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Anais do

I SEMINÁRIO CRÍTICA DO DIREITO E SUBJETIVIDADE JURÍDICA


Análise estrutural do fascismo
27 a 29 de julho de 2020

Organizado pelo
Grupo de Pesquisa Crítica do Direito e Subjetividade Jurídica
Coordenador: Prof. Dr. Alysson Leandro Barbate Mascaro

Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito


Faculdade de Direito
Universidade de São Paulo

Com apoio da
TV Boitempo

São Paulo (Online), 2021


Coordenação Grupo de Pesquisa Crítica do Direito e
Alysson Leandro Barbate Mascaro Subjetividade Jurídica

Faculdade de Direito
Comissão Científica Universidade de São Paulo
Carlos Rivera-Lugo
Juliana Paula Magalhães
Largo São Francisco, 95, Sé
Luiz Felipe Brandão Osório
São Paulo, SP, CEP 01005010
Luiz Ismael Pereira
Maria Beatriz Oliveira da Silva
Pedro Eduardo Zini Davoglio

Comissão Organizadora
Adriano Camargo Barbosa dos Santos
Camila Alves Hessel Reimberg
Cláudio Rennó Villela
Daniel Soares Mayor Fabre
Lucas Ruiz Balconi
Luiz Octávio Sibahi
Patrick Mariano Gomes
Romulo Cassi Soares de Melo
Thais Hoshika
Thiago Jorge Kühl
Victor Garcia Ferreira
Victor Vicente Barau

Organização dos anais


Romulo Cassi Soares de Melo
Suzana Maria Loureiro Silveira
Thais Hoshika

Normatização e revisão
Os autores

As informações contidas nos resumos expandidos são de responsabilidade de seu(s) autor(es).


PROGRAMAÇÃO

DIA 27/07/2020

Palestra de abertura com Alysson Leandro Mascaro.


19h30- Mediação: Lucas Ruiz Balconi.
21h30 TV Boitempo: https://www.youtube.com/watch?v=3CVE5zpGsss
Canal do Grupo de Pesquisa: https://www.youtube.com/watch?v=lP_dMJ47Jsg

DIA 28/07/2020

Sessão de Comunicação Oral


10h00-
Eixo Temático I - Aparelhos de Estado e classes sociais
12h00 (Via plataforma virtual “Jitsi Meet”)

Mesa-redonda com Maria Beatriz Oliveira da Silva, Bjarne Melkevik


(Canadá), Luiz Felipe Brandão Osório e Camilo Onoda Caldas.
15h00-
Mediação: Victor Vicente Barau.
17h00 TV Boitempo: https://www.youtube.com/watch?v=Z4pMT5eZqpk
Canal do Grupo de Pesquisa: https://www.youtube.com/watch?v=0ElwdJadND0
Mesa-redonda com Juliana Paula Magalhães, Silvio Luiz de Almeida, Luiz
Ismael Pereira e Pedro Eduardo Zini Davoglio.
19h30- Mediação: Romulo Cassi Soares de Melo.
21h30 TV Boitempo: https://www.youtube.com/watch?v=FvbWli-YvXY
Canal do Grupo de Pesquisa:
https://www.youtube.com/watch?v=bp0_OX3A39k

DIA 29/07/2020

Sessão de Comunicação Oral


10h00-
Eixo Temático II – Teorias críticas do Estado e do direito
12h00 (Via plataforma virtual “Jitsi Meet”)

Mesa-redonda com Beatriz Rajland (Argentina), Claudia Mendoza Antunez


(México), Carlos Burity da Silva (Angola), Carlos Rivera-Lugo (Porto Rico) e
15h00- Alysson Leandro Mascaro (Brasil).
17h00 Mediação: Thais Hoshika.
TV Boitempo: https://www.youtube.com/watch?v=GKEySnemEec
Canal do Grupo de Pesquisa: https://www.youtube.com/watch?v=rSggVoSc6pY

Mesa-redonda com Alessandra Devulsky, Taylisi de Souza Correa Leite,


Camila Alves Hessel Reimberg e Ana Maria Marques.
19h30-
Mediação: Letícia Garducci.
21h30 TV Boitempo: https://www.youtube.com/watch?v=hoDZ4AFE08E
Canal do Grupo de Pesquisa: https://www.youtube.com/watch?v=gciTpWLpeL8

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SUMÁRIO

5 Programação
Apresentação
10 Alysson Leandro Mascaro
Análise estrutural do fascismo: breves apontamentos
12 Juliana Paula Magalhães
Fascismo e crise como contradição
22 Carlos Rivera-Lugo

Eixo Temático I: Aparelhos de Estado e classes sociais

A ideologia fascista e a religião: uma relação pretensiosa


41 Maria Eduarda Araujo Gigli e Marina Harumi Fukumoto
A offensiva e o blackshirt: O periódico como antena fascista no Brasil e na
46 Inglaterra
Filipe Philipps de Castilho
A propaganda hitlerista como instrumento do estado: A influência
51 midiática nas lutas de classes do século XX
Mariana dos Santos de Almeida e Simone de Lira Fernandes
Forma de regime de exceção em Nicos Poulantzas: fascismo na
56 conjuntura Bolsonaro?
Ronaldo Casanova
Democracia como cabresto da classe trabalhadora brasileira
62 Rayane Cristina de Andrade Gomes e Thariny Teixeira Lira
Estado e aparelhos repressivos no fascismo histórico e no neofascismo
68 Marianna Haug
O “Escola sem partido” como representação do autoritarismo burguês no
campo educacional
74 Ana Carolina de Oliveira Nunes Pereira, Jailton de Souza Lira e Maria Betânia
Nunes Pereira

O Estado burgofascista brasileiro e seus ‘não sujeitos de direito’:


80 Quilombismo, afrocentralidade e outras estratégias de resistência negra
João Luiz Cardoso Neto

O Estado dentro do Estado: Um estudo sobre a estrutura organizacional


84 na Alemanha no período de 1933 a 1945
Valterlei A. da Costa e Vivian Carla da Costa

O contexto pré-nazista no filme “O último homem”


91 Noemi Oliveira Siqueira

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Reprodutibilidade no nacionalismo fascista
99 Amanda Franco Grillo Zakir Jorge

Aproximações teóricas entre a crítica do direito e a crítica da economia


104 política da comunicação
Manoel Dourado Bastos, Isabella Alonso Panho e Guilherme Bernardi

Cristofascimo: Uma teologia política de Estado


110 João Luiz Moura

O papel da pequena burguesia na política brasileira recente


115 Pedro Cury de Freitas

Ideologia dominante, aparelhos ideológicos e contradições de classe


121 Augusto Petry

O fascismo à brasileira: a centralidade da religiosidade no integralismo e


129 bolsonarismo
Ícaro de Jesus Rodrigues e Isabella Lopes Vaz

O fascismo e a fantasia das políticas coletivas


134 Rafael Menguer Bykowski dos Santos

O fascismo e a importância da garantia do direito das mulheres


139 Isabela Christina Arrieta Masieiro e Luiza Andreza Camargo De Almeida

Pequena burguesia em revolta oculta e fascistização: uma análise da obra


144 “Fascismo e Ditadura” de Nicos Poulantzas
Silvino Giacomo De Luca

A crítica da forma-política e a luta de classes


150 Thiago Lemos Possas

Redes sociais e fake news na constituição do neofascismo no brasil


158 Ionathan Junges, Luís Guilherme Nascimento de Araújo, Nariel Diotto e Tiago
Anderson Brutti

Eixo Temático II: Aparelhos de Estado e classes sociais

Adaptações do direito ao advento do nazismo: Uma análise a partir de


165 Poulantzas.
Leonardo Godoy Drigo

Contribuições de Florestan Fernandes para o debate sobre fascismo na


171 américa latina
Juliana Leme Faleiros e Valéria Pilão

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Engels e o direito: Notas críticas a partir do “Socialismo Jurídico”
177 Wesley Sousa

Fascismo e democracia: dois lados da mesma moeda. A atualidade da


183 crítica de Herbert Marcuse ao capitalismo
André Luiz Barbosa da Silva

Forma jurídica e a circulação do capital: autonomia da vontade, liberdade


189 contratual e igualdade formal
Matheus Silveira de Souza

Os limites da luta institucional contra o racismo e a subsunção da


194 resistência negra à sociabilidade capitalista
Caio Luís Prata e Gabriel Coimbra Rodrigues Abboud

Sobredeterminação e subjetividade jurídica


199 Reginaldo Gomes da Silva Filho

Apontamentos sobre as funções ativas do direito como ideologia em


204 Lukács
Arthur Bastos Rodrigues

Nova República – e depois? A crítica da forma jurídica e o ocaso do


210 constitucionalismo social
Thiago Lemos Possas e Gabriel Frias de Araújo

Considerações sobre o populismo na América Latina: o caso do Brasil


na/da Era Bolsonarista e na/da era pandêmica
218 Denise Tatiane Girardon dos Santos, Fernanda Lavinia Birck Schubert e Rômulo
José Barboza dos Santos

Crises capitalistas: ondas legitimadoras de opressão às minorias.


Reflexão acerca da radicalização da polarização política pós-Jornadas de
223 Junho/2013
Liciane André Francisco da Silva, Luiane Selina Nogueira Ferrari e Vanessa Davi
Hungaro

Direito de exceção na era democrática das chacinas


228 Ygor de Carvalho Oliveira

Direito e autoritarismo no Brasil: Aprofundamento liberal ou ascensão


234 fascista?
Bruno Caminotto Ordanini dos Santos

Fascismo e a dialética dependente


240 Felipe Gomes Mano

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Fascismo, Estado e família: A opressão de gênero como ferramenta do
fascismo no PL nº 246/2019
246 Caio Hoffmann Cardoso Zanon, Lígia Maria Cerqueira Fernandes e Luís Gustavo
Caetano Caldeira

Guerras híbridas e direito internacional contemporâneo


252 Júlio da Silveira Moreira

O caminho eleitoral como estratégia de agitação revolucionária


257 Ana Clara da Silva Oliveira, Pedro Levi Lima Oliveira e Rachel de Souza Maximino

O conceito de crise ideológica em Poulantzas


263 Nairon Antognolli e João Henrique Bastos Vezozzo

O fascismo e sua relação com a dimensão socioespacial: uma leitura


268 gramsciana
Isabel Lopes Perides e Silvia Lopes Raimundo

A crítica à democracia na perspectiva filosófica de Slavoj Žižek


274 Marcus Vinicius Quessada Apolinário Filho e Gerson Pereira Filho

O direito penal do inimigo e a fascistização brasileira: Uma análise do


279 caso Lula e suas implicações políticas
Mateus Baptista de Siqueira

O Estado e o “não cidadadão” LGBTQIA+: Uma urgente análise crítica do


284 direito brasileiro
Camila Pina Brito

O mundo coberto de penas: Um comparativo de “Vidas Secas” e a


290 exploração laboral da miséria
Sofia Covas Russi

Repetição histórica em Marx: compulsão, crise e revolução


295 Juliana Meneghelli

Uma análise marxista da relação jurídica entre entregadores e empresas


301 de aplicativos
Vitor Fraga da Cunha

306 ANEXO I – Sobre os palestrantes

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APRESENTAÇÃO

Em 2020, sob condições políticas e sociais cruciantes do país e no auge de uma


pandemia, organizei, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o I Seminário
Crítica do Direito e Subjetividade Jurídica. O evento, realizado de forma virtual, mediante
plataformas de internet, dos dias 27 a 29 de julho, contou com o apoio da Boitempo
Editorial e foi transmitido pelo Canal da TV Boitempo e Canal do Grupo de Pesquisa no
Youtube.
Tive a alegria de reunir dezessete palestrantes de seis países (Brasil, México, Porto
Rico, Canadá, Argentina e Angola), todas e todos amigos e companheiros de reflexão
intelectual em importantes universidades pelo mundo. Além da palestra de abertura, sob
meu encargo, houve quatro mesas-redondas e várias outras atividades acadêmicas. Houve
cerca de dois mil inscritos oficiais, com mais de sessenta mil ouvintes. Os vídeos do evento
ficaram desde então à disposição do acesso geral, de tal sorte que também o número de
acompanhantes a posteriori tem sido bastante expressivo.
O Seminário contou com sessões de comunicação oral, com a submissão e
apresentação de quarenta e oito resumos expandidos, divididos em cinco Grupos de
Trabalho sobre os eixos temáticos “Aparelho de Estado e classes sociais” e “Teorias
críticas do Estado e do direito”. Alunos e pesquisadores do próprio grupo de pesquisa e
outros de vários Estados do Brasil participaram com a submissão e apresentação de seus
trabalhos. As movimentações que se deu já anteriormente ao evento, com as notícias a seu
respeito, as inscrições e envio de trabalhos, e também durante as atividades, estenderam-
se para além. O processo seletivo subsequente do grupo de pesquisa, para o ano de 2021,
contou com centenas de candidatos às vagas. E, até agora, o evento de 2020 tem sido
referenciado por muitas e muitos em suas pesquisas, falas e intervenções públicas.
A publicação destes Anais contribuirá para dar acesso aos textos de muitas das
pesquisas apresentadas no Seminário, além de artigos que tratam das ideias
desenvolvidas no evento. A importância da disponibilização destes Anais é bastante
grande: além de permitir iluminar, teoricamente, quadrantes centrais da sociabilidade
contemporânea, é documento histórico de uma mobilização acadêmica ímpar, que
envolveu muitas pessoas. Agradeço as alunas e os alunos que dedicaram muito de sua
energia para concretizar o evento e estes Anais, e o faço representando a todos pelo nome
de minha orientanda Profa. Thais Hoshika, que tomou a frente em todo esse processo. O I

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DIREITO DE EXCEÇÃO NA ERA DEMOCRÁTICA DAS CHACINAS

Ygor de Carvalho Oliveira1

RESUMO
Em apenas nove dias em Maio de 2006, no estado de São Paulo, aproximadamente 505
civis foram executados pela polícia. Evidente que a pena de morte para “civis” no Brasil
existe, e não estar escrita em leis talvez a torne mais brutal em uma realidade social que
amplia a opressão financeira e nega sistematicamente os direitos que o cidadão deveria
supostamente ter como fundamentais. Fazemos uma apologia ao uso prático do conceito
de estado de exceção dentro do pensamento jurídico crítico como arma militante, a partir
do marxismo jurídico. Parece-nos realmente necessário assumir um horizonte de ruptura
e ação direta contra ideologias e práticas judiciais que visam o alargamento das brutais
desigualdades sociais, que causariam inveja a vários projetos de extermínio perpetuados
por grupos vinculados ao fascismo histórico do século XX.
Palavras-chave: Violência Policial; Marxismo Jurídico; Estado de Exceção; Guerra Civil;
Luta de Classes

ABSTRACT
In just nine days in May 2006, in the state of São Paulo, approximately 505 civilians were
executed by the police. Evidently there is a death penalty for “civilians” in Brazil, and if it
is not written on our statements, it may become more brutal in a social reality that
broaden financial oppression and systematically denies the rights that citizens are
supposed to owe as the fundamental principles. We do an apology for the practical use of
the concept of the state of exception within legal thought as a militant weapon, starting
from legal marxism. It really seems necessary to assume a horizon of rupture and direct
action against ideologies and judicial practices that aim to improve the brutal social
inequalities, that would cause envy to many project of extermination perpetuated by
groups linked to the historical fasciscm of the 20th century.

1 Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco. E-


mail: ygorcarvalho@gmail.com. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0742766509911160. O presente
trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
Brasil (CAPES).

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Keywords: Police Violence; Legal Marxism; State of Exception; Civil War; Class Struggle

INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, após 30 anos, dá indícios que menos que cumprir o papel
de proteger seus cidadãos contra a violência e garantir seus direitos mínimos, opera mais
como umas das formas de legitimação de um sistema de governo que além de não
combater as práticas institucionais desenvolvidas, sobretudo na ditadura empresarial-
militar, ampliam sua escala, intensidade e práticas verdadeiramente de exceção,
sobretudo contra uma “superpopulação” de pobres e miseráveis.
Contraditoriamente, o direito à vida passou a ser mais atacado pelo próprio Estado
a partir da promulgação da Constituição, sobretudo em função do alargamento das
desigualdades econômicas e das políticas de “guerra ao crime”, que parecem muito mais
com campanhas de assassinato em massa e super encarceramento do que estratégias que
realmente queiram ter qualquer efetividade em diminuir a violência.
Como exemplo representativo, apenas os assassinatos nos nomeados “Crimes de
Maio”, em nove dias, ultrapassam os números constantes dos registros de mortes
atribuídas ao Estado no período da ditadura empresarial-militar a partir do golpe em
1964 no Brasil. Entre 12 a 20 de Maio de 2006, na cidade de São Paulo, aproximadamente
505 civis foram executados por policiais.
Dependendo particularmente da situação financeira e do perfil étnico e estético do
“sujeito de direito”, os homens armados empregados ou aliados ao Estado, fardados ou
não, chegam ao ponto de matar muito mais pessoas por ano do que as altas estatísticas
oficiais atestam nas calçadas de nossas cidades. Eles são juízes da rua.
Em todos os âmbitos, para a maioria de nossa sociedade o direito do dia a dia não tem
nada ver com o que está escrito nas leis, particularmente na prática dos nossos tribunais
e polícias, que detêm o poder de criar o direito oficial, de decidir qual direito se aplica e a
quem se aplica. A lei que impera é muitas vezes contrária à escrita.

DESENVOLVIMENTO
Delimitamos nosso período histórico no que chamamos de “Era Democrática das
Chacinas”, com marco inicial na Chacina de Acari, no Rio de Janeiro, em 1990, a partir do
termo proposto pelo principal Movimento Popular de familiares e amigos dos chacinados

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nos eventos dos Crimes de Maio. (MÃES DE MAIO, 2011)
Entendemos que o direito na contemporaneidade é uma expressão específica de
diversas relações sociais, particularmente das relações econômicas capitalistas,
historicamente determinadas, tendo em nossos tempos sua mais imediata e específica
expressão nas relações de trabalho e de propriedade (MARX, 1996), que submete e
transforma em mercadoria, com fundamental papel das formas do direito, a própria vida
e o uso do corpo do ser humano.
Com o plano de fundo da ascensão desta lógica econômica capitalista se deu o
desenvolvimento e ascensão histórica do poder jurídico dentro da sociedade brasileira. A
realidade do direito – assim como do Estado – é um indicativo de que hoje estamos longe
da possibilidade de uma ideal conciliação democrática entre as classes econômicas. Pelo
contrário, o direito como hoje se expressa demonstra que são fundamentalmente
inconciliáveis os interesses destas classes em oposição (LENIN, 2010). Das diversas
formas nas quais o direito se manifesta, impera muito mais uma lógica de exclusão dos
mais empobrecidos da proteção jurídica do que um projeto que vise realmente
democratizar o poder político em nossa sociedade.
Analisa-se uma das manifestações dentro de uma grande gama de “violências” que
compõem essa sociedade de desigualdades entre ricos e pobres, particularmente à
violência que se vincula ao direito. Fala-se de uma atuação ativa de extermínio por meio
da violência organizada institucional (PACHUKANIS, 2017), tomada sistematicamente por
meio dos destacamentos de homens armados pelo Estado (LENIN, 2010), que detêm o
“monopólio da violência legítima”, da decisão jurídica , que tem força de lei (BENJAMIN,
2011), um dos pontos de contato entre a ordem político-jurídica e sua violência oficial
contra a vida dos cidadãos a quem supostamente o ente estatal protegeria, mas que as
trata como mercadorias descartáveis.
Em um dos limites desta violência oficial, sistematicamente praticada por agentes
públicos dotados de uma suposta autoridade política e jurídica, contra indivíduos de
classes desfavorecidas desarmados, o resultado é a execução de seres humanos que
carregam características sociais específicas, um verdadeiro massacre democrático. Não
uma “falha no sistema”, e sim atividade essencial ao próprio Estado, confirmado no caso
do Estado Brasileiro, que controla e se diz no poder de matar populações indesejadas ao
sistema, sempre os mais pobres, miseráveis ou rebeldes. (VASQUES, 2019) É dizer, o
estado de exceção foi efetivamente decretado e aceito como justo pelo judiciário nos

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Crimes de Maio ou no Massacre do Carandiru.
Mas o estado de exceção não se restringe a esses exemplos limítrofes específicos,
em que centenas morreram ao mesmo tempo. Pelo contrário: em 2018, a polícia
brasileira, de forma oficial, matou 6.160 pessoas, um crescimento de 935 homicídios em
relação a 2017. Em relação inversa, o número de policiais assassinados foi de 307,
enquanto em 2017 foi de 374. A polícia matou mais e morreu menos. (REDAÇÃO RBA, 2019). Para
cada policial morto no Brasil, a polícia assassina 20 civis. São praticamente 17 pessoas mortas por
dia no país apenas pelos governos, e isso nos documentos que o próprio homicida, o Estado
Democrático de Direito, oficializa! (INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA; FÓRUM
BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2019).
Em termos conceituais de teoria geral do direito, entendemos que o direito de
exceção é a forma própria de expressão da relação jurídica nos nossos dias, ao menos para
a maioria de nossa sociedade. Visamos como horizonte uma compreensão realista do
fenômeno jurídico contemporâneo por uma perspectiva classista, voltada a pensar de
acordo com interesses objetivos das classes despossuídas de dinheiro e direitos. E
entendemos que esses interesses são contrários a ordem jurídica atual.
Não cabe falar de “sujeito de direitos” ou “cidadão” em uma realidade na qual o
poder do direito nega e aniquila a qualidade mais básica do “sujeito”, a vida. Não existem
civis quando o estado de exceção está decretado e as execuções são recorrentes.
Se vivemos sob um direito de exceção, evidente que há situações onde “não
cidadão” deve ir contra esta ordem, às vezes devolvendo à força a violência perpetuada
pelos órgãos oficiais, particularmente contra aqueles que criam o direito na prática,
sobretudo quando estes querem lhe matar. Não é novidade.
Assumimos uma visão socialista, reconhecendo a existência de uma guerra civil
(não) declarada no país (TADDEO, 2016) e também seu reflexo jurídico, o direito de
exceção, com exemplo notável nos massacres realizado pelas armas do Estado
Democrático de Direito. Visualizar essa realidade pode ser uma útil tática para o combate
contra o sistema de exploração e concentração de renda no Brasil, sendo profunda sua
relação com o direito vigente e sua violência, que se agrava a cada dia.

CONCLUSÕES
Tomando a responsabilidade de assumir uma postura dialético-revolucionária e
seguindo a tarefa proposta por Walter Benjamin em sua Oitava Tese sobre a História.

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Acreditamos que a denúncia da existência real de um estado de exceção para virtualmente
todos os oprimidos pelo sistema econômico de exploração vigente no Brasil reforça a
necessidade de se assumir uma posição revolucionária. O horizonte é de ruptura e
enfrentamento contra este sistema econômico e ações governamentais que visam à
manutenção e a perpetuação das desigualdades sociais existentes, utilizando inclusive
de práticas que dariam inveja a qualquer projeto histórico de extermínio realizado por
grupos vinculados ao fascismo histórico do século XX.
A ação direta deve ser pensada e teorizada contra um sistema que faz a maioria
viver dentro de um campo de concentração moderno, correndo sempre os riscos de terem
seus direitos negados nas mais amplas e simples esferas, sem qualquer notícia de que a
Constituição ou as leis escritas qualquer dia fizeram sentido em sua vida real.
De fato, a democracia brasileira no capitalismo contemporâneo produz uma guerra
civil dentro de suas fluídas fronteiras, e a sociedade sofre a violência ilegítima praticada
pelo Estado Democrático de Direito sob diversos modos, inclusive sob a forma de um
extermínio sistemático, restando expostos sangrentos massacres de classe que
perpassam a relação entre direito vigente, a ordem constituída e a violência policial.

REFERÊNCIAS
BENJAMIN, W. Escritos sobre mito e linguagem (1915-1921). São Paulo: Duas Cidades/ Ed.
34. 2011.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA
PÚBLICA. Atlas da violência, 2019. Brasília/Rio de Janeiro/ São Paulo: Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2019
LENIN, V. I. O Estado e a revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do
proletariado na revolução. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
MÃES DE MAIO. Do Luto à Luta. São Paulo: Giramundo Artes Gráficas, 2011.
MARX, K. O Capital – Crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Editora Nova Cultural,
1996.
PACHUKANIS, E. Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo, 2017.
REDAÇÃO RBA. Polícia mata mais e morre menos, conclui levantamento sobre segurança
pública. Rede Brasil Atual, 2019. Disponível em: <https://www.redebrasilatual.com.br

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/cidadania/2019/04/policia-mata-mais-e-morre-menos-conclui-levantamento-sobre-
seguranca-publica/> Acesso em 3 de julho de 2020.
TADDEO, E. A Guerra não declarada na visão de um favelado. Vol II. São Paulo: Carlos
Eduardo Taddeo, 2016.
VASQUES, T. O genocídio como atividade essencial do Estado. Blog da Boitempo, 2019.
Disponível em: <https://blogdaboitempo.com.br/2020/06/15/o-genocidio-como-
atividade-essencial-do-estado/> Acesso em 3 de julho de 2020.

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