vias respiratórias, e os locais predominantes dos doshas, sendo
os pulmões para kapha, o estômago para pitta e o intestino grosso para vāyu.
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Depressão

Depressão, na Ayurveda, é vista como uma das manifestações de


Insanidade. Tirtha14 (2004, p.465) possivelmente cita uma definição de Caraka,
responsável por um dos textos base da Ayurveda, Caraka Samhitā, com
respeito à insanidade (Unmāda, em sânscrito), como sendo “a perversão da
mente, intelecto, consciência, conhecimento, memória, desejo, modos,
comportamento e conduta”.

Seguindo o diagnóstico da Ayurveda com base nas constituições ou


humores corporais (doshas), podemos classificar a insanidade em cinco tipos
distintos: Vāyu (ar), Pitta (fogo), Kapha (água), Tridosha (ar, fogo e água) e
causas externas. Como Vāyu é aquele que dá sustentação à vida, diretamente
relacionado a Prana, ou energia vital, e é o responsável pela movimentação
dos demais humores, Pitta e Kapha, qualquer desequilíbrio em seus fluxos
internos gera desequilíbrio nos fluxos dos demais humores. A insanidade,
sendo o estado mais grave do humor Vāyu, desequilibra fortemente os demais
humores. Adicionalmente, desequilíbrios nos demais humores, Pitta e Kapha,
podem causar alterações no humor Vāyu, fazendo com que os sintomas se
desenvolvam rapidamente.

As terapias dependem do diagnóstico e são divididas em duas


categorias. Terapias que promovam os elementos água e terra são
consideradas de Tonificação (Brimhana). Envolvem, por exemplo, diversos
tipos de oleação. Terapias que promovam os elementos éter, ar e fogo são
consideradas de Redução ou Desintoxicação (Langhana). Consideram, por
exemplo, diversos tipos de drenagem, sudação e uso de adstringentes.

No tratamento da depressão, podemos ter as duas categorias sendo


aplicadas, em momentos distintos, de acordo com o diagnóstico. Antes,
durante e depois das terapias, dietas especiais são prescritas ao paciente.

Contudo, mais importante do que as terapias em si é a proposta da


Ayurveda voltada para estilos de vida saudáveis ou rotinas diárias adequadas,
que promovam o equilíbrio dos humores (doshas) e qualidades (gunas) nos
pacientes, possibilitando a continuidade de seu desenvolvimento espiritual.
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Esta proposta inclui a prática de Yoga e diversas práticas espirituais, entre


outras.

Crow03 (2004, p.234) descreve o processo de purificação na Ayurveda


de forma alquímica, como uma transmutação que o praticante e o paciente
sofrem em seu caminho espiritual, ou seja, o autoconhecimento, a auto-
realização.

O tratamento dos desequilíbrios e a adoção de estilos de vida saudáveis


são primordiais na Ayurveda. Trabalham com os Corpos Físico e Sutil. São, no
entanto, a base para a verdadeira cura que está no caminho espiritual, ou
Dharma, ao trabalharmos nosso Corpo Causal e reconhecermos nosso Atman
como parte integrante de Brahman.

Desequilíbrios

De acordo com Tirtha14 (2004, p.465), as principais causas da


insanidade estão relacionadas a ações moralmente ou eticamente
desequilibradas. Os sintomas daí resultantes podem incluir timidez, uma mente
agitada, sob influência de rajas, ou letárgica, sob influência de tamas, ou um
desequilíbrio nos doshas físicos. Outras causas estão relacionadas a dietas ou
estilos de vida inadequados, quando na presença de outras condições
desfavoráveis de saúde, ou mesmo quando a mente é constantemente afetada
por emoções, como medo, raiva, cobiça, entre outras. Além destas, Tirtha14
(ib.) também menciona ataques físicos violentos, traumas e ferimentos físicos,
em outras palavras, choques traumáticos. A partir das situações mencionadas,
a mente fica profundamente perturbada.

Importante e interessante notar o caminho do desequilíbrio ou doença de


acordo com a Ayurveda. Os desequilíbrios começam no Corpo Causal,
passando a influenciar o Corpo Sutil e chegam, então, ao Corpo Físico. Os
tratamentos, assim como no Yoga, seguem o caminho inverso. Começam a
tratar o Corpo Físico para ir aos poucos atingindo os demais corpos.
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A insanidade é causada por desequilíbrio de Vāyu devido a “jejuns


prolongados ou ingestão excessiva de alimentos secos ou frios” (TIRTHA14,
2004, p.465). Segundo Tirtha, estes hábitos “afetam o coração e a mente com
sentimentos como preocupação, paixão e raiva, os quais resultam em
distorções nos padrões de memória e nas percepções” (ib.).

A insanidade é causada por desequilíbrio de Pitta devido à “indigestão,


ingestão excessiva de alimentos ou líquidos quentes, picantes ou pungentes,
ácidos ou que causem sensação de queimação” (ib.), quando a agravação do
humor Pitta “preenche o coração da pessoa sem autocontrole com sentimentos
aflitivos” (ib.).

A insanidade é causada por desequilíbrio de Kapha devido à


“alimentação em excesso ou uso excessivo de alimentos oleosos” (ib.),
“deixando o coração aflito e a mente e a memória perturbadas” (ib.).

A insanidade é causada por desequilíbrios nos três humores (Vāyu, Pitta


e Kapha), sendo então Tridosha, quando há situações de excesso nos três
humores. Esta situação é considerada séria pela Ayurveda, pois as terapias,
como veremos adiante, agravarão um ou mais humores (doshas). Tirtha,
tomando por base Caraka, aponta que esta situação é incurável (ib., p.466).

A insanidade é originada por Causas Externas quando um padrão ético


e virtuoso não é seguido nesta vida, ou em vidas passadas, ou mesmo quando,
citando alguns exemplos interessantes de textos clássicos, a pessoa molesta
ou desrespeita “cachorros, sábios e demônios” (ib., p.466). Notem a
importância dada à conduta ética que não se relaciona apenas a outras
pessoas, mas igualmente à Natureza. Além disso, o respeito devido aos
mestres e sábios e, por que não, ao mundo das divindades e “demônios”, ao
sagrado.

Quando há menos pureza e equilíbrio (sattva) na vida e na mente da


pessoa, as causas expostas anteriormente enfraquecem os humores (doshas)
e afligem o coração.
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Sintomas

A agravação dos desequilíbrios dos humores (doshas) dá lugar a uma


série de sintomas. De modo geral, ou seja, para quaisquer constituições ou
humores predominantes, estes sintomas geralmente incluem “impaciência,
instabilidade mental, visão descontrolada, sensação de vazio no coração,
perda da paz, memória e intelecto” (TIRTHA14, 2004, p.466).

Terapias

Conforme mencionamos, as terapias podem ser de Tonificação


(Brimhana) ou de Desintoxicação (Langhana). Fazem parte, na Ayurveda, de
um processo integrado de tratamento chamado Pañcha Karma, ou cinco ações.

Os locais predominantes de cada dosha, conforme descritos


anteriormente (vide Figura 2, p.9), são considerados nos tratamentos. Desta
forma, uma terapia de redução do dosha vāyu deve considerar principalmente
a limpeza e tonificação da região do cólon. Já para o dosha pitta especial
atenção deve ser dada à limpeza e tonificação do estômago e do fígado. No
caso do dosha kapha, a limpeza e tonificação do estômago e dos pulmões
devem ser consideradas.

No Pañcha Karma, as cinco ações consistem em: êmese, ou vômito


terapêutico, conhecida por Vamana, que atua na região do estômago,
removendo as toxinas (ama) e muco dos canais de energia (nādīs) e do peito;
purgação, conhecida por Virechana, que elimina excesso do dosha pitta no
fígado, pâncreas e intestino delgado; enema, ou lavagem intestinal, conhecida
por Basti, que atua no intestino grosso, no cólon e no reto, eliminando toxinas e
tonificando o cólon e os órgãos relacionados; terapia nasal, conhecida por
Nasya, que possui diversas aplicações, purgativas ou tonificantes, atuando em
toda a região da cabeça através das narinas, consideradas as portas de
entrada; e sangria, ou retirada de sangue, conhecida por Rakta Moksha, que
utiliza procedimentos específicos durante o tratamento para posterior retirada
das toxinas via sanguínea.
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Dependendo do grau de agravação dos humores (doshas), estas


terapias podem ser ministradas diversas vezes. O resultado das mesmas pode
ser identificado na sensação e efetiva “limpeza do coração, da cabeça, dos
sentidos e do trato gastrointestinal. A mente fica alerta; a memória e a
consciência melhoram” (TIRTHA14, 2004, p.467).

Tirtha14 (ib.) ainda menciona algumas terapias voltadas à psicologia:

“Métodos terapêuticos dependem dos sintomas. Métodos


incluem gritar, presentear, consolar, assustar. Desta
maneira, a causa da doença é confrontada e lidada. Em
casos graves, bater e dar choques são sugeridos. Se a
insanidade é causada por medo, angústia, raiva, paixão,
excitação, inveja ou cobiça, pessoas próximas com
emoções opostas promoverão a cura” (TIRTHA14, 2004,
p.467).

No que diz respeito a uma abordagem psicológica, notemos dois pontos


importantes. Primeiro, a possibilidade de fazer a pessoa confrontar a doença
ou desequilíbrio, inclusive com o uso de choques físicos para despertar a
pessoa de um possível estado de agitação ou letargia. Outra possibilidade, que
abordaremos mais a fundo, a da convivência com “pessoas próximas com
emoções opostas”, ou, como preferiremos nos referir, a da convivência com o
amor, com a integração, com a união.

Sinais de recuperação

“Quando a claridade e senso de normalidade reaparecem, é um sinal de


que os sintomas foram removidos” (ib., p.468). Contudo, como veremos mais
adiante em nossa análise do Yoga, em visão compartilhada com a Ayurveda,
nossa abordagem para o caminho e a proposta de “cura” da depressão vai
mais além, para o lado espiritual.
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Ayurveda Espiritual

“A causa raiz de todas doenças é a falta de fé ou conexão com o Divino.


A perda do amor pelo ser interior, mais elevado, é o primeiro estágio no
desenvolvimento e causa da doença. Deste modo, se alguém se devota a amar
e a pensar em si mesmo da forma mais elevada, mais Divina, a raiz da doença
é mais facilmente erradicada” (TIRTHA14, 2004, p.343).

Quando abordamos o tema terapia em Ayurveda ou Yoga, geralmente


tendemos a pensar e focalizar o corpo físico. É justamente por ser mais fácil
lidarmos com problemas físicos e mais facilmente reconhecidos como ‘reais’
que esta abordagem torna-se mais acreditada num mundo que prima pelo
conhecimento dito ‘científico’. Contudo, como veremos mais adiante em nossa
análise das bases biológicas do conhecimento humano, ‘A Árvore do
Conhecimento’, há uma real necessidade de compreendermos que o objetivo e
o subjetivo são complementares. Deste modo, o Divino, ou aquilo que
reconhecemos subjetivamente como existente e real, nossa integração e
interdependência com tudo o que nos cerca, é de suma importância para a
Ayurveda e para o Yoga.

A devoção, seja ela ao Divino que está dentro de nós, a um Deus,


Krishna, Jesus, Buddha, a nossos Pais e Família, à Natureza, através da
música ou das artes em geral, é aquilo que nos aproxima de nossa verdadeira
identidade como seres humanos. Na Ayurveda e no Yoga, é através da
devoção principalmente que o praticante pode trabalhar suas ações (karma),
passadas e presentes, no sentido de se unir à sua forma preferida e amada de
Deus.

Então, quando recebemos qualquer tratamento na Ayurveda ou


realizamos qualquer prática no Yoga, é nossa devoção aos mesmos e a nós
mesmos que permite os potenciais de cura e de aprendizado para que o mal
não retorne, para que estejamos mais preparados do que estávamos no início
de nosso caminho.
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YOGA – CIÊNCIA DA AUTO-REALIZAÇÃO

As origens do Ayurveda e do Yoga remontam a tempos remotos. Alguns


historiadores sugerem que muitos milhares de anos foram necessários para
reunir os conhecimentos da natureza e do cosmo, então condensados e
repassados de geração a geração via tradição oral, na forma de mantras, e
posteriormente registrados em escrituras e trabalhos de arte os mais diversos,
entre eles esculturas e pinturas.

Algumas destas escrituras, conhecidas como Vedas, chegaram até os


nossos dias e, segundo alguns historiadores, remontam a períodos anteriores
ao nascimento de Krishna, algo entre quatro a cinco mil anos atrás
(FRAWLEY04. 1999, p.309). Abordam de forma mítica e ritualística os
conhecimentos do cosmo e da natureza, as origens e manifestações do
Universo, e o papel do Homem neste contexto.

Os Vedas

Os Vedas são basicamente quatro em número e se relacionam com


diversos aspectos da vida, assim como a diversas práticas de Ayurveda e
Yoga. Frawley04 (ib., p.310) descreve de modo sucinto as correspondências
entre os três principais Vedas – Rig Veda, Yajur Veda e Sama Veda –
acrescentando que o quarto texto, Atharva Veda, se relaciona a tópicos
específicos, incluindo diversas questões e aspectos pessoais da vida. Rig Veda
está relacionado ao conhecimento, ao mantra yoga, a um estado de despertar
e à divindade e/ou ao elemento fogo (agni). Yajur Veda está relacionado à
prática, ao prana yoga, a um estado de sonho e à divindade e/ou ao elemento
vento (vāyu). Sama Veda está relacionado à realização, ao dhyāna yoga, a um
estado de sono profundo e à divindade Sol (Surya).

O Conhecimento, a Prática e a Realização. Componentes necessários


do caminho dos praticantes de Ayurveda e Yoga.

Os Vedas, ainda de acordo com Frawley04 (ib., p.311), são compostos


de duas partes principais. A primeira parte (Samhita) é composta por mantras e
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representa as fundações. A segunda parte é composta por comentários e pode


ser subdividida em três partes: Brahmanas, Aranyakas e Upanishads. Os
Brahmanas descrevem em detalhes diversos rituais relacionados a práticas
externas e internas, individuais e coletivas. Os Aranyakas possuem uma
natureza mais interna, versando sobre temas como meditação e práticas
ascéticas. Os Upanishads são de predominância filosófica e representam um
resumo do conhecimento védico, apresentando rituais e práticas de vários
tipos. É dos Upanishads que derivam as disciplinas do Ayurveda e do Yoga.

Escolas de Filosofia Védica

Seis escolas de filosofia védica surgiram a partir das implicações lógicas,


metafísicas e cosmológicas existentes nos Vedas.

O desenvolvimento de fortes habilidades racionais, subordinadas à


intuição (esta relacionada a buddhi, ou verdade universal), válidas tanto para
praticantes de Ayurveda quanto de Yoga, encontram seus fundamentos em
Nyaya, ou escola da lógica, fundada por Gautama, e em Vaisheshika, ou
escola atômica, fundada por Kannada.

Os princípios cosmológicos e filosóficos, tanto para o Ayurveda quanto


para o Yoga, são encontrados em Samkhya, ou escola do princípio cósmico,
fundada por Kapila.

A quarta escola, Yoga, fundada por Hiranyagarbha (nome dado ao deus


sol enquanto Criador cósmico), está diretamente relacionada à escola
Samkhya, havendo, no entanto, um foco maior da parte da escola Yoga nas
práticas que conduzem ao conhecimento e à purificação dos elementos,
princípios e/ou verdades cósmicas delineadas em Samkhya.

A escola ritualística, Purva Mimansa, fundada por Jaimini, dá ênfase na


prática de rituais para o bem-estar individual e em sociedade, estando
relacionada, entre outras, à prática do karma yoga.
18

E Uttara Mimansa, ou escola de teologia e metafísica, fundada por


Badarayana, que está mais diretamente relacionada com a interpretação dos
textos védicos, discorrendo sobre a natureza de Deus, da alma, o Absoluto e o
relacionamento entre eles. Esta acabou dando origem a diversas escolas de
Vedanta, ou interpretação dos Vedas.

Upavedas

Os Upavedas podem ser considerados suplementos dos Vedas


clássicos, buscando aplicações práticas dos ensinamentos védicos. O
Ayurveda surge neste contexto e está geralmente relacionado ao Atharva
Veda, pois este é o primeiro a apresentar mantras e métodos específicos para
tratar de desequilíbrios ou doenças (FRAWLEY04, 1999, p.316), mas
permanece integrado aos demais Veda, assim como o Yoga.

Os Upavedas consolidam conhecimentos relacionados à cura de


doenças – Ayurveda; às artes marciais – Dhanur Veda, de onde o Ayurveda
utiliza as recomendações para práticas de exercícios, massagens e trabalhos
corporais, especialmente no tratamento dos pontos sensitivos do corpo
(marmas); arquitetura, escultura e geomancia – Sthapatya Veda, fonte de
técnicas relacionadas ao posicionamento energeticamente mais propício de
estruturas, também conhecido sob o nome de Vastu; e música, poesia e dança
– Gandharva Veda.

Vedangas

Frawley04 (ib., p.317) menciona igualmente a existência dos Vedangas,


sendo parte propriamente dos Vedas e as principais ferramentas para a
interpretação dos mesmos.

A astrologia é abordada em Jyotish, sendo considerada importante para


o Ayurveda na determinação do potencial de saúde de uma pessoa, sua
tendência para desequilíbrios e as possibilidades de recuperação. Também é
19

utilizada na programação do tratamento e na preparação de remédios e ervas.


No Yoga, auxilia na identificação do potencial espiritual, na definição dos
horários de prática e na iniciação aos mantras.

Quatro dos demais vedangas versam sobre linguagem, sendo a base do


idioma Sânscrito e das terminologias utilizadas no Ayurveda e no Yoga.

Sabedoria Védica

Como resume Frawley04 (1999, p.318), os conhecimentos védicos


podem ser a fonte para uma evolução na humanidade, promovendo uma
transformação de nós mesmos e nosso planeta quando aplicados em nosso
dia-a-dia:

“Yoga provê os meios para a purificação da mente (chitta-


shuddhi) para nos permitir alcançar a Auto-Realização
através do Vedanta (Auto-Conhecimento). Ayurveda nos
permite a purificação do corpo (deha-shuddhi) para níveis
ótimos de saúde e energia. Vastu nos concede a
purificação do lar (driha-shanti) para a correta orientação
no espaço. Jyotish nos dá a purificação de influências
planetárias negativas (graha-shanti) para a correta
orientação no tempo” (FRAWLEY04, 1999, p.318).

Após este breve cenário das origens da Ayurveda e do Yoga, alguns de


seus fundamentos, vejamos como o Yoga pode ser útil no tratamento de
desequilíbrios, como pode ser utilizado em terapias.

Terapia

Terapia pode ser definida como “Medicina 1 tratamento de doentes;


terapêutica 2 toda intervenção que visa tratar problemas somáticos, psíquicos
20

ou psicossomáticos, suas causas e seus sintomas, com o fim de obter um


restabelecimento da saúde ou do bem-estar” (HOUAISS07, 2001, p.2699).
Temos, então, uma situação de desequilíbrio, ausência da saúde ou do bem-
estar; as classes dos problemas: somáticos, “relativo a ou próprio do organismo
considerado fisicamente”; psíquicos: “relativos à esfera mental ou
comportamental do indivíduo”; ou psicossomáticos: quando ocorre a
“transformação de conflitos psíquicos em afecções de órgãos ou em problemas
psicossomáticos” ou a manifestação de “doença orgânica provocada por
problemas emocionais, nervosismo, depressão, etc”; e o foco da terapia nas
causas e nos sintomas, e não apenas nos sintomas, como forma de
restabelecer o equilíbrio.

No mesmo dicionário, notemos as definições e referências feitas à


ciência do Yoga: “1 Religião conjunto assistemático de práticas psicofísicas e
ritualísticas que acompanha inúmeras crenças religiosas indianas, prov. desde
a época anterior aos Vedas (antes do sXX a.C.) 2 Filosofia Religião esse
conjunto, sistematizado em uma escola filosófica no sV d.C., que acrescenta à
ampla tradição de técnicas psicossomáticas os princípios especulativos da
filosofia sanquia, com o objetivo de alcançar o samádi, suspensão completa da
atividade mental” (HOUAISS07, 2001, p.1646).

Yogaterapia

Yogaterapia (ou Iogaterapia), é aquela que busca o tratamento através


das práticas de Yoga. O Yoga busca o equilíbrio através de um processo de
reintegração. Em oposição, o desequilíbrio é um estado de desintegração.

Diferentemente das terapias “convencionais”, onde o indivíduo “espera”


pelo tratamento e recebe passivamente o mesmo, na Yogaterapia o “paciente”
transforma-se em “agente”, sendo responsável pelo processo de cura, pelo
tratamento.

Conforme explanado por Kuvalayananda10 (1963, p.1) corpo e mente


trabalham em conjunto buscando sempre um estado de equilíbrio e
21

funcionamento integrado (samādhi), mesmo quando ambos enfrentam


normalmente estímulos internos e externos (kleśas). Este equilíbrio é
considerado um mecanismo de homeostase. Todo e qualquer estímulo, seja
interno ou externo, seja mecânico, elétrico, biológico ou psicológico, gera
alguma perturbação psicofisiológica, ou seja, na mente e no corpo (vikşepas).
Estas perturbações terão maior ou menor duração dependendo da força
relativa do estímulo, por um lado, e da habilidade homeostática da mente e do
corpo, por outro lado. O Yoga busca, portanto, ajudar o corpo e a mente a
manter seus estados de equilíbrio, ou recuperá-los rapidamente quando
perdidos.

Kleśas

Kleśas são considerados no Yogasūtras de Patañjali, texto clássico do


Yoga, como sendo as aflições que atormentam o yogin e o afastam de seu
caminho. Igualmente podem ser consideradas impurezas da mente. Para lutar
contra as mesmas, o yogin deve valer-se de três dos princípios enunciados em
Yamas e Niyamas, princípios éticos e morais do Yoga, quais sejam: ascese, ou
determinação, austeridade e autocontrole, ou Tapas; auto-estudo, ou
Svādhyāya; e consagração ao Senhor, ou Ishvara Pranidhana.

Avidyā, ou ignorância, ou falsa compreensão, diz respeito à falsa idéia


ou confusão, de acordo com os princípios filosóficos do Yoga, entre os
conceitos de perpetuidade e transitoriedade, entre o que é baseado no
conhecimento verdadeiro e na ilusão dos sentidos, Maya. É esta ignorância
que o yogin busca eliminar através do auto-conhecimento, do estudo, para
atingir Vidyā, ou saber, conhecimento. É esta ignorância considerada principal
fator gerador dos demais kleśas.

Asmitā, ou sentido de auto-afirmação, ou identidade equivocada, o


conceito de Ego (“egoísmo”). A idéia falsa de que não somos parte de um todo,
de que nos identificamos com algo que verdadeiramente não é o nosso Eu,
este sim eterno, permanente.
22

Rāga, ou desejo, apego, ansiedade irracional em repetir experiências


agradáveis e um sentimento de sofrimento quando não podemos mais
satisfazê-las.

Dveşa, ou aversão, repulsa, ódio. Quando nos lembramos de


experiências desagradáveis e procuramos evitá-las. Quando não conseguimos,
novamente sofremos. O ódio é uma versão mais intensa de repulsa. Em
ambos, Rāga e Dveşa, o yogin deve buscar o equilíbrio, usar de seus meios
para evitar ou anular os extremos, aceitar e observar as experiências como
elas realmente são, sem exageros, sem deixar de considerar que as mesmas
estão acontecendo mas não afetam seu verdadeiro Eu, eterno e imutável. Por
dentro, continuamos tranqüilos, equilibrados.

E, por último, Abhiniveşa, ou apego à vida e medo da morte, ou


simplesmente ansiedade ou medo. Este apego vem, em sua causa primordial,
de nossa identificação com o corpo e nosso medo de abandoná-lo. Vem de
nossa falsa identidade, Asmitā, e de nossa ignorância em saber que
pertencemos a algo maior. O apego também pode ser encarado como o medo
de mudar, de abandonar o que já passou.

Pode ser que no caso da depressão, mesmo quando a pessoa está


ciente de sua condição depressiva, a mesma tenha este medo de encarar a
mudança, medo de abandonar seus sentimentos negativos, medo até mesmo
de encarar a possibilidade de ser feliz, de se sentir parte do todo novamente.

Tratamento de desequilíbrios

Conforme Kuvalayananda10 (1963, p.3), no tratamento de desequilíbrios,


há duas maneiras de atuarmos: identificar o fator gerador e buscar sua
erradicação; e ajudar o corpo por si mesmo a lutar contra o fator gerador,
adquirindo, desta forma, maior resistência a ataques ou desequilíbrios futuros.

No tratamento de doenças crônicas, quando o corpo já não consegue


lutar contra os fatores agressores, terapias específicas podem ser necessárias
e a medicina tradicional atua neste segmento. Na fase de recuperação e
23

mesmo antes do desequilíbrio se caracterizar como crônico, manifestando-se


na forma de doenças, o Yoga pode e busca o fortalecimento das capacidades
de adaptação do corpo e da mente aos estímulos externos.

Três grandes passos podem ser mencionados neste sentido: “cultivo de


atitudes psicológicas corretas; recondicionamento dos sistemas
neuromusculares e neuro-glandulares; ênfase numa dieta saudável, com
processos de eliminação naturais, auxiliados, sempre que necessário, por
técnicas especiais de limpeza e purificação” (KUVALAYANANDA10, 1963, p.5).

O “cultivo de atitudes psicológicas corretas” pode ser baseado nos


preceitos éticos e morais do Yoga, os Yamas e Niyamas. O
“recondicionamento dos sistemas neuromusculares e neuro-glandulares” pode
ser conseguido através das práticas psicofisiológicas do Yoga, notadamente
Āsanas , Mudrās e Bandhas, e Prānāyāmās. A “dieta saudável” deve sempre
observar os princípios delineados para cada constituição na Ayurveda, além de
considerar o meio ambiente e as necessidades individuais, para não corrermos
o risco de sugerir uma dieta saudável “vegetariana” a um esquimó vivendo na
neve, comenta o próprio Swami Kuvalayananda. Já os “processos de
eliminação naturais”, igualmente foco da Ayurveda, podem ser auxiliados pelas
limpezas e purificações do Yoga, os Kriyās, ainda que menos potentes que os
adotados no Pañcha Karma da Ayurveda, são igualmente eficientes ao longo
do tempo.

Yogasutras (Patañjali Yogasutras – P.Y.S.)

Iyengar08/09 (1994, p.31; 1998, p.3), ao descrever parte do Yogasutras,


compilação de Yoga realizada por Patañjali, descreve os oito passos ou
disciplinas a serem seguidas pelo praticante de Yoga: Yama e Niyama, Āsana,
Prānāyāmā, Pratyāhāra, Dhārāna, Dhyāna e Samādhi.

Os Yamas e Niyamas são os fundamentos da prática do Yoga e


freqüentemente traduzidos por refreamentos e observâncias. São eles: não-
violência (Ahimsā), veracidade (Satya), não roubar (Asteya), moderação
24

(Brahmacharya), não possessividade (Aparigraha); e pureza (Saucha),


contentamento (Santosha), determinação (Tapas), auto-estudo (Svādhyāya) e
consagração ao Senhor (Īshvara Pranidhāna). Servem como guia para uma
vida equilibrada, que não perturbe corpo e mente.

Āsana envolve a prática de posturas psicofísicas. Prānāyāmā diz


respeito ao fluxo de Prana ou energia vital no corpo, seu controle. Pratyāhāra
se refere ao bloqueio das perturbações dos sentidos. Dhārāna está relacionado
à prática de concentração. Dhyāna considera as práticas de meditação. Por
sua vez, Samādhi está relacionado ao objetivo último do Yoga, a união ou
integração.

De acordo com Iyengar08 (1998, p.6), os quatro primeiros passos do


Yoga estão relacionados a Tapas, os dois seguintes a Svādhyāya e os dois
últimos a Īshvara Pranidhāna, deixando claro que precisamos de determinação
e auto-estudo em nosso caminho para atingirmos nosso objetivo espiritual.

Além de Yamas e Niyamas, Kuvalayananda10 (1963, p.19) menciona um


código de comportamento (maitryādibhāvanā) desenvolvido para os praticantes
no sentido de evitar a cobiça, a contenda, a inveja e a raiva, todos sentimentos
destrutivos:

“Devemos cultivar um sentimento de amizade (maitrī)


para com aqueles de quem cobiçamos algo, um
sentimento de empatia e compaixão (karunā) para com
aqueles que estamos inclinados a enfrentar, um
sentimento de alegria e prazer (muditā) em companhia
daqueles de quem de outro modo teríamos inveja, e, por
último, pois pode haver aqueles que não podem ser
tolerados devido a sua natureza profundamente irritante,
um sentimento de indiferença (upekşā) e evitar sua
companhia” (KUVALAYANANDA10, 1963, p.19).
25

É muito importante notarmos a importância dada aos aspectos éticos e


espirituais tanto no Yoga quanto na Ayurveda. Kuvalayananda10 (1963, p.20)
ressalta que:

“o comportamento ajuda o desenvolvimento de padrões


estruturais tanto quanto os padrões estruturais dirigem os
processos comportamentais. Assim, a influência da mente
sobre o corpo é talvez muito maior que aquela do corpo
sobre a mente. É por isso que o Yoga dedica especial
ênfase no cultivo de atitudes psicológicas corretas”
(KUVALAYANANDA10, 1963, p.20).

Āsana e Prānāyāmā
Recondicionando o Mecanismo Psicofisiológico

Conforme abordamos anteriormente, estímulos internos ou externos


geram alguma perturbação psicofisiológica, ou seja, na mente e no corpo
(vikşepas). Kuvalayananda10 (ib., p.7) ressalta que estas perturbações, em
especial se forem negativas ou destrutivas, além de “causar estresse e
depressão (dukkha e daurmanasya), também interferem com o ritmo tônico dos
músculos e canais, i.e., produzem ‘angamejayatva’, e levam a uma perturbação
da respiração (svāsa-prasvāsa) (P.Y.S. I-31)” (KUVALAYANANDA10, 1963,
p.7).

Āsana e Prānāyāmā, neste sentido, vêm atuar em conjunto justamente


para restaurar o equilíbrio psicofisiológico de mente e corpo, buscando, entre
outros, um fluxo livre de energia vital no corpo através de uma respiração sem
perturbações.

Pratyāhāra, Dhārāna, Dhyāna, e Samādhi são caminhos que levam às


práticas espirituais mais elevadas do Yoga e trabalham no longo prazo com a
redução ou eliminação das perturbações geradas pelos estímulos internos ou
externos. Āsana e Prānāyāmā, por outro lado, trabalham no curto e médio
prazo e focam o que na psicologia fisiológica chamamos de substrato postural,
26

ou seja, todo o conjunto de neurológico, glandular e muscular do corpo.


(KUVALAYANANDA10, 1963, p.21).

Kuvalayananda10 (ib.) explica que o substrato postural, embora em seu


estado normal seja de natureza fluída, ou seja, livre de bloqueios ou tensões, e
possa, desta forma, assumir diversos padrões, quando influenciado por níveis
cumulativos de estresse, seja na forma de doenças ou pressões e
desequilíbrios mentais, pode aos poucos se tornar rígido e de certa maneira
estereotipado em suas respostas a estímulos internos ou externos. “Deste
modo, o substrato postural possui uma grande importância como determinante
de comportamento, tanto internos quanto externos” (ib.). “Nenhum nível de
persuasão portanto mudará o perfil da pessoa durante a vida” (ib.).

É pelo motivo exposto acima que diversas práticas de Yoga focam o


substrato postural, atingindo os órgãos sensores e tecidos mais profundos, de
modo a provocar os desbloqueios e mudanças necessárias para que o
substrato volte a possuir sua natureza fluída. Este mesmo aspecto
psicofisiológico do Yoga é abordado, como veremos, na Bioenergética.

Neste sentido, Kuvalayananda10 ressalta que Āsanas ou posturas,


“deveriam ser tratadas e praticadas como tal, e seus efeitos tampouco
deveriam ser considerados em termos dos princípios da Quinesiologia, i.e.,
fisiologia dos movimentos, mas em termos das reações estáticas e tônicas” (ib.,
p.25). Ou seja, apesar de algumas posturas envolverem movimento, os efeitos
psicofisiológicos almejados são alcançados em suas permanências.

Quanto ao movimento para a montagem de uma postura e sua


permanência, há um clássico aforismo no Yogasutras de Patañjali (P.Y.S. II-
46), que diz “sthira-sukhamāsanam”, freqüentemente interpretado como ‘āsana
é aquele que é fácil e estável’, ou ‘estável e confortável’. Kuvalayananda10 (ib.,
p.26), comenta que uma melhor interpretação deste aforismo seria a de que
āsana seria aquele que contribui para a estabilidade e um senso de bem-estar,
ou seja, conquistando a postura pouco a pouco, o corpo se entregará
lentamente e prazerosamente ao padrão postural exigido.
27

É nesta entrega gradual, sem violência (ahimsā), que


o substrato postural vai sendo trabalhado. Caso contrário, o
ritmo tônico dos músculos e canais, além de sua influência
na respiração, mencionados anteriormente, poderão ser
ainda mais agravados.

Contudo, lembra ainda Kuvalayananda10 (1963, p.26) que isso não


significa necessariamente relaxamento total na postura. “Neste caso, talvez,
dormir deveria ser o melhor āsana, sendo a mais fácil e mais estável!” (ib.).

Para esclarecemos este ponto, podemos, por exemplo, classificar as


posturas em inativas e ativas e, dentro destas últimas, em posturas estáticas e
dinâmicas. Vejamos algumas definições a seguir.

Posturas Inativas “são aquelas que são


geralmente adotadas para descansar ou dormir.
Nesta classe de posturas há um relaxamento
geral de toda musculatura, exceto aquela que é
requerida para manter a vida, e.g., que esteja
envolvida com respiração, circulação do sangue,
etc. Estas últimas atividades também são reduzidas a um mínimo”
(KUVALAYANANDA10, 1963, p.35). Savāsana, ou postura do Cadáver, é um
exemplo destas posturas (vide Foto 1).

Posturas Ativas “podem ser mantidas apenas com


a ação integrada de vários músculos” (ib.). Posturas
Ativas Estáticas “são aquelas onde um padrão constante
de postura é mantido estável pela ação integrada de
grupos de músculos trabalhando mais ou menos
estaticamente para estabilizar as juntas e para preservar
um estado de equilíbrio contra a gravidade e outras
forças” (ib.). Virāsana, ou postura do Herói ou Guerreiro,
é um exemplo destas posturas (vide Foto 2).

Nas Posturas Ativas Dinâmicas “o padrão da postura é constantemente


modificado e ajustado para fazer face às mudanças nas demandas do
28

movimento” (KUVALAYANANDA10, 1963, p.35).


“... apesar de haver algum movimento nestes
āsanas, o mesmo é produzido de modo lento e
sustentado, levando mais em consideração a
gradual alteração do padrão de atitude neuro-
muscular do corpo do que a atividade do
movimento em si” (ib.). Ūrdhva Dhanurāsana, ou postura do Arco Erguido, é
um exemplo destas posturas (vide Foto 3).

Estas considerações sobre o que é estático e o que é dinâmico podem


variar de um autor para outro, ou mesmo de uma escola de Yoga para outra.
Pode ser o caso do Astanga Vinyasa Yoga, prática dinâmica de āsanas com
uso do conceito de vinyasa, ou respiração, unindo uma postura à outra numa
seqüência contínua. Contudo, os princípios psicofisiológicos parecem ser os
mesmos, independentemente da abordagem utilizada.

Além dos āsanas, mencionados também as práticas de mudrās e


bandhas. A maioria delas consiste na utilização de certas travas ou contrações
neuromusculares que produzem variações na pressão interna de órgãos ou
regiões específicas do corpo. São utilizadas isoladamente ou em conjunto com
outras práticas do Yoga para a manutenção ou direcionamento do fluxo de
energia vital no corpo.

Vimos como as posturas (āsanas) psicofísicas trabalham com o corpo e


com a mente, através de sua influência no substrato postural constituído por
neurônios, glândulas e músculos. Vejamos agora como as técnicas de
respiração do Yoga, consideradas em Prānāyāmā, atuam neste processo.

Prānāyāmā, conforme descrito por Kuvalayananda10 (ib., p.41),


consistem essencialmente de controles voluntários sobre a respiração, ou
técnicas de respiração que trabalhem com este e outros conceitos.

“’Através de Prānāyāmās, praticados corretamente, todo o


sistema nervoso é bem integrado e então os impulsos
circulam facilmente através de susumna – o canal central
– depois de desobstruída a oclusão que anteriormente
29

bloqueava este caminho. Os impulsos assim circulando


através do canal central promovem uma estabilidade (e
equilíbrio) da mente.’ H.Y.P. II-41-42”
(KUVALAYANANDA10, 1963, p.53).

Esta desobstrução do canal central, ou nadī, susumna, ou mesmo sua


própria existência, ainda que não comprovada pela ciência moderna, é
aclamada pelos textos tradicionais do Yoga, entre eles o Hatha Yoga Pradīpikā,
mencionado nesta citação. Os efeitos de estabilidade e equilíbrio podem ser
observados durante as práticas de Prānāyāmā.

Além deste benefício das práticas de Prānāyāmā, Kuvalayananda10 (ib.,


p.52) faz outra referência ao Hatha Yoga Pradīpikā, ressaltando que as toxinas
(mala) também podem ser removidas do corpo através destas técnicas:

“’Prānāyāmā, por si só, é suficiente para a erradicação de


todos os malas ou toxinas. Assim opinam algumas
autoridades que sentem que nenhuma outra prática é
necessária.’ – H.Y.P. III-37” (KUVALAYANANDA10, 1963,
p.52).

As técnicas de Prānāyāmā consideram três fases da respiração:


inspiração, suspensão temporária da respiração e expiração. Especial ênfase é
dada à suspensão temporária da respiração, chamada de kumbhaka, quando o
objetivo é a manipulação de pressões intrapulmonares, intratorácicas e intra-
abdominais e suas retenções por determinados períodos de tempo. Novamente
a função destas manipulações parece estar relacionada com o
recondicionamento dos mecanismos psicofisiológicos do corpo.

Kuvalayananda10 (ib., p.41, 42) menciona três classes distintas de


kumbakha: ābhyantara ou pūrna kumbakha, que é a suspensão da respiração
no máximo da capacidade pulmonar, após a inspiração profunda; bāhya ou
sūnya kumbakha, suspensão da respiração no mínimo da capacidade
30

pulmonar, após a expiração; e kevala kumbakha, que seria a suspensão num


estágio intermediário, com pressão intrapulmonar equivalente à pressão
atmosférica.

Além de kumbakha, Kuvalayananda10 (1963, p.42) menciona a utilização


de bandhas, ou contrações neuromusculares, conforme visto anteriormente,
durante as fases da respiração. Assim, durante a inspiração, ou puraka,
devemos praticar Mūla-Bandha, ou contração do Períneo e região periférica;
durante a suspensão, ou kumbakha, devemos praticar Jālandhara Bandha, ou
contração do queixo contra o peito, comprimindo os sínus carotídeos e
prevenindo qualquer aumento indevido de pressão sanguínea; e na expiração,
ou recaka, devemos praticar Uddiyāna Bandha, ou contração da parede
abdominal, elevando do diafragma. O uso de bandhas, neste sentido, além de
proteger diversos os diversos órgãos internos envolvidos na respiração,
tonificam e condicionam os mecanismos neuromusculares e glandulares
relacionados.

Figura 3: FRAWLEY & LAD05, 1994, p.19 – “Breath in Plants”

Na figura acima, vemos a representação nas folhas de uma planta das


energias de Purusha, ou Shiva, relacionada à força masculina e à inspiração, e
de Prakriti, ou Shakti, relacionada à força feminina e à expiração.
31

Kriyās

Conforme mencionado à página 23, em Tratamento de Desequilíbrios,


os “processos de eliminação naturais”, podem ser auxiliados pelas limpezas e
purificações do Yoga, os Kriyās. Em muitos casos, estas técnicas possuem
abordagens similares no Pañcha Karma da Ayurveda.

As limpezas e purificações no Yoga, além do benefício da eliminação de


toxinas (ama) do corpo, possuem o importante papel de tonificar os órgãos
envolvidos e melhor prepará-los para reagir aos estímulos internos e externos,
promovendo o equilíbrio ou um estado de homeostase entre meio interno e
externo.

Kuvalayananda10 (1963, p.56), menciona quatro grupos de kriyās: naso-


faríngeo, gástrico, intestinal e do cólon.

Os kriyās para higiene naso-faríngea têm por objetivo a desobstrução


das vias respiratórias e, dentre outras técnicas, envolvem: Jala Neti, ou
lavagem das vias nasais com água; Sutra Neti, ou fricção e massagem das vias
nasais com um cordame embebido em cera de abelha ou, modernamente, com
uma sonda de borracha; e Vāta Krama Kapālabhāti, ou simplesmente
Kapalabhāti, ou lavagem das vias respiratórias com ar, através de forte
expiração com contração do abdômen e do períneo, ou Mūla-Bandha, como
num espirro; Jihvā Bandha, ou contração da língua no palato, para tonificar a
musculatura da faringe; Simha Mudrā, ou símbolo do Leão, com a boca bem
aberta, colocando a língua para fora buscando alcançar a parte inferior do
queixo e com o olhar fixo na região entre as sobrancelhas, igualmente para
tonificar a musculatura; e Brahma Mudrā, as quatro faces de Brahma, girando
suavemente a cabeça para a esquerda, direita, para trás e para frente.

Os kriyās para higiene gástrica têm por objetivo a retirada de toxinas do


trato gástrico e igualmente recondicionar os órgãos envolvidos. As principais
técnicas envolvem: Danda Dhauti, ou lavagem do estômago com água e um
tubo de borracha, para retirar o excesso de muco das paredes; Vastra Dhauti,
utilizando um pedaço longo de tecido que deve ser engolido, massageando o
estômago, e depois retirado e lavado; Vamana Dhauti, lavagem com água,
32

através de indução posterior de vômito (semelhante à técnica de Vamana na


Ayurveda); e Gajakarani ou Kunjara Kriyā, regurgitação voluntária de conteúdo
gástrico, usando água para auxiliar e uma série de técnicas para relaxamento
do esfíncter, permitindo o fluxo total de retorno pela garganta e pela boca. Este
último requer muito mais técnica e preparo que os demais.

Os kriyās para higiene intestinal têm por objetivo estimular as funções de


secreção e de eliminação dos intestinos. As principais técnicas são: Vātasāra,
ou lavagem e estímulo dos intestinos com ar, engolido através da boca e
expelido pelo reto, podendo ser utilizada aqui a técnica de Nauli, ou
manipulação dos músculos abdominais; Vārisāra ou Shankha-Prakshālana, ou
lavagem de todo o trato gastrointestinal com água, utilizando-se uma série de
posturas para auxiliar a movimentação da água pelo trato e sua posterior
expulsão pelo reto; e Agnisāra, ou movimento voluntário do abdômen para
dentro e para fora enquanto mantendo uma suspensão da respiração ao final
da expiração, bāhya ou sūnya kumbakha.

Os kriyās para higiene do cólon, principal região do dosha vāyu, têm por
objetivo a limpeza e tonificação desta região. As técnicas envolvem: Vāta Basti,
ou lavagem do cólon com ar, utilizando-se um tubo de borracha ou técnicas de
abertura do esfíncter, além da técnica de Nauli, para absorção e movimentação
do ar na região do cólon; Vāri Basti, ou lavagem do cólon com água,
semelhante à Vāta Basti; e Ganesha Kriyā ou Mūla Shodhana, ou massagem
da região ano-retal com os dedos.

Assim como no pañcha karma da Ayurveda, os kriyās possuem


indicações e contra-indicações. Portanto, é sempre bom estudar e consultar
outras pessoas ou mestres antes de praticá-los.

Dedicamos um maior espaço aos kriyās do às técnicas do pañcha


karma, pois estes últimos, do Yoga, a nosso ver, podem ser praticados por
conta própria após o devido aprendizado, ao contrário dos procedimentos da
Ayurveda, que necessitam, em sua maioria, de acompanhamento terapêutico
ou médico.
33

Ayurveda e Yoga durante a Prática

É comum vermos em diversas publicações, provavelmente por pressão


de leitores e praticantes, indicações de posturas ideais para esta ou aquela
constituição, ou mesmo para este ou aquele desequilíbrio. Neste sentido,
acreditamos que a melhor definição para este ponto é a de que o objetivo do
Yoga é a união, ‘Yoga é yoga’, e sua prática deve ser encarada como um todo
e não reduzida a pedaços ou seus resultados colhidos em partes.

Contudo, quando utilizamos os conceitos de Ayurveda sobre as


constituições individuais (doshas), além das qualidades (gunas) determinantes
dos estados mentais, podemos identificar interessantes abordagens durante as
práticas de Yoga.

Olhando para as qualidades (gunas), podemos nos situar num estado de


equilíbrio (sattva), de excesso de energia ou movimento (rajas) ou excesso de
letargia ou inércia (tamas).

No caso de excesso de rajas, uma prática intensa e que aumente em


demasia a quantidade de energia apenas agravará a situação. Assim, o ideal
seria práticas mais tranqüilas, com posturas, respiração e técnicas mais
suaves, que levem ao equilíbrio.

No caso de excesso de tamas, uma prática profundamente relaxante,


com posturas, respiração e técnicas demasiado suaves, levará o praticante a
ficar ainda mais tamásico. Desta forma, o ideal seria promover seus níveis de
energia, incrementando rajas, com posturas, respiração e técnicas mais
dinâmicas, que igualmente levem ao equilíbrio.

Olhando para as constituições (doshas), podemos complementar nosso


enfoque nas necessidades individuais.

O dosha Vāyu, sendo constituído pelos elementos ar e éter, possui


qualidades, também chamadas gunas, frias, leves e secas. Para amenizar
estes elementos e estas qualidades devemos incrementar os elementos fogo,
água e terra, e as qualidades quentes, pesadas e oleosas. É neste sentido que
podemos qualificar, mas não restringir, a prática de Vāyu com posturas e
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práticas que promovam um aquecimento ou aumento de rajas, mas não em


demasia para não terem o efeito secante, agravando o elemento ar; e que
promovam a base, o contato com o chão e com o próprio corpo, que garantam
a sensação de peso. Não é necessário usar óleo durante a prática!

O dosha Pitta, com predominância do elemento fogo, mas também


possuindo em sua constituição o elemento água, possui qualidades quentes,
leves e oleosas. Portanto, podemos incrementar os elementos éter, ar e terra, e
as qualidades frias, pesadas e secas. A prática de Pitta, neste sentido, deve
promover a calma e relaxamento, reduzindo rajas; a respiração deve ser
profunda, mas não intensa, incrementando o elemento ar e novamente
acalmando; além de promover base e contato com o próprio corpo.

O dosha Kapha, possuindo os elementos água e terra, tem qualidades


frias, pesadas e oleosas. Ao incrementar os elementos éter, ar e fogo, e as
qualidades quentes, leves e secas, estaremos equilibrando este dosha. A
prática de Kapha, deste modo, deve promover o aquecimento e o dinamismo,
incrementando rajas e reduzindo tamas, podendo ser mais intensa do que a
prática dos demais doshas. Astanga Vinyasa Yoga pode ser uma boa indicação
nestes casos.

Resumindo, as práticas podem ser as mesmas, apenas sugerimos uma


mudança nas abordagens ou no modo como são conduzidas. Contudo, sem
um diagnóstico adequado, não se pode considerar Ayurveda ou Yoga uma
prática baseada apenas em leituras ou indicações que não estejam baseadas
em conhecimento e experiência sobre as duas ciências. Acima de tudo, os
padrões posturais e as condições físicas do praticante devem ser levados em
consideração.

Pratyāhāra, Dhārāna, Dhyāna, e Samādhi

Estando o corpo recondicionado e o fluxo de energia e respiração livres,


o praticante está apto ou melhor preparado para seguir adiante em seu
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caminho, potencializando práticas que já vinha realizando no início de sua


jornada.

“O Yoga é o domínio de seu próprio veículo psicofísico, e


os sentidos, que são os principais fatores de dispersão
voltados para o mundo exterior, devem ser restabelecidos
sob o controle de Buddhi: ’Quando os cinco órgãos
cognitivos, assim como os pensamentos, estão em
repouso, e quando o Intelecto está imóvel, a isso se
chama a via suprema. É isso que se considera como o
Yoga: um firme domínio sobre os sentidos. Nesse
momento o homem está livre de qualquer distração’ Katha
Upanishad IV-1” (MICHAËL13, 1976, p.91).

Nos baseando no exposto acima por Tara Michaël13, observemos o


bloqueio das perturbações provocadas pelos sentidos, voltados para o mundo
externo, não significa que devemos nos desligar dos mesmos, evitando todo e
qualquer contato com o meio externo. Significa, importante ressaltar, que
devemos trabalhar no sentido de não sermos iludidos ou termos uma
percepção equivocada do que captamos do mundo externo através dos
sentidos. Sermos capazes de controlar os sentidos em vista de buddhi, ou a
verdade livre de opostos, nos livra de cairmos em confrontos internos, nos livra
do apego e da cegueira causadas pelo ego, ahamkara. A esse controle,
chamamos de Pratyāhāra.

Para atingirmos nossos objetivos, precisamos focar gradualmente nossa


atenção e nossa dedicação. Em lugar de deixarmos nossa mente
perambulando de uma idéia ou pensamento para outro, precisamos pouco a
pouco ir restringindo seus passos a um determinado caminho ou determinado
domínio. Normalmente, o Yoga utiliza certos suportes ou pontos de fixação
para a prática de concentração, de modo que sempre que há um desvio de
atenção, a mesma possa ser novamente focada para este suporte, que pode
ser tanto um objeto ou imagem externa quanto interna. Quando atingimos este
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nível de concentração num único ponto, centrado e imóvel, atingimos Dhārāna.


(MICHAËL13, 1976, p.92).

Dhyāna considera as práticas de meditação. Quando o nível de


concentração atingido em Dhārāna torna-se um fluxo contínuo e ininterrupto,
temos Dhyāna. Tara Michaël13 (ib., p.93) cita Vyasa, um dos comentaristas do
Yogasutras, para definir Dhyāna: “Um continuado esforço mental para assimilar
o objeto da meditação, livre de qualquer distração”.

Várias técnicas de meditação, estáticas ou dinâmicas, são propostas por


diversas escolas. O objetivo, no entanto, parece ser o mesmo considerado por
Vyasa e, com determinação e prática, “a meditação conduz ao Samādhi” (ib.,
p.94).

Samādhi está relacionado ao objetivo último do Yoga, a união ou


integração com o todo, com o Divino, com a Natureza, ou o nome que
quisermos ou preferirmos dar para aquela sensação que, algumas vezes muito
raramente, sentimos de estarmos perfeitamente conectados com o Universo e
de conhecer tudo o que há para ser sabido.

Ao contrário do que muitos podemos pensar, samādhi não ocorre


quando morremos, e nem está tão longe ou é tão complicado que não o
possamos atingir. Podemos sentir este nível de união em vários momentos de
nossas vidas. Em outros raros momentos este estado de união pode perdurar
por algum ou muito tempo. Contudo, vamos e voltamos. Estamos aqui para
experienciar, para conhecer e crescer. Então, seguimos e vamos e voltamos
nos oito passos prescritos por Patañjali no Yogasutras. Em cada ida e volta, no
entanto, não somos mais os mesmos. Morremos e nascemos a cada nova
descoberta!

E aqui termina nossa abordagem de Ayurveda e Yoga.

Vejamos, agora, como a Bioenergética analisa a integração entre corpo


e mente, e nos aprofundemos um pouco no tema do autoconhecimento, da
ética e do amor e sua intrínseca relação no caminho da auto-realização.
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BIOENERGÉTICA – UMA VISÃO INTEGRATIVA

Lowen11 (1983) apresenta um interessante estudo sobre psicanálise e


depressão aliados à Bioenergética, linha de psicoterapia que se fundamenta na
existência de uma energia biológica no corpo humano e que a obstrução no
fluxo da mesma gera distúrbios de ordem psicofísica e geralmente somáticos.
Mente interfere no corpo e vice-versa.

A Bioenergética utiliza uma série de exercícios de


consciência corporal e respiratória como tratamento para
liberar o fluxo de energia no corpo (vide Fotos 4 e 5). As
sensações e advindas das práticas são submetidas ao
processo analítico.

Seguindo a mesma linha da Ayurveda e do Yoga,


quando mencionamos que o apego e a cegueira causados
pelo ego, ahamkara, são as principais causas de
desequilíbrios e doenças, Lowen busca na identificação e
confronto da realidade de seus pacientes o processo de cura.
Da mesma forma, aborda o confronto desta realidade no
corpo e nos padrões posturais e respiratórios incorporados como resposta aos
estímulos recebidos dos meios internos e externos.

“A irrealidade da atitude da pessoa deprimida é


manifestada mais claramente pelo grau em que está em
contato com seu corpo. Há uma falta de autopercepção;
não vê a si mesma como realmente é, uma vez que sua
mente está focalizada numa imagem irreal. Não percebe
as limitações impostas pela sua rigidez muscular; contudo
estas limitações são responsáveis pela sua inabilidade de
realizar-se como uma pessoa no presente. Não sente as
perturbações no funcionamento de seu corpo, sua
mobilidade reduzida e a respiração inibida, pois se
identifica com seu ego, sua vontade e sua imaginação”
(LOWEN11, 1983, p.23).
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Atendidas as necessidades básicas como seres humanos, as pessoas


não se veriam em estados depressivos, pois estariam em contato com sua
realidade e trabalhando por objetivos reais. Para Lowen11 (1983, p.23), estas
necessidades básicas são: amor, e em certa medida sua retribuição; auto-
expressão, no sentido de permitir a realização do potencial de sua
personalidade; e liberdade, sem restringir indevidamente a liberdade de auto-
expressão. Freqüentemente, a capacidade de auto-expressão e liberdade
sobre mais barreiras internas do que externas, aprisionando as pessoas em
uma realidade imaginária.

Segundo Lowen11 (ib., p.32), “quando uma pessoa se torna deprimida,


tem-se uma indicação clara de que ela não está se mantendo em seus próprios
pés. É um sinal de que não tem fé em si mesma”. A proposta, então, é
restabelecer o contato com o corpo para o autoconhecimento e a retomada da
fé.

“A fé é uma qualidade do ser: de estar em contato


consigo mesmo, com a vida e com o universo. É uma
sensação de pertencer a uma comunidade, a um país, e à
Terra. Acima de tudo, é a sensação de estar assentado
no próprio corpo, na própria humanidade, e na sua própria
natureza animal. Ela pode ser todas estas coisas porque
é uma manifestação da vida, uma expressão da força vital
que une todos os seres. É um fenômeno biológico e não
uma criação psíquica” (LOWEN11, 1983, p.151).

Apresentamos brevemente esta linha de psicanálise para vermos quão


abrangentes e similares podem ser as abordagens que envolvem corpo e
mente. Notemos, além disso, como os conceitos de fé e união podem estar
muito mais enraizados em nós do que poderíamos imaginar. Como chegamos
a este ponto biologicamente em nossa evolução? Vejamos a seguir em ‘A
Árvore do Conhecimento’.
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A ÁRVORE DO CONHECIMENTO

Quando abordamos o tema do Conhecimento, duas vozes remotas nos


vêem à mente, lembrando nossos Pais e Avós: Razão e Experiência. Nossa
capacidade inata de utilizar nosso intelecto de forma a percebermos o mundo
que nos rodeia como conjuntos de fatos ou verdades e a possibilidade de um
domínio prático destas percepções acumuladas e organizadas através de
nossas experiências individuais, nos permite “adquirimos” conhecimento ao
longo de nossas vidas.

O modo como percebermos o mundo pode influenciar diretamente nosso


conhecimento do mesmo, assim como a riqueza de nossas experiências. A
partir de um modelo representacionista, presente em nossa história desde o
Renascimento, no qual o conhecimento é visto como uma “representação fiel
de uma realidade independente do conhecedor” (MATURANA;VARELA12,
2005, p.7), dá-se preferência ao que é Objetivo em detrimento ao que é
Subjetivo.

Nossa mente, ao observar o mundo, cria representações para reproduzir


a natureza, como num espelho. Quanto mais exatas as representações, tão
mais fiéis à natureza a mesmas serão. O conceito de objetivo está diretamente
relacionado ao de Quantitativo. ‘Se puder quantificar, poderei ser exato’. Ao
mesmo tempo, esta visão representacionista entende o mundo em que
vivemos como pré-existente em relação à experiência humana, uma vez que o
modo como percebemos a realidade do mesmo não deve sofrer influência por
parte do conhecedor ou observador, não comprometendo a exatidão científica.
Recebemos, então, de forma passiva, as informações do meio em que nos
encontramos, não tendo influência ou tomando parte do processo de conhecer.
Este fenômeno produz uma fragmentação entre observador e observado, ou
entre sujeito e objeto, nos tornando “convencidos de que somos separados do
mundo e que ele existe independentemente de nossa experiência” (ib., p.9).

O conceito de subjetivo, por sua vez, está relacionado ao de Qualitativo.


Se pudermos perceber o mundo enquanto partes integrantes do mesmo, não
como meros observadores passivos, mas sim como participantes ativos das
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múltiplas interações que compartilhamos como todos os demais seres


humanos e formas de vida, perceberemos que “nossa trajetória de vida nos faz
construir nosso conhecimento do mundo – mas este também constrói seu
próprio conhecimento a nosso respeito” (MATURANA;VARELA12, 2005, p.10).

Da mesma forma que somos influenciados pelo meio em que vivemos,


gerando em nós transformações em resposta à contínua necessidade de
adaptações internas a partir das influências externas, influenciamos também o
próprio meio, que sofre transformações em resposta às nossas próprias,
ambas frutos da interação permanente existente entre nós, seres vivos, e o
meio. Esta contínua rede de interações gera, contestando o modelo
representacionista, uma visão de integração com o meio, com o mundo, onde
compartilhamos todos os processos vitais, sendo igualmente responsáveis pelo
processo de interação, por nossos atos.

Maturana e Varela12 (2005) desenvolveram a idéia de que


biologicamente podemos identificar as bases de nosso processo de
conhecimento e o modo como nos compreendemos e ao mundo ao nosso
redor. Segundo eles, comportamento é um resultado das interações de
diversas funções internas do organismo e deste com o meio ambiente.

Vejamos, muito resumidamente, como chegamos ao que somos hoje.

No desenvolvimento dos seres vivos, o surgimento do sistema nervoso e


sua distribuição por todo organismo, integrando as diversas funções motoras e
sensoriais, permitiu uma expansão dos domínios de interação do organismo,
de seus comportamentos em em face de perturbações internas e externas. Aos
conjuntos destas interações, das quais participam diversas funções corporais, e
aos comportamentos daí resultantes, aprendidos e passados ao longo de
gerações, os autores definiram como conhecimento.

Conhecimento, deste ponto de vista, é adquirido e conservado como


função de todo o organismo, ou seja, o organismo aprende com todo corpo, e
não apenas com o sistema nervoso.
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Analisando, através de experiências, como a cor é percebida pelos


diversos processos desencadeados no sistema nervoso, os autores
demonstram que “a experiência de uma cor corresponde a uma configuração
específica de estados de atividade no sistema nervoso, determinados por sua
estrutura” (MATURANA;VARELA12, 2005, p.27). A ação ou experiência de “ver”
a cor está relacionada a como nós “percebemos” a cor, e não à cor
propriamente dita.

Interessante observar que os autores mencionam que o mesmo é válido


para todas as modalidades perceptivas, sejam visuais ou outras, relacionadas
a movimento, textura, forma, entre outros. Ou seja, a forma como percebemos
e nos relacionamos com o mundo depende de nossa estrutura interna.

Há também a descrição de uma experiência de um zoológico em Nova


York, onde num pavilhão dedicado aos primatas existe uma jaula fortemente
guardada, com a inscrição “’O primata mais perigoso do planeta’”. Qual a
surpresa do visitante ao olhar pelas grades e ver a si mesmo, sua própria
imagem, refletida num espelho?... É neste momento de reflexão, diante do
espelho, quando podemos perceber uma realidade a respeito de nós mesmos
que não teríamos como perceber de outra forma, “um ato de voltar a nós
mesmos, a única oportunidade que temos de descobrir nossas cegueiras e
reconhecer que as certezas e os conhecimentos dos outros são,
respectivamente, tão aflitivos e tão tênues quanto os nossos” (ib., p.29).

É através do ato de conhecer, da conexão entre ação e experiência, que


construímos o mundo que nos cerca. É conhecendo o mundo que o mesmo
passa a existir, ou “todo ato de conhecer faz surgir um mundo”, ou ainda “todo
fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer” (ib., p.32).

Seguindo na abordagem dos autores, a expansão dos domínios de


interações permitiu evolutivamente acoplamentos estruturais entre organismos
de modo recorrente, sendo mantida a individualidade de ambos, de modo que
cada um percebia o outro como um “semelhante”, e não mais como uma
perturbação do meio ambiente, não distinguida das demais. Partimos de
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organismos unicelulares para metacelulares, possibilitado pelos acoplamentos


recorrentes.

A partir desta possibilidade, tivemos o desenvolvimento de fenômenos


sociais, onde os organismos passaram a satisfazer suas necessidades
individuais a partir dos acoplamentos estruturais mútuos. A idéia de união, de
interdependência, surge como modo de garantir um nível de adaptação e
sobrevivência que não seria possível individualmente. O organismo mantém e
reconhece sua individualidade e igualmente reconhece e se integra ao grupo
como condição de sua conservação.

Com base nessa evolução para o social, surgem os princípios de


comunicação, e com ela, pouco a pouco, as condutas culturais e a linguagem.
Estas, em última instância, permitiram o desenvolvimento das capacidades de
reflexão e consciência, bases do conhecer.

As condutas culturais necessárias à nossa sobrevivência nos levam à


adoção de padrões éticos, à necessidade de reconhecermos a aceitarmos os
outros como iguais, um ato que os autores chamam de amor. Ao conhecer
como conhecemos, passamos a saber que nosso mundo é sempre construído
em conjunto com os outros.

“Sem amor, sem aceitação do outro junto a nós, não há socialização, e


sem esta não há humanidade” (MATURANA;VARELA12, 2005, p.269).

E o que podemos dizer sobre o amor, ou a Arte de Amar? Vamos a


seguir explorar este tema, de modo a fechar nosso trabalho com a mensagem
que consideramos a mais importante.
43

A ARTE DE AMAR

Kuvalayananda10 (1963, p.13) cita Erich Fromm ao se referir às diversas


maneiras pelas quais o homem busca e alcança a “união com sua existência
original”. Resumindo, menciona que podem ser classificadas em: submissão,
dominação e amor.

Submissão ou dominação não é suficiente no sentido de união, sempre


resultando em processos de desintegração. “O amor somente satisfaz a
necessidade, pois enquanto o amor é a união com alguém ou alguma coisa,
ainda retém ‘a separação e integridade do indivíduo’. No amor há uma
‘experiência de compartilhamento, de comunhão, que permite o
desdobramento completo das atividades internas do indivíduo”
(KUVALAYANANDA10, 1963, p.14).

Ahimsā, ou não-violência, é para Kuvalayananda10 (ib.) uma regra de


conduta que podemos praticar conscientemente em nosso aprendizado da arte
de amar.

Fromm06 (1988, p.128) menciona que a dificuldade em praticar o amor


reside no fato de que o mesmo não pode ser ensinado, de ser uma experiência
pessoal (como no Yoga). Apesar disso, ressalta que aprender a amar pode ser
visto como aprender qualquer outra arte e, portanto, sugere alguns requisitos.

“A prática de uma arte exige disciplina” (ib., p.129). Além desta, a


concentração no aprender é importante. Outro fator é a paciência, pois “quem
anda atrás de resultados rápidos nunca aprende uma arte” (ib., p.130). Uma
suprema preocupação com o domínio da arte deve ser essencial. Além destes,
a capacidade de tornar-se “sensível a si mesmo”, de analisar-se, de se
conhecer.

Visto que estes requisitos servem para qualquer arte, para aprender a
amar, Fromm06 (ib., p.140) menciona que devemos superar o narcisismo,
quando apenas experimentamos como real o que existe dentro de nós
mesmos, não vendo com objetividade o mundo exterior. Devemos ser capazes
de ver o mundo sem nossas distorções a seu respeito. Isso requer o uso da
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razão e da humildade. Acima de tudo, a prática do amor requer fé, não a fé


irracional e submissa, mas sim a fé racional, certeza e firmeza em nossas
convicções.

“O que importa em relação ao amor é a fé no amor que se tem, em sua


capacidade de produzir amor em outros e em seu merecimento de confiança”
(FROMM06, 1988, p.147).

“Você poderia me dizer, por favor, qual caminho deveria


seguir a partir daqui?” “Isso depende bastante de onde
você quer chegar”, disse o Gato. “Eu não me importo
muito onde”, disse Alice. “Então, não importa qual
caminho você seguir”, disse o Gato. “Contanto que eu
chegue a algum lugar”, Alice acrescentou como uma
explicação. “Oh, seguramente você o fará”, disse o Gato,
“é só você caminhar o tempo suficiente”.
(Lewis Carroll02, “Alice no País das Maravilhas”, 1995,
p.47).

E você, caro leitor, foi seduzido a seguir neste caminho, seja da


Ayurveda, do Yoga, ou de qualquer outra Arte, e a aprender a Arte de Amar?
Esperamos que sim!
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COMENTÁRIOS FINAIS

Como vimos, Ayurveda e Yoga tratam de nosso corpo, mente e alma. A


abordagem terapêutica pode focar os corpos físico e sutil, mas o caminho para
trabalharmos com o corpo causal está delineado. Após conhecermos e
reconhecermos nossos corpos mais densos, purificarmos e prepararmos os
mesmos para viverem em equilíbrio, está aberta e mantida a espiral evolutiva
para o objetivo final das duas escolas, que é a auto-realização.

A cura da depressão, neste sentido, não pode ser vista como apenas a
cura dos sintomas, característicos dos corpos mais densos, mas sim como a
cura completa, a união com o divino que há em todos nós e em tudo que nos
cerca.

Outras linhas de pensamento e terapia existem no oriente e no ocidente,


igualmente focando a integração corpo-mente. A Bioenergética é apenas uma
delas. É fascinante perceber como a conjunção dos conhecimentos adquiridos
ao longo de tantos anos vai aos poucos tomando corpo.

Igualmente fascinante foi descobrir, ao longo das pesquisas com


Ayurveda, Yoga e as demais abordagens utilizadas, a importância dada à ética,
à fé e ao amor, este último inclusive em textos das duas ciências irmãs.

Ao praticarmos uma arte, inclusive a de cura, possivelmente é o amor a


última instância que nos une a todos no processo e igualmente nos cura a
todos.

Campbell01 (1990), em seu O Poder do Mito, discorre sobre como o


poder do mito faz indescritivelmente parte de nossas vidas e como pode,
representando conhecimentos milenares, nos aproximar de nossas origens, de
nossa história enquanto raça neste planeta que habitamos, e nos integrar ao
que de fato nunca deixamos de lado, nossa própria identidade, nosso propósito
aqui na Terra. Ao ser questionado sobre qual o melhor caminho a seguir,
respondeu simplesmente: “SIGA SUA FELICIDADE!”
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

01. CAMPBELL, Joseph e MOYERS, Bill. O Poder do Mito 1ª edição. São


Paulo: Palas Athena, 1990, 242p.

02. CARROLL, Lewis. Alice in Wonderland. Hertfordshire, UK: Wordsworth


Ed., 1995, 253p.

03. CROW, David. Em Busca do Buda da Medicina – Uma jornada no


Himalaia. São Paulo: Pensamento, 2004, 279p.

04. FRAWLEY, David. Yoga & Ayurveda. Twin Lakes, Wisconsin, USA:
Lótus Press, 1999, 345p.

05. FRAWLEY, David & LAD, Vasant. The Yoga of Herbs: An Ayurvedic
Guide to Herbal Medicine. Delhi, India. Motilal Banarsidass, 1994, 264p.

06. FROMM, Erich. A Arte de Amar 1ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988,
159p.

07. HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da


Língua Portuguesa 1ª edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, 2925p.

08. IYENGAR, B.K.S. Light on Yoga. New York, USA: Random House, 1994,
544p.

09. IYENGAR, B.K.S. Light on the Yoga Sutras of Patanjali 4ª edição. New
Delhi, India: HarperCollins, 1998, 337p.

10. KUVALAYANANDA, Swami e VINEKAR, Dr. S.L. Yogic Therapy – Its


Basic Principles and Methods. New Delhi, India: Govt. of India Press,
1963, 96p.

11. LOWEN, Alexander. O Corpo em Depressão – As bases biológicas da


fé e da realidade 5ª edição. São Paulo: Summus, 1983, 220p.

12. MATURANA, Humberto R. e VARELA, Francisco J. A Árvore do


Conhecimento – As Bases Biológicas da Compreensão Humana 5ª
edição. São Paulo: Palas Athena, 2005, 283p.

13. MICHAËL, Tara. O Yoga. 1ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976,
194p.

14. TIRTHA, Swami Sada Shiva. The Ayurveda Encyclopedia 4ª edição.


Bayville, NY, USA: Ayurveda Holistic Center Press, 2004, 669p.

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