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Organizado pelo
Grupo de Pesquisa Crítica do Direito e Subjetividade Jurídica
Coordenador: Prof. Dr. Alysson Leandro Barbate Mascaro
Com apoio da
TV Boitempo
Faculdade de Direito
Comissão Científica Universidade de São Paulo
Carlos Rivera-Lugo
Juliana Paula Magalhães
Largo São Francisco, 95, Sé
Luiz Felipe Brandão Osório
São Paulo, SP, CEP 01005010
Luiz Ismael Pereira
Maria Beatriz Oliveira da Silva
Pedro Eduardo Zini Davoglio
Comissão Organizadora
Adriano Camargo Barbosa dos Santos
Camila Alves Hessel Reimberg
Cláudio Rennó Villela
Daniel Soares Mayor Fabre
Lucas Ruiz Balconi
Luiz Octávio Sibahi
Patrick Mariano Gomes
Romulo Cassi Soares de Melo
Thais Hoshika
Thiago Jorge Kühl
Victor Garcia Ferreira
Victor Vicente Barau
Normatização e revisão
Os autores
DIA 27/07/2020
DIA 28/07/2020
DIA 29/07/2020
I SEMINÁRIO CRÍTICA DO DIREITO E SUBJETIVIDADE JURÍDICA ANÁLISE ESTRUTURAL DO FASCISMO 27 a 29 de jul. de 2020 5
SUMÁRIO
5 Programação
Apresentação
10 Alysson Leandro Mascaro
Análise estrutural do fascismo: breves apontamentos
12 Juliana Paula Magalhães
Fascismo e crise como contradição
22 Carlos Rivera-Lugo
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Reprodutibilidade no nacionalismo fascista
99 Amanda Franco Grillo Zakir Jorge
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Engels e o direito: Notas críticas a partir do “Socialismo Jurídico”
177 Wesley Sousa
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Fascismo, Estado e família: A opressão de gênero como ferramenta do
fascismo no PL nº 246/2019
246 Caio Hoffmann Cardoso Zanon, Lígia Maria Cerqueira Fernandes e Luís Gustavo
Caetano Caldeira
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APRESENTAÇÃO
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DIREITO DE EXCEÇÃO NA ERA DEMOCRÁTICA DAS CHACINAS
RESUMO
Em apenas nove dias em Maio de 2006, no estado de São Paulo, aproximadamente 505
civis foram executados pela polícia. Evidente que a pena de morte para “civis” no Brasil
existe, e não estar escrita em leis talvez a torne mais brutal em uma realidade social que
amplia a opressão financeira e nega sistematicamente os direitos que o cidadão deveria
supostamente ter como fundamentais. Fazemos uma apologia ao uso prático do conceito
de estado de exceção dentro do pensamento jurídico crítico como arma militante, a partir
do marxismo jurídico. Parece-nos realmente necessário assumir um horizonte de ruptura
e ação direta contra ideologias e práticas judiciais que visam o alargamento das brutais
desigualdades sociais, que causariam inveja a vários projetos de extermínio perpetuados
por grupos vinculados ao fascismo histórico do século XX.
Palavras-chave: Violência Policial; Marxismo Jurídico; Estado de Exceção; Guerra Civil;
Luta de Classes
ABSTRACT
In just nine days in May 2006, in the state of São Paulo, approximately 505 civilians were
executed by the police. Evidently there is a death penalty for “civilians” in Brazil, and if it
is not written on our statements, it may become more brutal in a social reality that
broaden financial oppression and systematically denies the rights that citizens are
supposed to owe as the fundamental principles. We do an apology for the practical use of
the concept of the state of exception within legal thought as a militant weapon, starting
from legal marxism. It really seems necessary to assume a horizon of rupture and direct
action against ideologies and judicial practices that aim to improve the brutal social
inequalities, that would cause envy to many project of extermination perpetuated by
groups linked to the historical fasciscm of the 20th century.
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Keywords: Police Violence; Legal Marxism; State of Exception; Civil War; Class Struggle
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, após 30 anos, dá indícios que menos que cumprir o papel
de proteger seus cidadãos contra a violência e garantir seus direitos mínimos, opera mais
como umas das formas de legitimação de um sistema de governo que além de não
combater as práticas institucionais desenvolvidas, sobretudo na ditadura empresarial-
militar, ampliam sua escala, intensidade e práticas verdadeiramente de exceção,
sobretudo contra uma “superpopulação” de pobres e miseráveis.
Contraditoriamente, o direito à vida passou a ser mais atacado pelo próprio Estado
a partir da promulgação da Constituição, sobretudo em função do alargamento das
desigualdades econômicas e das políticas de “guerra ao crime”, que parecem muito mais
com campanhas de assassinato em massa e super encarceramento do que estratégias que
realmente queiram ter qualquer efetividade em diminuir a violência.
Como exemplo representativo, apenas os assassinatos nos nomeados “Crimes de
Maio”, em nove dias, ultrapassam os números constantes dos registros de mortes
atribuídas ao Estado no período da ditadura empresarial-militar a partir do golpe em
1964 no Brasil. Entre 12 a 20 de Maio de 2006, na cidade de São Paulo, aproximadamente
505 civis foram executados por policiais.
Dependendo particularmente da situação financeira e do perfil étnico e estético do
“sujeito de direito”, os homens armados empregados ou aliados ao Estado, fardados ou
não, chegam ao ponto de matar muito mais pessoas por ano do que as altas estatísticas
oficiais atestam nas calçadas de nossas cidades. Eles são juízes da rua.
Em todos os âmbitos, para a maioria de nossa sociedade o direito do dia a dia não tem
nada ver com o que está escrito nas leis, particularmente na prática dos nossos tribunais
e polícias, que detêm o poder de criar o direito oficial, de decidir qual direito se aplica e a
quem se aplica. A lei que impera é muitas vezes contrária à escrita.
DESENVOLVIMENTO
Delimitamos nosso período histórico no que chamamos de “Era Democrática das
Chacinas”, com marco inicial na Chacina de Acari, no Rio de Janeiro, em 1990, a partir do
termo proposto pelo principal Movimento Popular de familiares e amigos dos chacinados
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nos eventos dos Crimes de Maio. (MÃES DE MAIO, 2011)
Entendemos que o direito na contemporaneidade é uma expressão específica de
diversas relações sociais, particularmente das relações econômicas capitalistas,
historicamente determinadas, tendo em nossos tempos sua mais imediata e específica
expressão nas relações de trabalho e de propriedade (MARX, 1996), que submete e
transforma em mercadoria, com fundamental papel das formas do direito, a própria vida
e o uso do corpo do ser humano.
Com o plano de fundo da ascensão desta lógica econômica capitalista se deu o
desenvolvimento e ascensão histórica do poder jurídico dentro da sociedade brasileira. A
realidade do direito – assim como do Estado – é um indicativo de que hoje estamos longe
da possibilidade de uma ideal conciliação democrática entre as classes econômicas. Pelo
contrário, o direito como hoje se expressa demonstra que são fundamentalmente
inconciliáveis os interesses destas classes em oposição (LENIN, 2010). Das diversas
formas nas quais o direito se manifesta, impera muito mais uma lógica de exclusão dos
mais empobrecidos da proteção jurídica do que um projeto que vise realmente
democratizar o poder político em nossa sociedade.
Analisa-se uma das manifestações dentro de uma grande gama de “violências” que
compõem essa sociedade de desigualdades entre ricos e pobres, particularmente à
violência que se vincula ao direito. Fala-se de uma atuação ativa de extermínio por meio
da violência organizada institucional (PACHUKANIS, 2017), tomada sistematicamente por
meio dos destacamentos de homens armados pelo Estado (LENIN, 2010), que detêm o
“monopólio da violência legítima”, da decisão jurídica , que tem força de lei (BENJAMIN,
2011), um dos pontos de contato entre a ordem político-jurídica e sua violência oficial
contra a vida dos cidadãos a quem supostamente o ente estatal protegeria, mas que as
trata como mercadorias descartáveis.
Em um dos limites desta violência oficial, sistematicamente praticada por agentes
públicos dotados de uma suposta autoridade política e jurídica, contra indivíduos de
classes desfavorecidas desarmados, o resultado é a execução de seres humanos que
carregam características sociais específicas, um verdadeiro massacre democrático. Não
uma “falha no sistema”, e sim atividade essencial ao próprio Estado, confirmado no caso
do Estado Brasileiro, que controla e se diz no poder de matar populações indesejadas ao
sistema, sempre os mais pobres, miseráveis ou rebeldes. (VASQUES, 2019) É dizer, o
estado de exceção foi efetivamente decretado e aceito como justo pelo judiciário nos
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Crimes de Maio ou no Massacre do Carandiru.
Mas o estado de exceção não se restringe a esses exemplos limítrofes específicos,
em que centenas morreram ao mesmo tempo. Pelo contrário: em 2018, a polícia
brasileira, de forma oficial, matou 6.160 pessoas, um crescimento de 935 homicídios em
relação a 2017. Em relação inversa, o número de policiais assassinados foi de 307,
enquanto em 2017 foi de 374. A polícia matou mais e morreu menos. (REDAÇÃO RBA, 2019). Para
cada policial morto no Brasil, a polícia assassina 20 civis. São praticamente 17 pessoas mortas por
dia no país apenas pelos governos, e isso nos documentos que o próprio homicida, o Estado
Democrático de Direito, oficializa! (INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA; FÓRUM
BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2019).
Em termos conceituais de teoria geral do direito, entendemos que o direito de
exceção é a forma própria de expressão da relação jurídica nos nossos dias, ao menos para
a maioria de nossa sociedade. Visamos como horizonte uma compreensão realista do
fenômeno jurídico contemporâneo por uma perspectiva classista, voltada a pensar de
acordo com interesses objetivos das classes despossuídas de dinheiro e direitos. E
entendemos que esses interesses são contrários a ordem jurídica atual.
Não cabe falar de “sujeito de direitos” ou “cidadão” em uma realidade na qual o
poder do direito nega e aniquila a qualidade mais básica do “sujeito”, a vida. Não existem
civis quando o estado de exceção está decretado e as execuções são recorrentes.
Se vivemos sob um direito de exceção, evidente que há situações onde “não
cidadão” deve ir contra esta ordem, às vezes devolvendo à força a violência perpetuada
pelos órgãos oficiais, particularmente contra aqueles que criam o direito na prática,
sobretudo quando estes querem lhe matar. Não é novidade.
Assumimos uma visão socialista, reconhecendo a existência de uma guerra civil
(não) declarada no país (TADDEO, 2016) e também seu reflexo jurídico, o direito de
exceção, com exemplo notável nos massacres realizado pelas armas do Estado
Democrático de Direito. Visualizar essa realidade pode ser uma útil tática para o combate
contra o sistema de exploração e concentração de renda no Brasil, sendo profunda sua
relação com o direito vigente e sua violência, que se agrava a cada dia.
CONCLUSÕES
Tomando a responsabilidade de assumir uma postura dialético-revolucionária e
seguindo a tarefa proposta por Walter Benjamin em sua Oitava Tese sobre a História.
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Acreditamos que a denúncia da existência real de um estado de exceção para virtualmente
todos os oprimidos pelo sistema econômico de exploração vigente no Brasil reforça a
necessidade de se assumir uma posição revolucionária. O horizonte é de ruptura e
enfrentamento contra este sistema econômico e ações governamentais que visam à
manutenção e a perpetuação das desigualdades sociais existentes, utilizando inclusive
de práticas que dariam inveja a qualquer projeto histórico de extermínio realizado por
grupos vinculados ao fascismo histórico do século XX.
A ação direta deve ser pensada e teorizada contra um sistema que faz a maioria
viver dentro de um campo de concentração moderno, correndo sempre os riscos de terem
seus direitos negados nas mais amplas e simples esferas, sem qualquer notícia de que a
Constituição ou as leis escritas qualquer dia fizeram sentido em sua vida real.
De fato, a democracia brasileira no capitalismo contemporâneo produz uma guerra
civil dentro de suas fluídas fronteiras, e a sociedade sofre a violência ilegítima praticada
pelo Estado Democrático de Direito sob diversos modos, inclusive sob a forma de um
extermínio sistemático, restando expostos sangrentos massacres de classe que
perpassam a relação entre direito vigente, a ordem constituída e a violência policial.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, W. Escritos sobre mito e linguagem (1915-1921). São Paulo: Duas Cidades/ Ed.
34. 2011.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA
PÚBLICA. Atlas da violência, 2019. Brasília/Rio de Janeiro/ São Paulo: Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2019
LENIN, V. I. O Estado e a revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do
proletariado na revolução. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
MÃES DE MAIO. Do Luto à Luta. São Paulo: Giramundo Artes Gráficas, 2011.
MARX, K. O Capital – Crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Editora Nova Cultural,
1996.
PACHUKANIS, E. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017.
REDAÇÃO RBA. Polícia mata mais e morre menos, conclui levantamento sobre segurança
pública. Rede Brasil Atual, 2019. Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br
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/cidadania/2019/04/policia-mata-mais-e-morre-menos-conclui-levantamento-sobre-
seguranca-publica/> Acesso em 3 de julho de 2020.
TADDEO, E. A Guerra não declarada na visão de um favelado. Vol II. São Paulo: Carlos
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VASQUES, T. O genocídio como atividade essencial do Estado. Blog da Boitempo, 2019.
Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2020/06/15/o-genocidio-como-
atividade-essencial-do-estado/> Acesso em 3 de julho de 2020.
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