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A significação do ceticismo filosófico

Barry Stroud

Tradução
Eros Moreira de Carvalho, Flavio Williges e Plínio Junqueira Smith

Guia de estudos
Plínio Junqueira Smith

Associação Filosófica Scientiae Studia


São Paulo, 2020

Capítulo 3
1 A prova de Moore: exposição e crítica [1-80]
1.1 Apresentação inicial da prova de Moore [1-11]
1.2 Rejeição de duas interpretações semânticas [12-33]
1.2.1 Apresentação das interpretações [12-19]
1.2.2 Crítica dessas interpretações [20-33]
1.3 A posição de Stroud [34-80]
1.3.1 A interpretação da prova [34-58]
a) Moore é bem-sucedido em sua prova [36-47]
b) Moore não refuta o cético [48-58]
1.3.2 O compatibilismo e a importância de Moore [59-80]
a) Moore permite distinguir entre as questões internas e as questões
externas [59-66]
b) A força do impulso para a filosofia: nem Moore resistiu [67-80]
2 Transição para a segunda parte do livro [81-82].
Capítulo 3

G. E. Moore e o ceticismo: “interno” e “externo”

[1] Pode-se, às vezes, lembrar alguém que duvida ou nega que sabe uma determinada
coisa – o nome da segunda filha de Lear ou a data da batalha de Waterloo, por exemplo
– que ele, afinal de contas, sabe essas coisas. E a melhor resposta para alguém que
insiste que ele não sabe uma determinada coisa, que tal coisa não é conhecida por
ninguém ou, talvez, que não é sequer verdadeira, seria provar essa coisa para ele. A
abordagem de G. E. Moore do problema do mundo exterior inclui essas duas reações
diretas. Ele busca lembrar os filósofos de que eles, na verdade, sabem muitas das coisas
de que dizem duvidar e pensa que pode provar a aqueles que duvidam ou negam essas
coisas que há de fato coisas exteriores. Estamos talvez bastante familiarizados com o
problema do mundo exterior para duvidarmos das chances de sucesso de uma
abordagem tão direta. Entretanto, pretendo examinar o que Moore faz no seu célebre
texto “Prova de um mundo exterior” e o que alcança com ele. Eu penso que se pode ver
que ele alcança muita coisa, mesmo se se revelar que não é o que ele pensa que alcança.
[2] Ele começa, de modo característico, com algumas palavras que encontra na
Crítica da razão pura de Kant (PP, p. 127; 1980, p. 115). Ele considera que essas
palavras expressam a queixa de que nunca se deu uma prova da existência das coisas
fora de nós. Se é disso que Kant se queixa na passagem é uma questão em aberto, mas
Moore pensa que não há dúvida de que pode enfrentar o desafio que encontra expresso
lá. Ele inicia explicando com detalhes consideráveis o que precisamente vai provar e o
que seria preciso para prová-lo, limpando o terreno e arregaçando as mangas, por assim
dizer, enquanto descreve exatamente o que fará antes de começar a executar a própria
façanha notável.
[3] Moore explica que, por “coisas fora de nós”, ele quer dizer coisas que se
encontram no espaço e distingue com cuidado essa classe de coisas de dores, imagens
residuais, imagens duplicadas e semelhantes, as quais não são coisas que se encontram
no espaço. Do enunciado de que essas coisas “internas” existem, segue-se que alguém
está tendo ou teve uma experiência ou outra, mas, da existência de coisas fora de nós,
não se pode extrair nenhuma inferência desse tipo. Pode-se dizer, nesse sentido, que as
coisas fora de nós são independentes de nós, sua existência não depende de ser
percebida ou experienciada. Exemplos de coisas fora de nós, assim definidas, são folhas
de papel, sapatos e pedras, mãos humanas e bolhas de sabão. Do fato de que coisas
desse tipo existem, não se segue que alguém esteja percebendo ou experienciando
alguma coisa. Se se pudesse provar a existência de ao menos duas coisas desse tipo, a
existência de coisas fora de nós teria sido provada. Isso é precisamente o que Moore,
então, tenta fazer.
[4] A prova é curta. Ela começa com ele levantando suas duas mãos e fazendo
um certo gesto com a mão direita, enquanto diz “aqui está uma mão”, e outro gesto com
a esquerda, enquanto diz “e aqui está a outra”. Deste modo, ele prova que duas mãos
humanas existem. Ora, acabou-se de explicar que isso seria suficiente para provar a
existência de coisas fora de nós. Qualquer um que tenha provado o que Moore afirma
ter provado “provou ipso facto a existência de coisas exteriores” (PP, p. 146; 1980, p.
130). Aqui está então uma prova “perfeitamente rigorosa” da existência de coisas
exteriores. Moore pensa que é provavelmente impossível dar uma prova melhor ou mais
rigorosa sobre qualquer coisa (PP, p. 146; 1980, p. 130).
[5] Certamente parece verdadeiro, como ele assinala, que

todos nós constantemente aceitamos provas desse tipo como provas


absolutamente conclusivas de determinadas conclusões, como, por fim,
estabelecendo determinadas questões, em relação às quais estávamos antes em
dúvida (PP, p. 147; 1980, p. 130-1).

Ele dá um exemplo cotidiano em que se prova que há ao menos três erros de impressão
em uma determinada página. Se houve alguma disputa acerca dessa questão – ou,
quanto a isso, mesmo se não houve –, pode-se resolver de maneira conclusiva a disputa
na afirmativa ao encontrar um erro de impressão aqui, outro aqui e outro aqui. Isso
prova a afirmação de que há ao menos três erros de impressão em uma determinada
página. A nossa experiência – para não mencionar o que ocorre nos laboratórios
científicos e nos tribunais da lei – são cheios de exemplos similares todos os dias. A
melhor prova que poderíamos ter da existência de alguma coisa seria encontrá-la diante
dos nossos olhos.
[6] Parece-me inegável que, com frequência, provamos coisas e chegamos a
conhecê-las dessa maneira na vida cotidiana e científica. Deve-se ter isso em mente com
clareza em qualquer discussão da prova de Moore. É o que, a meu ver, torna a sua
curiosa realização tão importante para uma compreensão do problema filosófico do
nosso conhecimento do mundo exterior. Se a prova de Moore é exatamente como as
provas que damos e aceitamos acerca de assuntos similares na vida cotidiana, então, ao
estudar a sua prova e perguntar como ela se relaciona com o problema filosófico,
podemos ter a esperança de esclarecer a relação entre o problema filosófico e os nossos
procedimentos ordinários e as afirmações de que sabemos coisas na vida cotidiana. Se
Moore realmente prova que há coisas exteriores, isso não resolve a questão de se
sabemos que essas coisas existem? E se ele responde à questão, ela também não é
respondida um milhão de vezes por dia por provas que damos na vida cotidiana que são
tão rigorosas e tão conclusivas quanto a de Moore? Qualquer um que tente explicar o
problema filosófico do mundo exterior teria de ter respostas convincentes para essas
questões. Se, por outro lado, pensamos que Moore de fato não prova o que ele se propõe
a provar, não se segue que as nossas tentativas ordinárias de saber e de provar coisas na
vida cotidiana são deficientes da mesma maneira? Seguir-se-ia que ninguém jamais
estabelece que há exatamente três erros de impressão em uma determinada página. Mas
onde, exatamente, Moore erra? E que erros todos os demais estamos cometendo na vida
cotidiana quando damos e recebemos provas que consideramos como conclusivas?
[7] Eu considerei um tipo de resposta a essas questões no capítulo dois. Segundo
ela, teríamos de aceitar a conclusão cética de que nunca sabemos nada sobre o mundo
ao nosso redor na vida cotidiana e científica. Uma consideração da prova de Moore nos
fornece uma maneira de testar a plausibilidade ou, talvez, até a inteligibilidade dessa
resposta.
[8] Moore ressalta que a sua prova satisfaz três condições necessárias para uma
prova bem-sucedida. (1) A sua premissa é diferente da conclusão em cuja prova ela é
usada. A proposição “duas mãos humanas existem” é diferente de “eis aqui uma mão
humana” e de “eis aqui outra mão humana”. Aquela conclusão poderia ser verdadeira
mesmo se essas duas premissas forem falsas. (2) Sabe-se que as premissas são
verdadeiras. Seria um absurdo completo, diz Moore, sugerir que ele não sabe que aqui
está uma mão e aqui está outra ou que ele apenas acredita que isso é verdadeiro, mas
não pode estar certo disso. “Você poderia também sugerir que eu não sei que estou
agora de pé e falando, que talvez, afinal, eu não esteja e que não é absolutamente certo
que eu esteja!”, ele responde (PP, p. 146-7; 1980, p. 130). (3) A conclusão se segue das
premissas. Se é verdadeiro que aqui está uma mão e que aqui está outra, não poderia de
jeito nenhum ser falso que duas mãos humanas existem neste momento. Assim, a prova
de Moore é igual a outras provas em que uma conclusão é validamente inferida das
premissas que diferem dela e que se sabe serem verdadeiras.
[9] Uma vez que estejamos familiarizados com o problema filosófico do mundo
exterior, sentimos de imediato, a meu ver, que a prova de Moore é inadequada. Ficamos,
então, muito mais inclinados a objetar que ele realmente não satisfaz a segunda das três
condições para uma prova bem-sucedida, ele de fato não sabe que aqui está uma mão e
aqui está outra. Parece inadequado protestar que a conclusão não se segue das
premissas, que, mesmo se fosse verdadeiro que aqui está uma mão e aqui está outra,
ainda poderia não ser verdadeiro que duas mãos humanas existem, de modo que o seu
“conhecimento” das premissas nos aparece como a afirmação mais questionável feita
por Moore a favor da sua prova.
[10] Vale a pena investigar a fonte dessa reação bem natural. A meu ver, isso é
mais complicado do que poderia parecer. Podemos distinguir duas questões que, em
geral, não são levantadas em separado, provavelmente porque uma determinada resposta
a uma delas é considerada como certa. Podemos perguntar se a prova de Moore é uma
boa prova, se ele sabe o que afirma saber e legitimamente estabelece a sua conclusão
com base nisso. Se sim, ele provou que há coisas exteriores. Também podemos
perguntar se Moore refuta o ceticismo filosófico e responde de maneira afirmativa o
problema filosófico do mundo exterior. A meu ver, sentimos de imediato que a resposta
a esse segundo problema é “não”. Mas devemos, então, concluir que a resposta à
primeira questão deve ser “não” também, que deve haver algo de errado com a prova de
Moore? Como o que Moore realiza não responde a um determinado problema filosófico
(supondo no momento que não responde), segue-se que deve haver algo de errado com
essa realização, que ela não é bem-sucedida em responder o que Moore pretendia que
ela respondesse? A meu ver, isso não se segue de imediato. Explicar por que é assim
pode nos ajudar a iluminar o caráter especial do problema filosófico.
[11] Com efeito, se aquela conclusão se seguisse, seria porque o que Moore diz é
inconsistente com o que o ceticismo filosófico afirma e porque a sua prova foi
elaborada para refutar essa mesma tese filosófica. Claro, é muito natural supor que seja
assim. Moore diz “eu sei que há ao menos duas coisas exteriores” e o ceticismo
filosófico afirma “ninguém sabe se há qualquer coisa exterior”. É difícil imaginar como
eles poderiam não ser inconsistentes entre si. Ademais, Moore considerou a si mesmo
como refutando exatamente o que ele pensa que os filósofos céticos estão dizendo.
Todavia – e aqui eu somente introduzo a possibilidade – , se não houvesse, de fato,
incompatibilidade entre elas e se o que Moore afirma refutar se revelasse não ser de
modo algum a tese do ceticismo filosófico, nós não seríamos forçados, com base nas
razões usuais, a dizer que há algo de errado com a sua prova como uma prova. Talvez
pudéssemos até mesmo dizer que ele realmente sabe que há coisas exteriores e que
realmente se pode provar que há exatamente três erros de impressão em uma
determinada página, desde que não sugiramos em ambos os casos que se demonstrou,
dessa forma, que o ceticismo filosófico não é verdadeiro. Pode tornar-se muito mais
difícil de compreender, então, no que poderia consistir o ceticismo filosófico, mas ao
menos teríamos uma imagem menos distorcida de como provamos e sabemos coisas na
vida cotidiana, em contraste com a qual tentamos iluminá-lo.
[12] Para começar a explorar a questão da compatibilidade ou incompatibilidade
entre o conhecimento cotidiano e a tese do ceticismo filosófico, quero considerar
algumas das maneiras pelas quais a prova de Moore pode ser mal interpretada quando é
avaliada em excesso sob a luz de uma determinada compreensão do problema
filosófico. Ofereço como ilustrações duas explicações da prova de Moore que, embora
lhe sejam favoráveis, são, a meu ver, em última análise, inaceitáveis. Pode-se aprender
algo com cada uma delas.
[13] Norman Malcolm tentou identificar a grande força e a importância
filosófica do trabalho de Moore, apesar do fato de que, tomada pelo seu valor de face, a
sua prova parece simplesmente “cometer uma petição de princípio” contra o ceticismo
filosófico e a sua resposta ao paradoxo filosófico “não parece ser fecunda” ou “uma
resposta que deveria convencer o filósofo de que o que ele disse é falso” (S, p. 148).
Moore diz que ele realmente sabe que há mãos diante dele e, assim, quaisquer
argumentos para concluir o contrário devem estar errados, mas, de acordo com
Malcolm, “ele não diz como eles estão errados; ele não está, então, cometendo uma
petição de princípio?” (1963, p. 177). Se Moore, em sua “prova”, estivesse somente
afirmando que há duas mãos humanas, Malcolm pensa que ele não refutaria o que o
filósofo cético diz – “pelo menos parece um tipo pobre de refutação” (S, p. 348-9). Em
resposta a um filósofo que diz que nunca podemos saber se há uma árvore diante de nós,
por exemplo, Malcolm pensa que seria “sem sentido” Moore dizer “eu sei que há uma
árvore ali porque tenho uma visão clara e não obstruída dela” (1949, p. 209). Mas isso
parece ser exatamente o tipo de coisa que Moore diz.
[14] Alice Ambrose também acha a prova de Moore insatisfatória quando
tomada pelo seu valor de face. A seu ver, a prova jamais convenceria um filósofo cético
porque este ainda exigiria que Moore provasse as suas premissas de que aqui está uma
mão e aqui está outra. Não se trata apenas de que o filósofo tenha padrões mais elevados
do que Moore ou que Moore se convença mais facilmente de coisas do que deveria.
Antes, Ambrose pensa que o filósofo questiona a própria possibilidade de saber coisas
tais como as premissas de Moore, isto é o que está envolvido em questionar a
possibilidade de saber se qualquer coisa exterior existe. Uma vez que o filósofo cético
concordaria com Moore que ser uma mão implica ser um objeto exterior, Ambrose
pensa que a prova de Moore “não será relevante”, se demonstra somente que a
existência de coisas exteriores se segue da existência de mãos humanas (S, p. 399). Ela
conclui que, se se considera “há coisas exteriores” como uma proposição francamente
empírica deduzida de outra proposição estabelecida pelas informações dos sentidos, ela
não poderia jamais servir como uma refutação do ceticismo (S, p. 399).
[15] Ambas as respostas partem da reação de que a prova de Moore, considerada
como se encontra, não é bem-sucedida como uma refutação do ceticismo filosófico
sobre o mundo exterior. Contudo, ambas consideram a prova como extremamente
valiosa e, na verdade, correta quando bem compreendida. Para Malcolm, ela é um
avanço filosófico de grande importância que de fato refuta o ceticismo (S, p. 349). Para
Ambrose, ela é bem-sucedida em nos fazer ver que o ceticismo é inaceitável (S, p. 418).
Eles, portanto, concluem que a prova não pode ser tomada pelo seu valor de face.
Moore deve estar fazendo algo diferente do que parece estar fazendo. A sua prova não
pode ser a demonstração empírica ordinária que ela parece ser.
[16] Tanto para Malcolm quanto para Ambrose, não se pode avaliar a força real
da prova de Moore sem a compreensão da natureza peculiar do ceticismo filosófico.
Ambos pensam ser claro, após reflexão, que para o filósofo cético não se poderia
considerar nada a respeito da existência das coisas exteriores como conhecimento por
meio dos sentidos. Não é somente que os dados apresentados por Moore para a
existência das suas mãos são incompletos ou inadequados de maneiras especificáveis,
mas também que todos os dados empíricos que poderiam existir não seriam suficientes.
Ambrose pensa que o filósofo cético não pode nem mesmo descrever que tipo de coisa
poderia tornar os dados de alguém para “há coisas exteriores” completos. Para ela, não
há circunstâncias descritíveis em que se poderia dizer de alguma pessoa que ela sabe
que há coisas exteriores. Ela conclui que não se pode falsear a afirmação do cético
“ninguém sabe se coisas exteriores existem” e, portanto, não pode ser uma “afirmação
empírica” acerca da nossa inabilidade de conhecer (S, p. 402). A seu ver, isso, por sua
vez, mostra que “o cético está argumentando a favor da impossibilidade lógica do
conhecimento e não em favor de algum fato empírico” (S, p. 402). Para o cético,
qualquer enunciado como “eu não sei se há um dólar na minha carteira” é
“necessariamente verdadeiro” (S, p. 402). Malcolm também sustenta que o ceticismo
filosófico é a posição de que é “logicamente impossível” para qualquer um saber que há
uma árvore ou que aqui está uma mão humana. Para o cético, há uma “contradição” em
supor que essas coisas são conhecidas (S, p. 353). Malcolm e Ambrose concordam
acerca da invulnerabilidade do filósofo cético à refutação empírica direta e, portanto,
acerca da origem da fraqueza ou da irrelevância da prova de Moore considerada
simplesmente como uma afirmação de saber que há mãos diante dele e que, portanto,
pelo menos duas coisas exteriores existem. Eles também pensam que, portanto, se deve
compreender a prova como sendo algo diferente do que ela parece ser à primeira vista.
Somente assim ela refutaria o ceticismo filosófico corretamente compreendido. Tanto
Malcolm quanto Ambrose supõem que essa é a única maneira pela qual a prova poderia
ter a profunda importância filosófica que ela tão obviamente tem para eles.
[17] O que, então, Moore está realmente fazendo na sua prova e como ele se sai
na refutação do ceticismo filosófico? De acordo com Malcolm, ele está realmente
salientando que não há contradição envolvida em afirmar que alguém sabe que há uma
mão diante dele e, portanto, um objeto exterior. Ele faz isso da única maneira que
Malcolm permite que seja possível mostrar que algo é não contraditório: mostrando que
há uma “linguagem perfeitamente correta” para dizer em determinadas ocasiões coisas
como “eu vejo uma árvore” ou que “é uma maneira de falar adequada dizer que
sabemos com certeza que há várias cadeiras nesta sala” (S, p. 354). Moore recorre ao
“nosso senso de linguagem” (S, p. 354). Ao insistir que ele sabe as coisas que sabe,
Moore “nos lembra que há um uso ordinário da expressão ‘saber com certeza’ que é
aplicado a enunciados empíricos” (S, p. 355). Isso, em si mesmo, “constitui uma
refutação do enunciado filosófico de que nunca podemos ter conhecimento certo de
enunciados de coisas materiais” (S, p. 355). A prova de Moore realmente mostra algo
relevante sobre o que é a linguagem correta e, a partir daí, por sua vez, diz-se que se
segue uma conclusão sobre a possibilidade de um determinado estado de coisas.
[18] A explicação de Ambrose concorda com a maior parte do que Malcolm diz,
mas dá um passo adiante. A seu ver, o filósofo cético não pode não estar ciente dos fatos
sobre como nós falamos. Ele sabe que a linguagem, na verdade, é usada de tal maneira
que a frase “eu sei que há um dólar na minha carteira” descreve algo que poderia
ocorrer. Ele admitiria que dizer que se conhece tal coisa, como a linguagem é agora
usada, não é uma falsidade necessária. É por isso que “mostrar ao cético que ele está
usando a linguagem incorretamente não irá, para Moore, resolver a disputa” (S, p. 410).
Mas o ceticismo filosófico, de acordo com Ambrose, é de fato uma insistência em que
essa frase deveria ser usada para expressar uma falsidade necessária. O cético
argumenta como se a frase “ninguém sabe que mãos existem” expressasse uma
proposição necessária, de modo que, para Ambrose, ele está realmente recomendando
ou propondo que se deveriam impedir determinadas expressões da nossa linguagem de
ter o que ele reconhece ser o seu uso corrente. Deve-se ver, portanto, a insistência de
Moore em que ele sabe que há mãos como funcionando contra o cético porque isso
“constitui uma insistência em reter o uso presente” (S, p. 411). É uma recomendação
oposta à recomendação do filósofo cético. “É a recomendação do cético que torna a
insistência de Moore relevante” (S, p. 411).
[19] Essas interpretações da prova de Moore são dadas para explicar como algo
que, na superfície, parece tão inadequado como uma resposta ao ceticismo filosófico
pode, contudo, ser de grande força e importância filosófica. Moore, decerto, não parece
estar fazendo o que afirma estar fazendo. Assim, para aumentar a plausibilidade de suas
interpretações, tanto Malcolm quanto Ambrose continuam argumentando diretamente
contra o que Moore aparenta estar fazendo. Não só a sua prova seria ineficaz contra o
cético, se ele estivesse fazendo o que ele parece estar fazendo, mas também, eles
argumentam (por diferentes razões em cada caso), Moore simplesmente não poderia
estar fazendo o que ele aparenta estar fazendo. O que ele, à primeira vista, parece estar
fazendo não pode ser feito. Entender por que, a meu ver, ambas as críticas fracassam
exige tomar um longo caminho em direção à compreensão da prova de Moore como ele
a compreende. Isso nos deixará com o problema da relação entre a sua prova e o
ceticismo filosófico.
[20] Ambrose admite que Moore parece estar mesmo tentando “estabelecer a
proposição de que existem coisas exteriores à nossa mente” (S, p. 397) por “um
argumento ordinário empírico” (S, p. 405) de uma forma bem comum. Assim como
alguém pode estabelecer uma proposição existencial como “há uma moeda na lâmina da
coleção” ao apontar para um exemplar específico, digamos, uma moeda particular de
um centavo na lâmina da coleção, assim Moore parece apontar para as suas mãos como
uma maneira de estabelecer que existem coisas exteriores. Contudo, para Ambrose, o
que Moore faz não poderia ser assim, pois apontar, no caso ordinário, “chama a atenção
para uma coisa com características que diferenciam essa coisa de coisas de outros tipos”
(S, p. 405), mas não há como indicar para alguém um “objeto exterior” dessa maneira. É
impossível apontar para algo que não é uma “coisa exterior”. Portanto, não há nada em
relação ao qual se pudessem distinguir “coisas exteriores”, nenhuma classe contrastante
de “coisas não exteriores” e nenhum conjunto de características diferenciando “coisas
exteriores” de coisas de outros tipos. Ambrose conclui que o termo “coisa exterior” não
é “um nome geral para algum tipo de coisa, designando características que distinguem
esse tipo de coisa de outro tipo de coisa” (S, p. 406). Portanto, esse não é simplesmente
um termo mais geral que “um centavo”, “moeda” ou “peça de dinheiro”, todos os quais
servem de fato para selecionar coisas de determinados tipos. Mas, então, não se pode
estabelecer a existência de coisas exteriores apontando para uma mão humana da
mesma maneira em que se pode estabelecer a existência de uma moeda apontando para
um centavo. Desse modo, a prova de Moore, o que quer que ela seja, não pode ser uma
demonstração empírica direta de uma proposição empírica. Ela não pode ser uma
refutação empírica de um filósofo cético que nega que se podem conhecer coisas
exteriores. Essa objeção ao que Moore parece estar fazendo pretende sustentar a
afirmação de Ambrose de que ele está realmente fazendo algo diferente na sua prova,
em particular, que ele está recomendando um determinado uso linguístico familiar ou
resistindo à recomendação radical do cético de que se usem determinadas palavras de
maneiras novas.
[21] Por sorte, nós temos a resposta de Moore a essa interpretação e não
surpreende que ele a repudie completamente. Ele insiste em que a sua afirmação de que
há coisas exteriores é “empírica” e teve a intenção de que fosse “empírica” e em que, ao
prová-la, pretendeu provar que a proposição “não há coisas exteriores” é falsa (S, p.
672). Consistente com essa leitura da sua prova, ele também considera o termo “objeto
exterior” como um termo “empírico”: produzir ou apontar para um centavo pode provar
que ao menos um objeto exterior existe assim como pode provar que ao menos uma
moeda existe (S, p. 671). Moore admite que há diferenças entre o termo “objeto
exterior” e o termo “moeda”, mas, a seu ver, os termos não diferem em relação à
possibilidade de apontar para exemplos aos quais se aplicam. Pode ser verdadeiro que
não seja literalmente possível apontar com o dedo para algo que não é um objeto
exterior, mas é possível chamar a atenção de alguém para um dado dos sentidos, uma
imagem residual, ou algum outro objeto que não é “exterior” no sentido que Moore
especificou antes de dar a sua prova e, nesse sentido, mostrar-lhe essas coisas. Assim,
para Moore, o termo “objeto exterior” encontra um contraste empírico significativo no
interior da nossa experiência, ele denota coisas que podem ser apontadas e distinguidas
de outras coisas que não pertencem a essa classe. Essa é a razão pela qual a proposição
“há coisas exteriores” se segue direta e obviamente de “há moedas” ou “há mãos
humanas”, assim como “há moedas” se segue direta e obviamente de “há um centavo”.
O termo “coisas exteriores”, como Moore o compreende, é apenas um termo empírico
mais geral do que “um centavo”, “moeda” e “peça de dinheiro”, mas nem tudo o que
existe cai sob ele.
[22] Dada essa interpretação da sua prova, não é de admirar que Moore pense
que a única objeção que alguém poderia fazer-lhe é a de que ele não provou as suas
premissas de que aqui está uma mão e aqui está outra. Objetar que o argumento não é
válido seria tão tolo quanto recusar-se a concordar que há moedas enquanto se concede
que há peças de um centavo. Se a conclusão é expressa somente com termos mais gerais
do que aqueles das premissas, a única objeção possível pareceria ser a de que as
premissas não são realmente conhecidas. Isso é, talvez, o que Wittgenstein está
admitindo no começo de Da certeza quando diz que “se você realmente sabe que aqui
está uma mão, nós concederemos a você todo o resto” (1969, 1).
[23] Uma vez que compreende a sua prova e a proposição estabelecida por ela
como sendo “empíricas”, Moore não hesita em rejeitar a interpretação de Ambrose de
que ele faz uma recomendação sobre o uso de palavras. Ele vê a si mesmo na sua prova
como recorrendo a um fato, o de que há uma mão aqui e outra aqui, para provar outro, o
de que há objetos exteriores. Ele pensa que o fato ao qual recorre prova exatamente o
que ele quer provar, mas “eu não poderia ter suposto”, Moore diz, “que o fato de que eu
tinha uma mão provou qualquer coisa acerca de como a expressão ‘objetos exteriores’
deve ser usada” (S, p. 674). Quando descobre que aqui há uma mão e aqui está outra,
ele prova que há coisas exteriores, assim como alguém poderia descobrir que aqui há
um erro de impressão, aqui há outro e mais outro aqui e, desse modo, provar que há três
erros de impressão. Em nenhum caso se prova ou mesmo se diz algo acerca da
expressão “mão”, “coisa exterior”, “erro de impressão” ou até da expressão “eu sei que
aqui está uma mão” ou “eu sei que há três erros de impressão”. Moore considera a si
mesmo como apelando a um determinado fato para provar algo que, em si mesmo, não é
nada linguístico. A sua prova, como ele a entende, seria completamente ineficaz contra
alguém que estivesse fazendo uma recomendação linguística. Das suas premissas, não
se segue nada, de um jeito ou de outro, sobre como se deveriam usar palavras.
[24] Essa insistência de Moore é importante porque mostra que, se está fazendo
o que ele aqui afirma ter feito em sua prova, não só a interpretação de Ambrose, mas
também a interpretação de Malcolm deve estar errada. Assim como o fato de que aqui
está uma mão não prova nada sobre como determinadas expressões devem ser usadas,
esse fato também não provada nada sobre como determinadas expressões são usadas ou
são corretamente usadas. O objetivo da prova de Moore não poderia ser mostrar que tal
e tal é uma “linguagem perfeitamente correta” ou “uma maneira apropriada de falar”, se
Moore está certo sobre o que ele mesmo está fazendo na sua prova. Malcolm acredita
que Moore nunca repudiou a interpretação de Malcolm da prova – ele chega a sugerir
que Moore realmente a aceita (MW, p. 171) – , mas me parece que isso não pode
ocorrer, se Moore estava fazendo o que diz que estava fazendo. Claro que Malcolm tem
um argumento adicional para mostrar que Moore não poderia estar fazendo o que diz
que estava fazendo. Vou considerar esse argumento em breve. Todavia, segundo a
própria interpretação de Moore da sua prova, não há nada a dizer-se a favor da ideia de
que as suas premissas ou a conclusão “podem ser interpretadas como afirmando ‘É uma
linguagem correta dizer…’” (S, p. 350).
[25] Poderia ainda ser verdadeiro, como diz Malcolm, que a prova ou outras
afirmações típicas de Moore contra os filósofos servem para nos “lembrar” que
“constantemente ocorrem situações que a linguagem ordinária nos permite descrever
proferindo sentenças do tipo ‘eu vejo uma caneta’” (S, p. 351) ou ele nos “lembra que
há um uso ordinário para a expressão ‘eu sei com certeza’ que se aplica a enunciados
empíricos” (S, p. 355). As observações de Moore podem servir para nos lembrar de
muitas coisas, mas isso não mostra que esses lembretes são o alvo ou a conclusão da sua
prova do mundo exterior ou que eles são o que se pretende alcançar. Se pergunto se há
algo na cozinha para comer e me dizem que tem espaguete e brócolis, eu poderia me
lembrar de que algumas palavras do português para comida foram tomadas do italiano.
Mas esse não é o objetivo da resposta, nem eu teria descoberto o que quero saber se me
tivessem dito somente os fatos da linguagem dos quais a resposta serviu para me
lembrar. Mesmo se eu me lembrasse desses fatos da linguagem, não seria correto dizer
que se pode interpretar a resposta “há espaguete e brócolis” como significando
“algumas palavras do português para comida foram tomadas do italiano”.
[26] Por trás tanto da interpretação de Ambrose quanto da de Malcolm da prova
de Moore está a ideia de que o filósofo cético não está apresentando um enunciado
empírico quando diz que ninguém sabe se alguma coisa exterior existe. É por isso que
eles pensam que não se pode compreender Moore como oferecendo um argumento
empírico direto. Não somente as suas interpretações são repudiadas por Moore, como
vimos, mas também a inferência em que elas se baseiam parece equivocada. O próprio
Moore ressalta essa ideia, ao menos em parte, na sua resposta a Ambrose.
[27] O cético filosófico poderia pensar que tem razões a priori para negar que há
coisas exteriores ou que alguém sabe que há. Mas, mesmo se ele argumenta a favor da
sua conclusão dessa maneira, não se segue que não se pode refutar empiricamente a sua
conclusão. Se alguém afirma ter estabelecido com base em razões a priori que não há
Xs ou mesmo que não poderia haver, seria uma refutação suficiente da sua posição
apontar para a presença de Xs bem na frente dos nossos olhos. O enunciado de que
sabemos a priori que não há Xs ou o enunciado de que não poderia haver quaisquer Xs
implicam ambos, afinal, que não há nenhum X. E, se é obviamente verdadeiro ou, pelo
menos, se se pode descobrir que há Xs, a afirmação inicial terá sido refutada, qualquer
que possa ter sido o argumento para isso. Moore acredita que não há nenhuma
dificuldade em refutar o ceticismo empiricamente, mesmo se as razões do cético forem
consideradas, e realmente o sejam, a priori ou não empíricas (S, p. 672-3). Mas com
esse non sequitur fora do caminho, as razões de Malcolm e de Ambrose para dizer que
Moore estava fazendo algo diferente do que parece estar fazendo na sua prova se
reduzem a nada mais que a reação de que a prova, tal como formulada, parece
ineficiente contra o filósofo cético. Eu sugiro que essa reação, que, a meu ver, nós todos
compartilhamos, é compatível com Moore fazer exatamente o que ele parece estar
fazendo na sua prova.
[28] O argumento direto de Malcolm para mostrar que simplesmente não se pode
fazer o que Moore à primeira vista parece estar fazendo procura explicar a insistência
repetida de Moore em dizer o contrário como devido a confusão. Ele pensa que Moore
não vê que, se estivesse simplesmente afirmando que sabe que aqui está uma mão
humana e aqui está outra nas circunstâncias em que se encontra, ele estaria usando
erroneamente a palavra “saber”. Simplesmente não é possível nessas circunstâncias usar
a palavra “saber” como Moore diz que a estava usando. Compreender e avaliar essa
linha de raciocínio nos levará a um longo caminho em direção à compreensão, tanto da
prova de Moore, quanto do problema filosófico do mundo exterior. Mas devemos
manter em mente, do início ao fim, que se deve avaliar esse diagnóstico de como e por
que Moore não poderia ser bem-sucedido em fazer o que ele diz que está fazendo de
maneira completamente independente de quaisquer sentimentos que possamos ter
acerca da ineficácia da sua prova contra o ceticismo filosófico. Isso nos deixará mais
perto de um exame do que Moore de fato faz, o que, neste momento, está desbotado por
causa das expectativas sobre o que ele deveria estar fazendo se quiser refutar o
ceticismo filosófico.
[29] A crítica de Malcolm à prova de Moore e a outras afirmações contra os
filósofos é que não se pode fazer observações inteligíveis como “eu sei que aqui está
uma mão humana” e “eu sei que isto é uma árvore” em qualquer situação, a qualquer
momento, mas elas exigem determinadas condições especiais para terem sentido. No
seu artigo “Uma defesa do senso comum”, ele diz que, para o uso adequado da palavra
“saber”, deve haver alguma questão em disputa ou alguma dúvida a ser removida, a
pessoa que afirma saber alguma coisa deve ser capaz de fornecer alguma razão para a
sua afirmação e deve haver alguma investigação que, se realizada, resolveria a questão
(1949, p. 203ss.).1 Malcolm sustenta que Moore viola todas as três condições na sua
prova e nas suas respostas típicas aos filósofos céticos. O filósofo, ao negar que alguém
sabe que há coisas exteriores, não está, na verdade, duvidando da existência de coisas
exteriores, não há uma questão em disputa, Moore não pode oferecer nada que seja
considerado como uma razão para o que afirma saber e não há nenhuma investigação
que poderia resolver a questão. Malcolm conclui que Moore usa erroneamente a palavra
“saber”. Não podemos nem mesmo perguntar se é verdade que Moore sabe que aqui
está uma mão humana, uma vez que ele não é bem-sucedido em usar a palavra “saber”
corretamente quando diz isso. A sua “prova”, entendida de maneira direta, não pode
decolar.
[30] É óbvio que, como uma maneira de provar que Moore usa erroneamente a
palavra “saber”, esse argumento é apenas tão bom quanto a afirmação de Malcolm de
que as condições que ele enumera são necessárias para o uso apropriado dessa palavra
em uma afirmação de conhecimento. O uso da palavra “saber” é mais complicado do
que sugerem os três exemplos de Malcolm e as três condições. Em um artigo mais
recente, ele fornece não três, mas doze exemplos de usos ordinários de “eu sei”. Ele
admite que os doze exemplos não fornecem uma explicação completa do uso apropriado
de “eu sei”. Ele agora pensa que “não há tal coisa como uma ‘explicação completa’”
(MW, p. 179). Isso torna difícil fornecer uma prova, no estilo antigo, de que Moore deve
estar usando erroneamente “saber”. Contudo, Malcolm parte desses doze exemplos para

1
Não está muito claro se Malcolm considera cada uma dessas condições como necessária ou
somente a sua disjunção.
concluir que “é claro que Moore não estava conferindo nenhum emprego comum às
palavras ‘eu sei’” (MW, p. 185).
[31] Infelizmente, Malcolm não tenta mostrar com precisão como e por que
Moore não diz alguma coisa ou usa erroneamente “eu sei” nas declarações típicas contra
os filósofos céticos. Ele está mais interessado em uma “imagem” do conhecimento com
a qual, a seu ver, Moore deve estar operando e que deve tê-lo levado a se desnortear.
Mas pode-se mostrar que a “imagem” levou Moore a se desnortear somente se se puder
mostrar que Moore foi levado a se desnortear, que ele estava de fato usando
erroneamente a expressão “eu sei” ou não estava conferindo a ela qualquer emprego
cotidiano. E isso pode ser mostrado somente por um exame mais cuidadoso daquilo que
Moore estava realmente fazendo ou tentando fazer.
[32] Em uma carta citada no artigo de Malcolm, Moore salienta que a única
razão fornecida por Malcolm para dizer que ele usa erroneamente “eu sei” é a de que ele
não usa essa expressão nas circunstâncias em que seria normalmente usada. Por
exemplo, não se expressou nenhuma dúvida ou incerteza, a qual seria então solucionada
por algum conhecimento recém-encontrado. Moore concede que poderia não servir a
nenhum propósito útil dizer uma determinada coisa ou proferir determinadas palavras
em uma determinada ocasião, mas ele insiste em que “isso é algo inteiramente diferente
de dizer que as palavras em questão não ‘têm sentido’ nessa ocasião” (MW, p. 174). A
seu ver, “é perfeitamente possível que uma pessoa, que usa [determinadas palavras]
insensatamente, no sentido de que ela as usa quando nenhuma pessoa sensata as usaria,
porque, nessas circunstâncias, elas não serviriam a nenhum propósito útil, esteja usando
essas palavras no seu sentido normal e que o que ela afirma, ao usá-las assim, deva ser
verdadeiro” (MW, p. 174). Aqui, Moore parece recorrer a algo similar à distinção entre
as condições para a aplicação apropriada ou útil de expressões e as condições da sua
verdade, a qual eu introduzi na defesa do cético no capítulo dois. Poderia parecer
estranho encontrar o anticético Moore insistindo em uma distinção que, como
argumentei, torna o ceticismo invulnerável à acusação de que ele usa erroneamente ou
distorce os significados dos seus termos. Mas essa acusação nunca faz parte do ataque
de Moore ao ceticismo filosófico. Em suas afirmações típicas contra os filósofos, ele
não está argumentando algo acerca do uso corrente ou apropriado de expressões.
[33] Nessa carta endereçada a Malcolm, ele está fazendo uma observação, é
claro, sobre o uso de expressões. Ele está negando que usou erroneamente “eu sei” na
sua prova ou na sua afirmação de que sabia que aquilo era uma árvore diante dele. Mas,
ao fazer aquelas mesmas afirmações, ele não estava fazendo uma observação sobre o
uso de expressões. Ele nem mesmo admite que as palavras que usou contra o filósofo
eram “sem sentido” no sentido de não servir a nenhum propósito útil.

Claro, no meu caso, eu as estava usando com um propósito, o de refutar uma


proposição geral que muitos filósofos afirmaram. Assim, eu não só as estava
usando no seu sentido usual, mas também sob circunstâncias em que elas
poderiam servir a um propósito útil, embora não um propósito para o qual elas
seriam comumente usadas (MW, p. 174).

Isso repete a insistência de Moore de que na sua prova ele pretendeu fazer exatamente o
que parece estar fazendo, ou seja, provando a verdade de uma determinada proposição.
Precisamos agora nos perguntar se ele é bem-sucedido e, em caso afirmativo, se o que
ele refuta com sucesso é “uma proposição geral que muitos filósofos afirmaram”.
[34] A meu ver, há uma maneira de compreender as afirmações de Moore na
qual elas são perfeitamente inteligíveis, legítimas e não envolvem nenhum uso errôneo
de “eu sei” ou de quaisquer outras expressões. Se ele, com base nisso, resolve de
maneira afirmativa o problema filosófico do mundo exterior, isso depende em parte do
que esse problema envolve e do que significa a resposta negativa do cético a ele. Mas,
se Moore de fato prova ou sabe que há coisas exteriores, deve haver alguma proposição
geral de que não há coisas exteriores e que ele prova ou sabe que é falsa. Nós sabemos
que alguns filósofos disseram ou sugeriram que ninguém sabe se há objetos exteriores.
Contudo, se houver alguma maneira de compreender as afirmações de Moore como
completamente legítimas, enfrentamos agora a possibilidade de que o que aqueles
filósofos pretenderam afirmar não é a mesma coisa que Moore prova ser falsa. É
precisamente por isso que, a meu ver, a prova do mundo exterior de G. E. Moore é tão
importante. Ele, mais do que ninguém, abriu essa possibilidade para nós. Ele, é claro,
jamais explicaria a importância do seu trabalho dessa maneira. A seu ver, ele está
refutando exatamente o que os filósofos céticos disseram ou sugeriram. Mas, se não há
nada de errado com ele dizer o que diz, ele poderia estar involuntariamente nos
apresentando a possibilidade de que o que ele e o resto de nós dizemos e fazemos na
vida cotidiana poderia ser perfeitamente verdadeiro e legítimo sem, por isso, responder
de um jeito ou de outro ao problema filosófico do mundo exterior. Se for assim, talvez
veríamos o problema filosófico e a sua resposta cética em uma relação muito mais
complicada e enigmática com o que dizemos e fazemos na vida cotidiana do que a
concepção tradicional esboçada no capítulo dois sugeriria. Esse, em si mesmo, poderia
ser um avanço filosófico de grande importância.
[35] Malcolm pensa que “é evidente que Moore não estava conferindo nenhum
emprego cotidiano às palavras ‘eu sei...’” nas suas afirmações típicas contra os
filósofos, embora “ele estivesse dizendo algo de profundo interesse filosófico” (MW, p.
185). Ele estava conferindo o que Malcolm chama de “um emprego filosófico às
palavras ‘eu sei…’” MW, p. 185). Eu concordo que Moore faz algo de profundo
interesse filosófico, mas eu gostaria de sugerir que seria possível fazer algo de profundo
interesse filosófico sem conferir um emprego “filosófico” às próprias palavras. Talvez
uma firme recusa ou uma inabilidade de falar ou pensar de uma maneira “filosófica” ou
não cotidiana revele algo da maior importância filosófica. Explorar essa possibilidade
envolverá examinar de perto, e, se possível, sem concepções filosóficas prévias, o tipo
de coisa que Moore realmente faz e diz em suas afirmações típicas contra os filósofos.
[36] É possível usar “eu sei” como Moore faz sem usá-la erroneamente? Poderia
alguém, nesse caso, realmente não responder ao problema filosófico do mundo exterior?
A meu ver, a resposta a ambas as questões é “sim”. Malcolm aparentemente pensa que a
resposta à segunda questão é “não” e talvez isso, junto com a sua compreensão do
ceticismo filosófico, seja parte do que o leva a concluir que não é possível usar “eu sei”
da maneira em que Moore tenta usá-la. Para ver que é possível usar as mesmas palavras
de Moore em contextos que não aparecem em nenhum lugar na lista de Malcolm dos
usos corretos de “eu sei”, podemos lembrar o exemplo de Thompson Clarke do
fisiologista palestrando sobre anormalidades mentais. Ainda no começo da sua palestra,
ele poderia dizer:

Cada um de nós que é normal sabe que está agora acordado, não sonhando ou
alucinando, que há um mundo público real lá fora que ele está agora percebendo,
que nesse mundo há corpos tridimensionais animados e não animados de muitos
tamanhos e formas (…) Indivíduos que sofrem de certas anormalidades mentais,
ao contrário, acreditam que o que nós sabemos ser o mundo real é sua criação
imaginária (LS, p. 756).

Aqui, o palestrante usa as mesmas palavras usadas com frequência por filósofos que
fazem ou questionam enunciados gerais acerca do mundo e do nosso conhecimento
dele. Quando diz que cada um de nós sabe que há um mundo público de corpos
tridimensionais, ele está enunciando o que se pode considerar somente como um fato
empírico claro. A maioria de nós sabe as coisas que ele menciona e aquelas pessoas
com as anormalidades que ele tem em mente presumivelmente não sabem. Essa é uma
diferença real entre pessoas que se pode observar e verificar.
[37] A meu ver, não consideramos o palestrante como tendo, nesse contexto,
resolvido de maneira afirmativa o problema filosófico do nosso conhecimento do
mundo exterior. Se alguma vez levantarmos a questão filosófica de se alguém sabe que
existe um mundo público de objetos tridimensionais persistentes, seria ridículo
responder “a resposta é ‘sim’, nós sabemos da existência do mundo exterior. Aquele
fisiologista diz que sabemos e ele é um cientista respeitável que sabe do que está
falando”. É difícil dizer precisamente por que isso é absurdo – afinal de contas, o
palestrante de fato disse que nós sabemos isso e (podemos supor) ele de fato sabe o que
está dizendo –, mas, a meu ver, não há dúvidas de que essa seria a nossa reação.
Certamente, o fisiologista, nas suas palestras, não está respondendo a nenhum desafio
que, a seu ver, a filosofia lhe propõe. Nenhum pensamento filosófico precisa ter alguma
vez entrado na sua cabeça. Ele poderia dizer e pretender dizer exatamente o que diz
mesmo se não tivesse jamais havido algo como a filosofia. Ele está simplesmente
distinguindo dois grupos de pessoas com base no que um grupo sabe e o outro não sabe.
Ele está enunciando o que ele e todo o resto de nós sabemos ser um fato.
[38] O que quer que possamos pensar sobre a relação entre o que o palestrante
diz e o problema filosófico do mundo exterior, é claro que não se pode acusá-lo de usar
erroneamente a palavra “saber”. Ele realiza uma aplicação perfeitamente legítima e
inteligível da palavra e, uma vez que sejamos lembrados de exemplos como esse, vemos
que se podem fazer observações similares em circunstâncias relativamente ordinárias
todos os dias. Mas nenhuma das três condições originais de Malcolm são satisfeitas e
nenhum exemplo similar a esse aparece em sua lista ampliada. Quando o fisiologista
estava dando a sua palestra, não havia nenhuma questão em disputa sobre o mundo
exterior e nenhuma dúvida a ser removida. Ele não forneceu nenhuma razão para a sua
afirmação e não havia nenhuma investigação em curso que poderia resolver a questão
da existência do mundo exterior. Mas violar as condições de Malcolm ou não aparecer
na sua lista ampliada não é prova de uso errôneo. Há mais usos legítimos da palavra
“saber” do que os quinze ou mais concebidos na filosofia de Malcolm.
[39] Moore, claro, não estava palestrando sobre anormalidades mentais e estava
dirigindo as suas observações aos filósofos, de modo que o exemplo do fisiologista
palestrando não resolve de imediato a questão de como devemos compreender Moore.
Mas esse exemplo mostra que é possível dizer, com legitimidade e de modo não
dogmático, o que, pelo menos, parece a mesma coisa que o filósofo cético duvida ou
nega, sem resolver ou sequer tocar no problema filosófico do nosso conhecimento do
mundo exterior. Isso deve nos deixar mais desconfiados de uma passagem direta da
reação compreensível de que Moore não refuta o ceticismo filosófico para a conclusão
de que ele usa erroneamente “saber” ou não lhe dá nenhum emprego cotidiano.
[40] Considere-se outro uso cotidiano de “saber” não considerado por Malcolm,
que é mais próximo ao de Moore do que aquele do fisiologista palestrando. Suponha-se
que se cometeu recentemente um assassinato em uma casa de campo durante uma festa
de final de semana. O jovem duque é encontrado esfaqueado do outro lado da grande
mesa no salão, embora o mordomo estivesse com ele todo o tempo, exceto por alguns
segundos, quando saiu para atender o telefone na sala de estar, na qual havia muitas
pessoas. Um detetive experiente e o seu jovem assistente estão entre os convidados e
estão tentando entender como o assassinato poderia ter acontecido. Após reflexão
considerável, o ansioso assistente declara que alguém deve ter entrado correndo na sala,
esfaqueado a vítima e saído com rapidez, antes de o mordomo voltar após desligar o
telefone. “Essa é a única maneira que o assassinato poderia ter acontecido”, ele diz, “a
única coisa que não sabemos é quem fez isso”. “Não”, diz o detetive experiente na cena
do crime, “nós sabemos que a mesa está aqui e é tão grande que ninguém poderia ter
vindo por aquela porta, contornado por esse lado da mesa, esfaqueado a vítima e saído
antes de o mordomo retornar”.
[41] O detetive experiente não está usando erroneamente a palavra “saber”. Mas,
quando diz que eles sabem que a mesa está lá e estava lá alguns minutos atrás, não há
nenhuma questão em disputa acerca da presença da mesa e nenhuma dúvida acerca dela
a ser sanada. Ele não oferece nenhuma razão para a sua afirmação e não há nenhuma
investigação que poderia resolver a questão. Nem ele está fazendo qualquer uma das
outras coisas que Malcolm lista como empregos possíveis de “eu sei”. Ele está
simplesmente lembrando o seu colega de algo que ele sabe e parece ter negligenciado
ou negado na sua explicação hipotética do assassinato. Esse é frequentemente um
procedimento útil ao tentar determinar o que é verdadeiro ou no que acreditar. O
detetive sabe que as reflexões do seu colega mais novo devem estar erradas, pois estão
em conflito com algo que ambos já sabem ser verdadeiro. Ele não precisa nem mesmo
saber que pensamentos levaram o assistente àquela conclusão. Mesmo sem encontrar
alguma falha específica no pensamento do seu colega, ele sabe que tal pensamento está
errado, pois esse só poderia ser correto se a mesa não estivesse lá. A presença da mesa é
algo que se conhece e não se pode negar em sua reflexão; e o detetive está com toda
razão ao lembrar o aprendiz disso. Ele traz de volta para o chão firme as especulações
entusiasmadas, porém equivocadas, do seu colega.
[42] Moore poderia usar “saber” dessa maneira? A técnica era-lhe decerto
familiar. Em uma conferência para a Aristotelian Society sobre juízos perceptivos como
“isto é um tinteiro” ou “isto é um dedo”, por exemplo, ele reconhece que alguns
filósofos parecem até ter negado que alguma vez sabemos que essas coisas são
verdadeiras ou, ainda, que alguma vez são verdadeiras, mas Moore responde:

Parece-me uma refutação suficiente de posições como essas simplesmente


apontar para casos em que nós sabemos tais coisas. Isso, afinal de contas, você
sabe que realmente é um dedo; não há dúvida acerca disso; eu sei disso e todos
vocês sabem também. E, a meu ver, podemos seguramente desafiar qualquer
filósofo a apresentar algum argumento a favor da proposição de que não
sabemos isso ou a favor da proposição de que isso não é verdadeiro, o qual, em
algum momento, não repouse sobre alguma premissa que, sem comparação, seja
menos certa do que a proposição que se pretende que ela ataque. A questão de se
alguma vez sabemos coisas como essas e a questão de se há quaisquer coisas
materiais parecem a mim, portanto, questões que não precisamos levar a sério,
são questões que são muito fáceis de responder com certeza no afirmativo (1958,
p. 228).2

Aqui, Moore está claramente relembrando a sua audiência de algo que os filósofos aos
quais ele se refere parecem negar. Imagine ele dizendo isso, como ele o disse, e não
apenas escrevendo isso (“Isso, afinal de contas, você sabe que realmente é um dedo; não
há dúvida acerca disso; eu sei disso e todos vocês sabem também.”).3 A seu ver, o que

2
Não vejo nenhum conflito, como M. Lazerowitz vê, entre Moore dizer que essas questões não
precisam ser levadas a sério e ele continuar a escrever sobre elas e até oferecer uma prova do
mundo exterior. Nem penso que isso mostra qualquer ambivalência da parte de Moore acerca da
força das suas “refutações”. Dizer repetidas vezes que já se sabe uma determinada coisa, em
particular quando outros parecem negá-la, não mostra nem mesmo que alguém quase pensa que
há uma questão séria acerca de se tal coisa é conhecida. E a “Prova de um mundo exterior”
concentra-se na questão adicional de se pode ser provado que há coisas exteriores. Isso não
mostra que, se existem ou se sabemos que existem, as coisas exteriores estão, de alguma
maneira, seriamente em questão para Moore (cf. Lazerowitz, S, p. 376).
3
A meu ver, é significativo que quase todos os artigos de Moore foram conferências públicas
solicitadas. Elas foram elaboradas para serem ouvidas por uma audiência e foram escritas
especificamente para certas ocasiões, não foram simplesmente publicadas por Moore. Mesmo a
exceção aparente, “Uma defesa do senso comum”, foi uma contribuição solicitada para um
volume em que foi dada aos autores “uma oportunidade de expressar autenticamente o que eles
consideram como o principal problema da filosofia e o que eles se esforçaram em tornar central
ele diz é suficiente para mostrar que tais posições devem estar erradas; é uma “refutação
suficiente”, como dito. Ele tenta trazer os filósofos de volta para o chão firme.
[43] Moore pensa que pode desafiar com segurança os filósofos dessa maneira
porque pensa que nada é mais certo do que isto ser um dedo. Essa é a razão pela qual ele
está tão confiante de que qualquer argumento contra isso teria de se apoiar em algum
momento em alguma premissa que é menos certa. Essa capacidade de permanecer
sereno diante de um raciocínio filosófico aparentemente perturbador e nunca lançar uma
segunda olhada para a sua certeza é característico dos confrontos de Moore com outros
filósofos. Filósofos tendem a considerá-lo como dogmático e inflexível a esse respeito e
a pensar que ele deveria levar mais a sério a possibilidade de que a sua certeza pode
estar mal fundada. Nós pensamos que o detetive experiente é dogmático ou precipitado
na sua resposta ao aprendiz? Ele sabe que a mesa está lá, assim como o aprendiz, e esse
conhecimento é o que o assegura de que qualquer explicação do assassinato deve
reconhecer que a mesa está lá. Ele também poderia estar confiante de que qualquer um
que tentasse explicar o assassinato negando que a mesa está lá teria de se apoiar em
algum momento em algo menos certo do que isso. Não pode haver nenhuma objeção à
avaliação do detetive acerca da hipótese do aprendiz com base em como ela se ajusta ao
que já se sabe. É difícil pensar em qualquer outra maneira de julgar a verdade ou a
plausibilidade de algo. O fato de o detetive permanecer sereno diante da sugestão do
aprendiz e de não reconsiderar a sua certeza de que a mesa está lá não é dogmatismo.
Ele seria um péssimo detetive se pudesse ser levado a negar fatos óbvios apenas para ter
uma ou outra explicação. Descartar sem investigação adicional algo que está em
conflito com o que já se conhece é o próprio coração da racionalidade. É uma das coisas
que faz ele ser o detetive experiente que é.
[44] A meu ver, Moore vê a si mesmo como seguindo o mesmo procedimento
eminentemente racional. Ele pensa que o que ele diz está em conflito com o que o
filósofo cético diz e que é uma “refutação suficiente” do ceticismo filosófico apontar,
como ele aponta, para alguma coisa particular que se conhece.
[45] Em conferências apresentadas em 1910, por exemplo, ele considera dois
“princípios” aceitos por Hume que juntos, a seu ver, implicam que é impossível para

na sua especulação sobre esse problema” (Muirhead, 1925, p. 10). “Uma defesa do senso
comum” foi solicitada, não foi espontaneamente oferecida ao mundo por Moore.
qualquer um conhecer qualquer coisa exterior à mente.4 Para provar que esses
“princípios” são falsos, Moore diz:

Parece-me, na verdade, que não há realmente nenhum argumento mais forte e


melhor do que o seguinte. Eu de fato sei que esse lápis existe, mas eu não
poderia saber isso se os princípios de Hume fossem verdadeiros. Portanto, os
princípios de Hume, um ou ambos, são falsos. A meu ver, esse argumento é tão
forte e tão bom quanto qualquer outro que se poderia usar e é realmente
conclusivo. Em outras palavras, penso que o fato de que, se os princípios de
Hume fossem verdadeiros, eu não poderia saber da existência desse lápis é uma
redução ao absurdo desses princípios (1958, p. 119-20).

Ele reconhece que um defensor das concepções de Hume aceitaria aquela mesma
proposição condicional e argumentaria, com base na verdade daqueles princípios, a
favor da conclusão de que Moore não sabe que o seu lápis existe. Cada argumento é
simplesmente o reverso do outro. Ambos são válidos e compartilham uma premissa
comum. Para Moore, a questão de qual conclusão aceitar se resume à questão de saber
se é mais certo que ele sabe que o seu lápis existe ou que os dois “princípios” de Hume
são verdadeiros. Moore pensa ser óbvio que é mais certo que ele sabe que o seu lápis
existe. Muito claramente, o seu objetivo é refutar a filosofia de Hume ao apoiar-se no
procedimento de reter o que se conhece ou é mais certo quando isso entra em conflito
com o que é menos certo.
[46] O fato de que “eu sei que esse lápis existe” é mais certo do que qualquer
premissa que se poderia usar para provar a sua falsidade é a base de toda a estratégia de
Moore contra os filósofos céticos.

É por isso que eu digo que o argumento mais forte para provar que os princípios
de Hume são falsos é um argumento com base em um caso particular, como esse

4
Os dois “princípios” são: (1) ninguém pode saber que algo que não foi apreendido diretamente
existe a menos que se saiba que algo que foi diretamente apreendido é um signo da sua
existência; e (2) ninguém pode saber que uma coisa é um signo de outra a menos que se tenha
apreendido diretamente coisas de ambos os tipos. Obviamente, se segue de (1) e (2) que
ninguém pode saber da existência de coisas materiais somente se coisas materiais não podem ser
apreendidas diretamente. Moore, de fato, acredita que “ninguém sabe, por apreensão direta, da
existência de qualquer coisa exceto os seus próprios atos de consciência e os dados dos sentidos
e imagens que ele apreende diretamente” (Moore, 1958, p. 11). Eu não entendo por que Moore
aceita essa tese. O raciocínio cético, como aquele de Descartes, pode levar alguém a aceitá-la,
mas Moore parece imune à força de tal raciocínio. Nem eu entendo como Moore não vê as
consequências céticas da tese dos dados dos sentidos. Aqui a minha perplexidade vai muito
além de Moore. Muitos filósofos parecem sustentar tal tese enquanto, ao mesmo tempo,
acreditam saber coisas sobre o mundo ao seu redor.
em que temos conhecimento da existência de algum objeto material. De modo
similar, se o objetivo é provar em geral que de fato temos conhecimento da
existência de coisas materiais, não se pode apresentar, a meu ver, nenhum
argumento que seja realmente mais forte para provar isso do que exemplos
particulares em que de fato temos conhecimento da existência de um tal objeto
(1958, p. 125-6).

O modelo de argumento anticético descrito aqui em 1910 é precisamente o que Moore


segue no seu famoso texto “Prova de um mundo exterior” vinte e nove anos depois. Ele
nunca abandonou a ideia de apresentar coisas particulares que sabemos para refutar
negações de conhecimento que parecem entrar em conflito com essas coisas serem
conhecidas.5
[47] Em “Quatro formas de ceticismo”, ele segue a mesma estratégia. Depois de
identificar quatro “suposições” que afirma estarem por trás de vários argumentos céticos
de Russell, ele termina confessando que “não pode deixar de perguntar” a si mesmo se é
tão certo que essas quatro suposições são verdadeiras quanto é que ele sabe que isso é
um lápis ou que a sua audiência está consciente.

Eu não posso deixar de responder: parece-me mais certo que eu de fato sei que
isto é um lápis e que vocês estão conscientes do que qualquer uma dessas
suposições isoladamente seja verdadeira, muito menos todas as quatro (…). Eu
concordo com Russell que (1), (2) e (3) são verdadeiras, ainda assim, eu não
sinto nenhuma dessas três como tão certa quanto eu sinto que sei com certeza
que isto é um lápis. Mais do que isso: eu não penso que seja racional estar tão
certo de qualquer uma dessas quatro proposições quanto da proposição de que eu
sei que isto é um lápis (PP, p. 226).

5
Moore aqui fala de apresentar exemplos particulares em que temos conhecimento da existência
de um objeto material para provar que “temos conhecimento da existência de objetos materiais”.
Em sua resposta a Ambrose, ele afirma que nunca pretendeu que sua prova de um mundo
exterior fosse uma refutação de “ninguém sabe que há coisas exteriores”. Ele censura Ambrose
por não traçar a distinção e acrescenta “eu não penso que eu alguma vez sugeri que se poderia
provar a falsidade de [‘ninguém sabe com certeza que há objetos materiais’] dessa maneira tão
simples; por exemplo, levantando uma de suas mãos e dizendo ‘eu sei que essa mão é um objeto
material. Portanto, pelo menos uma pessoa sabe que há ao menos um objeto material’” (S, p.
668). Mas isso parece ser justamente o que ele de fato diz na sua conferência de 1910. Ou
Moore se equivoca na sua rejeição, ou ele não considera levantar a sua mão e dizer “eu sei que
esta mão é uma coisa material” como apresentando um exemplo particular em que alguém tem
conhecimento da existência de um objeto material. Não vejo por que não. Eu, portanto, continuo
tratando a sua prova de um mundo exterior como também implicando que sabemos que há
coisas exteriores.
Mesmo a aceitação por parte de Moore de três das suposições de Russell não é
suficiente para persuadi-lo de que poderia haver algo no argumento de Russell. Não
somente ele está menos certo da verdade delas do que está de que sabe que isto é um
lápis, como também não acredita que seria racional acreditar de outra maneira.
[48] O detetive, em sua resposta ao aprendiz, seguiu a estratégia eminentemente
racional de rejeitar o menos certo porque este entra em conflito com o mais certo ou de
rejeitar uma hipótese que entra em conflito com o que já se sabe. Moore está certo em
pensar que seus argumentos funcionam contra os filósofos céticos da mesma maneira?
Depende da fonte da conclusão filosófica. Nem sempre é possível rejeitar a negação de
conhecimento apenas recorrendo a alguma coisa particular que se conhece. Imagine um
estágio um pouco posterior da investigação do assassinato. O aprendiz, corrigido com
pertinência, tenta ser minucioso e sistemático e decide considerar todos que poderiam
ter cometido o assassinato para eliminá-los um por um. Ele obtém da secretária do
duque uma lista de todos aqueles que estavam na casa naquele momento e, por meio de
uma investigação cuidadosa, mostra de maneira conclusiva – e, vamos supor, correta –
que a única pessoa na lista que poderia ter feito isso é o mordomo. Ele, então, declara ao
detetive que agora ele sabe que o mordomo cometeu o assassinato. “Não”, o detetive
experiente retruca, “essa lista foi simplesmente fornecida a você pela secretária; poderia
ocorrer que alguém, cujo nome não está na lista, estava na casa nesse momento e
cometeu o assassinato. Ainda não sabemos quem o fez”.
[49] Essa é uma objeção pertinente à afirmação de conhecimento do aprendiz. Se
ele não verificou a completude da lista, reconhecemos que ele foi apressado e ainda não
sabe quem cometeu o assassinato. Seria absurdo, nesse momento, ele tentar rejeitar o
que o detetive disse recorrendo ao seu “conhecimento” de que o mordomo cometeu o
assassinato. O detetive disse que, mesmo depois de todo o valioso trabalho do aprendiz,
eles ainda não sabem quem cometeu o assassinato e o aprendiz não pode responder
dizendo “não, você está errado, porque eu sei que o mordomo o cometeu”. Na conversa
anterior, o detetive estava certo em rejeitar a afirmação do aprendiz ao dizer “não, você
está errado porque nós sabemos que esta mesa está aqui e estava aqui alguns minutos
antes”. Isso refuta o aprendiz. Mas o que pode parecer uma resposta formalmente
similar ao detetive nessa conversa posterior seria ridícula. Não seria uma “refutação
suficiente” da negação de conhecimento por parte do detetive ou um “argumento bom e
conclusivo” contra ele. Se o que o aprendiz diz (“eu sei que o mordomo o cometeu”) é
verdadeiro, o que o detetive diz (“nós ainda não sabemos quem o cometeu”) não é
verdadeiro, mas isso não fornece ao aprendiz uma redução ao absurdo do que o detetive
disse. Ele não pode argumentar a favor da conclusão de que o que o detetive disse não é
verdadeiro com base na verdade desse condicional.
[50] Isso não significa dizer que jamais se possa recorrer ao próprio
conhecimento dessa precisa maneira para refutar alguém que nega o seu conhecimento.
Suponha-se que, mais tarde ainda, o detetive e o seu aprendiz tenham estabelecido, para
além de qualquer dúvida, que o mordomo de fato cometeu o assassinato – eles acabaram
de encontrar uma câmera escondida que gravou todo o evento e o filme que assistiram
há pouco mostra com clareza o mordomo em ação. Se um repórter de um jornal que não
sabe nada acerca da descoberta da câmera está falando pelo telefone no pátio “não se
sabe ainda quem cometeu o assassinato”, o aprendiz, que o escuta por acaso, pode
facilmente refutá-lo dizendo “não, eu sei que o mordomo o cometeu”. Nesse caso, ele
poderia “argumentar” da seguinte maneira: o que o repórter disse implica que eu não sei
que o mordomo cometeu o assassinato; ora, eu sei que o mordomo o cometeu; logo, o
que o repórter disse não é verdadeiro. Esse é um argumento conclusivo. Ele é “um
argumento tão forte e tão bom quanto qualquer um que se poderia usar” para mostrar
que o repórter desinformado está equivocado. Essas mesmas palavras, contudo, em um
argumento com a mesma forma, não funcionam contra o detetive que nega o
conhecimento do aprendiz.
[51] A diferença entre os dois casos é obviamente que o detetive, ao contrário do
repórter, está negando o conhecimento do aprendiz ao apontar para uma deficiência na
maneira pela qual a conclusão do aprendiz foi obtida. Levantou-se uma determinada
possibilidade compatível com toda a informação do aprendiz para a sua afirmação e, se
ocorresse, ela significaria que ele não sabe que o mordomo cometeu o assassinato. A
meu ver, nós reconhecemos que, mesmo se essa possibilidade de fato não ocorrer –
ninguém cujo nome não esteja na lista não estava de fato na casa naquele momento –, o
aprendiz ainda não sabe dessa maneira que o mordomo cometeu o assassinato a não ser
que ele tenha também estabelecido que a lista é completa. Ele não pode responder ao
desafio do detetive simplesmente perguntando se é mais certo que o mordomo o
cometeu ou se há alguém cujo nome não está na lista. Não se deve interpretar o detetive
como apresentando uma hipótese rival sobre quem cometeu o assassinato e que ele
considera mais certa do que a de que o mordomo o cometeu. Nem é uma questão de
saber de qual “hipótese” é racional estar mais certo. Se o aprendiz não sabe que a lista é
completa, a sua certeza de que o mordomo cometeu o assassinato é injustificada.
Deve-se responder o desafio do detetive de alguma outra maneira e isso exigiria alguma
compreensão da fonte do conflito entre o que ele diz e o que o aprendiz diz. O mero
conflito em si mesmo não é suficiente para determinar o que seria um contra-argumento
bem-sucedido. O que é bem-sucedido contra a fala do repórter “não se sabe ainda quem
cometeu o assassinato” não é bem-sucedido contra a negação do detetive expressa
nessas mesmas palavras. O que importa são as razões para a negação em cada caso.
[52] Como, então, devemos compreender as respostas típicas de Moore aos
filósofos céticos? A meu ver, quando consideramos os seus argumentos como ineficazes
contra o ceticismo, é porque nós os consideramos como análogos à resposta ridícula do
aprendiz ao veredito do detetive de que ainda não se sabe quem cometeu o assassinato.
Essa mesma afirmação feita pelo repórter desinformado é refutada recorrendo-se ao
conhecimento de que o mordomo cometeu o assassinato, mas nenhum recurso desse
tipo funciona contra o detetive que desafia a base desse suposto conhecimento. Eu
expliquei a negação do filósofo cético do nosso conhecimento como o resultado de uma
investigação sobre a base de todo o conhecimento ou de toda a certeza que pensamos ter
acerca do mundo ao nosso redor. Essa é a razão pela qual, a meu ver, sentimos que
apenas apresentar “um caso particular (…) em que sabemos da existência de algum
objeto material” não é uma “refutação suficiente” desse ceticismo. A avaliação do
filósofo de todo o nosso conhecimento do mundo ao nosso redor pretende ser aplicável
a todo caso particular em que pensamos ter conhecimento de algum objeto material, de
modo que nenhum caso que se possa apresentar escaparia dessa investigação.
[53] Os dois “princípios” de Hume que Moore tenta refutar (junto com a tese dos
dados dos sentidos que Moore aceita) de fato implicam que Moore não sabe que esse
lápis existe. Mas se ele pode argumentar que, uma vez que sabe que esse lápis existe,
então esses “princípios” (junto com aquela tese) devem ser falsos, dependerá da fonte
desses “princípios” (e da tese). Descartes chegou à sua conclusão geral negativa por
meio de uma avaliação de todo o nosso conhecimento do mundo, perguntando como
sabemos o que sabemos e levando a sério determinadas características gerais dos
sentidos como uma fonte de conhecimento. Hume compartilha essa concepção e,
portanto, essa conclusão com Descartes. Talvez a conclusão negativa não seja correta
ou, talvez, não sejamos levados a ela por uma avaliação geral do nosso conhecimento
sensorial, mas até então não se mostrou que isso é assim. Se pode haver uma avaliação
geral do nosso conhecimento do tipo na qual o filósofo se empenha e se a execução
mais cuidadosa dessa avaliação nos leva à conclusão de que nunca conhecemos a
existência de objetos materiais, a tentativa de Moore de argumentar contra essa
conclusão recorrendo apenas ao seu conhecimento de que esse lápis existe seria, na
verdade, como a resposta ridícula do aprendiz ao detetive. Ele estaria tentando negar a
correção da avaliação recorrendo a um dos casos de “conhecimento” que foi colocado
em questão por essa mesma avaliação.
[54] De fato, segue-se das suposições que se diz estarem por trás da conclusão
cética de Russell que Moore não sabe que isto é um lápis. Mas se essas “suposições”
não são nada além de verdades inevitavelmente envolvidas em qualquer avaliação do
nosso conhecimento do mundo, então Moore não as refuta de maneira bem-sucedida,
não mais do que o aprendiz refuta o detetive. Pode-se dizer do detetive em sua objeção
que ele está “supondo” (1) que é possível que alguém cujo nome não se encontra na
lista tenha cometido o assassinato, (2) que essa possibilidade ainda não foi eliminada e
(3) que se deve excluir essa possibilidade para que o aprendiz saiba pelo seu raciocínio
por eliminação que o mordomo cometeu o assassinato. Dessas três “suposições”,
segue-se que o aprendiz não sabe que o mordomo cometeu o assassinato por eliminar
todos os demais sujeitos listados. Mas isso não habilita o aprendiz a refutar aquelas
“suposições” apenas com base no fato de que elas têm essa consequência lógica. Essas
“suposições” representam uma objeção à afirmação do aprendiz de saber. Se as
“suposições” de Russell podem ser refutadas da maneira de Moore dependerá
igualmente de se elas fazem parte de uma avaliação negativa das razões, entre outras
coisas, para a afirmação de Moore de que ele sabe que isto é um lápis.
[55] Certamente parece como se os “princípios” de Hume, as “suposições” de
Russell e as “exigências” de Descartes fossem todos propostos exatamente dessa
maneira, de modo que é difícil resistir à conclusão de que as tentativas de refutação de
Moore fracassam porque ele não reconhece esse fato acerca das negações de
conhecimento por parte dos filósofos. Essa seria uma deficiência séria no que Moore diz
e faz. A relutância de Ambrose, Malcolm e outros para atribuir essa aparente falta de
compreensão filosófica a Moore é o que os leva a acreditar que ele deve estar fazendo
algo diferente em sua prova do que ele parece estar fazendo.
[56] Sugeri antes que não deveríamos inferir diretamente da ineficácia sentida da
prova de Moore contra o ceticismo filosófico que ela envolve de sua parte alguma má
compreensão ou uso errôneo de palavras. Nem devemos inferir apenas com base nisso
que as suas afirmações são dogmáticas, apressadas ou mal sustentadas. Não
consideramos o aprendiz como dogmático ou apressado na sua refutação do que o
repórter disse. Nem o detetive foi dogmático na sua negação inicial da hipótese do
aprendiz. Não houve uso errôneo de palavras nessas respostas completamente eficazes,
elas recorreram com muita razoabilidade a algo que se conhece e não exigiram
consideração cuidadosa das razões por trás das afirmações que rejeitaram. O detetive
sabia de imediato que a hipótese do aprendiz estava incorreta, como quer que ele tenha
chegado até ela, e o aprendiz sabia sem esforço adicional que o repórter estava errado.
Se viu o seu ataque às observações dos filósofos dessa maneira, Moore também não
poderia ser criticado por não examinar com cuidado o raciocínio deles.
[57] Defender a legitimidade e a adequação das afirmações de Moore dessa
maneira parece, sem dúvida, apenas adiar a dificuldade. Seria agora enigmático como
Moore poderia alguma vez ter vindo a compreender as observações dos filósofos da
maneira como ele as compreende. Ao insistir que ele de fato sabe que isto é um lápis ou
que aqui está uma mão, como ele poderia ter pensado que estava respondendo ao
filósofo cético da mesma maneira que o aprendiz responde ao repórter desinformado ou
que o detetive observa para o seu colega algo que está bem debaixo dos seus olhos?
Como ele poderia não ter reparado no fato de que, por surgir de um desafio geral a todo
o nosso conhecimento do mundo, o ceticismo filosófico não pode ser refutado dessa
maneira? Como ele poderia não ter notado a analogia entre a negação cética de nosso
conhecimento e a refutação bem-sucedida realizada pelo detetive da afirmação do
aprendiz de que ele sabe que o mordomo cometeu o assassinato? Como Moore poderia
não ter considerado a possibilidade de que as negações de conhecimento dos filósofos
poderiam estar baseadas em considerações gerais elaboradas para lançar dúvida sobre a
adequação das mesmas razões que Moore ou qualquer outro pensasse possuir para
afirmar saber tais coisas?
[58] Eu gostaria de saber a resposta a essas questões. A meu ver, todas são
questões genuínas, embora sejam amplamente questões sobre os pensamentos ou
percepções de G. E. Moore. É bastante natural considerá-las simplesmente como
questões retóricas, como expondo o absurdo da ideia de que Moore poderia estar
fazendo exatamente o que parece estar fazendo em sua prova. Mas essa reação natural
repousa, com efeito, em uma certa aceitação, se não da viabilidade, ao menos da
inteligibilidade, de uma avaliação filosófica geral do nosso conhecimento do mundo. Se
pensamos que Moore não responde a uma determinada questão ou não refuta uma
determinada tese e que não se pode esperar que ele reconheça esse fato, devemos
também acreditar que há alguma questão precisa que ele evita ou alguma tese inteligível
que não refuta. Sabemos que os filósofos certamente pretenderam investigar os
fundamentos de todo o nosso conhecimento do mundo, incluindo aqueles exemplos
particulares de conhecimento que Moore citaria, e eles certamente pensaram ter chegado
a conclusões céticas gerais. Mas só a intenção não é garantia de sucesso ou até de um
projeto ou de uma tese coerente. Somente se houver uma questão geral inteligível acerca
do conhecimento que, se levantada, torna impossível para Moore respondê-la da
maneira como responde é que haverá alguma deficiência nas observações de Moore
contra os filósofos. Se achamos as suas afirmações inadequadas, é porque estamos
considerando como certo que há uma tal questão e que ele compreende de que questão
se trata. Mas se isso se revelasse uma ilusão, se não fosse realmente possível sujeitar
todo o nosso conhecimento do mundo de uma só vez ao tipo de avaliação que tornaria
as afirmações de Moore respostas ineficazes a essa questão, não estaríamos em posição
de acusar Moore de ter deixado de notar algo ou de não ter sido bem-sucedido em fazer
o que ele parece estar fazendo em sua “prova” ou em suas outras afirmações de saber
coisas.
[59] Mesmo se a questão filosófica e a resposta cética a ela se revelarem dotadas
de sentido perfeito e mesmo se Moore não a responde ou não refuta o ceticismo
filosófico, não se segue que, se ele estava fazendo e dizendo precisamente o que parece
estar fazendo e dizendo, então não haveria nada correto no que ele diz, nem se segue
que o fato de ele dizer o que diz não teria nenhum significado filosófico. Ele não precisa
responder a uma questão filosófica ou fazer o que Malcolm chama de emprego
“filosófico” das suas palavras para revelar algo de grande importância filosófica. Moore
diz coisas como “eu sei que aqui está uma mão humana” ou “eu sei que coisas
exteriores existem” e, a meu ver, não se pode negar que há questões para as quais essas
afirmações são respostas e que há enunciados acerca do conhecimento humano que
devem ser falsos, se o que Moore diz é verdadeiro. Não podemos negar que ele diz algo
que responde a alguma questão ou implica a falsidade de alguma proposição.
[60] Moore afirma que a sua prova foi apresentada para provar a falsidade de
“não há coisas exteriores” e deve-se conceder que há uma maneira em que ela prova
isso. Se há maçãs no armário, então é falso que não há maçãs no armário, e a resposta à
questão de se há alguma maçã no armário é “sim”. Maçãs são frutas, assim é também
falso que não há frutas no armário. Maçãs são também coisas exteriores – a partir da
existência de uma maçã não se segue que algo está tendo ou teve alguma experiência ou
outra – assim é também falso que não há objetos exteriores. É assim que Moore vê a sua
prova e, deixando de lado a questão de por que se deveria pensar que é preciso uma tal
“prova”, pode-se dizer que há realmente algo de errado com ela? De modo semelhante,
se Moore sabe que há coisas exteriores, é falso que ninguém sabe que há coisas
exteriores, assim como é falso que ninguém sabe que há coisas exteriores se o que o
fisiologista disse no começo da sua palestra é verdadeiro. Ele disse que quase todo
mundo sabe aquelas coisas, exceto aqueles que sofrem de certas anormalidades mentais.
G. E. Moore não sofre dessas anormalidades. Ele é um de nós que sabemos haver coisas
exteriores. Mas, se é assim, o que impede Moore de dizê-lo? Não precisamos ter a
expectativa de que, ao dizê-lo, ele esteja respondendo ao problema filosófico do mundo
exterior. Não precisamos supor que o fisiologista palestrando esteja respondendo a essa
questão, quando ele disse o que disse, mas a sua afirmação não foi prejudicada por isso.
[61] Suponha-se que me ocorra perguntar se havia maçãs na Sicília no século IV
a.C. Eu não sei a resposta para essa questão, mas eu tenho uma boa ideia de como
encontrá-la. Suponha-se que tenha me ocorrido perguntar se, em vez disso, se sabe se
houve maçãs na Sicília no século IV a.C. Se eu descobrisse que historiadores familiares
com o lugar e o período estabeleceram que havia muitas maçãs lá, eu teria descoberto
que se sabe que havia maçãs na Sicília nesse período. Se me dizem “nós sabemos que
havia maçãs na Sicília nesse período”, alguns historiadores estão simplesmente
relatando com base no estado do conhecimento histórico; eles estão me dizendo uma
das coisas que se sabe acerca do passado. Se alguém me pergunta, então, se se sabe que
houve maçãs na Sicília, eu posso dizer “sim, sabe-se isso”. Do mesmo modo, se eu
fosse perguntado se se sabe alguma coisa sobre a Sicília no século IV a.C., posso
responder que, entre outras coisas, se sabe que havia maçãs lá nesse período. Essas são
todas respostas para questões sobre o nosso conhecimento e elas foram respondidas da
maneira mais direta. Poder-se-ia pensar que ninguém pode ser tão ignorante a ponto de
não saber que se sabe alguma coisa sobre a Sicília no século IV a.C. Mesmo se fosse
assim, a resposta que dei implica que se sabe algo sobre a Sicília nesse período e,
portanto, que a resposta a essa questão geral é “sim”, quer alguém pergunte ou não.
Moore pensa que as questões sobre se nós de fato sabemos coisas como a de que isto é
um dedo ou sobre se há coisas materiais são questões “que não precisamos levar a
sério” porque “é muito fácil responder [a essas questões] com certeza, de maneira
afirmativa”. É talvez mesmo mais fácil respondê-las do que é para os historiadores
responder às minhas questões acerca do passado e sobre o que se conhece sobre o
passado.
[62] A ideia é que há verdades gerais acerca do conhecimento humano que
simplesmente se seguem do fato de que se conhece esta, aquela ou outra coisa. Uma
questão geral acerca do conhecimento poderia ser respondida apenas recorrendo a um
ou mais desses casos particulares de conhecimento. Essa parece ser a maneira em que
Moore compreende as questões gerais acerca do que se conhece. Ele diz que a
astronomia nos fornece informações sobre o tamanho e o movimento de vários planetas
e outros corpos celestes. A geologia nos conta sobre o estado presente e a história
passada de diferentes camadas de rocha e solo. A física e a química nos fornecem
conhecimento sobre a composição de diferentes tipos de coisas físicas. A partir do que
vem sendo conhecido por um longo período nessas e em outras ciências simplesmente
se segue que há coisas materiais. Se há nove planetas, há coisas materiais (pelo menos
nove delas). É por isso que, a seu ver, qualquer um que diga que não se sabe se há
coisas materiais está simples e abertamente indo contra o que a ciência já sabe ser
verdadeiro. A sugestão é que não há razão para levar a sério a negação dessa pessoa.
Mas não precisamos da ciência para mostrar que a sua negação é falsa. Ela é contrariada
pelo que todos nós sabemos e observamos nas circunstâncias mais ordinárias todos os
dias. Se há mãos humanas, há coisas materiais, e se alguém sabe que há duas delas na
sua frente, sabe-se que há coisas materiais.
[63] Mostra-se que Moore compreende questões gerais sobre o conhecimento
exatamente dessa maneira por outra resposta sua a Russell. Este relata que ele chegou à
filosofia movido pelo desejo de encontrar alguma razão para acreditar na verdade da
matemática. Ele pensou que a melhor chance de encontrar alguma verdade indubitável
estaria neste domínio (Russell, 1956, p. 323). Moore interpreta Russell como dizendo
que a questão de se quaisquer proposições da matemática pura são verdadeiras é uma
questão para filósofos responderem. Contudo, Moore responde:

Não é, decerto, um assunto para os matemáticos decidirem, se proposições


matemáticas particulares são verdadeiras? E, se for assim, qual o propósito do
filósofo em discutir se as proposições matemáticas são verdadeiras? Suponha-se
que ele decida que são, pode ele oferecer razões melhores que as fornecidas
pelos matemáticos? Suponha-se que ele decida que elas não são. Ele está
contradizendo os matemáticos. E não são eles melhores árbitros? Admite-se que
não é assunto para filósofos discutir se teoremas particulares são verdadeiros.
Mas se insistir em discutir se qualquer um é, ele está destinado, ou a contradizer
os matemáticos, ou a fazer algo que parece supérfluo (1966, p. 185).
O mesmo é verdadeiro para outras ciências além da matemática. Se sabemos alguma
coisa de um determinado tipo, isso é respondido de maneira afirmativa pelo fato de que
se conhece isto, aquilo ou outra coisa nessa área.
[64] Isto é o que pode ser chamado de uma reação “interna” à questão sobre o
que se conhece ou se se conhece alguma coisa em uma determinada área. Eu quero dizer
com isso que a questão é respondida estabelecendo realmente algumas verdades nessa
área ou descobrindo o que outros estabeleceram. No próprio caso, perguntar a si mesmo
“é verdadeiro?” ou “eu deveria acreditar nisso?” é reagir à questão “eu sei isso?”.
Deve-se encontrar a resposta tentando estabelecer a coisa em questão, para ver se, dado
o que já se sabe, essa coisa também é ou deve ser verdadeira. Eu chamo essa reação de
“interna” porque é uma resposta de “dentro” do próprio conhecimento presente. A
questão sobre se se sabe uma determinada coisa é apenas a questão sobre se essa coisa
já está incluída entre todas as coisas que se conhecem ou pode ser incluída entre elas
encontrando boas razões para aceitar essa coisa com base em outras coisas que já são
conhecidas. Dada essa concepção da questão “sabe-se que p?”, parece-me que não há
boa razão para negar que o que Moore afirma sobre o nosso conhecimento de coisas
exteriores é perfeitamente correto. De sabermos muitas das coisas que já sabemos
segue-se trivialmente que temos conhecimento de coisas exteriores.
[65] Se, contudo, temos o sentimento de que Moore não responde à questão
filosófica sobre o nosso conhecimento de coisas exteriores, como temos, é porque
compreendemos essa questão como exigindo um certo afastamento e distanciamento de
todo o nosso corpo de conhecimento do mundo. Reconhecemos que, quando pergunto
daquela maneira filosófica distanciada se eu sei que há coisas exteriores, não se espera
que eu possa recorrer a outras coisas que penso saber sobre o mundo exterior para me
ajudar a responder a questão. Todo o meu conhecimento do mundo exterior foi
supostamente colocado em questão de uma só vez. Nenhum caso particular dele deve
ficar disponível como conhecimento inquestionável para me ajudar a decidir se outro
candidato particular é verdadeiro ou não. Devo enfocar a minha relação ao corpo inteiro
de crenças que considero como sendo conhecimento do mundo exterior e perguntar,
como se estivesse de “fora”, não somente se ele é verdadeiro, mas também se e como eu
sei isso, mesmo se for de fato verdadeiro. Não é mais apenas uma questão sobre o que
acreditar, mas sobre se e como qualquer uma das coisas em que eu admito acreditar são
coisas que eu sei ou posso ter qualquer razão para acreditar. Essa poderia ser chamada
de uma reação “externa” à questão sobre se se conhece alguma coisa acerca do mundo
exterior.
[66] Os termos “interno” e “externo” não são até agora nada mais do que rótulos.
Eles não servem para descrever sem ambiguidade a diferença entre duas maneiras de
compreender questões acerca do nosso conhecimento. Embora, a meu ver, haja uma
diferença a ser capturada, somente esses termos não explicam do que se trata. É fácil
pensar que compreendemos essa diferença quando, de fato, não a compreendemos. Eu
enfatizei a plena generalidade da questão filosófica do nosso conhecimento do mundo
exterior. Descartes não estava interessado em saber se nós conhecemos esta ou aquela
coisa em particular sobre o mundo ao nosso redor, mas se realmente sabemos alguma
coisa sobre ele. Para responder a essa questão filosófica, não podemos recorrer a uma
coisa conhecida sobre o mundo exterior com a finalidade de sustentar outra; pretende-se
que todo o conhecimento do mundo exterior esteja em questão de uma só vez. Mas,
qualquer que possa ser a característica especial da questão filosófica “externa” e
qualquer que possa ser a explicação do fracasso de Moore em respondê-la, não pode ser
apenas que a questão filosófica seja mais geral do que qualquer questão que Moore
responda ou de que trate. Quando diz que sabe que há mãos humanas e, portanto, há
coisas exteriores, Moore está dando uma resposta afirmativa a uma questão
completamente geral acerca de se alguém realmente sabe alguma coisa sobre o mundo
exterior. Não tentarei, portanto, caracterizar a compreensão filosófica ou “externa” da
questão simplesmente perguntando “ao menos alguma coisa em que se acredita sobre o
mundo exterior equivale a conhecimento?” ou “nós sabemos, não este ou aquele fato
acerca do mundo ao nosso redor, mas antes se há alguma coisa exterior?”. Todas essas
questões gerais podem ser respondidas da maneira de Moore. Não se pode garantir que
alguma forma ordinária de palavras, por si só, expresse apenas a questão ou a afirmação
filosófica. Sempre haverá uma maneira para um Moore considerá-la na qual ela não tem
o que sentimos ser o seu significado “filosófico” especial.
[67] É precisamente a recusa ou a inabilidade de Moore em considerar as suas
palavras ou de qualquer outro daquela maneira “externa” ou “filosófica” cada vez mais
fugidia que me parece constituir a importância filosófica das suas observações. Ele
permanece firme no âmbito da compreensão familiar e não problemática daquelas
questões e afirmações com as quais o filósofo tentaria colocar todo o nosso
conhecimento do mundo em xeque. Ele resiste ou mais provavelmente nem mesmo
sente a pressão em direção ao projeto filosófico tal como os filósofos que ele discute o
compreendem. Para Ambrose, Moore é como o homem comum que descarta a
conclusão cética simplesmente negando-a, sem se importar em opor-lhe um argumento,
fazendo assim com que se sinta que há algo de ridículo na conclusão cética. Ele nos
choca com o reconhecimento do contraste entre o que o filósofo diz e a vida comum.
“Porque ele mesmo é um grande filósofo”, Ambrose diz, “Moore pode ser
bem-sucedido dessa maneira, enquanto as observações do homem comum não teriam
nenhuma influência, pois é muito fácil seduzir o homem comum, levando-o a falar da
mesma maneira” (S, p. 416). Isso é verdade. Confirma-se isso pela facilidade com que
sentimos que devemos acompanhar Descartes no seu raciocínio cético. Somos
“seduzidos” pela sua conclusão porque esta parece ser a única resposta às suas questões
tal como ele as compreende. Se representa o homem comum nas suas respostas, Moore
é um homem comum dos mais extraordinários por não ser “seduzido” pela compreensão
tradicional que o filósofo tem dessas questões.
[68] Moore não resiste à sedução apenas tapando os ouvidos para os filósofos
céticos e se recusando a se envolver nas suas disputas. Pelo contrário. Ele presta atenção
ao que eles dizem, compreende as palavras que usam e, então, responde as questões
expressas com as mesmas palavras com base no que nós e eles sabíamos desde o
começo. A meu ver, o que Moore diz, compreendido como ele quer que seja, é
perfeitamente aceitável. Se, contudo, isso parece completamente irrelevante para as
questões filosóficas e não refuta as conclusões paradoxais obtidas pelos filósofos, esse é
um fato muito importante acerca dessas questões e conclusões filosóficas. Será agora
necessário explicar com mais cuidado por que as questões filosóficas não são
respondidas, se tudo o que Moore diz é correto. Isso concentraria a atenção no que
penso ser a questão correta: como, precisamente, se relacionam as afirmações e as
questões do filósofo tradicional com as questões e as afirmações que expressamos nas
mesmas palavras todos os dias sem levantar ou responder questões filosóficas?
[69] Mas até Homero esmorece e, de vez em quando, Moore é mais atraído na
direção de considerar as coisas de modo filosófico do que é, a meu ver, consistente com
a sua imersão total na compreensão “não filosófica” ou cotidiana das observações que
os filósofos fazem. Sem dúvida, isso atesta ainda mais nitidamente a força do projeto
filosófico. Ninguém, por mais que seus pés estejam firmes e fincados no chão, parece
capaz de resistir-lhe por completo. O filósofo pergunta não somente se se sabe que há
coisas exteriores, mas também como se conhece, e Moore pensa que ele pode responder
essa questão. Na vida cotidiana, em circunstâncias normais, podemos com frequência
dizer como sabemos uma determinada coisa. Assim, pareceria que não há nenhuma
dificuldade especial em responder à questão satisfatoriamente da maneira de Moore.
Mas, nesse caso, ele não me parece se manter próximo o bastante da resposta direta,
cotidiana.
[70] Ele está ciente de que os filósofos objetarão à sua afirmação de que sabe
que aqui está uma mão humana, ao levantarem a possibilidade de que ele poderia estar
sonhando, mas pensa que pode enfrentar essa objeção. Na sua palestra “Certeza”,
Moore concede que, se não sabe que não está sonhando,6 então ele não sabe que está de
pé, mas não se intimida com isso porque, como diz, essa é “uma consideração que vale
para os dois lados”.

Com efeito, se é verdadeira, segue-se que é também verdadeiro que se de fato sei
que estou de pé, então sei que eu não estou sonhando. Posso, portanto,
argumentar igualmente bem: uma vez que sei que estou de pé, segue-se que sei
que não estou sonhando, assim como o meu oponente pode argumentar: uma vez
que você não sabe que você não está sonhando, segue-se que você não sabe que
você está de pé. Um argumento é tão bom quanto o outro, a menos que o meu
oponente possa fornecer melhores razões para afirmar que não sei que não estou
sonhando do que eu posso fornecer para afirmar que sei que estou de pé (PP, p.
247).

[71] Moore está justificado na sua aceitação cômoda do que parece ser uma forte
condição para o nosso conhecimento do mundo? Se a possibilidade de estar sonhando é
apresentada pelo filósofo como uma crítica à afirmação de Moore de que ele sabe que
está de pé (como ela certamente o é), essa crítica filosófica seria análoga à crítica do
detetive à declaração do aprendiz de que ele sabe que o mordomo cometeu o crime
porque ele eliminou todo mundo cujo nome está na lista. Se não sabe que a lista é
completa, o aprendiz não sabe com base nela que o mordomo cometeu o crime. Mas ele

6
Essa é a suposição ou exigência que, no raciocínio de Descartes, parece levar ao ceticismo de
maneira inevitável. Não compreendo por que Moore a aceita sem crítica alguma. Ele nunca
explica por quê. Depois de uma página e meia explicando que, se estivesse sonhando, ele não
saberia que ele está de pé (o que eu chamei de um “fato inegável acerca dos sonhos”), ele
conclui de imediato: “concordo, portanto, com essa parte do argumento que afirma que se não
sei que não estou sonhando, segue-se que não sei que estou de pé (…)” (PP, p. 247). O
“portanto” de Moore sugere que ele pensa que a exigência epistêmica que ele aceita aqui se
segue do “fato inegável acerca dos sonhos” enunciado antes. Não vejo que isso se siga.
Argumentei no primeiro capítulo que, se isso se segue, o ceticismo sobre o mundo exterior deve
ser correto, uma vez que, de maneira inevitável, essa exigência epistêmica leva ao ceticismo, e
se se segue de um “fato inegável”, então ele deve ser verdadeiro.
não poderia, de maneira cômoda, aceitar isso como “uma consideração que vale para os
dois lados”. Ele não poderia dizer:

Posso, portanto, argumentar igualmente bem: uma vez que eu sei que o
mordomo cometeu o crime, segue-se que eu sei que a lista está completa; assim
como o detetive pode argumentar: uma vez que você não sabe que a lista está
completa, segue-se que você não sabe que o mordomo cometeu o crime. Um
argumento é tão bom quanto o outro, a menos que o detetive possa fornecer
melhores razões para afirmar que eu não sei que a lista está completa do que eu
posso fornecer para afirmar que eu sei que o mordomo cometeu o crime.

Se o aprendiz nem sequer verificou a lista, então, tanto quanto ele sabe, poderia haver
pessoas na casa cujos nomes não estão na lista. Ele tem de mostrar como ele sabe que
essa possibilidade não ocorre. Da mesma maneira, Moore teria de mostrar como ele
sabe que a possibilidade do sonho não se verifica no seu caso. Ele não pode
simplesmente esvaziar a objeção invertendo o argumento do filósofo da maneira como
ele faz.
[72] Claro, no exemplo anterior, o detetive poderia estar errado e, de qualquer
modo, poderia encontrar uma resposta depois. Quando ele ressaltou que o aprendiz não
sabe se a lista é completa, este poderia estar na posição de responder “não, eu a
verifiquei. Eu também examinei todas as portas e janelas, nenhum dos convidados relata
ter visto mais alguém, o confiável porteiro deixou entrar somente aqueles que estão na
lista, a secretária social era uma funcionária confiável e devota do duque” e assim por
diante. Ele poderia ter boas razões para acreditar que a lista é completa. Ele responderia,
desse modo, ao desafio do detetive e satisfaria a condição para saber que o mordomo
cometeu o assassinato por meio do seu raciocínio por eliminação. Não há nada na
objeção do detetive que, por si só, implica que não se pode respondê-la. O que pode
Moore dizer, na mesma linha, sobre como ele sabe que não está sonhando?
[73] Em seu texto “Prova de um mundo exterior”, ele pensa ter “razões
conclusivas” para afirmar que não está sonhando, “informação conclusiva” de que ele
está acordado, embora admita que não pode dizer no que consiste toda essa informação
(PP, p. 149; 1980, p. 132). Contudo, em “Certeza”, ele chega ao ponto de admitir que
teria “a informação dos sentidos” para a proposição de que ele está de pé somente se
não estivesse sonhando. Se estivesse sonhando, ele estaria somente tendo “uma
experiência que é muito similar a ter a informação dos meus sentidos de que eu estou de
pé” (PP, p. 248). Não se pode simplesmente dizer, portanto, que ele tem “a informação
dos seus sentidos” de que está acordado, por mais que as suas experiências presentes se
assemelhem àquelas que tem quando está acordado. Nesse momento, ele parece estar já
a um ou dois passos na ladeira abaixo rumo ao ceticismo. Moore aparentemente nunca
esteve satisfeito com essa parte da sua conferência.7 Ele faz uma objeção fraca ao que
acredita ser um dos argumentos do filósofo para a conclusão de que ele não sabe que
não está sonhando. Ele chega a conceder que, se for “logicamente possível” que todas as
suas “experiências sensoriais” em um dado momento sejam imagens oníricas e sejam as
únicas experiências que está tendo nesse momento, então ele não poderia saber que não
está sonhando (PP, p. 250). Ele finca as suas últimas esperanças na possibilidade de
lembrar algumas coisas do passado recente que o habilitariam a saber que não está
sonhando, mas ele é forçado a admitir que, se essa própria lembrança poderia ocorrer
enquanto está sonhando, então ele jamais poderia saber que não está sonhando e, assim,
jamais poderia saber que está de pé. Mas mesmo uma objeção bem-sucedida a um
argumento do filósofo não bastaria. Uma vez que aceita a possibilidade de estar
sonhando como uma objeção à sua afirmação de que sabe que está de pé, Moore deve
mostrar que sabe que essa possibilidade não ocorre. Não surpreendente que ele não faça
isso.
[74] M. F. Burnyeat também nota e lamenta o fracasso de Moore em se
desprender por completo do impasse epistemológico tradicional (1977, p. 396-7). A seu
ver, a promessa da filosofia de Moore era que ela simplesmente evitaria a rota
tradicional para o ceticismo ao insistir sem parar na certeza manifesta em exemplos
cotidianos particulares. Mas, Burnyeat pensa, uma redução ao absurdo do ceticismo
dessa natureza só funcionaria se Moore pudesse “explicar” a certeza dos seus exemplos
e oferecer “uma razão geral” que “explique e justifique a sua crença de que exemplos de
conhecimento (…) são a coisa fundamental a que filósofos deveriam responder” (1977,
p. 397). Mas Moore nunca faz isso.
[75] A minha explicação da relação de Moore com o problema filosófico é
diferente. Se não tivesse jamais se desviado, por pouco que fosse, das atitudes e das
afirmações do homem comum, se tivesse sempre atribuído às palavras do filósofo a
interpretação que se pode atribuir às mesmas palavras na vida cotidiana e não filosófica,
ele nunca teria dado um passo no caminho filosófico. Ainda que não houvesse nenhuma
questão filosófica que ele tentaria responder e nenhuma afirmação filosófica paradoxal
que ele tentaria refutar, as suas observações não seriam prejudicadas por isso. Desse
7
Ver o prefácio de Moore e também a nota de C. Lewy na p. 251.
modo, ele representaria um desafio maior à filosofia tradicional, me parece, do que se
tentasse seguir a sugestão de Burnyeat. Na verdade, não vejo como a tentativa de
oferecer uma explicação ou uma justificação geral da ideia de que exemplos particulares
“são a coisa fundamental a que um filósofo deve responder” poderia manter Moore ou
qualquer outro longe do “labirinto tradicional do argumento epistemológico” (1977, p.
396).
[76] Segundo a sugestão de Burnyeat, Moore teria de saber muito bem o que o
filósofo cético está realmente tentando fazer e explicar-lhe por que ele não pode fazer
isso e por que exemplos particulares são a coisa fundamental a que ele deve responder.
Segundo a minha sugestão, Moore se vale de questões e afirmações gerais expressas
com as mesmas palavras usadas pelo filósofo e as responde ou as refuta recorrendo a
exemplos particulares. Não há nada de errado com esse procedimento como tal. De que
outro modo se deve responder questões gerais ou testar afirmações gerais? Ele não
passa a fazer um diagnóstico das afirmações do filósofo, nem tenta explicar por que elas
não podem ser feitas; ele simplesmente as nega. Segundo essa maneira de compreender
aquelas palavras – que é uma maneira de compreendê-las – elas são simplesmente
falsas. Moore dá a impressão de não ter nenhuma ideia do que o filósofo cético
realmente quer dizer ou fazer. Sentimos que ele sempre interpreta as palavras do
epistemólogo só de uma maneira cotidiana, não filosófica e, portanto, sem nenhum
interesse.
[77] J. L. Austin, ao contrário, tem uma posição bem definida acerca da fonte de
certos problemas filosóficos. Ele realiza um exame detalhado das expressões que os
filósofos usam ao formular as suas questões e as suas doutrinas sobre a percepção e o
mundo exterior e tenta demonstrar que não se usam essas expressões dessa maneira. O
trabalho de Austin apoia-se em uma compreensão perspicaz do projeto epistemológico
tradicional. Ele sabe realmente muito bem o que o filósofo cético está tentando fazer e
pensa que pode mostrar que não se pode fazer isso.
[78] É perfeitamente possível, suponho, que Moore tenha a mesma compreensão
perspicaz da epistemologia tradicional. Se se pensasse ou soubesse que o que o filósofo
quer dizer é realmente incoerente e o resultado, uma certa confusão identificável, seria
possível adotar a estratégia inteligente de nunca falar ou responder às suas observações
de maneira “filosófica”. Seria possível deliberadamente empenhar-se para evitar tudo a
não ser as questões e afirmações diretas da vida cotidiana e sempre responder como um
homem comum e, dessa maneira, recusar-se a entrar na disputa filosófica (que se sabe
ser confusa). Essa estratégia irônica poderia até se estender à declaração de que as
posições do filósofo foram refutadas, uma vez que isso daria a impressão de que não se
compreende nada além das asserções diretas e cotidianas feitas com as palavras que o
filósofo usa. Caso se revele que as posições do filósofo eram de fato incoerentes, teria
razão desde o início quem se comportou como se suas palavras não pudessem ser
compreendidas de nenhuma outra maneira. Por trás desse plano poderia estar a
esperança de que os filósofos compreenderiam e perceberiam, afinal, que o que eles
estavam tentando dizer não tem nenhum sentido ou não se pode dizer com o significado
que eles querem conferir ao que dizem.
[79] Seria muito difícil manter essa atitude sem vacilar de vez em quando. O
sujeito comum sem nenhum conhecimento da filosofia pode ser seduzido com
facilidade pela perspectiva “externa”. Um desempenho duradouro demandaria grande
vigilância e cuidado. Todavia, adotar essa estratégia inteligente exige compreender pelo
menos os objetivos e as intenções do projeto filosófico. Moore, nos seus escritos,
mostra poucos sinais disso. Talvez porque ele seja extremamente inteligente e
consistente em seu desempenho e sua máscara não caia quase nunca. Mas a ideia toda
de tal fraude parece incompatível com a honestidade infantil, a franqueza e a falta de
malícia descritas por tantos dos seus admiradores. Se é assim, ficamos com a conclusão
de que Moore realmente não compreendeu as afirmações do filósofo de nenhuma outra
maneira além da maneira cotidiana “interna” com que ele parece as ter compreendido.
[80] Isso nos traz de volta à questão de como ele poderia ter vindo a conferir
somente aquela interpretação cotidiana às observações do filósofo. Sugeri que a sua
maneira de considerá-las não envolve nenhum uso errôneo de palavras e é perfeitamente
aceitável, ainda que não refute o ceticismo filosófico. Até concedi que poderia não
haver nada inteligível que Moore tenha deixado passar despercebido; talvez não haja
nenhuma maneira “filosófica” compreensível de considerar as questões e as afirmações
do filósofo. Mas como poderia Moore não mostrar nenhum sinal de reconhecimento de
que se pretendeu que elas fossem consideradas de uma maneira “externa” especial,
derivada do projeto cartesiano de avaliar de uma só vez todo o nosso conhecimento do
mundo exterior? Essa é uma questão acerca da mente de G. E. Moore que não posso
responder. Moore é um fenômeno filosófico extremamente enigmático.

******
[81] Apesar de todos os meus esforços para separar o que Moore diz e faz da própria
compreensão que o filósofo cético tem das suas questões e afirmações, resta uma
questão inquietante que eu não respondi ou não enfrentei diretamente. Sugeri que
Moore não fornece uma “refutação suficiente” do ceticismo filosófico, mas parece restar
a possibilidade de que o que ele diz é, contudo, incompatível com o ceticismo filosófico.
Quando o detetive objetou que não se sabia ainda que a lista era completa e, assim, o
aprendiz não sabia quem cometeu o assassinato, o aprendiz não o refutou dizendo “não,
você está errado porque eu sei que o mordomo cometeu o assassinato”. Mas é difícil
negar que essa observação do aprendiz, no entanto, contradiz o que o detetive disse;
essas afirmações não podem ser ambas verdadeiras. Parece igualmente difícil fugir da
ideia de que, mesmo se a afirmação do filósofo cético “ninguém sabe se há coisas
exteriores” não é refutada pela de Moore “eu sei que há coisas exteriores”, o que Moore
diz, contudo, contradiz o que o filósofo diz; elas não podem ser ambas verdadeiras.
Argumentei que há um enunciado expresso com as palavras do filósofo que é
incompatível com a verdade do que Moore diz. A sugestão presente é que esse
enunciado deve ser a tese do ceticismo filosófico sobre o mundo exterior. Se é assim, a
relação entre o ceticismo filosófico e as afirmações que Moore e o resto de nós fazemos
todos os dias seria, em um aspecto, tão direta e franca quanto parecia ser no começo do
argumento de Descartes.
[82] Essa é a maneira pela qual Moore compreende o que o filósofo diz. A seu
ver, as suas próprias afirmações de conhecimento são verdadeiras e obviamente
contradizem o que o filósofo cético diz, e ele conclui com base nisso que o filósofo está
errado. O filósofo cético sustenta que o que Moore diz não é uma refutação do
ceticismo filosófico. A meu ver, o filósofo cético está certo sobre isso. Parece que
somos forçados a concluir, ou que as afirmações de conhecimento de Moore não são
verdadeiras, ou que elas nem sequer contradizem o ceticismo filosófico. Descartes e
outros filósofos céticos aceitam a primeira alternativa – ninguém, inclusive Moore, sabe
qualquer coisa acerca do mundo exterior. Mas se, de acordo com a outra alternativa, não
há contradição entre eles, seria possível sustentar que Moore não refuta o ceticismo
filosófico mesmo que suas afirmações de conhecimento sejam verdadeiras. O preço de
conceder a verdade das afirmações de Moore, por assim dizer, seria a sua falta de
conexão lógica com a tese do ceticismo filosófico. Mas, segundo essa alternativa, o
ceticismo filosófico não mais implicaria a falsidade das afirmações de conhecimento
feitas por Moore e o resto de nós na vida cotidiana. O preço da imunidade do ceticismo
filosófico, por assim dizer, seria a correspondente imunidade de todas as nossas
afirmações cotidianas ao ataque filosófico. Esse é um preço que muitos estariam
dispostos a pagar. Isso significaria que, por mais persuasivos e convincentes que possam
ser, os argumentos filosóficos não podem desacreditar o conhecimento que temos e
buscamos na ciência e na vida cotidiana.
[83] Poderia o ceticismo filosófico ser compatível com a verdade do que
dizemos e acreditamos na vida cotidiana? Eu confesso que é difícil, para mim, ver como
isso poderia ser assim. Uma vez que se compreenda o projeto epistemológico
tradicional, é difícil ver as afirmações da vida cotidiana de outra maneira se não como
restringidas da maneira como delineada no segundo capítulo. Seria difícil, então, ver
como o ceticismo filosófico poderia não ser verdadeiro. Os capítulos que se seguem
exploram outras maneiras de tentar compreender a relação entre as teorias filosóficas do
conhecimento e as afirmações cotidianas de conhecimento, que são presumivelmente o
seu assunto. Somente algo diferente da concepção tradicional nos capacitaria para evitar
ou desarmar o ceticismo filosófico.

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