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(Roger Chartier)
A INSTITUIÇÃO HISTÓRICA
DO SOCIAL AO CULTURAL
Nos últimos anos, a história cultural se tornou um dos campos mais vigorosos e
debatidos do âmbito histórico.
Não é fácil traçar uma fronteira entre a história cultural e outras histórias.
Devemos, por isso, mudar de perspectiva e considerar que toda história,
qualquer que seja, econômica ou social, demográfica ou política, é cultural, na
medida em que todos os gestos, todas as condutas, todos os fenômenos
objetivamente mensuráveis sempre são o resultado das significações que os
indivíduos atribuem às coisas, às palavras e às ações?
Essa perspectiva tem o risco de identificá-la com a própria história e, portanto,
conduzindo à sua dissolução. Afinal, se toda história é cultural, só há história.
Essa dificuldade surge divo às múltiplas acepções do termo “cultura”, que
podem se distribuir entre duas famílias de significados.
A primeira designa as obras, gestos, textos e práticas de uma sociedade, como a
pintura, a política, etc.
A segunda se apoia mais na antropologia, em particular Geertz: “O conceito de
cultura que eu defendo denota um padrão de significados transmitido
historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas
expressas em formas simbólicas, por meio das quais os homens comunicam,
perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à
vida”. Portanto, a totalidade das linguagens e das ações simbólicas próprias de
uma comunidade constitui a sua cultura.
Conforme suas diferentes heranças e tradições, a história cultural privilegiou
objetos, âmbitos e métodos diversos.
É pertinente identificar algumas questões comuns a esses enfoques distintos.
A primeira se relaciona com o processo pelo qual os leitores, os espectadores ou
os ouvintes dão sentido aos textos e às imagens dos quais se apropriam.
A história cultural critica o funcionamento automático e impessoal da
linguagem. As obras não existem por si mesmas, fora dos objetos ou das vozes
que os transmitem. Uma leitura cultural das obras lembra que as formas como
são lidas, ouvidas ou vistas também participam da construção de seu significado.
O significado das obras depende das capacidades, das convenções e das práticas
de leitura próprias das comunidades que constituem seus diferentes públicos.
Surgiu assim a definição de âmbitos de pesquisa próprios de um enfoque
cultural das obras: as variações históricas dos critérios que definem a literatura;
as modalidades e os instrumentos de constituição dos repertórios canônicos; os
efeitos das restrições exercidas na criação pelo mecenato, pelo patrocínio, pela
academia ou pelo mercado; e até mesmo a análise dos diversos autores e as
diferentes operações que participam do processo de publicação dos textos.
Convém também recordar que a produção dos livros é um processo que implica,
além do gesto da escritura, diferentes momentos, diferentes técnicas e diferentes
intervenções. As transações entre as obras e o mundo social são múltiplas,
móveis, instáveis, amarradas entre o texto e suas materialidades, entre a obra e
suas inscrições.
Produzidas em uma ordem específica, as obras fogem delas e adquirem
existência ao receber significações que seus diferentes públicos lhes atribuem, às
vezes em muito longa duração.
Assim, a produção de uma nova história cultural acarreta um desafio
fundamental: compreender como as apropriações concretas e as invenções dos
leitores (ou dos espectadores) dependem, em seu conjunto, dos efeitos de sentido
para os quais apontam as próprias obras, dos usos e significados impostos pelas
formas de sua publicação e circulação e das concorrências e expectativas que
regem a relação qu cada comunidade mantém com a cultura escrita.
MICRO-HISTÓRIA E GLOBALIDADE
OS TEMPOS DA HISTÓRIA