Artigo Saúde Do Trabalhador

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DOI: http://dx.doi.org/10.18315/argumentum.v7i2.

10349

ARTIGO

Saúde do trabalhador: desafios na efetivação do direito à saúde


Social Occupational health: challenges to accomplish the right to health

Jussara Maria Rosa MENDES1


Dolores Sanches WÜNSCH2
Fabiane Konowaluk Santos MACHADO3
Juliana MARTINS4
Carmem Regina GIONGO 5

Resumo: Este estudo buscou investigar as necessidades na área da saúde do trabalhador no contexto da atenção
básica em saúde. Com delineamento misto, a pesquisa foi desenvolvida no Rio Grande do Sul, tendo como refe-
rência sete macrorregiões do SUS. Participaram do estudo 41 pessoas. Foram utilizadas técnicas de entrevista,
análise documental e observação. Os dados foram analisados através de análise de conteúdo. Verificou-se que, na
atenção básica de saúde, o trabalhador é invisível perante as equipes e, consequentemente, o processo de saúde-
doença no trabalho não se constitui em objeto de ação. Conclui-se que, apesar dos avanços significativos, a vigi-
lância em saúde do trabalhador ainda necessita de articulação intra e interinstitucional, de ações interdisciplinares
e intersetoriais, transversais a um sistema de vigilância com consolidação institucional.
Palavras-chave: Saúde do trabalhador. Sistema Único de Saúde. Proteção social. Atenção básica.

Abstract: This study investigated the needs in the area of occupational health within the context of primary health
care. With a mixed outline, the research was developed in Rio Grande do Sul (Brazil) and considered seven geo-
graphic regions of the Brazilian Unified Health System (SUS). Forty-one people participated in the study. Inter-
viewing techniques, document analysis and observations were used. Data were analyzed through content analy-
sis. It was noticed that, in primary health care, the user/worker is invisible to the staff and, consequently, the pro-
cess health-illness at work does not consist in an object that leads to action. To sum up, despite the significant ad-
vances, the surveillance of occupational health still needs intra and inter-institutional coordination, interdiscipli-
nary and intersectoral actions, transversal to a monitoring system with institutional consolidation.
Keywords: Occupational health. Brazilian Health Care System. Public protection. Primary care.

Submetido em: 6/7/2015. Aceito em: 2/9/2015.

1 Assistente Social. Pós-Doutorado na Universität Kassel (Alemanha). Professora Adjunta do curso de Servi-
ço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, Brasil). E-mail:
<jussaramaria.mendes@gmail.com>.
2 Assistente Social. Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,

(PUCRS, Brasil). Professora Adjunta do curso de Serviço Social do Instituto de Psicologia, do Departamento
de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, Brasil). Pesquisadora do Núcleo
de Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST). E-mail: <doloressw@terra.com.br>.
3 Psicóloga. Pós-Doutoranda no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST), vinculado ao

Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do


Sul (UFRGS, Brasil). E-mail: <fabiane.konowaluk@gmail.com>.
4 Bolsista de Iniciação Científica no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST) da

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, Brasil). Contato e-mail jm.juliana84@gmail.com.
5 Psicóloga. Doutoranda no Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST), vinculado ao

Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande


Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, Brasil). E-mail:
<ca.aiesec@gmail.com>.

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GIONGO

Introdução Nesta perspectiva, a proteção social precisa


ser compreendida como o mecanismo cen-

A
saúde do trabalhador é compreen- tral e histórico de garantia de acesso aos
dida a partir das relações estabele- meios de produção e de reprodução da vida
cidas pelo processo de saúde- material e social, como forma de atender às
doença resultante das condições de traba- demandas relacionadas à saúde e ao traba-
lho e de vida dos trabalhadores. O cenário lho, decorrentes da “[...] imensa fratura en-
em que se expressam a saúde e o trabalho tre o desenvolvimento das forças produti-
vem sofrendo transformações e as determi- vas do trabalho social e as relações sociais
nações que incidem sobre a saúde do traba- que as sustentam.” (IAMAMOTO, 2000, p.
lhador na contemporaneidade estão fun- 21). Atualmente, a saúde do trabalhador se
damentalmente relacionadas às novas mo- constitui, para o Serviço Social, em uma
dalidades de trabalho e aos processos mais manifestação multidimensional da questão
dinâmicos de produção implementados social, tendo múltiplas demandas relacio-
pelas inovações tecnológicas e pelas atuais nadas à proteção social.
formas de organização e gestão do trabalho
(MENDES; WUNSCH, 2011). A Seguridade Social no Brasil estruturou-se
através do tripé da saúde, da assistência
O conjunto destas questões impõe que a social e da previdência social. Entretanto,
Política de Saúde do Trabalhador seja pen- ela apresenta características híbridas
sada e executada tendo como referência a (FLEURY, 1994) ao não efetivar plenamente
proteção social para o conjunto da classe a transição da concepção de seguridade
trabalhadora. A proteção social é compre- social como “direitos do trabalho” para a de
endida “direitos de cidadania” (BOSCHETTI,
2008). A Previdência Social, por sua vez,
[...] como um conjunto de ações, instituci- devido à sua lógica securitária e contributi-
onalizadas ou não, que visam proteger o va, apresenta-se como uma política seletiva
conjunto ou parte da sociedade de riscos para os trabalhadores inseridos formalmen-
sociais e/ou naturais decorrentes da vida te no mercado de trabalho, regido pela
em coletividade. (MENDES; WÜNSCH;
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
COUTO, 2006, p. 212).
não enfrentando as necessidades que emer-
gem do atual “[...] precário mundo do tra-
A formatação de padrões de proteção soci-
balho.” (ALVES, 2010).
al, por sua vez, deve ser compreendida co-
mo desdobramentos e até mesmo respostas
No Brasil, a Política de Saúde e o Sistema
e formas de enfrentamento das expressões
Único de Saúde (SUS) dela decorrente inte-
multifacetadas da questão social
gram a Seguridade Social como um direito
(BEHRING; BOSCHETTI, 2007), que tem no
universal. Destaca-se que a atenção à saúde
trabalho uma das suas mais perversas ex-
dos trabalhadores se distingue por lidar
pressões.
diretamente com a complexidade e a dina-
micidade das mudanças no processo pro-
dutivo, que definem constantemente um
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perfil para a classe trabalhadora (DIAS, desafio para a efetivação do direito à saúde.
1994). As ações no âmbito da saúde dos tra- A atenção básica de saúde como parte da
balhadores, a partir da Constituição de 1988 rede do SUS se constitui em um locus fun-
e de sua regulamentação pela Lei Orgânica damental para a implementação das ações
da Saúde em 1990, possibilitaram a imple- e, consequentemente, para a garantia da
mentação da rede de serviços do SUS. Elas atenção integral à saúde do trabalhador.
passaram por um processo de instituciona-
lização nas três esferas de gestão do SUS A atenção básica em saúde é desenvolvida
(federal, estadual e municipal), seguindo com o mais alto grau de descentralização e
diferentes modelos na busca da atenção capilaridade. Próxima aos usuários do sis-
integral à saúde, organizada a partir da tema, é a principal porta de entrada e cen-
compreensão da inserção diferenciada dos tro de comunicação da Rede de Atenção à
trabalhadores nos processos de trabalho, Saúde. Entretanto, suas ações no campo da
traduzida em ações integradas de assistên- saúde do trabalhador ainda permanecem
cia e vigilância com a participação dos tra- distantes das possibilidades que nela se
balhadores e estruturada a partir dos Cen- apresentam para diagnóstico, vigilância,
tros de Referência em Saúde do Trabalha- atenção, direito à informação, entre outros.
dor – CERESTs (DIAS, 1994). Trata-se de um conjunto de demandas e
necessidades relacionadas ao processo saú-
A declaração de Alma-Ata, datada de 1978 de-doença, expressões das configurações
e aprovada pela Organização Mundial da pelas quais o trabalho se manifesta na atua-
Saúde (OMS) em 1979, aponta a Atenção lidade, acrescidas de um processo sociopo-
Primária em Saúde (APS) como principal lítico e técnico de implementação das ações
estratégia para o alcance da promoção e da com foco na saúde do trabalhador. Este
assistência à saúde para todos os indiví- modelo favorece, por vezes, que o traba-
duos, de acordo com o lema “[...] saúde pa- lhador seja visto como um usuário do sis-
ra todos no ano 2000.” (ALEIXO, 2002). tema, tornando invisível a sua condição de
Nestes últimos 32 anos, segundo a OMS, o trabalhador e a sua real demanda por saú-
sistema de saúde que assume os princípios de.
da APS obtém os melhores resultados em
saúde e aumenta a eficiência do conjunto Conforme destaca Vasconcellos (2007), o
do sistema. A Política Nacional da Atenção campo da saúde do trabalhador não foi
Básica (PNAB) passa a considerar equiva- plenamente acolhido pela saúde pública e
lentes os termos “Atenção Primária em Sa- vive um permanente desafio para seu de-
úde” e “Atenção Básica em Saúde”, pois senvolvimento técnico-operacional das prá-
ambos associam os princípios e as diretrizes ticas de saúde em geral. Logo, um dos prin-
definidos na PNAB (BRASIL, 2011). cipais desafios consiste na consideração da
centralidade da categoria “trabalho” nos
A saúde do trabalhador como campo da determinantes sociais dos agravos da popu-
saúde coletiva, implementada através do lação. É nesta perspectiva que o presente
SUS por meio de ações integradas e articu- artigo se insere.
ladas, torna-se, portanto, um importante

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Em mais um esforço político visando con- Assim, as ações no âmbito da Saúde dos
templar estas dispersas demandas, a Secre- Trabalhadores a partir da Constituição de
taria de Assistência à Saúde do Ministério 1988 e de sua regulamentação pela Lei Or-
da Saúde oportunizou a criação da Rede gânica da Saúde, em 1990, possibilitaram a
Nacional de Atenção Integral à Saúde do implementação da rede de serviços do SUS
Trabalhador (RENAST) por meio da Porta- e definiram como prioridade a consolidação
ria 1.679 de 19 de setembro de 2002, (MI- da atenção básica de saúde como eixo or-
NISTÉRIO DA SAÚDE, 2002). A implemen- denador das redes de atenção à saúde do
tação da RENAST revisada e reformulada SUS. Nesse sentido, muitos são os desafios
por meio da Portaria 2.437 de 7 de dezem- para a sua implementação e dentre eles está
bro de 2005 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, a efetivação das ações em saúde do traba-
2005) propôs a ampliação e o fortalecimento lhador na atenção básica. Diante disso, o
da rede ampliando sua estrutura, propondo presente estudo tem o objetivo de investi-
mudanças na gestão, admitindo a gestão gar as necessidades na área da saúde do
plena pelos municípios e a definição mais trabalhador no contexto da atenção básica
clara dos mecanismos de controle social, em saúde no estado do Rio Grande do Sul.
dos critérios de habilitação e acompanha-
mento dos Centros de Referência em Saúde Metodologia
do Trabalhador (CRST) e do Sistema de
Informação Ambulatorial (SIA/SUS). A O estudo foi desenvolvido através de um
RENAST compõe as linhas de cuidado da delineamento misto e contou com a trian-
atenção básica, de média e alta complexi- gulação dos dados coletados como recurso
dade ambulatorial, pré-hospitalar e hospita- metodológico (MINAYO et al., 2005). A
lar, sob o controle social nos três níveis de pesquisa foi desenvolvida no estado do Rio
gestão (nacional, estadual e municipal), Grande de Sul, no período de janeiro de
tendo como eixo os Centros de Referência 2012 a novembro de 2013. Elegeram-se co-
em Saúde do Trabalhador (CERESTs). Estes mo referência sete macrorregiões do SUS,
centros não estão mais na condição de porta que atendem as seguintes distribuições re-
de entrada do Sistema, mas estão na quali- gionais: Centro-Oeste, Metropolitana, Mis-
dade de suporte técnico e científico e de sioneira, Norte, Serra, Sul e Vales. As cate-
núcleos irradiadores da cultura da centrali- gorias analíticas da pesquisa e seus respec-
dade do trabalho e da produção social das tivos eixos de investigação foram: trabalho
doenças no SUS. Dias (2012) alerta para o e perfil dos trabalhadores, processo saúde-
fato de que doença dos trabalhadores, saúde do traba-
lhador na atenção básica, atenção em saúde
[...] estes espaços se constituem no lócus do trabalhador e proteção social.
privilegiado de articulação e pactuação das
ações de saúde, intra- e intersetorialmen- O estudo contou com o apoio do Centro
te, a partir de seu território de abrangên- Estadual de Vigilância em Saúde
cia. (DIAS, 2012, p. 17).
(CEVS/RS) e com a colaboração de 41 parti-
cipantes (gestores, profissionais e usuários
da rede de serviços de atenção básica em
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saúde dos municípios selecionados nas sete não faz a vigilância. Outro tema menciona-
macrorregiões descritas). Foram utilizados, do pelos entrevistados foi que a realização
como instrumentos de pesquisa, entrevistas da formação em Saúde do Trabalhador
semiestruturadas, análise documental e ocorre fundamentalmente através de pales-
observação sistemática. O estudo foi apro- tras e capacitações pontuais e temáticas, o
vado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da que indica que, mesmo elas sendo pontuais,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul têm caráter educativo, ou seja, voltado para
e todas as orientações éticas foram obser- a prevenção. A respeito das atividades rea-
vadas e aplicadas. Os dados quantitativos lizadas, foram mencionadas também a
foram tratados utilizando-se estatística emissão de notificações de agravos de aci-
simples e os qualitativos foram considera- dentes e doenças relacionadas ao trabalho e
dos a partir da técnica de análise de conte- a atividade de apoio técnico aos municí-
údo proposta por Bardin (1977) e por Mi- pios.
nayo (1992). A análise de conteúdo contou
com as fases de pré-análise, de exploração Com relação às principais demandas que che-
do material e de tratamento dos dados. Ao gam ao serviço, nota-se que elas estão rela-
fim, realizou-se a inferência e a interpreta- cionadas à realização de vigilância em saú-
ção do material. Neste artigo elegemos co- de do trabalhador, à assistência aos traba-
mo foco alguns dos principais achados da lhadores vítimas de acidentes e doenças
pesquisa, que serão apresentados e discuti- relacionadas ao trabalho, ao reconhecimen-
dos na sequência. to destes acidentes e doenças e ao preen-
chimento da Comunicação de Acidentes de
Apresentação dos resultados Trabalho (CAT) para encaminhamento do
Auxílio-Doença junto à Previdência Social.
a) Identificação do serviço e perfil da de- Dentre as demandas encontradas, perma-
manda nece o desafio relacionado à “preparação
para olhar o sujeito como trabalhador”,
Os resultados obtidos evidenciam que o apontado pelas equipes dos CERESTs par-
acesso e a condicionalidade dos usuários aos ticipantes do estudo como a grande questão
CERESTs ocorrem através do referencia- a ser trabalhada nas equipes da rede de
mento demandado fundamentalmente pe- atenção à saúde do trabalhador.
las unidades básicas de saúde dos serviços
de vigilância dos municípios aos quais per- Os principais casos de doenças ou acidentes
tencem e também pelos sindicatos dos tra- relacionados ao trabalho atendidos pelos CE-
balhadores. As atividades de vigilância es- RESTs encontrados na pesquisa foram: a)
tão condicionadas às demandas. Constatou- lesões por esforço repetitivo, adoecimento
se que as atividades realizadas atendem as mental, intoxicação pelo uso de agrotóxicos,
áreas de Assistência e Vigilância, sendo que acidente com material biológico, problemas
a assistência é realizada pela maioria dos musculoesqueléticos relativos ao trabalho
CERESTs e que em apenas uma unidade infantil; b) doença da folha verde (tabaco);
esta atividade não é desenvolvida. Ade- c) depressão (indivíduos que trabalham
mais, observou-se que uma das unidades com agrotóxicos); d) acidentes graves e fa-

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tais e de trânsito. A maioria dos entrevista- desafios do SUS como um todo, visando
dos declara que não há a organização de uma garantir a integralidade da saúde destes
rede específica para atendimentos dos casos trabalhadores.
de acidentes e doenças relacionadas ao tra-
balho; este atendimento segue o fluxo esta- As ações de vigilância, por sua vez, ocupam
belecido pela política do SUS e depende da lugar central no trabalho dos CERESTs, que
organização e da estrutura de cada municí- vêm respondendo demandas que contribu-
pio. Dentre as medidas adotadas pelos CE- em para ampliar a identificação de agravos.
RESTs para suprir as necessidades de assis- O desafio central está na construção e na
tência está a compra de exames especiali- ampliação de estratégias que articulem com
zados. Eles apontam também a necessidade a vigilância em saúde e com a atenção bási-
da Pactuação no SUS para que se efetive ca, o que requer, fundamentalmente, o pla-
esta rede. Os municípios devem organizar a nejamento conjunto entre as vigilâncias,
notificação dos casos que necessitam de com base na análise da situação de saúde
uma atenção mais especializada e encami- dos trabalhadores e da população em geral,
nhá-los ao CEREST para que a rede se efe- no mapeamento das atividades produtivas
tive, o que ainda não ocorre na maioria dos e no impacto ambiental no território, sendo
serviços estudados. Assim, no que se refere fundamental para o estabelecimento de re-
à organização da rede, eles identificam que gistro e notificação de agravos e eventos de
as principais dificuldades para a sua efeti- interesse comum aos componentes da vigi-
vação consistem na expressiva rotatividade lância (BRASIL, 2012). Outra dimensão diz
dos trabalhadores do SUS e na dificuldade respeito à articulação entre as atividades de
de os secretários de saúde entenderem que vigilância, assistência, promoção e proteção
o CEREST tem natureza regional e que, no âmbito da saúde do trabalhador de ma-
portanto, deve atender aos municípios de neira a efetivar a atenção integral à saúde,
abrangência (e não apenas ao município- como prerrogativa do SUS a partir da estru-
sede). Apontam-se também dificuldades na turação da RENAST, no contexto da Rede
relação de referência e de contrarreferência de Atenção à Saúde, de modo que estas ati-
entre os serviços. vidades possibilitem a forma articulada e
integrada da Política à Saúde do trabalha-
Verifica-se que os CERESTs vêm respon- dor, em face dos desafios apresentados no
dendo às demandas no que se refere fun- item que segue, referente a essa temática.
damentalmente à assistência e à vigilância
em saúde dos trabalhadores. Nesse sentido, b) Política de Atenção à Saúde do Traba-
as questões que envolvem a assistência lhador
constituem ações que complementam a re-
de assistencial existente, que realiza outras No que se refere à Política de Atenção à
ações responsáveis por suprir lacunas no Saúde do Trabalhador, os entrevistados
âmbito da rede de serviços. Pode-se inferir responderam a algumas questões relativas
que as demandas que se colocam para o aos seguintes aspectos: a) os desafios ob-
atendimento à saúde dos trabalhadores no servados em relação à implementação da
plano assistencial representam os principais RENAST; b) as ações de vigilância em saú-
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Saúde do trabalhador

de do trabalhador e critérios utilizados; c) políticas públicas e sociais se expressam na


as notificações de doenças e acidentes rela- rotina dos serviços.
cionados ao trabalho; d) a utilização das
informações; e) a capacitação e a educação Menciona-se o papel do gestor como fun-
permanente em saúde do trabalhador na damental e a necessidade de que ele com-
sua região; f) a interlocução do CEREST preenda a importância de promover a aten-
com outras instâncias da saúde (SMS, CRS, ção à saúde do trabalhador. Nesse contexto,
CMS); g) o Comitê Gestor do CEREST; e h) a saúde do trabalhador foi apontada como
a integração das ações em saúde do traba- situada no centro do conflito da relação ca-
lhador com as demais políticas sociais pú- pital x social e este conflito foi citado por um
blicas. entrevistado através da seguinte analogia:
“Morre um animal, se mobilizam todos, mas
Constatou-se, através da pesquisa, que um morre um trabalhador, é só mais um” (C4). Ou-
dos principais desafios está no reconhecimento tro desafio está na necessidade de realizar
e na identificação do usuário como trabalhador, de forma permanente a capacitação e a sen-
uma vez que ele já é atendido no serviço, sibilização dos profissionais da saúde com
mas destituído dessa identidade. Conforme foco nos agentes comunitários de saúde,
a fala de um dos sujeitos do estudo, “[...] a que são os profissionais que estão mais
rede já atende o trabalhador, mas precisa ver ele próximos dos usuários e de suas condições
como trabalhador” (C1). Outra questão a de- de vida, circulando e observando os territó-
safiar a atenção ao trabalhador encontra-se rios em suas particularidades.
na desregionalização dos serviços prestados
pelo CEREST, acrescido de uma compreen- Quanto às ações de vigilância, observou-se
são distorcida sobre a abrangência da Polí- que elas têm se constituído na principal
tica Nacional de Saúde do Trabalhador pe- demanda do CEREST, porém faltam dire-
los gestores municipais aos quais o CEREST trizes concretas para que ocorra a vigilância
está organicamente vinculado. Tal fato re- no SUS e, no que se refere à saúde do traba-
sulta na compreensão de pertencimento ao lhador, por exemplo, aponta-se uma melhor
município-sede, o que o destitui de sua utilização das informações/notificação do
abrangência e responsabilidade regional de SUS para a Vigilância. Alguns CERESTs
articulador da rede de atenção existente nas realizam vigilância em parceria com o Mi-
capilaridades dos serviços e territórios en- nistério Público do Trabalho em um exercí-
volvidos. Esta compreensão é identificada e cio de articulação intersetorial e de potenci-
expressa na fala de outro sujeito ao dizer alização da rede de assistência à saúde do
que “[...] não se pode desvincular a saúde do trabalhador. Cabe ressaltar que esta questão
trabalhador dos desafios do SUS como um todo” pode ser analisada sob dois ângulos: um
(C2). Aponta-se também a necessária cons- deles é o já expresso acima e o outro expõe
cientização da própria rede ampliada de as dificuldades e desafios da área para ga-
saúde e não só da saúde do trabalhador. rantir o acesso aos ambientes de trabalho
Este paradoxo é transversal a todo o estudo muitas vezes resguardados a “sete chaves”
e merece um debate mais aprofundado so- da vigilância e do controle social. Outro
bre a forma que a intersetorialidade das aspecto apontado foi que muitos programas

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sofrem descontinuidades, a exemplo do No que se refere à interlocução dos CERESTs


programa do benzeno, que representava com outras instâncias da saúde, os entrevista-
um mecanismo de qualificação das ações de dos, em geral, apontaram que há pouca re-
vigilância devido aos agravos desse agente lação com os Conselhos Municipais de Sa-
sobre a saúde. úde e que não há relação com a Coordena-
No que se refere às notificações das doenças e doria Regional de Saúde. A organiza-
dos acidentes relacionados ao trabalho, ape- ção/atuação do Comitê Gestor do CEREST
nas houve menção a um município-sede no foi apresentada como muito presente e de
qual toda rede notifica; fato que ocorreu efetivação do controle social. Os entrevista-
após a capacitação dos serviços pelo CE- dos expressam que este comitê é compro-
REST. Nos demais entrevistados prevaleceu metido com as demandas do CEREST.
a informação de que as notificações são rea- Apenas um município fez referência à ine-
lizadas de forma diferenciada pelos muni- xistência do comitê gestor, que foi desati-
cípios, alguns com maior índice de notifica- vado pelo Conselho Municipal de Saúde.
ção e outros com menor percentual. Isso Isso ocorreu porque o conselho compreen-
leva a afirmar que ainda persiste o baixo deu que, juridicamente, já faz este papel,
registro, levando à subnotificação, agenda não justificando a necessidade de haver um
permanente para a saúde do trabalhador. comitê específico.
Mesmo com a baixa notificação, os entrevis-
tados indicaram que as informações sobre A integração das ações em saúde do trabalhador
acidentes e doenças relacionadas ao traba- com as demais políticas sociais e públicas foi
lho, quando bem divulgadas, têm sido uti- mencionada tendo como referência a articu-
lizadas para garantir a atenção à saúde do lação com a rede social e as políticas relaci-
trabalhador, ou seja, são avaliadas como onadas às crianças e aos adolescentes, de-
um mecanismo necessário de controle e vido à demanda vinculada ao trabalho in-
informação epidemiológica, que serve para fantil pelos CERESTs. Foi apontada tam-
nortear a ação de vigilância e a capacitação bém uma maior integração com a Previdên-
da rede. cia Social, que tem culminado com constru-
ções de fluxos de encaminhamento para o
As atividades de capacitação e educação perma- CEREST. Alguns CERESTs apontam a ne-
nente em saúde do trabalhador na região cessidade de maior articulação com as
foram relacionadas a várias ações, caracte- ações do Ministério do Trabalho em face
rizadas como atividade de formação, capa- das dificuldades encontradas em ações de
citação, sensibilização e informação. Algu- vigilância em locais de trabalho, em especi-
mas atividades são desenvolvidas mais al no caso de ocorrência de acidentes gra-
pontualmente e outras de forma mais con- ves. Além disso, os centros indicam a ne-
tinuada. Outra dimensão da educação per- cessidade de estabelecerem-se diretrizes
manente está no trabalho de matriciamento, que contribuam para o fortalecimento inter-
na assessoria de planejamento dos traba- setorial e interinstitucional na atenção à
lhadores da rede e na sensibilização perió- saúde do trabalhador. Um dos entrevista-
dica nos serviços em que se identifica uma dos cita que
baixa nos níveis de notificações.
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Saúde do trabalhador

[...] uma rede tem que ir visualizando a outra equipes de saúde, dentre outras ações pre-
e ver o quanto um consegue enxergar o outro vistas pela política, efetivando-se o olhar
ou quanto o gestor geral consegue enxergar is- ampliado e integral em saúde. Logo, enten-
so. Precisa essa comunicação existir (C4). de-se que, potencialmente, essas ações pas-
sam pela construção de estratégias que vêm
Um coordenador de CEREST menciona a possibilitar o enfrentamento dos desafios
também a desarticulação, ao dizer que colocados no âmbito da saúde do trabalha-
dor na atenção básica, que são apresentados
[...] de repente a gente vê que sai um curso de
na análise que segue acerca da sua relação
saúde do trabalhador em outra secretaria e a
com os CERESTs, como forma de incorpo-
gente nem sabe, a gente vê que esta desarticu-
lação é histórica aqui né (C6).
rar a saúde do trabalhador como eixo de
ação do trabalho neste nível de atenção à
O que se tem verificado é que os CERESTs saúde.
cumprem papel fundamental para a cons-
trução da política de saúde do trabalhador. c) Relação do CEREST com a atenção bási-
Logo, é importante destacar seu papel de ca
apoio matricial às equipes de trabalhadores,
não só na atenção básica de saúde, mas nos No que se refere à relação do CEREST com
demais serviços da rede. O apoio matricial a atenção básica, os entrevistados respon-
se constitui em um apoio técnico- deram a algumas questões relativas aos se-
pedagógico às equipes de referência para a guintes aspectos: a) a interlocução entre o
ação integral à saúde da população, signifi- CEREST e a atenção básica; b) os desafios
cando, portanto, que os CERESTs devem encontrados na área de abrangência para a
reconhecer e fortalecer a rede existente efetivação da política de atenção à saúde do
(CAMPOS; DOMITTI, 2007). Outro aspecto trabalhador na atenção básica; e c) as suges-
está na relação com os gestores municipais tões para garantir a efetivação das ações em
no âmbito da regionalização dos CERESTs, saúde do trabalhador na atenção básica na
elemento que emerge da pesquisa como um área de abrangência. Verificou-se que a in-
desafio central, que surge de forma muito terlocução entre o CEREST e a atenção básica
clara, a partir do ponto de vista dos entre- foi apontada pelos entrevistados como uma
vistados. O CEREST, além de apoio técnico relação que vem melhorando, mas que ain-
e pedagógico às ações de assistência, pro- da não está fortalecida. Os entrevistados
moção e vigilância, deve garantir o apoio indicam, nesse sentido, a necessidade de
aos gestores municipais na implementação reforma nessa relação para que se estabele-
das ações em saúde do trabalhador, que ça um vínculo maior. Por outro lado, eles
passam a ser incorporadas no Plano Muni- evidenciaram que nas unidades de saúde
cipal de Saúde (DIAS et al., 2012). Com elas que possuem profissionais capacitados so-
decorrem a implantação da política de edu- bre a saúde do trabalhador essa relação é
cação permanente em saúde do trabalha- melhor, mas, contraditoriamente, a forma
dor, o fortalecimento do controle Social, a de relação estabelecida entre o CEREST e a
discussão de informações em saúde, a reor- atenção básica é essencialmente para a rea-
ganização do processo de trabalho das lização de capacitações sobre saúde do tra-

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balhador. Outra consideração apontada por [...] a busca de demandas dos servidores da
um CEREST a respeito da atenção básica foi saúde enquanto trabalhadores, de suas dificul-
a realização de projetos específicos para os dades diárias para acolher, identificar e notifi-
servidores da saúde. Um entrevistado des- car o usuário trabalhador (C1).
tacou que
Além disso existe a necessidade de uma
[...] desde 2011 há um projeto chamado ‘cui- visão mais orgânica da saúde do trabalha-
dando do cuidador’ oferecido a todos os funci- dor no SUS, o que vem sendo dificultado
onários da SMS dos municípios. [A capacita- considerando-se que a “[...] constituição do
ção] Foi o grande termômetro e viu-se o quan- CEREST com caráter especializado destituiu a
to é preciso trabalhar com esse pessoal (C4). responsabilidade da atenção básica” (C1). Ou-
tras sugestões têm relação com os seguintes
No que tange aos desafios encontrados na aspectos: a) a parceria com as universidades
área de abrangência para a efetivação da polí- para tratar da temática da saúde do traba-
tica de atenção à saúde do trabalhador na lhador; b) o maior pacto com a política, me-
atenção básica, as seguintes questões emer- ta estabelecida como uma espécie de “espi-
giram: a) a ampla rotatividade de profissio- nha dorsal” para o Rio Grande do Sul; c) a
nais; b) o gestor municipal que não com- ampliação da equipe do CEREST com perfil
preende o papel do CEREST e sua regiona- e dedicação exclusiva para a saúde do tra-
lização; c) a incorporação de novas deman- balhador; d) a nomeação do responsável
das como, por exemplo, a saúde do servi- pela saúde do trabalhador nos municípios
dor; e d) o deslocamento dos trabalhado- de abrangência; e) a liberação de recursos
res/usuários no âmbito regional. Um dos financeiros por parte do gestor para propi-
principais desafios destacados pelos entre- ciar encontros, eventos, jornadas, seminá-
vistados refere-se à compreensão do gestor rios em saúde do trabalhador; e f) a agiliza-
do papel regional do CEREST. ção de diárias para técnicos. Por fim, as
questões apontadas denotam proposições
Segundo um dos participantes, o desafio é importantes para a saúde do trabalhador na
atenção básica de saúde que dizem respeito
[...] fazer com que o gestor entenda que o CE- à necessidade de uma maior descentraliza-
REST é regional e que, portanto, não deve so- ção das ações da área sem que o CEREST
mente fazer ações voltadas para o município- deixe de desempenhar o seu papel.
sede. Nosso trabalho é para 28 municípios e,
portanto, 28 representantes em saúde do tra-
Em síntese, pode-se inferir que os Centros
balhador deverão ser nomeados e capacitados
com verba da RENAST, estadual e federal
de Referência em Saúde do Trabalhador –
(C3). CERESTs têm importantes desafios no que
se refere à efetivação da Política de Saúde
Como sugestões para garantir a efetivação das do Trabalhador, tendo em vista a ausência
ações em saúde do trabalhador na atenção do reconhecimento de que todos os níveis
básica, sugerem-se atitudes voltadas à saú- de atenção do Sistema Único de Saúde têm
de do servidor, como, segundo exemplo papel na efetivação da política. Em especial,
mencionado por uma das entrevistadas, destacamos neste estudo a atenção básica
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Saúde do trabalhador

de saúde, na qual o trabalhador/usuário é parte dos profissionais de saúde, muitos


invisível perante as equipes de saúde e, imersos na lógica de programas verticaliza-
consequentemente, o processo de saúde- dos em saúde, fragmentados em popula-
doença e trabalho não se constitui como ção-alvo, que acabam deixando de fora to-
objeto de ação. Tendo em vista o caráter do o restante da população que não se en-
especializado do CEREST, o centro acaba caixa no perfil para ter acesso a determina-
por ter um papel estratégico na articulação do programa. Para este estudo, quando o
e no fortalecimento da Política de Saúde do serviço reconhece o nexo, é porque está ali-
Trabalhador no SUS, com destaque para nhado a algum hospital escola integrante
ações de matriciamento, vigilância e educa- do SUS e serve como espaço de interlocu-
ção permanente. ção entre os cursos de especialização, a prá-
tica em medicina do trabalho e a Unidades
Discussão dos resultados Básicas de Saúde, integrando serviços e
programas pré-existentes na instituição.
Diversos foram os elementos que emergi-
ram dos dados coletados neste estudo que Apesar de todo arcabouço regulatório entre
auxiliaram na compreensão do atual cená- normas e portarias, percebe-se que o desco-
rio da saúde do trabalhador no Rio Grande nhecimento da dimensão do impacto do
do Sul e, consequentemente, na delimitação trabalho na saúde dos trabalhadores afeta
dos desafios para a concretização e a garan- diretamente os serviços pesquisados. Esta
tia dos direitos dos trabalhadores no que situação indica a necessidade de investi-
concerne à saúde. Dentre os achados, desta- mentos em capacitação de recursos huma-
ca-se que o CEREST ainda aparece como nos, apontada nas entrevistas como um fa-
um serviço reconhecido como “porta de tor de grande carência dos serviços de for-
entrada” para os agravos da saúde dos tra- ma geral. A articulação e a harmonização
balhadores que necessitam de atenção es- entre a base de dados de interesse do cam-
pecífica. Assim, o CEREST acaba sendo po da saúde do trabalhador, a implantação
lembrado por esta função, o que corrobora de infraestrutura e informática nos níveis
um distanciamento entre o próprio serviço locais e de coleta e registro de informações
e a rede básica de saúde. Os dados coleta- e as notificações e agravos também parecem
dos apontam para a existência de duas polí- ser grandes desafios para a implementação
ticas que não dialogam de forma suficiente, da política de saúde do trabalhador na
expressando questões importantes e neces- atenção básica, que ainda não consegue ar-
sárias para estabelecer este diálogo. ticular-se e dialogar com as demais deman-
das da saúde. O desafio da intersetorialida-
Respondendo ao problema central do estu- de passa pelo desafio da visibilidade do
do, observa-se que a falta de ações ainda problema e da integração dos sistemas de
ocorre devido à ausência de suporte técnico informação, o que parece ser peça funda-
do CEREST, que tem resistência por parte mental, pois a literatura reitera que a sub-
dos gestores em efetivar suas ações de for- notificação dos agravos relacionados ao
ma regionalizada e não municipalizada. trabalho mascara um grande problema de
Aponta-se também a falta de correlação por saúde pública que se expressa, em sua mai-

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or parte, assim como o trabalho de modo trabalho geradores de acidentes e doenças.


informal e não registrado no país. A identificação de situações de risco ou da
presença de fatores de risco para a saúde na
Diante deste cenário, destaca-se que, apesar situação de trabalho, através das ações de
dos avanços significativos tanto conceituais vigilância, pode permitir o encaminhamen-
quanto na ampliação de recursos legais, a to do trabalhador ou dos trabalhadores ex-
vigilância em saúde do trabalhador ainda postos à assistência e ao acompanhamento
necessita de articulação intra e interinstitu- adequado. No modelo de SUS proposto
cional, de ações interdisciplinares e interse- pelo Pacto de Gestão, a atenção básica é a
toriais, transversais a um sistema de vigi- porta de entrada e cabe a ela a coordenação
lância com consolidação institucional. O e a regulação de todo o sistema.
aprofundamento das ações em saúde do
trabalhador será possível quando for atri- Portanto, para pensar a saúde do trabalha-
buída visibilidade aos agravos, através de dor em uma concepção que contemple os
condições para sua correta notificação e da diferentes condicionantes e determinantes
garantia da longitudinalidade da atenção. do processo de saúde e doença dos traba-
Afinal, o agravo, quando reconhecido, só é lhadores é necessário refletir sobre ela des-
notificado em situações excepcionalmente de a sua organização na sociedade e no tra-
graves, deixando-se de lado os demais im- balho, compreendendo-se esta realidade
pactos e doenças que se instalam, lenta e sob uma perspectiva de sujeitos coletivos,
silenciosamente, ao longo de todo o proces- conhecendo-os e reconhecendo-os histori-
so. camente (MENDES, 2003). Isso significa
entender a situação de forma global, nos
Considerações finais aspectos individuais e coletivos, políticos,
econômicos, sociais, culturais e históricos
A inserção efetiva das ações de saúde do que interferem no fenômeno e definem sua
trabalhador no SUS, na atualidade, está di- existência. A saúde no trabalho faz parte de
retamente relacionada à sua assimilação uma história ao mesmo tempo individual e
pela atenção básica. O crescimento do tra- coletiva, que se constrói na articulação entre
balho informal, não registrado, familiar e a organização social da produção econômi-
em domicílio, decorrente dos processos de ca e os homens e mulheres no trabalho
reestruturação produtiva, reforça a necessi- (THÉBAUD-MONY, 1998). Conclui-se, por-
dade de ações de saúde na atenção básica tanto, que as históricas assimetrias das polí-
que cheguem o mais próximo possível de ticas públicas e sociais, em especial na Polí-
onde as pessoas vivem e/ou trabalham. A tica de Saúde do Trabalhador, apontam pa-
partir do estabelecimento da relação do ra a necessidade de investimentos públicos
agravo ou doença com o trabalho e do re- e estudos que as considerem e que estimu-
gistro dessa informação no sistema de in- lem o desenvolvimento equânime no cam-
formação em saúde é que se torna possível po da formação, da pesquisa e da proteção
coletivizar o fenômeno e estabelecer os pro- do meio ambiente do trabalho.
cedimentos de vigilância que levem à mu-
dança nas condições e nos ambientes de Referências
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Saúde do trabalhador

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